Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 1
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Bem-vindos a mais uma história...dessa vez, pasmem, não será uma long-fic. Sim, essa história será relativamente curta (ou seja, você vai poder ler sem desistir no meio, como a maioria dos leitores faz nas minhas outras histórias). Deve ter no máximo dez capítulos, mas, por outro lado, espero que seja uma história que faça os leitores refletirem um pouco (para variar). Aviso que essa história não terá tanta ação e reviravolta como as outras...mas talvez seja a história que mais valha a pena ler de todas que eu já escrevi.
Boa leitura ^^



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Capítulo 01 - Insatisfação

  Santa Ágata era uma cidade do interior em início de desenvolvimento. Após a aquisição de algumas indústrias, mais comércio e mais funcionários sendo contratados chegou a hora do município adquirir uma universidade. A Universidade de Santa Ágata já completaria três anos de amplo investimento do governo para a formação de engenheiros, químicos, veterinários e agrônomos. Uma oportunidade excelente para jovens estudantes cheios de sonhos e ansiosos para um ingressarem em um futuro promissor. João Remos, um rapaz relativamente alto, cabelos curtos e lisos, magro e de roupas simples era um dos ingressantes da universidade daquele ano. No entanto, não seria muito correto incluí-lo na lista de jovens estudantes cheios de sonhos. Na verdade, João não sabia muito bem se ali era o seu lugar ou não.

  João morava sozinho, em um apartamento barato da cidade. Seus pais tinham boas condições financeiras e podiam financiar os estudos dele, talvez até a formatura, ou talvez até a pós-graduação. A intenção deles era ver seu filho um doutor. Infelizmente, João não teve coragem de dizer que não queria ir quando passou naquela prova. Foi o único vestibular para o qual ele passou e seus pais queriam muito que ele fosse uma pessoa bem-sucedida. "Engenharia sempre dá futuro", falou sua mãe. João não discordava. Era uma carreira promissora, ainda mais em uma cidade nova como aquela. Mesmo assim, João não se sentia muito à vontade com seu curso. Não era o conteúdo do curso em si. Ele conseguia acompanhar razoavelmente as matérias de sua grade inicial de Engenharia Química. Nunca fora um gênio em exatas, mas conseguia se virar. O problema é que, mesmo tendo facilidade, faltava algum tempero em tudo aquilo. Resumindo: João não se sentia bem naquele lugar. O problema não era a nova cidade ou o novo curso em especial, o problema era tudo aquilo e mais um pouco. A grande verdade era que João não sabia exatamente o queria fazer da vida. Escolheu aquele curso simplesmente porque sua família e colegas de classe achavam que daria um bom futuro, mas ele não sabia exatamente se era aquilo que queria. Deveria estar feliz, como muitos de seus colegas do primeiro ano, mas não a verdade não era aquela. Ele se sentia insatisfeito, não queria estar ali. Não sabia onde gostaria de estar, mas não gostaria de estar ali.

  Após mais um dia de aula, João arrumou suas coisas lentamente, suspirou e olhou pela janela o mundo lá fora. A nova cidade ainda tinha bastante verde, apesar da industrialização recente. Como naquele dia não tinha aulas à tarde, resolveu comer qualquer lanche como almoço e caminhar pelas ruas, buscando refletir sobre sua vida. Seus pais estavam longe, sustentando seus estudos, mas como ele poderia dizer que não estava feliz ali? Depois de toda a alegria que seus pais mostraram com sua aprovação? Não seria uma conversa fácil. Mas a situação piorava a cada dia. Já era o fim do primeiro semestre e João levantava todos os dias, indo para às aulas se arrastando. Não tinha nenhuma motivação para continuar ali. Mesmo assim, não tinha coragem de dizer aos pais para desistir. Talvez fosse uma fase, logo passaria e ele começaria a perceber o que sua nova vida tinha de bom. Mas até agora, não havia nada que pudesse motivá-lo.

  João andou mais um pouco e parou em uma ponte sob a qual corria um riacho de água surpreendentemente limpa para os dias atuais. Algum pensador antigo dizia que não se podia entrar duas vezes pelo mesmo rio, pois na segunda vez nem você seria mais o mesmo e nem o rio seria mais o mesmo. As coisas mudam. Tudo na vida muda. Anos atrás, ele era apenas uma criança, cuja única obrigação era ir para a escola e se divertir. Mesmo a escola, que muitos consideravam chata, era divertida olhando agora. Por que só percebemos o quanto as coisas são boas depois que elas passam? Por que o passado sempre parece mais colorido do que o presente? Se as crianças soubesse o quanto o futuro será chato, não teriam tanta pressa de crescer. E João sabia que ainda nem havia começado as durezas da vida adulta. Ele ainda não precisava se preocupar com as próprias contas, seus pais ainda o ajudavam em muita coisa, mas ele sabia perfeitamente que isso não duraria para sempre. Um dia ele teria que arranjar seu próprio trabalho e pagar suas próprias contas. Responsabilidades. Isso era o que separava a infância da vida adulta. Ser responsável por seus próprios atos e escolhas. Escolhas. E quando você faz escolhas erradas?

  A vontade de João era começar de novo. Queria entrar em algum outro curso ou fazer alguma outra coisa, mas não sabia o quê. Não tinha a menor ideia. Tantas opções, tantas possibilidades. Seus colegas de classe da escola, de uma forma geral, sabiam o que queriam quando prestaram suas provas. Na verdade, alguns ainda não tinham muita ideia, mas tinha uma certa noção do que queriam e do que não queriam. Já João não tinha a menor ideia nem do que queria e nem do que não queria. Ele simplesmente não tinha um norte, não tinha um sonho, como dizem tanto por aí. 

  "Será que precisamos mesmo de um sonho?", pensou ele, enquanto colocava as mãos nos bolsos de seus jeans surrados e retomava sua caminhada. Correr atrás de um sonho era uma mensagem comum na sociedade, mas será que era incomum não ter um sonho? Mas parando pra pensar era estranho. Todos precisam ter algum caminho para seguir, um sentido para sua própria vida. João não sabia qual era esse sentido. As pessoas escolhem o que gostam porque sabem o quanto a vida adulta é chata e difícil. Ter prazer no trabalho é fundamental para o estresse e a insatisfação não tomassem conta. E quanto a insatisfação começava a tomar conta antes mesmo de começar uma vida adulta de verdade? Era isso que João sentia, uma insatisfação total. Ele só se levantava toda manhã para a aula porque não queria que o investimento de seus pais fosse em vão. Se dependesse dele, já teria faltado todos os dias.

  Mas será que não seria a mesma coisa se tivesse escolhido outro curso? Outra carreira? Se ele não sabia o queria, como poderia saber se não seria o mesmo em outra faculdade? Em outra cidade? Em outro curso? Talvez todas as opções dessem a mesma sensação de vazio. "O que, afinal, temos que fazer nessa vida?", perguntava-se João.

  Após alguns minutos de caminhada, ele encontrou um banco, próximo a um trailer de lanches. Não estava com fome, mas decidiu comprar uma garrafa de água. Tomou bons goles dela e suspirou. Matar a sede era mesmo muito bom. No entanto, ele ainda tinha uma sede que não era de água, uma fome que não era de comida. João ficou ali sentado por mais alguns instante, querendo que o tempo não passasse. Infelizmente, uma hora ele teria que ir para casa e estudar para a prova do dia seguinte. Seu curso continuaria e ele não tinha coragem de se revoltar contra isso. Parecia uma condenação.

- Aaaah! - exclamou um senhor que sentou-se ao seu lado. Tinha roupas velhas e sujas de tinta. Usava um boné com o número de algum político antigo, tão velho e surrado quanto à roupa. Quantos anos deveria ter aquele senhor? E por quantos anos será que estava trabalhando? Será que ele estava satisfeito com o seu trabalho? João não sabia, mas ele teria aquelas respostas logo.

 Aquele velhinho fechou os olhos, abriu a garrafa de água que havia comprado, também tomou bons goles e sorriu satisfeito.

- Nada melhor que água pra matar a sede, né? - disse ele sorrindo.

 João apenas concordou com a cabeça. Parecia ser um senhor falante. Ele tirou o boné, mexeu nos poucos cabelos que tinha e continuou:

- Hoje tá bem quente. O serviço cansa bem mais.

- O senhor trabalha aqui perto? - perguntou João, sem muita empolgação, mas desejoso de ter alguém para conversar.

- Trabalho. Trabalho sim - disse ele - Trabalho em uma construção aqui perto. Sou pedreiro há mais de cinquenta anos. Comecei como ajudante do meu pai, quando tinha dezesseis anos e continuei até hoje.

- Então o senhor tem...uns sessenta e seis anos?

- Sessenta e nove - disse ele - Já ajudei a construir muita coisa nessa cidade. Hoje em dia ela nem parece o que era antes. 

 João ficou em silêncio por alguns instantes. Aquele velhinho pareceu ter se simpatizado com ele.

- E você faz o quê?

- Estudo na universidade - respondeu João.

- Ah, bom, bom. Eu não tive a oportunidade de estudar, não. Fiz alguma coisa do primário e já comecei a trabalhar. A moçada de hoje tem sorte de poder estudar.

 João concordava. Ele tinha mesmo muita sorte. Mas como poderia aproveitar a sorte que tinha? Não sabia se era aquele seu caminho, se era aquilo mesmo que desejava. Sentiu-se mal de ter uma oportunidade e não saber usá-la. Aquilo o deixou ainda mais preocupado.

- É verdade...sorte - concordou João - Mas...não sei se eu estou fazendo mesmo o que eu quero.

- Bom, não sei se ser pedreiro era o que eu queria. Mas era o que eu precisava. Se pudesse, teria feito outra coisa. Sei lá...vejo tanto médico, advogado por aí...cada trabalho bonito. Queria alguma coisa assim...

 De novo, aquilo fez João refletir. Ele realmente precisava continuar naquilo que não estava gostando e nem fazendo direito? Talvez ele tivesse a chance de recomeçar enquanto desse tempo. Talvez ele tivesse a chance de tomar coragem e fazer uma outra escolha. Ainda haveria uma chance de começar de novo? 

- Mas...se você não gosta do que faz e não precisa, sei lá. Eu precisava trabalhar como pedreiro, mas...no fim, acabei tomando gosto por esse trabalho. Será que você não toma gosto pelo que você faz algum dia?

- É...quem sabe.

- Bom..deixa eu voltá pra minha obra - falou o velhinho - Boa sorte aí.

- Obrigado - disse João, embora ainda estivesse em dúvidas sobre o que iria fazer. Por enquanto, ele apenas jogou a garrafa no lixo e tomou o caminho para o seu apartamento. Afinal, ainda tinha uma prova no dia seguinte, mesmo que fosse para um curso que não gostava.


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