O Impostor escrita por Vanessa Sakata
Dia seguinte. Shinpachi mais uma vez chegou à Yorozuya. Tirou os chinelos, como de costume, e já previa o caos reinante como todas as manhãs. Já esperava isso, que era tão típico do albino folgado e da ruiva relaxada.
No entanto, ao adentrar a sala, viu que ela estava absolutamente limpa e impecável.
- Che... guei...! – atônito, anunciou sua chegada.
- Bom dia, Shinpachi-kun! – seu chefe o cumprimentou de forma anormalmente jovial.
- Bom dia, Shinpachi. – Kagura cumprimentou com entusiasmo zero.
- Er... Bom dia... Gin-san... Kagura-chan...!
O garoto estava totalmente desconcertado ante a visão que tinha ali. Além do escritório limpo e extremamente organizado, dava de cara com Gintoki sem seu quimono habitual, mas com as roupas pretas e um avental e um lenço cobrindo a permanente natural prateada. Só isso já era anormal o bastante em se tratando de Gintoki. Mas, como o que era bizarro tinha que piorar, acabou piorando: por que o albino estava acordado àquela hora, e ainda de bom humor?
Contrastando com isso, Kagura estava com uma cara de terrível aborrecimento enquanto usava lenço e avental e com um mau humor medonho – reflexo de sua convivência diária com o Yorozuya em seu estado “normal”. Estava estampado na cara dela o quanto estava odiando tudo aquilo.
Definitivamente, tudo ali estava completamente estranho. O Shimura estava com um grito de “PARA TUDO! ISSO TÁ COMPLETAMENTE ERRADO!” entalado na garganta, e que não saía, por mais que quisesse soltá-lo.
“Eu... Eu preciso sair daqui LOGO!”, pensou. “Se eu achava que ficaria louco com o Gin-san do jeito que era, agora é que eu fico louco de vez!”
No entanto, algo o impediu de sair desembestado dali. Começou a ouvir a voz de Ketsuno Ana na TV:
- Sim, verdade. Há boatos de que “ladrões de vidas” estão em Edo. São seres que se tornam uma pessoa e tomam seu lugar, seus pertences e toda sua vida. Por isso esse nome. Dizem que isso não passa de uma lenda urbana, mas há controvérsias devido à escassez de fontes referentes ao assunto e à dúvida quanto à veracidade de supostos casos. Por ora, são estas as informações que temos. Voltamos ao estúdio...
Lenda urbana? Ou seria real? O assunto “ladrões de vidas” martelava em sua cabeça toda vez que olhava para o homem albino que continuava a limpeza, assobiando alegremente e nem dando bola para sua repórter favorita.
Definitivamente, não conseguia associar o Gin-san que conhecia àquele sujeito. E por que tinha a impressão de que vira que os olhos dele eram azuis ao invés de avermelhados?
- Gin-san – Shinpachi o chamou. – Temos algum trabalho pra hoje?
- Não, Shinpachi-kun. Por quê?
- É que eu preciso conversar com a minha irmã sobre uma coisa que me esqueci de falar pra ela. Se não tiver algo pra fazer, vou lá, ok?
- Tudo bem. Vai lá.
O garoto de óculos fez um sinal para Kagura, dirigindo seu olhar para ela e depois para Sadaharu. Em seguida, saiu. A garota Yato, alguns instantes depois, chamou o grande mascote e avisou:
- Gin-chan, vou levar o Sadaharu pra passear!
*
- Kagura-chan, você viu na TV sobre os tais “ladrões de vidas”? – Shinpachi perguntou, já a uma distância considerável e em meio à chuva, agora menos intensa.
- Você acha que o Gin-chan não é o Gin-chan?
- Isso mesmo. Você também desconfia disso, não é?
- Claro que sim, quatro-olhos. – a garota respondeu aborrecida. – Contente é que não vou ficar.
- Você viu que ele tem olhos azuis em vez de vermelhos?
- Engraçado que eu vi um quimono preto no armário dele.
- Mas ele só tem quimono branco, Kagura-chan!
- Eu sei. – ela disse cutucando o nariz. – Mas eu vi um quimono preto lá no meio daqueles brancos.
- Suspeito... Muito suspeito... E ele tá mais anormal ainda que o normal! Não errou o nome do Katsura-san, não falou nenhuma bobagem, nem mesmo comeu qualquer coisa carregada de açúcar. Ele não é o Gin-san.
- Por que a gente não procura o Gin-chan verdadeiro? Já que sabemos que aquele estúpido que tá lá na Yorozuya não é ele...
-... O verdadeiro pode estar em qualquer outro lugar. – Shinpachi completou o raciocínio da Yato. – O que acha de recorrermos ao Shinsengumi?
*
- “Ladrões de vidas”? – Hijikata Toushirou massageava as têmporas ao ouvir mais um relato de mais um acontecimento bizarro. – Que bizarrice é essa?
- Vice-Comandante – Yukimura Susumu disse. – Os dorosei são uma lenda urbana, mas que parece ser real, segundo eu acabei de saber.
- Quem veio relatando isso?
- O pessoal da Yorozuya, do Distrito Kabuki.
- Tem um estúpido de cabelo prateado enchendo o saco?
- Não, apenas um quatro-olhos, uma garota com roupa chinesa e um cachorro gigante... Que tá mastigando a cabeça de um dos nossos, Vice-Comandante.
- Vou ver o que eles querem.
O Vice-Comandante levantou-se dali e foi à outra sala, onde estavam Kagura, Shinpachi e Sadaharu, que acabava de cuspir o outro homem do Shinsengumi. Apagou seu cigarro em um cinzeiro pelo caminho.
- O que vocês querem? – perguntou.
- O Gin-san desapareceu, Hijikata-san. – Shinpachi respondeu. – E não temos uma pista dele, a não ser um “dorosei” no lugar dele.
- Que conversa é essa de “dorosei”? – o moreno questionou. – Isso não passa de lenda urbana, que virou assunto de jornais sensacionalistas.
- Não é lenda urbana. Há um desses no lugar do Gin-san.
- Bobagem!
- Se tem dúvidas, vem com a gente conferir. – Kagura encarou Hijikata com olhar de peixe morto.
*
- Tem certeza de que é um “dorosei”? Ele me parece muito normal, ainda tem a cara de estúpido.
- Hijikata-san, estamos observando ele há duas horas e ele não falou besteira alguma. – Shinpachi cochichou com ceticismo.
O Vice-Comandante observou mais alguns instantes o Yorozuya. Realmente não era normal aquele sujeito ser tão quieto e educado. Nem mesmo ofendia Hijikata como costumava fazer.
- Como está o trabalho, Hijikata-san? – o albino perguntou.
- Bem... Está como sempre.
“’Hijikata-san’? Desde quando esse estúpido é tão educado assim?”, o Vice-Comandante pensou. Na verdade, Gintoki sempre o tratava de forma debochada, chamando-o de “Hijikata-kun”, ou de “Mayora”.
- Mas que diabos está acontecendo aqui? – murmurou de forma inaudível. – Isso definitivamente não tem cara de ser apenas lenda urbana...
*
Com a cabeça rachando de dor, abriu os olhos aos poucos, para se acostumar ao ambiente em que estava. Não via muita coisa além de escuridão. Sentiu a parede fria contra suas costas e algo apertando seus pulsos e tornozelos.
Com isso, constatou o óbvio: estava preso. Mas... Onde estava?
- Ei! – fez sua voz áspera e assustada ecoar. – Toshi? Sougo? Zaki? Tem alguém aí?!
- Cala a boca, Gorila de bunda peluda! – uma voz grave, porém fraca, protestou. – Minha cabeça tá pra explodir...!
- Yorozuya...? É você...?
As luzes do local foram acesas, e Kondo pôde ver que, ao seu lado, estava Gintoki. O albino estava muito ferido, ao contrário do Comandante do Shinsengumi. Tudo o que Kondo lembrava era de ter levado uma forte pancada por trás e depois disso havia apagado.
Pelos ferimentos do Yorozuya, deduziu que ele havia acordado antes de chegar ali e resistido ao rapto. Aquele albino, como sempre, era duro na queda.
Até aí, tudo bem. Já sabia que ambos foram raptados por algo ou alguém. O que o envergonhava era o fato de que, mesmo com um porte físico intimidador, Kondo fora presa fácil. Mas, além disso, não sabia quem os raptara, o porquê disso, e quais eram suas intenções.
Os dois homens ouviram passos ecoarem até uma porta se abrir. Em seguida, entraram outros dois homens, que deixaram Gintoki e Kondo surpresos. Os dois “visitantes” eram à imagem e semelhança do ex-samurai e do Comandante. O que era aquilo, afinal?
- Eles são... Dorosei...?! – Kondo estava incrédulo e confuso.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
* Dorosei: Fiz uma fusão da expressão Dorobō no seikatsu, ladrões de vidas, no português.
Continua no próximo capítulo...