O Legado - Nova Ordem escrita por Nessan C


Capítulo 10
Capítulo 9: Impressões


Notas iniciais do capítulo

Então gente... NÃO, EU NÃO ESTOU MORTA. Mas vou estar assim que meus leitores lembrarem da minha existência *apanha*
Não, eu não tenho uma desculpa plausível pelos - quantos meses? - de atraso (ou seria hiatus?). No primeiro mês a desculpa era porque eu estava lendo O Senhor dos Anéis e totalmente viciada no universo de Tolkien. Assim, toda vez que olhava para a minha fanfic me sentia um lixo! Depois que a "onda" Tolkien passou, eu simplesmente não consegui retornar! Então passei a me preocupar mais com a faculdade. ENFIM~ Estou entrando em recesso e terei tempo para voltar a planejar a fanfic - isso se alguém quiser ler...
Como eu não vou nem tentar me desculpar, estou postando!



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Cap. 9: Impressões


Irnael permanecia estático enquanto fitava os jovens a sua frente. Desejava estar em qualquer outro lugar no mundo menos naquela mesa, mas não faria uma desfeita tão grande a Arya. Não, por mais que estivesse tremendo de medo por dentro ele se recusava a se mostrar como um fraco principalmente agora que ele se tornara cavaleiro. Mas na realidade queria somente fugir dali e nunca mais precisar encarar aqueles olhos amarelos.

Na mesa do banquete com a Rainha Arya estava ao seu lado Barbara, a elfa de olhos violáceos e cabelos negros; comia com uma ferocidade atípica de outras garotas, enchendo a boca de comida e desesperada para pegar mais – como se não visse uma boa refeição a muito. Ela trajava um vestido branco e leve, doado pela própria Arya, que deixava a sua aparência assustadoramente diferente da primeira vez que a vira – quando usava trajes surrados, um pa de calças e botas – agora a estranha elfa se encaixava perfeitamente no ambiente em que estava. À sua frente estava a outra garota: Ismira, que não tinha tanta pressa em comer, mastigava a sua refeição calmamente enquanto sorria e conversava com o companheiro de viagem ao lado. O urgal.

Ele sabia que o seu nome era Narbog e não conhecia a língua antiga. Os seus olhos amarelos saltados causavam calafrios em Irnael toda vez que ele os fitava. Os dentes anormalmente afiados mastigavam ferinamente a comida, fazendo o meio elfo imaginar cenas terríveis como ossos humanos em suas presas sangrentas. Os chifres, que não se levantavam muitos centímetros acima de sua cabeça, ameaçavam perfurar a sua pele em qualquer sinal de aproximação.

Ele só ficava cada vez mais aterrorizado.

- O que é isso? – o urgal perguntou muito toscamente na língua dos homens, que Irnael compreendia muito bem mas o seu sotaque distorcia as palavras.

- Narbog, você não pode tomar isso! – disse Ismira retirando um cálice das grotescas mãos do urgal, Irnael se perguntando como ela tinha tamanha coragem. – Você é muito novo para tomar vinho élfico.

Ela afastou o cálice e Narbog resmungou, mas não fazendo esforço para recuperá-lo.

- Irnael. – ao ouvir o seu nome, ele virou-se para a garota que o chamou. Barbara já não estava com a boca cheia de comida e sorria sem mostrar os seus dentes. – É o seu nome, não é?

Ele assentiu com a cabeça.

- Não fomos apresentados direito. – ela virou o seu corpo totalmente para ele – Sou a Barbara, o meu companheiro se chama Godric, o dragão de escamas prateadas.

Ele lançou os olhos na mesma direção de Barbara e viu o seu dragão sentando a alguns metros dali. Fireheart estava próximo a ele e se divertiam com as bandejas de comida que os elfos serviam à eles.

- Acho que Godric e Fireheart já se conhecem. – ele respondeu num meio sorriso sem tirar os olhos dos dois dragões.

- Você mora aqui mesmo em Ellesméra? – Barbara perguntou repentinamente, fazendo com que Irnael voltasse a sua atenção para ela. A elfa corria os seus olhos por todo o salão, encantada com os detalhes do palácio. Ele não a culpava, pois também se sentira exatamente assim quando entrou ali pela primeira vez.

- Eu... nasci no continente de Alagaësia, em meio aos humanos, na cidade de Ceunon. – ele disse um tanto relutante por contar a sua história a uma estranha, mas algo nela o inspirava confiança, como se só ela poderia compreendê-lo – Mas como a minha mãe morreu no parto, eu passei a morar aqui em Ellesméra com o meu pai.

Barbara arqueou a sobrancelha, um tanto desconfiada.

- Um elfo que nasceu na cidade de Ceunon? – ela perguntou, incitando-o implicitamente a contar mais.

- É porque na verdade eu não sou um...

O suave barulho de tilintar de taça de vidro se fez ouvido interrompendo a fala de Irnael. No mesmo momento todos se viraram para a origem do som, ou seja, à Rainha Arya que estava de pé na ponta da mesa, o seu sorriso luminoso exalando pura satisfação pela visão dos convidados. Imediatamente os elfos a imitaram, levantado consigo a taça de vinho. Ismira se pôs de pé, igualmente aos demais elfos, e teve que puxar Narbog pelos ombros para que ele também o fizesse. Um tanto desajeitado, o urgal também se levantou e pegou a primeira taça que viu à sua frente – que felizmente não era de vinho. Barbara também se sentiu um tanto perdida, mas copiou os movimentos de Ismira e se levantou antes de Narbog.

Arya sorria especialmente para eles, os jovens cavaleiros. A Rainha era conhecida por suas expressões frias e alma guerreira, mas esta noite ela parecia tão aconchegante e amorosa com o seu vestido branco e cabelos negros soltos. Irnael se sentiu enrubescer com a beleza da rainha, mas tentou disfarças desviando os seus olhos para o chão.

- Eu gostaria de propor um brinde aos nossos jovens cavaleiros que finalmente tiveram o seu primeiro encontro. À nova esperança de Alagaësia!

Ela ergueu a taça elegantemente até a altura dos olhos e proferiu uma palavra élfica que os três – excetuando Irnael – não conheciam. Assim, os elfos repetiram a tal palavra na língua antiga e os três jovens tentaram imitar a sua sonoridade repetindo-a também. Após isto, eles tomaram um gole do vinho élfico e voltaram a se sentar.

Quando Narbog voltou a se sentar, acabou derrubando um copo da mesa derramando um líquido dourado. O jovem urgal ao ver a sua trapalhada tomou novamente o copo e o virou para cima, limpando rapidamente o líquido com um guardanapo. A cena fez Barbara rir levemente, embora ela tentasse se conter para não soltar uma gargalhada. Irnael os observava, com uma pontada de inveja pela sincronia dos três cavaleiros que viajavam juntos a tão pouco tempo.

Ismira, por sua vez, bebericava uma taça de vinho enquanto os seus olhos viajavam pela clareira. Ela não parava em um ponto específico, analisava todo o ambiente encantada, mas coma ruga em sua testa que parecia que ela procurava por algo. Sem tirar os olhos do alto, ela disse:

- Este lugar é estranho.

Irnael franziu o cenho em sinal de confusão. Ele morava em Ellesméra desde sempre e nunca ouvira um forasteiro sequer se referir à cidade se não com tom de completo encantamento e admiração. E agora aquela garota, a cavaleira que acabara de conhecer, olhava com desconfiança os arredores da cidade, o que era sem dúvida incomum.

- Por que diz isso? – o meio elfo delicadamente perguntou.

Ela tomou mais um gole antes de responder:

- Me parece familiar. Até os elfos me parecem familiar.

Ela continuou procurando por algo que ele desconhecia. Irnael sentia-se confuso com a resposta de Ismira, pois sabia que não existia lugar em Alagaësia parecido com Ellesméra. Pelo menos era o que ele achava. Irnael deu de ombros pensando em que a cavaleira já devia estar sob o efeito do vinho e virou-se novamente para Barbara.

- E você, de onde vem? Os embaixadores me disseram que foi descoberta na cidade de Bullridge.

O sorriso divertido de Barbara nublou-se ao ouvir a sua pergunta.

- Nós podemos conversar em... um lugar mais silencioso? – ela perguntou tão baixo que somente Irnael poderia escutar. Ele vislumbrou uma tristeza contida em seus olhos, e se sentindo condescende com a sua situação, ele assentiu suavemente e levantou-se para então guia-la para uma clareira mais afastada.

...

Narbog admirava o ambiente a sua volta como se tudo fosse surreal de mais para a sua compreensão. A forma como os elfos construíram as suas casas junto com as árvores anciãs da floresta, e não com elas o deixava perplexo como poderia existir um complexo arquitetônico tão belo e em sincronia com o ambiente à sua volta. O seu povo poderia fazer construções e monumentos de madeira e pedra, mas a maneira como os elfos uniam perfeitamente todos os elementos sem interferir nos seus processos naturais era único.

Além das formas das casas, Ellesméra também escondia uma surpresa à cada ponto em que se olhava. Luzes misteriosas que piscavam e dançavam quando pensavam que ninguém estava vendo. A música fluía entre os galhos das árvores como se fosse o próprio barulho do vento. Folhas que caíam naturalmente como no outono. Cheiro de flores, terra e lua – além das delícias do banquete servido. As suas cores eram inteiramente supersaturadas e o tempo parecia não passar.

Mas o mais magnífico naquela cidade eram os seus moradores. Os elfos de Ellesméra eram completamente diferentes dos mestres que conhecera após a Agaetí Shur’turgal. Erudhir, assim como os outros mestres, tinham uma aspereza no olhar e postura firme, mas também compreendiam e se adaptavam bem às diferentes formas do mundo exterior de Alagaësia – resultado de suas infinitas viagens e conhecimento de diversas culturas. Mas os elfos de Ellesméra tinham uma singularidade no olhar que Narbog nunca vira antes. Era impossível determinar suas idades ou adivinhar seus pensamentos. Eram quase etéreos. A forma como se moviam, sorriam e cantavam parece não pertencer a este mundo. Poderiam ficar durante milênios só contando as estrelas e ainda estariam confortáveis. Mesmo assim não havia dúvidas que eles pertenciam àquele lugar. Quase como se a própria floresta os criara somente para ouvir o som de sua música e deslumbrar a beleza dos seus rostos.

Narbog se sentia estranho perto destas criaturas. Era quase errado ele estar ali. Ele se sentia deslocado, achando a sua presença incômoda de mais para estas criaturas tão belas, mas o mesmo tempo não conseguia parar admirá-los. Só a presença dos elfos viciante. Quando ficou cara à cara com a Rainha Arya pensou que derreteria perto de tamanha beleza, simplicidade e sinceridade que ela exalava. Ele queria poder gravar o sorriso de Arya numa moldura e carrega-lo para si para que pudesse olhá-lo toda vez que se sentia triste.

Após se apresentarem à Rainha e os anciãos, Narbog finalmente conhecera o pequeno elfo que também se tornara cavaleiro. Mas havia algo diferente nele. Também pudera sentir que ele estava relutante ao vê-lo. Não forçou nenhuma aproximação a mais, e se deixou levar por sua nova amiga Ismira para o banquete de boas vindas dos elfos.

Deloi nunca se divertira tanto em sua curta vida. Narbog sentia os fluídos de felicidade que transbordavam de sua mente jovem e complexa para a sua própria. Tudo para ele era interessante e surpreendente. Os elfos o tratavam como um pequeno rei, e o paparicavam a todo o momento, lhe presenteando com os seus sorrisos preciosos e sonoras risadas, a qual Deloi se deliciava com o som. Amava ainda mais rolar pela grama da cidade e brincar com os animais domésticos. Mesmo que a ligação mental entre eles ainda não fosse a mais forte, Narbog sentia a plena felicidade do seu companheiro.

O seu elo entre as duas cavaleiras, Barbara e Ismira, só se estreitava mais; assim como Deloi a cada dia se dava melhor com Godric e Dimith. As duas tiveram reações distintas na chegada à Ellesméra. Narbog já sabia que Ismira tinha uma facilidade natural para lidar com corte e burocracia, por ter nascido e sido criada em grandes salões da corte de seu pai, Lorde Roran. Mas a maneira displicente e fluida com que lidava com a situação o espantava, embora ele tenha percebido uma estranheza nos olhos da ruiva que não parecia estar tão deslumbrada com a cidade élfica como ele e Barbara.

Já a meio-elfa Barbara estava tão deslumbrada quanto temerosa com aquele ambiente. Narbog a compreendia plenamente. Por mais que se parecesse com um deles, Barbara não pertencia àquele mundo. Até a sua personalidade era muito distintas dos elfos de Du Weldenvarden. A garota era explosiva e tinha uma curiosidade quase irrefreável, diferente dos elfos que conseguiam esconder os sentimentos e emoções.

Narbog estava tão entretido com a mesa farta que nem percebeu quando Barbara e o elfo cavaleiro se retiraram da mesa. Ele achou estranho a ausência dos dois, mas decidiu não comentar pois não era de sua conta. Algo que os urgals aprendiam desde filhotes era não se meter na vida alheia, o que causava a imagem um tanto egoísta da sua raça, mas Narbog achava completamente normal.

Ele virou-se novamente para Ismira, que parecia cada vez mais entediada e desconfortável de estar ali na mesa. Aproveitou o momento de distração da ruiva para pegar uma taça de hidromel se dono que brincava à sua frente. Olhou para ambos os lados antes de entorna-la na boca e sentir o gosto doce e forte da bebida alcóolica. Era realmente melhor do que pensava, e ao constatar isso tomou seguidos goles até encontrar o fundo da taça. Sentiu os seus dedos formigarem ao tomar a última gota. Céus, precisava de mais uma taça daquela!

Lançou seus olhos novamente para Ismira antes de pegar mais uma taça. Desta vez bebeu tudo de uma só vez, derramando um pouco do hidromel em sua roupa e lambendo os cantos da boca para aproveitar melhor o sabor. Oh sim, os adultos sabiam como viver! Só não sabia porque de repente o mundo tornou-se tão embaçado e a mesa parecia girar. Muito estranho como parecia que ele não tinha mais forças para se levantar. Os elfos pareciam estar... balbuciando? E por que ele se sentia tão alegre e com o desejo de tomar o seu alaúde e cantar alguns poemas? Então era isso que ele faria, só precisava de um instrumento. Tentou se levantar mas perdeu o equilíbrio, deixando alguns copos se derramarem na mesa.

– Narbog! – uma voz conhecida o chamou, mas ele não conseguia distinguir de onde vinha.

– Narbog! – chamou a voz de novo. Ele se virou e avistou Ismira, a jovem ruiva olhava com desaprovação para ele. As mãos postas na cintura, a testa sardenta franzida. – Eu falei pra você não beber!

Ele balbuciou uma resposta em sua própria língua sem perceber.

Waarom vecht je mij?¹

– Eu não falo urgalês. – ela lhe respondeu. Ele teve vontade de rir, repentinamente. Só se controlou para não deixa-la mais brava.

– Acho melhor você ir dormir, Narbog! Vá chamar Deloi, está ficando escuro.

Aghrat!

Ele tentou dar meia volta, mesmo um tanto atrapalhado, para procurar por seu companheiro. A sua mente estava nublada de mais para localizá-lo psiquicamente, por isso o chamou pelo menos enquanto circundava tortuosamente a barulhenta mesa dos elfos. A ruiva, ao ver que ele não conseguia se locomover sozinho, se postou ao seu lado e o acompanhou até fora da clareira da festa, os dois pequenos dragões - Deloi e Dimith - ao seu encalço.


...


Irnael conduziu a morena para uma clareira onde quase não se ouvia mais o som da festa, pois era impossível não se ouvir a música dos elfos onde quer que fosse nos recantos de Ellesméra. Ela observava a tudo com o olhar minucioso e encantado, típico dos visitantes na capital dos elfos. Mas os seus olhos lilases exalavam uma curiosidade explícita atípica dos elfos. O seu olhar parecia muito mais humano. De repente, o flash de um pensamento ocorreu em sua mente, mas faz menção de esquecê-lo de tão estúpida que a aquela suposição era.

Fireheart e Godric os acompanhavam de longe. Os dois gostaram tanto da companhia um do outro que mal perceberam quando seus cavaleiros deixaram a festa. Logo, vieram atrás dos dois, mas mantendo uma distância confortável para que suas brincadeiras não interferissem na conversa dos cavaleiros.

Barbara lançou seus olhos em direção à Godric antes de se sentar num banco de pedra debaixo do galho de um dos pinheiros gigantescos da cidade. Irnael percebeu que ela queria iniciar a conversa, só não sabia como. Ele estava tão acostumado com a maneira paciente dos elfos que permaneceu em silêncio e não a apressou, esperando que ela tomasse o seu momento apropriado. Após alguns minutos, ele a ouviu suspirar longamente. Irnael então virou-se novamente para ela e assentiu com a cabeça, incentivando-a a falar.

– Imagino como deve ser morar nesta cidade, em meio aos seus iguais. – ela finalmente disse. Mas havia uma certa dor contida na sua voz que o jovem de certa forma compreendia, mesmo não sabendo como.

– Por que diz isto? – ele lhe perguntou.

Ela desviou os olhos violetas dela, vagando o olhar para os galhos das árvores. Neste momento o vento remexeu os seu cabelos negros, destacando as orelhas pontudas característica dos elfos por poucos segundos. A garota pegou nos seus fios, agora bagunçados, e voltou a organizá-los, de modo a fazer com que o seu cabelo tornasse a esconder as orelhas. Irnael nada disse, esperando uma resposta sua.

– Eu não sei como é isso. – ela disse, virando-se novamente para ele.

Os olhos violetas se prenderam aos dele, estavam tão intensos, mesmo distante, que era impossível de desviar. Ele não se atrevera a piscar enquanto a encarava, temendo perder algo que ele nem sabia estar acontecendo. Era como uma ligação mágica. Não mental, como os dragões se comunicavam. Mas algo sentimental. Sem troca de palavras ou pensamentos. Somente a troca de impressões. Como a mágica da alma humana.

Eles poderiam ter se encarado por segundos ou horas. Mas ainda sobressaltou-se quando ela finalmente disse:

– Não sou uma elfa.

Algo explodiu dentro de Irnael e sua boca ficou seca automaticamente. Ele não esperava que ela fosse dizer aquilo nem em mil anos de vivência. Porém, estranhamente, ao ouvir suas palavras ele se sentiu estranhamente aquecido. A ansiedade que o tomara desde que vira a garota pela primeira vez se dissipou, transformando-se numa simpatia confidente. Por isto, ele sorriu. Fora automático, quando deu por si os músculos da sua face já se abriam num sorriso receptivo e quente. Sem deixar que o sorriso lhe escapasse, ele lhe confessou:

– Eu também não.

A mesma explosão ocorreu na garota. Ele pode ver pela luz que se acendeu em seus olhos violetas. A reação dela fora um pouco mais surpresa, e demorou vários instantes antes que ela processasse a informação em sua mente. E quando finalmente pareceu compreender o que a situação indicava, ela não sorriu. O choque fora tão violento que agora os seus olhos violáceos lutavam para não marejar. Irnael se retesou, vendo o que a sua confissão provocara nela, que parecia ser tão forte, mas também apta de manifestar sentimentos típicos dos humanos.

– Como? – ela perguntou tão baixo, que saiu como um sussurro.

– O meu pai é um elfo, e minha mãe era humana. – ele começou. Raramente gostava de falar sobre os seus pais para as pessoas, mas visto que ela partilhavam uma história parecida, ele não se conteve. – Ela se chamava Samara e morava na cidade de Ceunon, perto da fronteira de Du Weldenvarden, como você já deve saber. Ceunon é uma cidade de tráfico intenso de viajantes, principalmente depois que a reconstrução de Vroengard começou. Lá elfos e humanos se misturam. Meu pai, Niscor, conheceu lá a minha mãe que era uma curandeira. Eles ficaram noivos, mas o pai dela não gostou muito. Nunca antes um elfo e uma humana... Mas acabaram se unindo mesmo assim. Porém, quando a minha mãe me concebeu ela acabou morrendo no parto... – Irnael deu um longo suspiro de dor e pesar. – Por isso nunca a conheci. O meu pai então decidiu me trazer para morar na floresta, pois os elfos são mais receptivos que os humanos com relação às outras raças. Desde então tenho vivido como um elfo. Mas aparentemente não posso dizer o mesmo que você, não é?

Ela também suspirou, absorvendo a história dele. Ela partilhava do seu sofrimento. Assim como ele, também não gostava de dividir a sua história. Mas ela agora tinha plena certeza que poderia confiar naquele jovem. Então ela finalmente decidiu desabafar a sua história:

– A minha mãe também era humana. O meu pai era um elfo, mas eu não sei de onde viera. Nunca o conheci. Sei que se conheceram no auge da guerra contra Galbatorix. Ela era uma feiticeira. Tinha amplos conhecimentos em ervas mágicas. A minha mãe nunca quis me contar o que aconteceu. Só sei que depois que ela engravidou foi morar numa cidade tranquila ao sul do Leona. E por lá nós moramos. Foi um pouco antes de morrer que ela me contou o porquê de eu ser tão desprezada pelas outras crianças: eu tinha metade do sangue élfico. Mas nunca pude compreender muito bem o que isso significava pois quando eu ainda era muito criança ela morreu. Passei algum tempo vagando sozinha pelas florestas, ou pedindo esmola nas cidades. Até encontrar Godric, um velho sábio que vivia na Espinha e me ensinou tudo sobre como sobreviver sozinha. Infelizmente ele também morreu. – ela desviou o olhar rapidamente antes de retomar a conversa – Mas agora eu ganhei Godric, o dragão, na minha vida e não preciso mais andar sozinha.

– Não estamos mais. – Irnael suspirou profundamente antes de soltar um sorriso de alívio – Na verdade, eu acho que Fireheart e Godric resolveram mais dos nossos problemas que inicialmente imaginávamos.

Barbara virou-se com as sobrancelhas franzidas não compreendo as suas palavras, por isto perguntou:

- Como assim?

Irnael agora parecia relutante em falar. Antes parecia tão bem ao desabafar com a jovem que ela estranhou a atitude, mesmo se conhecendo apenas à poucas horas. Algo o incomodava, mas de alguma forma ela compreendia que tinha que saber esta informação que ele escondia.

- Nós híbridos temos a vida... complicada. – ele começou, escolhendo bem as suas palavras. – Veja bem: elfos são imortais, assim como os dragões, enquanto os humanos são mortais. Um meio elfo não deveria existir, pois vive na linha entre mortalidade e a imortalidade. Por isso nos é dado uma escolha: em qual lado desejamos viver. Uma vez escolhido, deve ser dito na língua antiga em sua plena consciência. Então finalmente passamos a viver como um elfo ou humano plenamente, apesar de sempre sermos vistos como híbridos. – ele fez uma pequena pausa – Disso um sábio entre os elfos me contou. Ele também tinha sangue humano mas escolheu o lado da imortalidade. Creio que agora que os nossos destinos estão ligados aos dragões nos poupa desta escolha.

- Tem razão.

– Acho que nunca vou poder traduzir a minha gratidão por Fireheart aparecer na minha vida. – ele disse com a sombra de um sorriso caloroso pintando em seu rosto – Ele é muito mais que um parceiro... É como se fosse-

– Parte de nossa alma. – Barbara completou, sorrindo com os olhos ao fitar o dragão prateado, que embora ainda não falasse, jorrava em seus pensamentos a extrema felicidade ao ouvir as suas palavras.

Antes que Irnael pudesse responde-la, houve um enorme estrondo cortando repentinamente a silenciosa paz da floresta, semelhante o som de uma árvore caindo, seguido de um grito apavorado vindo de algum local próximo que sobressaltou os seus sentidos semi-élficos. Ele pode sentir pelo fluxo de pensamentos de Fireheart que ele também se assustara com o barulho repentino.

O meio elfo virou-se para Barbara, que tinha as sobrancelhas cerradas e o corpo em posição de alerta. Lhe dirigindo apenas um olhar, ela correu imediatamente em direção à origem do estrondro, seguido por Godric ao seu encalço. Sem pestanejar, Irnael a seguiu para também investigar.

E a cena que Barbara a assustou como jamais ela poderia imaginar.

Narbog, o pequeno urgal, aquele que nem sabia pronunciar a sua língua corretamente, a pobre criatura que em poucas semanas conseguira quebrar os seus preconceitos para aceita-lo como igual, como uma verdadeira criança, parecia de repente duas vezes o seu tamanho. Segurava em uma das garras o galho de uma árvore grande o suficiente para derrubar uma pessoa. Os seus olhos estavam vermelhos e enormes, tomado por uma fúria que ela nunca vira antes em Narbog. Estava esbaforido, tentando conter a respiração descompassada que o seu acesso de raiva afetara. Mas o pior era que logo à sua frente, encurralado numa outra árvore, estava um jovem elfo com o olhar espantado e cercado de medo em Narbog.

Os cabelos do jovem eram louros platinados, quase brancos, mas estavam desgrenhados e sujos de terra. A canto do rosto também estava sujo de terra e os braços desnudos estavam visivelmente arranhados, enquanto as suas roupas também estavam manchadas e era perceptível o local a qual o galho o acertou em cheio em direção à árvore.

Após ela e Irnael, vários outros elfos se aproximaram da clareira onde o jovem urgal e o elfo estavam. Foi impossível não ter várias exclamações assustadas dos elfos que visualizavam a cena do urgal em fúria que acabara de atacar um elfo. Dois jovens se dirigiram à vítima, o levantando com cuidado do canto da árvore. Mas ninguém ousava se aproximar de Narbog, só lhe lançavam olhares indignados para a “criatura” descontrolada.

– Ele me atacou! – o jovem elfo vítima do urgal apontou, assim que conseguiu se por de pé.

Ich... – Narbog tentou começar, na sua língua natal, mas estava tão consternado e confuso que não pronunciou mais que isso.

– Ele não sabe nem a nossa língua! – o jovem elfo continuou – Ele é uma criatura que não consegue se controlar, como pode controlar um dragão?

Vários murmurinhos voltou a se avolumar na clareira. Barbara não conseguia entender o que diziam, mas sabia que possivelmente concordavam com as palavras do jovem elfo.

Barbara procurou por Deloi com os olhos mas não o encontrou. O que teria acontecido para que ele tivesse este ataque de fúria e onde estaria o seu dragão?

– Ele não deveria nem mesmo ser permitido entrar em Ellesméra! – um dos elfos que ajudava a segurar o jovem machucado falou, incitando mais ainda a indignação daqueles que assistiam à cena.

– O que está acontecendo?

Foi quando Erudhir, o mestre elfo que ensinava Narbog, também surgiu na clareira. Atrás dele vinha Ismira, com o olhar verde tomado por preocupação em seu rosto, com Dimith e Deloi na barra de seu vestido. Erudhir cruzou a clareira, abrindo caminho entre os curiosos sem delicadeza, em direção ao seu aprendiz. Barbara lançou um olhar compreensivo à Ismira, e acompanhou em direção ao centro da clareira assim as duas se cruzaram. As duas, junto aos três dragões, se posicionaram ao lado de Narbog junto com Erudhir, como um paredão humano em volta do jovem urgal contra a multidão.

– Esta criatura atacou Solaro! – respondeu o mesmo elfo que anteriormente gritara.

– Como pode afirmar isto? – o mestre perguntou com firmeza na voz, porém seguro e controlado o suficiente para intimidar o jovem. – Você presenciou a cena?

– Precisamos de mais provas? Olhe só para ele! – o jovem gritou, apontando do amigo para Narbog, acusando-o com a ponta do seu dedo.

– Narbog não faria isso! – Ismira contra-argumentou, a voz embargada e estridente contrastando com a segurança do mestre elfo.

– Narbog... – Barbara tomou a palavra, a voz baixa direcionada somente para o jovem urgal. Sabia que seria impossível esconder o diálogo dos ouvintes da clareira, mas não se importava, por isto continuou – O que aconteceu?

Ela viu em seus olhos o pânico a confusão vigente, e teve a certeza absoluta que Narbog não estava no seu estado mais normal. Erudhir também o fitou, e naquele momento o mestre entendeu o que se passava. Não verberou o que viu, mas o entendimento fora o suficiente. Ismira estava tão em pânico que não compreendia plenamente a situação e Narbog temeu a decepção espelhada em seus olhos verdes que tanto o ajudara. Mas antes que Barbara pudesse perguntar novamente o que tinha exatamente acontecido naquela clareira, o clima de repente pareceu mais frio e uma presença, grande e poderosa, ocupou a sua mente. Embora não soubesse de onde vinha, tinha a certeza que se tratava de um dragão. A presença infectava todos os seus pensamentos, impedindo-os de pensar em qualquer outra coisa, apesar de não pronunciar uma única palavra ou reproduzir qualquer imagem. Até que eles ouviram uma voz cortar a clareira, soprando como uma brisa no verão:

– Por favor, retirem-se. Não há nada para se ver aqui.

Todos automaticamente voltaram-se para a recém-chegada. Arya tinha o mesmo olhar amedrontador que a fazia uma guerreira tão boa e uma rainha tão respeitável. E fora com esse olhar que ela intimidara e constrangera todos os curiosos da clareira que não esperariam mais uma ordem para obedecê-la.

– Minha Senhora... – Erudhir tentou começar, a segurança na voz se perdendo para a força no olhar da Rainha.

– Eu entendo que você deve defender o seu pupilo, Erudhir. – ela virou-se para ele exalando a sua autoridade - Mas agora eu gostaria de conversar com o jovem Narbog em particular.

Barbara sentiu a relutância do mestre, mas ele nada disse. Somente acenou levemente com a cabeça e deixou que Arya se aproximasse de Narbog suavemente, que agora tinha a respiração devidamente controlada, apesar dos olhos espantados e vermelhos. Ela, sem dizer nenhuma palavra, tocou docemente o braço que segurava o robusto galho da árvore, que o soltou no mesmo segundo, caindo com um baque alto no chão. Ela ignorou completamente, e o guiou de braços dados para fora da clareira. Narbog nada respondera, só se deixara guiar pela Rainha elfa. Deloi, contudo, deixou o lado de Ismira e o acompanhou para fora da clareira.

Assim como eles saíram, ela conseguiu ouvir um forte vendaval soprando acima da copa das árvores, surgido do bater das asas de um dragão, finalmente denunciando a posição de Fírnen, que apesar de não se mostrar na clareira, impunha a sua presença durante toda a situação.

Barbara, Erudhir e Ismira ficaram somente a observar os dois seguirem o seu rumo. Irnael ainda estava muito espantado com a situação para proferir qualquer palavra. E assim, eles retornaram ao palácio sem mais palavras.


...


O céu estava tingido de um rosa glorioso, resultado de várias matizes dos raios de sol que se misturavam para formar cores esplêndidas naquele alvorecer. A música da cidade élfica agora era somente o som dos pássaros que acabavam de acordar para cantar ao novo dia. A jovem cavaleira Barbara tinha absoluta certeza que nunca vira um nascer do sol tão bonito em toda a sua vida. Seria o efeito da cidade élfica ou hoje era mesmo um dia especial? Não importava de qualquer forma, contanto que ela pudesse assistir ao espetáculo.

A comitiva dos cavaleiros estava reunida nas portas da cidade para o último cortejo à Rainha dos Elfos e Fírnen. Com a diferença que agora tinham Irnael e Fireheart junto à eles. O jovem parecia nervoso e até um pouco triste enquanto se despedia no conselho. Afinal, viajar era tudo o que ele sempre desejou, mas assim que olhava para o pai, a saudade e preocupação afloravam em seus olhos.

– Você ficará bem, Irnael, afinal está prestes a realizar tudo o que sempre desejou. – disse Niscor. A ternura paterna transparecendo pelos seus frios olhos élficos.

– Por que não vem comigo, pai? – ele perguntou pela última vez. Já tiveram esta conversa antes.

– Você tem o mesmo espírito indomável de sua mãe. – ele sorriu, acariciando a mação do rosto do filho – Não, filho, o meu lugar é aqui. Tenho deveres em Ellesméra, não posso simplesmente abandonar tudo. Você deve agora viver o que nasceu para ser.

– E você, meu pai, ficará bem? – perguntou o jovem na língua antiga.

– Preocupe-te consigo mesmo, meu filho, pois o meu bem estar depende de como você está. – dizendo isto, filho e pai se abraçaram num gesto sincero e tão significativo para ambos, que não sabiam viver um sem o outro e agora deveriam se separar.

Ao se separar, Niscor virou-se para Fireheart, que observava a cena com o pescoço inclinado. O elfo abriu outro sincero sorriso e acariciou o topo de sua cabeça.

– Um dia você vai crescer e ser um belo e forte dragão, Fireheart. Cuide de Irnael para mim.

O dragão respondeu baforando uma pequena nuvem de fumaça pelas narinas, divertindo pai e filho e amenizando a dor da partida.

Enquanto isso, Blödgharm e Agalad preparavam a partida. Uma pequena escolta de elfos os guiaram até a cidade de Nädindel, e após uma nova escolta até o porto de Sílthrim. De lá, seguiriam à navio até a cidade de Ceris, a última cidade protegida pela magia dos elfos. Após Ceris, uma escolta especial de dois cavaleiros e seus dragões o levariam até a misteriosa morada da Nova Ordem dos Cavaleiros. Seria uma viagem longa e cansativa, mas nada que desanimasse os quatro jovens rumo ao seu aprendizado como guerreiros.

Arya e Fírnen trocavam as suas últimas palavras com os mestres elfos. Ao contrário de como ela se apresentava dentro dos muros da cidade, Arya usava calças, botas de couro e uma capa de voo verde-esmeralda. Na cabeça uma coroa de prata, discreta para os padrões reais, somente denunciando a sua posição. Ela termina de falar com os elfos e vira-se finalmente para os quatro cavaleiros.

– É aqui que nos despedimos, jovens aprendizes. – ela diz com a autoridade que um raio de sol brilha num solstício de verão. – Mas não será a última vez que nos vemos.

Não. – completou Fírnen. Só ele tinha autoridade para tal – Quando tanto cavaleiro como dragão estiverem totalmente preparados, deverão retornar à Ellesméra pois um presente os aguarda.

– Não posso lhe dar nada mais que os suprimentos e roupas para viagem, porém posso lhe dar uma promessa. Quando alcançarem a plena sabedoria como aprendizes, então finalmente poderemos lhe presentar como os Antigos de outrora.

Uma arma forjada pela própria Rhünon, com o mesmo aço celestial que fora feita as mais poderosas espadas de nossa Era. Porém, só a receberão quando forem merecedores.

– E torcemos para que sejam. – Arya também o completou. Ela deu mais um luminoso sorriso. – Desejo boa sorte à todos, Ismira e Dimith, Barbara e Godric, Narbog e Deloi, Irnal e Fireheart. Que tenham uma viagem iluminada.

Os dragões inflaram o peito ao ouvir os seus nomes sendo pronunciados pela rainha-elfa. Ismira se escondeu atrás de uma mexa do cabelo, enquanto Barbara desvia os olhos constrangida e Narbog deixa escapar um suspiro. Seria rara outra ocasião em que veem um urgal suspirar. O momento deveria ser gravado.

E assim parte a comitiva antes que o sol se mostrasse por inteiro no horizonte. Ainda estavam protegidos pelas sombras das antigas árvores de Du Weldenvarden, mas os jovens não sabiam o que o futuro lhes guardava.


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Notas finais do capítulo

* Por que está brigando comigo? Eu escolhi o holandês como a língua dos urgals
Enfim, eu não gostei do capítulo... Ficou arrastado, cheio de erros de formatação e gramatical. Eu deveria ter reescrito tudo, mas resolvi deixar assim. Para vocês terem noção, metade do capítulo estava escrito desde o ano passado...
Enfim, comentem por favor?



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