O Legado - Nova Ordem escrita por Nessan C


Capítulo 11
[EXTRA] Sombras de um Passado


Notas iniciais do capítulo

SIM, UM EXTRA!
Resolvi postar até para matar a curiosidade de quem ainda estava esperando os capítulos saírem!
Esta é uma cena extra que escrevi muito antes do capítulo 9. Ela pode ser lida junto com a história ou não. É totalmente tendenciosa para uma personagem sim, mas eu nem planjeva postá-la. Mas acabei gostando tanto que não resisti.
A cena se passa entre o o evento da clareira e a despedida do capítulo 9.
Boa leitura!



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Tudo em Ellesméra reluzia. Mesmo que a copa das árvores impedisse a visão do céu estrelado, a cidade cintilava como se vários diamantes estivessem encrustados nas paredes das árvores. O som suave de uma flauta escorria pelo ambiente, como não visse de lugar algum. Esferas de luz de diversas cores flutuavam displicentes por entre os troncos, girando, subindo e descendo sem se importar com que vinha no caminho. Havia também esferas ainda menores, mas todas na cor branca, que dançavam entre as folhas dos galhos e soltavam pequenas risadinhas como se a vida fosse uma piada.

Ismira estava encantada. A cidade dos elfos era ainda mais bela à noite, ela constatava enquanto explorava os seus corredores de árvores. Quanto mais andava mais sentia a estranheza de já ter percorrido aqueles corredores. As formas dos galhos, as sombras das folhas, a disposição das pedras: tudo aquilo se acendia como borrões em sua mente, parecia que nada havia mudado de lugar, como se o tempo em Ellesméra tivesse parado desde a época que ela recordava.

Tudo era tão estranho e tão familiar que a assustava. Quando poderia ter estado na cidade dos elfos, em outra vida talvez? Era ridículo este pensamento, ela sabia que não pertencia a este lugar. Mas sabia que já o conhecia de alguma maneira.

O som de sussurros quebrou a música que embalava a floresta. Ao contrário do som da flauta que ela não fazia a mínima ideia de onde vinha, os sussurros eram presentes e tinham uma direção certa. Ismira tomou o caminho para segui-los, mas por um momento parou, relutante. Estava em uma cidade desconhecida, habitada por uma raça diferente dela; seria tolice xeretar criaturas tão misteriosas e imprevisíveis como os elfos. Desejou que Dimith estivesse ao seu lado, o deixou descansado depois de se empanturrar de comida no banquete no palácio. Tornou-se muito dependente do seu companheiro desde que saíram de Carvahall. Estava quase desistindo quando os sussurros se tornaram mais altos. A sua curiosidade natural, somada ao instinto desconfiado herdado do pai, ela voltou para a trilha dos sussurros.

Tentando fazer o mínimo de barulho possível ao andar, ela se aproximou da origem dos sussurros. Posicionou-se atrás de um tronco antes que pudesse ver os rostos de que falava. Alarmou-se eu perceber que a conversa se passava em sua língua, algo raro naquela cidade, apesar de sempre que se referiam a ela ou aos outros cavaleiros sempre se falava na língua comum dos homens.

- Você sabe que eu não posso permitir isto. – disse uma voz controlada, perturbadoramente conhecida.

- Está me torturando! Isto é pior que qualquer castigo que ele poderia me condenar! – a segunda voz respondeu, nitidamente mostrando o seu sofrimento ao proferir suas palavras.

- Não há nada que eu posso fazer para reverter isto. Perdoe-me. – a primeira voz conhecida voltou a dizer, com uma frieza cortante para esta situação.

Ismira já sabia o dono da primeira voz, mas deu um passo a frente para tirar a prova.

Não se espantou ao ver o estranho elfo com a pele coberta de pelos negros como a noite e expressões ferinas ameaçadoras. Blödgharm tinha a postura ereta e olhava com seu ar crítico e sério para o pobre homem que lamentava ao seu lado. O homem, por sua vez, Ismira não conhecia – apesar de suas feições não lhe serem completamente estranhas. Era um velho, com a pele enrugada e descolada da pouca carne do seu corpo – que era quase todo formado somente pelos seus ossos fracos. O rosto era cansado, com enormes bolsas escuras embaixo dos seus olhos assustadoramente azuis e desfocados. Sentava-se num banco de pedra embaixo de uma árvore com folhas amarelas onde a luz batia de maneira diferente, as pernas largadas sem força, e vestia trajes élficos apesar de ser obviamente humano. Respirava com dificuldade, sentido dor a cada suspiro. Mas algo nele perturbava Ismira, algo por trás de sua pele enrugada a recordava algo que jamais deveria ter sido escondido.

Sentiu ainda mais relutância em continuar ouvindo a conversa, mas não se moveu.

- Por que a trouxeram aqui? Para me torturar, foi isso? – o velho perguntou, tirando uma força desconhecida para berrar aquelas palavras tão vigorosamente.

- Faz parte da sua missão. – ele respondeu com a sua habitual frieza.

Não sabiam sobre quem ou o que falavam, mas a frieza de Blödgharm a incomodou. A sua vontade era interferir na conversa por tratar o velho miserável com maior consideração pela dor que sentia. Mas sabia que nada a tinha a ver com esta história, não faz sentido em intervir em assuntos que não lhe tinham respeito.

- Primeiro Katrina... e agora Ismira. Quando deixarão que eu definhe em paz? – disse com a voz arrastada e sôfrega, carregada com uma agonia de seu passado.

Mas não foi o seu tom repleto de dor que deixou a cavaleira alarmada.

Ele a conhecia. Conhecia a ela e sua mãe. Tinha certeza que era a ela que o velho se referia, por isso sufocou um gritinho quando ouviu os seus nomes serem proferidos. Mas desta vez não pôde se conter. Ignorando toda a relutância que continha antes de ouvir o seu nome, ela saiu de trás do tronco que a escondia, se deixando as vistas dos dois homens que conversavam no banco de pedra.

– Ismira... – Blödgharm começou, mas o seu tom não era de repreensão como sempre, soava com um lamento. Como se ela não deveria ter assistido àquela cena.

Ismira se aproximou lentamente, temerosa e assustada com aquele estranho homem que agora a olhava com os olhos tão arregalados quanto possível. O seu queixo estava caído, mas nada sabia de sua boca. O seu corpo fraco tremia inteiro, e ele parecia sentir mais dor à cada passo que ela avançava.

– Como... – ela tentou começar, mas de repente a sua garganta travou. Tentou mais uma vez. – Como ele sabe o meu nome e de minha mãe?

O homem não se movia do banco de pedra, apesar de ainda tremer da cabeça aos pés. A sua boca aberta sufocava um grito – ou um lamento – e os seus olhos não desviavam dela. Contudo, não lhe respondeu. Blödgharm tomou novamente a palavra.

– Ismira. – disse mais calmamente desta vez, controlando as emoções em seu tom de voz – Você não deveria tê-lo visto.

– Por quê? – ela perguntou desta vez virando-se para o elfo, visto que o homem não a responderia – Quem é ele e por que não posso vê-lo?

– É complicado. – ele tentou começar, um pouco constrangido por ter sido flagrado.

– Quem é você? – ela virou-se novamente para o velho. – Por que não me responde?

Os olhos do velho estavam inquietos. Agora eles a encaravam com tamanha intensidade e emoção que estava a ponto de lacrimejar. Ele não falava, mas pela expressão dos seus olhos ela via como sufocava a dor que lhe era proibido exprimir.

– Porque ele não pode. – Blödgharm respondeu novamente como um lamento. Ismira se virou para o elfo de feições ferinas e o encarou, esperando uma resposta.

Algo na expressão de Ismira o fez tomar a sua decisão. Não tocava a sua mente, mas sabia que a garota estava com um turbilhão de pensamentos e emoções. Por isso foi suspirando e sentindo-se derrotado que ele se virou novamente para o velho e lhe disse:

– Sloan. – proferiu o seu nome pela primeira vez. – Preciso conversar com Ismira.

Incrivelmente o seu tom não saiu autoritário, mas cordial. Sloan estava relutante, mas não titubeou e o obedeceu. Levantou do banco de pedra com suas pernas fracas, o que Ismira achou um feito incrível visto a fragilidade do seu corpo, e saiu andando por entre as árvores sem lhe lançar um segundo olhar – parecia um condenado indo para a forca. Ela suprimiu a pena de vontade de chorar pela cena, mas se conteve e virou-se novamente para o elfo.

O seu mestre era um homem decidido. Nunca oscilava em suas decisões e sempre mantinha os sentimentos distantes do que quer que fosse que estivesse fazendo – isto se ele tivesse algum sentimento, ela desconfiava. Mas desta vez algo estava errado. Ele hesitava em encará-la, como se estivesse fazendo algo errado e contra seus princípios naturais.

Como se quebrasse um segredo.

Ismira ficava cada vez mais nervosa e curiosa, mas não o apressou. Ela ecoava o nome do velho em sua mente. Ela sabia exatamente de onde ouvira aquele nome, mas se recusava a acreditar. Não podia ser verdade. Era impossível.

– Sloan. – ela deixou escapar por entre os seus lábios.

Blödgharm finalmente reiniciou a conversa:

– Você já ouviu este nome. – foi uma afirmação.

– Já. – ela concordou, agora encarando o chão.

Ela ouviu Blödgharm suspirar enquanto encarava o chão de folhas sob seus pés. Temia o que poderia ser proferido, mas queria a verdade.

– Aquele pobre homem – ele começou – é Sloan, pai de sua mãe. Seu avô.

A confirmação caiu como uma pedra em sua cabeça. Ela sabia que era impossível, conhecia a história do seu avô. Mas algo lhe dizia que o elfo dizia a verdade, mesmo que suas palavras não terem sido na língua antiga. Ela sabia de alguma forma que ele não estava mentindo.

– É impossível. – ela disse mesmo desacreditada em suas próprias faladas.

– Não é. – ele retrucou.

– É impossível! – ela repetiu, desta vez gritando e fazendo questão de encarar o elfo nos olhos. Eles não a enganavam, Blödgharm dizia a verdade. – Meus dois avôs estão mortos! Mortos pelo Império!

– Sloan não morreu durante a guerra contra o Império. Eragon o salvou.

– Você quer dizer que meus pais mentiram para mim? – ela perguntou sentindo os seus olhos arderem com as lágrimas que estavam por vir. A frustração de imaginar que seus pais a enganaram se aflorando.

– Não! – ele respondeu rapidamente, mas logo em seguida se conteve voltando à postura fria – Seus pais não mentiram para você, Ismira. Eles pensam que Sloan realmente está morto.

– Mas não está. – ela retrucou com um veneno atípico em seu tom.

– Não. – ele reafirmou – O passado de Sloan é nebuloso e tortuoso, com coisas das quais ele se arrepende amargamente. Sloan se tortura e não consegue ficar em paz consigo mesmo nestes dezoito anos que tem morado na terra dos elfos. Eragon, ao salvá-lo, optou por deixa-lo escondido de sua família para não causar mais sofrimento. Você tem certeza que quer saber o por quê de Sloan não poder lhe responder?

Ismira cerrou os punhos com força. Seja lá qual fosse o motivo daquilo tudo poderia lhe causar sofrimento, mas ela tinha que saber de qualquer forma. Não poderia ignorar a verdade bem diante dos seus olhos.

– Quero. – ela disse simplesmente.

Com um novo suspiro, Blödgharm começou o seu relato calmamente:

– Durante a Guerra contra o Império, criaturas chamadas Ra’zac invadiram o então vilarejo de Carvahall. O seu pai, Roran, ajudou a vila a combater e fugir destas terríveis criaturas. Porém, Sloan, que nunca fora a favor do casamente de sua mãe Katrina com Roran, ele a deserdou da família e os traiu, matando uma das sentinelas da cidade permitindo que invadissem a vila. O seu pai e os aldeões tentaram combater as forças do Império, mas infelizmente Lady Katrina fora sequestrada pelos Ra’zac e levada para Helgrind, vendida por Sloan que nutria profundo ódio por Roran.

Ismira ouvia tudo atentamente. Até esta parte da história ela já tinha conhecimento. O seu pai contava como fora a sua aventura de Carvahall à Surda e como salvara a sua mãe das criaturas malignas de Galbatorix. Mas não questionou o prosseguiu ouvindo.

– Os aldeões de Carvahall conseguiram fugir, porém Sloan não os acompanhou. Roran os guiou até o reino de Surda e lá se reencontrou com Eragon e Saphira. Depois disto, eles seguiram até Helgrind, em Dras-Leona, para tentar resgatar Lady Katrina. Apesar de enfrentarem uma difícil batalha contra as criaturas Lerthblaka, Roran conseguiu resgatar Katrina.

Ismira continuou ouvindo, ainda reconhecendo a história contada pelo pai.

– Eragon lhe contou que Sloan havia morrido nas mãos da criatura. Mas ele não morreu. Eragon o encontrou cego numa das cavernas escuras de Helgrind. Porém, Eragon descobriu o verdadeiro nome de Sloan na língua antiga; e como punição pelo sofrimento que ele havia causado, o ordenou que andasse até a terra dos elfos e jamais se dirigisse à Katrina novamente.

Finalmente Ismira viu-se surpresa com o seu relato. Pelo que sabia, o seu avô havia morrido quando se pai resgatou a sua mãe. A notícia que seu tio Eragon ocultara o fato de ele ainda estar vivo e – pior – isolá-lo da sua família a deixou enfurecida. Mas antes que pudesse exprimir a sua raiva, Blödgharm prosseguiu:

– Vocês nasceu após a guerra contra o Império terminar. Eragon decidiu tomar o seu caminho para as terras além de Alagaësia, mas antes disso os seus pais decidiram acompanha-lo até Du Weldenvarden antes que partisse. Você ainda era um bebê, mas foi trazida também para Ellesméra.

Mais um clarão de compreensão se fez em sua mente. Seria esta a razão pela qual tinha a sensação de já ter andando por esta cidade antes? Mesmo sendo apenas um bebê quando estivera na terra dos elfos, ela era capaz de reconhecer alguns cheiros e sons, numa sensação de deja vu. Era tão estranho pensar que já estivera em Ellesméra e conhecera de fato o seu tio Eragon.

Mas estes pensamentos foram nublados quando lembrou-se de Sloan.

– Mas por que ele não pode falar comigo? – ela perguntou num tom choroso.

– Eragon lançou outro encantamento sobre ele. – Blödgharm prosseguiu – Quando Katrina chegou com você em Ellesméra, Eragon curou os seus olhos para que pudesse enxerga-las, porém proibiu estritamente que ele falasse ou tocasse em vocês, para que nunca soubessem da sua existência. Sloan poderia vê-las, mas somente isto. Ele não poderia deixar a floresta ou se revelar propositalmente, esta foi a sua punição. Mas eu, tampouco Eragon, desconfiaríamos que você, Ismira, um dia pudesse descobrir tudo por si mesma. Eu nunca deveria ter lhe contado este segredo, mas não acho justo que você fique alheia aos eventos que diz a respeito à sua vida. Espero que Eragon um dia possa me perdoar.

Ismira estava estática com a revelação de Blödgharm sobre o seu tio. A cada dia o rancor pelo seu parente ausente só aumentava, e o relato sobre Sloan só alimentava o ódio que vinha sentido desde que constatara que Eragon os abandonara. Por isso, as lágrimas que queria derramar e profunda tristeza por Sloan transformaram-se em revolta ao final do relato de Blödgharm. Rangendo os dentes e com o rosto vermelho em fúria, ela gritou:

– Ele não tinha o direito!

A sua reação assustou Blödgharm, que tinha certeza que Ismira reagiria com saudosismo em relação ao seu avô que nunca conhecera; mas não esperava que a garota gritasse com raiva de Eragon – aquele que salvara a vida de sua mãe.

– Como? – esta foi uma das poucas vezes em toda a sua longa vida élfica que se sentia confuso.

– Eragon não tinha o direito de fazer o que fez! – ela gritou novamente, aproximando-se ameaçadoramente do mestre, canalizando a sua raiva nele.

– Ele fez isto para proteger a você e sua mãe.

– Privando de rever o próprio pai? O meu avô? – disse ainda com a raiva envenenando a sua voz.

– Sloan fez muito mal à sua família, Ismira. Você não entende. Não o conheci o suficiente, mas vi na mente de Eragon todo o sofrimento que ele impôs à Katrina desde que a sua avó morrera. Ele queria privá-la do sofrimento. – o elfo tentou argumentar, mas Ismira já estava convicta da culpa de seu tio na situação. Ela balançou veementemente a cabeça, ignorando as palavras de Blödgharm.

– Não cabia à ele decidir, Blödgharm!– as lágrimas ameaçavam rolar pelo rosto da ruiva, que segurava o máximo possível – Ele o amaldiçoou!

– Eragon tinha o direito. Sloan fez mal tanto à sua família quanto à ele próprio. – retrucou recuperando a postura rígida habitual – Ele mereceu ser punido.

– Eragon condenou a minha família!

– Ele também é a sua família. – o elfo novamente argumentou, mas ela não queria ouvir mais uma palavra se quer. Sabia que não era a culpa do seu mestre e nem a sua obrigação contar este segredo, mas estava tão nublada com a desilusão de seu parente que mal conhecera, mas tinha completa confiança, que não conseguia controlar as suas reações. Num gesto de desespero, ela escondeu o rosto no meio da sua cabeleira ruiva, escondendo as lágrimas que cismavam em brotar. Nunca fora vista chorando por alguém fora de sua família, e não queria ceder a primeira vez. Por isso, ela se afastou a passos largos de Blödgharm, que permaneceu imóvel esperando o seu próximo passo, e finalmente arrancou uma corrida para longe dele, longe de Sloan, longe de seus problemas.


...


Ismira não tinha sono. Também pudera, com tudo o que tinha ouvido naquela noite era impossível pregar os olhos e entregar-se aos sonhos. Ela sabia que as próximas noites seriam de longe tão confortáveis quanto esta, pois no outro dia já iria partir de Ellesméra e cair definitivamente na estrada rumo ao seu aprendizado como cavaleira. Mas nem isto a confortava. Os seus pensamentos rodopiavam e fazia a sua cabeça latejar.

Encontrava a segurança e as respostas para as suas dúvidas com Dimith, seu companheiro de alma. Não compreendia ainda como funcionava o compartilhamento de mentes, só sabia que era assim que se comunicava com o jovem dragão. Era algo natural, como sorrir ou adormecer. E mesmo que Dimith tivesse tão pouco tempo de vida e desconhecesse os preceitos o mundo, agia como um sábio ao aconselhá-lo.

É tudo muito confuso, Dimith. Eu não sei em quem confiar.

Deve confiar no que o seu coração lhe diz. – Ele respondeu com a sua voz calma e divertida.

Agora que conhecia Sloan – seu avô ­­­– e sabia de seus erros e traição contra a sua família era difícil julgá-lo. Eragon não tinha o direito de interferir no julgamento de sua família sobre os seus atos. Mas agora estava feito. A sua maior dúvida ainda rondava sobre o seu avô em si: mesmo com todos os seus erros ele continuava sendo seu avô. Algo por trás dos pecados que cometera tinha a ver com a proteção de sua filha. Será que ele realmente merecera a maldição de Eragon? Ela deveria voltar a vê-lo? Blödgharm estava certo ao revelar a sua história?

O que eu devo fazer, Dimith? – questionou em seus pensamentos, buscando mais uma vez a ajuda do seu amigo.

Você já encontrou esta resposta.

De fato ela encontrara.

...


Blödgharm encarava as orbes verdes de Ismira cintilando ao lhe pedir o favor. Era um homem austero e este truque não lhe seduziria numa situação normal. Mas ele podia enxergar a dor da dúvida, a tristeza e até constrangimento nos olhos da garota que o encaravam tão intensamente. Não sabia como responder aquela pergunta. Na verdade, não queria responder. Já havia quebrado um segredo antes, não queria confabular para quebrar mais um pacto somente porque sentia pena da garota em questão.

Poucas vezes sentira-se tão inútil. Era um mestre da magia e da metamorfia, mas quando se tratava de relações pessoais sentia-se como um tolo. Quando Eragon lhe contara a história de Sloan, ainda em Ellésmera no ano em que partira, não pediu que fizesse nenhum tipo de juramento para guardar o segredo. Mas Blödgharm sabia que não deveria quebra-lo, como um pacto pessoal.

Mas agora que já quebrara o segredo de Eragon e Ismira pedia a sua ajuda sentia novamente um impasse. Deveria ajuda-la ou não?

- Blödgharm, você é o único que pode me ajudar agora. – ela apelou mais uma vez, deixando transparecer o sofrimento em sua voz.

Ele suspirou sabendo que se torturaria por isto posteriormente.

- Eragon me disse – ele começou – que Sloan não pode se dirigir a você ou mesmo procura-la. Não pode se apresentar para você ou sua mãe. Ele saberá se tentar.

Ela desviou os olhos e mordeu os lábios, suspirando fortemente e deixando o nervosismo assumir o seu corpo.

- Porém, o encantamento não é específico quanto você procura-lo. Eragon jamais pensou que algum dia você ou Katrina pudesse visitar Ellésmera novamente.

Ela virou-se novamente, os olhos tristes convertendo-se em esperançosos.

- Jura? Eu posso falar com ele?

Blödgharm assentiu com a cabeça.

- Sim, contudo, ele não poderá lhe responder.

Isto já era o suficiente para a euforia tomar o seu corpo. Poderia pular ou mesmo abraçar o seu mestre com a notícia, mas a situação era tensa de mais para tal – embora ela realmente quisesse. Por isso lhe respondeu com um singelo sorriso e lhe disse:

- Obrigada.

...

O elfo a levou novamente para a clareira que se iniciou a discussão. Como esperava, o lugar era imutável: as disposições das folhas e sombras permaneciam a mesma de última vez que vira. Como se o tempo se recusasse a passar. O vento não alcançava aquelas árvores, assim como o som dos instrumentos dos elfos. Tudo estava calmo e silencioso, preparando-se para uma futura tempestade.

Sloan estava no mesmo banco de pedra que o encontrara. Parecia ainda mais cansado e miserável que a última vez. Os seus braços pendiam sem força pela superfície pedra, deixando-se definhar. Respirava tão pausadamente que suspeitava se realmente estaria vivo. Os seus olhos incrivelmente azuis – como o céu do meio dia – estavam desfocados, vagando para muito longe dali. Ismira estranhava os seus olhos. Tanto ela quanto Katrina herdaram a íris verde musgo, que a sua mãe um dia lhe disse ser um presente do seu pai.

Tentou a primeira aproximação, relutante. Blödgharm estava ao seu lado, e apesar de não lhe dizer nada, indiretamente lhe transmitiu a confiança para continuar se aproximando.

Ela sentou-se ao lado dele no banco de pedra. Sloan não a olhava, mas estava ciente da sua presença. Ismira não sabia se era efeito do encantamento, por isso decidiu começar assim mesmo:

- Sloan. – ela começou, mas corrigiu-se logo em seguida. – Avô.

Como se houvesse acabado de proferir uma palavra mágica, Sloan se virou para ela. Os olhos azuis brilhando. Ela finalmente tomou coragem para falar:

- Eu não o conheço, e tampouco poderei conhece-lo algum dia devido as barreiras que a vida nos proporcionou, tudo o que eu conheço ao seu respeito foi por terceiros ou pela minha própria família. Porém, a história que tanto fizeram esforço em escondê-la de mim só fui conhecer agora, após todos estes anos só sabendo o que você representava. Pensei que estivesse morto. Todos pensamos. E até entendo um pouco o pensamento de meu tio Eragon em ocultar o fato que você estava vivo este tempo todo. A minha mãe se torturaria ao saber que passou dezoito longos anos ausentes, sabendo que poderiam estar juntos. Ainda acho que não deveria chegar a tanto, mas compreendo que ele quis protege-la.

“Sei que foi um homem que sofreu muito ao longo da vida, a minha mãe me contou. Mas não justifica o que fez para ela e meu pai, por conta de um rancor antigo pela perda de minha avó. Ismira. Tenho orgulho do seu nome, espero que eu o faça por merecer. Você prejudicou muitas vidas – chegar a tirar algumas – mas quem sou eu para julgá-lo? Por isso vim aqui lhe dizer que não guardo nenhuma mágoa pelo que fez no passado à minha família. Não sou os meus pais, àqueles verdadeiramente prejudicados pelas suas atitudes, mas quero que aceite a minha representação. Gostaria que você aceitasse as minhas palavras como se eu fosse Katrina ou Roran.”

A dor de não poder responde-la tornaram-se profunda emoção em ouvir as suas palavras.

- Eu o perdoo. O perdoo por qualquer injuria que tenha feito à nossa família. Afinal, hoje estamos vivos e saudáveis, não há porquê guardar rancor dos tempos que passaram. Sou uma cavaleira. O meu pai tornou-se Conde do Vale Palancar e minha mãe a sua lady. Tenho também um irmão chamado Kael (é eu sei, o nome é engraçado, fui eu que escolhi!). Hoje estou vivendo o meu maior sonho, e se o destino não foi o que foi talvez as nossas vidas não seriam as mesmas. Por isso eu o perdoo, Sloan. Eu o perdoo, meu avô.

Qualquer lágrima que Sloan tentou esconder agora já se mostravam na forma mais pura de felicidade. O arrependimento ainda batia em seu peito e continuaria lá até o fim dos seus dias. Mas finalmente as correntes de dor que o prendia naquela terra se evaporaram junto com as palavras de sua adorável neta. Ainda havia tanta coisa que ele gostaria de ver e rever, mas agora ele se sentia livre. O seu perdão o libertou.

Ismira também não controlava mais as suas lágrimas. Ela queria abraça-lo e deixar transbordar a saudade que nunca teve. Mas conteve-se. A cena só levaria a mais sofrimento para os dois. Por isto, num último gesto de respeito, ela tomou as suas mãos e a beijou. Sloan continuava derramando rios de lágrimas quando Blödgharm a retirou da clareira. Ela não olhou para trás. Estava feito.

Alguns dias após a partida de Ismira de Ellésmera, Sloan finalmente encontraria a paz. Ele deixaria Alagaësia para seguir em outro lugar, encontrando-se com a outra Ismira que amava.


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Notas finais do capítulo

Eu realmente gostei da cena. Não fiquem ciumentos porque se trata só de uma personagem, eu gostei tanto da experiência que quero escrever de outros personagens - e alguns figurantes - também :).
Espero que gostem de ler tanto quanto eu gostei de escrever!
Besos e não me matem!



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