Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 3
Capítulo 03




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Capítulo 03 - Frustração

No dia seguinte, após mais um dia de aulas se findar, João pegou lentamente suas coisas e preparava-se para sair da sala. Mais uma vez, ao passar costumeiramente pelo corredor do portão principal do prédio, viu mais uma vez seu colega de sala entregando aqueles panfletos. Sim, João ainda se lembrava da festa que haveria no fim de semana, mas Renan fez questão de relembrá-lo.

- Fala, João! A festa esse sabadão ainda tá de pé, né?

- Ah, claro - foi o que João respondeu, embora não muito animado.

- Aparece lá. Minha banda ainda tá no começo, a gente precisa muito de apoio.

- Tá legal. Eu apareço.

- Valeu, cara. Abraço - e ele correu para distribuir mais panfletos. João apenas suspirou e continuou andando. O rapaz já havia entregado seu relatório de física, feito aquela prova e, agora, tinha as tardes um pouco mais livres. Decidiu passar mais uma vez naquele mesmo local onde se encontrou com o senhor José, aquele velho pedreiro, que sempre aparecia ali para tomar uma água. Será que ele estaria ali mais uma vez? A resposta foi sim.

- Opa. Se não é meu amigo de água? - disse o senhor com um sorriso no rosto e com uma garrafa de água em mãos.

- Boa tarde, seu Zé - disse João, de forma afetuosa, depois de também comprar sua própria garrafa - Como passou de ontem?

- Bem, bem, graças a Deus - disse ele - A obra tá caminhando bem. E o senhor? Estudando muito?

- Terminei de entregar um trabalho hoje - respondeu João - Hoje estou com um pouco mais de folga.

- Merecido, aposto - disse seu Zé - Ai, ai, daqui a uns anos você já vai ser doutor, heim?

- Não sei. Ainda não sei se é bem essa profissão que eu quero.

- Você tá pensando em fazer o quê?

- Aí é que está. Eu não tenho ideia. Essa faculdade é um bom curso, dá dinheiro, mas...mas...eu não gosto do ambiente. Não era bem isso que eu estava esperando.

- Eu acho que todo mundo tem algum dom - falou seu Zé, olhando para o horizonte. Apesar de sua simplicidade, tinha uma fala bastante mansa e uma aparência sábia - Um dia você acha o seu. Você tem cara de ser inteligente, acho que consegue fazer qualquer coisa.

- Qualquer coisa? Não sei...

- É só achar seu dom, rapaz. Todo mundo tem um. Todo mundo pode fazer alguma coisa pelo mundo - continuou seu Zé - Todo mundo pode fazer o bem.

Era um discurso simples, mas João concordava. Como ele poderia fazer algum bem para o mundo trabalhando em algo que detestava? Se ele não estivesse bem com sua profissão, certamente não faria seu trabalho bem. Quantos erros médicos aconteciam por aí por conta de pessoas que não estão na profissão certa? Que escolheram aquele caminho por pressão? Ou quantos advogados ruins existiam por quem seguiu direito porque os pais também eram advogados? João não queria ser mais um desses. Ele queria achar seu lugar no mundo, achar uma profissão que o realizasse. Gostaria de ter mais tempo para pensar sobre isso, mas a sociedade exigia cada vez mais resultados rápidos.

- Espero que eu ache o meu dom logo - falou João.

- Pode demorar - disse seu Zé - Tem gente que passa a vida sem achar, ou talvez estava bem ali do lado e não perceberam.

- Espero que eu perceba...o tempo está passando...

- Você ainda é novo - falou seu Zé - Ainda tem bastante tempo.

Pode ser, mas João ainda estava ansioso. Depois dessa conversa habitual, ele se levantou, continuou andando e passeando pela cidade. Poderia aproveitar a tarde livre para visitar lugares novos. A cidade era bem pequena. Bastava pegar uma linha de ônibus para andar por todo o município. João pegou um desses ônibus e desceu em um ponto qualquer. Sabia como voltar, então, podia aproveitar o tempo para visitar lugares inéditos. Passou pelo sebo com livros antigos, pelas lojas que cresciam lentamente com o passar dos anos e, por fim, em um bar relativamente grande, com várias pessoas conversando. Dentre essas pessoas, podia ver alguns alunos da faculdade, rindo e se divertindo, satisfeitos com o rumo de suas vidas. Mais pessoas para João sentir inveja. Por sorte, não conhecia nenhum deles. João procurou alguma mesa vaga, sentou-se ali e pediu um salgado qualquer. Não estava com muita fome, queria apenas passar o tempo e pensar no que fazer. Aquela era a última mesa vaga, de modo que uma outra pessoa teria que dividir lugar caso quisesse se sentar. João não imaginava que justo a mesa dele seria uma dessas.

- Com licença..tem alguém aqui? - perguntou um homem bem vestido, devia ter mais de 40 anos, usava terno, gravata e sapatos bem engraxados. Devia ser algum empresário.

- Fique à vontade. Eu já estou saindo - disse João.

- Não se incomode. Eu só quero me sentar e tomar alguma coisa. Sempre venho nesse bar quando tenho alguma folga do trabalho.

O homem pediu uma cerveja assim que o salgado de João chegou. Quando o rapaz estava saindo, o homem puxou conversa.

- Você é estudante?

- Sim, sou - falou João.

- Ah, eu lembro dessa época. Foi há vários anos, quando entrei na faculdade de economia lá em São Paulo. Você faz o quê?

- Engenharia Química - respondeu ele.

- É. É uma boa carreira...sempre precisam de engenheiros - disse ele - Eu trabalho como analista de vendas no supermercado aqui do centro. Eu já me acostumei com o trabalho, apesar de ser estressante de vez em quando.

- Estressante?

- Sim. Mas...não é bem o que eu sonhava pra mim.

Agora quela conversa começou a despertar o interesse de João. Aquele homem tão apresentável parecia...insatisfeito com algo. O que seria?

- O senhor...queria ser o quê?

- Sempre sonhei em ser médico - disse ele - Salvar vidas, estudar o corpo humano, ver as pessoas curadas. Mas eu nunca consegui passar no vestibular. Meus pais não ganhavam muito e eu precisava começar a trabalhar logo. Acabei me contentando com economia.

- O senhor não quis tentar medicina mais tarde?

- E dava? Acabei aceitando fazer a faculdade e me tornei pai cedo demais. Como as despesas aumentaram, tive que me enfiar cada vez mais no trabalho. Hoje, pelo que fiquei sabendo, meu filho entrou na carreira de informática.

- Pelo que ficou sabendo? Como assim?

- Eu também me separei cedo. Eu não entendia muito bem de família, acabei me envolvendo em alguns rolos. No fim, minha mulher se separou de mim e ficou com o nosso filho. Eu sempre o visito, mas ele mesmo não gosta muito de mim...ou não se sente muito bem comigo. Mas não o culpo. Eu sempre trabalhei tanto que sequer dava muita atenção para ele.

- Entendo...

- Se eu pudesse voltar atrás, faria diferente - contava o homem, cada vez mais emocionado - Teria dado mais atenção ao meu filho...ou talvez, trabalhado menos...ou talvez estudado mais e tentado medicina, mesmo com todas as dificuldades. Mas eu fui covarde. Achei que não conseguiria. Foi por não querer lutar que agora eu estou assim.

João se sensibilizou com aquela história. Aquele homem tinha um sonho, mas acabou fazendo escolhas diferentes. Várias coisas aconteceram e vários fatores o afastaram cada mais de seu sonho inicial. Nesse ponto, João tinha alguns privilégios. Ele ainda podia voltar atrás. Não tinha filhos (sequer teve algum relacionamento sério com garotas em toda a sua vida) e não tinha que trabalhar para ajudar sua família. O problema é que João não sabia o que fazer, enquanto aquele homem já teve um sonho antes.

- Dizem que sempre podemos voltar atrás...mas eu não acredito muito nisso.

- Como assim?

- Eu já tenho 45 anos - disse o homem, já tomando a cerveja que havia chegado - Já estou ficando velho e não tenho mais o mesmo pique de antes. Não posso simplesmente abandonar tudo e tentar medicina de novo. Se para pessoas jovens já é difícil, imagine para alguém como eu?

- Mas o senhor já tem uma boa bagagem de vida. Isso não ajuda? Não sei..pelo menos em matemática o senhor consegue ganhar alguma coisa e..

- Não. Eu estou enferrujado. Depois de ter me formado, me dediquei apenas ao meu trabalho. Tem muita coisa e muito detalhe que não lembro - ele passava as mãos pelo rosto, reconhecendo sua frustração - O meu tempo já passou. Agora só posso trabalhar e ganhar meu dinheiro. Eu ganho o suficiente para viver bem, mas...mas...não era o que eu queria.

Sem dúvida era uma frustração. João agora sentia ainda mais o peso de fazer algo que não gostava. Aquele homem, bem sucedido profissionalmente, mas emocionalmente frustrado, seria o seu eu do futuro se ele não tomasse uma decisão logo. O que poderia fazer? O que poderia escolher?

- Mas e você? - perguntou o homem - Está gostando do seu curso?

- Bem, eu...eu...não muito - reconheceu João - Eu ainda não sei o que quero.

- Entendo. Mas você ainda está jovem para recomeçar. Aproveite. Aproveite enquanto ainda pode mudar sua escolha. Em que ano você está?

- Comecei o primeiro ano há poucos meses.

- Pensa bem. Pensa muito bem se vale a pena continuar em algo que não está gostando. Pode ser difícil mudar e escolher outra coisa, mas é muito mais fácil fazer isso agora do que depois. Falo por experiência própria.

Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes. João via um carro passar na rua, os clientes rindo, os funcionários trabalhando no bar e aquele homem na sua frente terminando sua bebida, com uma cara cansada e certamente frustrada. Ele precisava mesmo pensar na sua vida.

- Eu...eu já estou indo. Foi um prazer - disse João.

- Você nem me disse o seu nome - falou o homem.

- João. E o senhor é?

- Afonso - respondeu ele - Costumo vir aqui quando quero dar uma escapada do serviço, mas daqui a pouco já preciso voltar pra lá.

E ele suspirou com lamentação após essa última frase. Frustração. Aquele homem tinha uma visão pessimista, mas de certa forma ele tinha razão quanto a não demorar para encontrar seu caminho. O problema é que João ainda não tinha ideia desse caminho. O que poderia fazer?

O rapaz saiu do bar, pegou o ônibus e voltou para casa. Na viagem, continuou a pensar em todas as conversas que teve. Precisava achar um sonho. Mas procurar por esse sonho estava se tornando uma busca cada vez mais difícil. O que fazer?

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