7-100: Memórias De Sangue escrita por Jena_Swan


Capítulo 3
Capítulo 3




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Em seu quarto estava tocando Sonata ao Luar, o que por si só já era bastante melancólico, junto da escuridão ali dentro e a imobilidade de Will, em nada ajudava. As cortinas estavam cerradas e a única luz, levemente azulada, provinha do visor do notebook.

  Will estava deitado em sua cama, acordado, mas, sem vontade alguma de sair dali. Sabia o que o aguardava lá fora. A insistência do pai e um grande abismo. Com o fim de seus estudos, dali poucos meses,não saberia o que fazer ao certo.

Ou melhor, sabia o que fazer. Só não tinha certeza se queria. Estava passando por uma difícil fase de adaptação e indecisão.

Desligou a musica, que era a favorita de sua mãe, a verdadeira, e saiu para o corredor escuro de onde podia ver a porta do quarto do irmão, igualmente embalada em sombras.

Seth era levemente sombrio, mas, Will convivia tanto com ele e gostava tanto do irmão mais velho, que já não notava mais essas esquisitices. Eram coisas normais, cotidianas para ele.

Abriu a porta e espiou para dentro. O quarto de Seth estava igualmente escuro e ele estava sentado de forma relaxada na frente do computador, com fones de ouvido. Seth virou a cabeça na direção dele.

O som dos fones estava alto, mas, mesmo assim o irmão sabia de sua presença. Era quase como um sexto sentido. Seth também tinha um olhar estranho que, por vezes, deixava Will com os pelos arrepiados.

O irmão mais novo deu um passo para trás, quase arrependido de ter incomodado o mais velho, mas, como que para desmanchar a imagem sombria e distorcer a cena, Seth abriu um largo sorriso.

Que definitivamente não combinava com sua aura.

- Olá Pequeno Astronauta! – ele tirou os dedos do teclado e cruzou os braços.

 - Ahn – Will limpou a garganta – você está ocupado?

- Um pouco talvez.

- Será que... Posso ficar aqui? Só um pouco?

Seth arqueou uma sobrancelha e deu de ombros.

- Vá em frente.

Will fechou a porta atrás de si. Seth ouvia Rock e um jogo sangrento se desenvolvia na tela de seu computador, como em uma guerra. Ele parecia se divertir (e muito) matando os inimigos.

E por vezes os aliados.

Mesmo que isso lhe tirasse pontos.

Will sentou em sua cama bagunçada e observou os pôsteres na parede. A maioria de filmes de terror. Seth tinha um gosto estranho. Exótico, excêntrico, talvez.

Na verdade, todo ele era excêntrico. A porção de pequenos detalhes, de pequenos pensamentos e idéias de que era formado Seth, era excêntrica. Não seria Seth Miller se assim não o fosse.

Algumas empregadas da casa tinham medo dele, mas, Will não. Aliás, não conseguia por vezes enxergar os muitos pontos esquisitos que os outros tão facilmente viam. Não entendia porque temiam Seth. Ele era estranho... mas, legal.

Era fácil ficar perto de Seth. Enquanto seu pai lhe cobrava coisas que nem sempre podia dar (como uma entrada triunfal na poderosa Seasons dali poucos meses), Seth não lhe cobrava nada. Por vezes nem se importava com o que o Will iria fazer.

Deixava-o ser livre para tomar qualquer decisão e fazer o que bem entendesse sem se importar com as conseqüências. Alguns chamavam isso de irresponsabilidade (e era mesmo), mas, Will aprendera mais coisas assim do que com as formas rígidas de seu pai.

No todo, acabara formando a visão desse jeito estranho de carinho que Seth nutria por ele. Mesmo que não parecesse ser, exatamente, carinho.

Ficaram em silencio por muito tempo. Seth não abriu a boca. Exceto para dar alguns sorrisos ao jogo sangrento. Observava Will, atentamente, pelo canto dos olhos.

Não havia duvida disso.

Essa estranha capacidade de observação que os predadores tem, Seth também tinha.

Will deitou a cabeça no travesseiro do irmão e observou a silhueta magra que se desenhava contra a luz do computador.

Seth tinha todo um jeito andrógeno de ser e não ligava a mínima para isso. Will sabia de algumas meninas que arrastariam um vagão por ele, mas, dificilmente o via dando mais que dois dias de bola para elas. Não era um cara que trazia namoradas em casa.

Ou amigos.

Mas, colecionava brigas e inimigos.

Até os policiais estavam de olho nele, o que não agradava ao pai nem um pouco. Will sentia que o velho estava tentando, lentamente, afastá-los.

Como que invocado por seus pensamentos, Barry Miller abriu de supetão a porta e acendeu a luz. Seth fez uma careta e estreitou os olhos. Will se sentou.

- O que pensam que estão fazendo, os dois folgados? Parecem dois morcegos enfiados nessa cova escura! – e passou os olhos em evidente desagrado pelas paredes cheias de quinquilharias, até pousar em Will – E o que você está fazendo aqui?! Em plena manhã, no meio da semana, deveria estar na escola, cuidando de seus estudos e se preparando para entrar na Seasons!

- Mais um pouco e ele resolve que você tem que estudar em Harvard – Seth resmungou entre dentes, sem desviar os olhos do jogo.

Na verdade, seu pai tivera alguns planos surreais para o filho mais velho estudar em Harvard.

Não deu muito certo.

Will se levantou apressadamente. Ainda estava com a camiseta branca velha que usava para dormir.

- Deveria se envergonhar. Um rapaz desse tamanho, já de barba -  o pai ralhou – vindo dormir no quarto do irmão! – Ele apontou para a altura de Will e seu porte atlético. De fato, agora o loiro estava se sentindo envergonhado por ter se refugiado no quarto de Seth, exatamente como fazia quando era pequeno.

 - E corte esse cabelo! – gritou. O cabelo de Will estava comprido, quase passando das orelhas. Tentava seguir a moda de Seth, cujos cabelos estavam passando das orelhas e quase chegando ao queixo, ainda não eram muito longos mas, o mais velho não tinha intenção alguma de cortá-los – Você também Seth!

- Ahan.

- Estou falando com você garoto, olhe pra mim!

Seth fez uma careta e olhou para o pai rolando os olhos.

- Não acha que para um universitário... freqüenta muito pouco suas aulas? – sua voz destilava veneno, pura irritação. Seth e o pai estavam se tornando inimigos.

 - Não acha que para um curso que você escolheu pra mim... sem perguntar se eu me interessava... Até freqüento bastante?

O rosto do pai ficou vermelho.

- Se não quer ir, também não ficará aqui fazendo nada. Vista-se! Quero você em meia hora no carro. Vou te ensinar como se dirigem os negócios da família!

- Com isso você quer dizer a sua empresa cheia de funcionários puxa saco? – Barry Miller já se afastava – Cuidado, está escolhendo outra vez por mim. Não me recrimine se eu não corresponder as suas expectativas – a voz de Seth era irônica, sem preocupação alguma.

- Cuidado você, garoto!

Seth virou o rosto para a tela do computador de novo, fazendo soar uma seqüência de tiros de metralhadora.

- É por isso que a mamãe não gostava de você. E porque eu igualmente não gosto.

  -

  Seth apareceu exatamente meia hora depois, vestindo uma camiseta regata branca e jeans rasgados. Nada apropriado para uma visita a sua famosa empresa a ser herdada.

Furioso, Barry Miller o obrigou a vestir um terno, que Seth conseguiu fazer se tornar algo tão informal quanto a camiseta que vestia antes. Amarrou a gravata frouxamente ao redor do pescoço, abotoou a camisa até a metade e deixou apenas uma parte enfiada dentro da calça social preta (que também estava sem cinto e folgada em seu corpo magro).

O casaco italiano ele fez questão de levar pendurado no braço. Sorriu para o pai com o cabelo despenteado lhe caindo nos olhos (claramente sem escová-los).

- Não acredito que você fez isso – Barry disse entre dentes, mas, estava atrasado demais para forçá-lo a se vestir novamente.

O filho estava decidido a transformar essa excursão no pior pesadelo de sua vida. Durante a reunião bocejou alto inúmeras vezes, tirou, na frente todos os sócios, os fones do bolso e começou a desenrolar o fio, colocando-os na orelha e ouvindo heavy metal em som alto.

Ainda não satisfeito, apontou em voz alta todos os defeitos da empresa e sugeriu (não tão sutilmente) um possível desvio de dinheiro, acusando (de forma nada velada) um de seus gerentes.

Derramou café, propositadamente, sobre uma pilha de papeis importantes e ao fim do dia tinha conseguido fazer (com poucas e secretas palavras sussurradas) que a melhor secretária dali pedisse demissão.

No todo, estava satisfeito com os resultados causados no dia.

  -

  Não tem lugar mais pratico para se descobrir possíveis “casos perdidos” ou casos de “personalidade anti social” do que um fórum! A área de psicologia e psiquiatria forense e a assistência social eram sempre pratos cheios.

Principalmente se você é um psicopata a procura de outros psicopatas.

Eu poderia montar um chat na internet. Você é psicopata? Você está sozinho e certo enquanto todos estão errados? Compartilhe seus pensamentos agora, no www. Psychochat... Ah, que coisa cafona. As vezes eu me surpreendo com meus pensamentos.

É a convivência com essas pessoinhas...

O bom do velho Brody é que ele é influente em toda a cidade e por ser uma cidade relativamente pequena, quase tudo sobra para ele. Incluindo os casos forenses.

Não é bem como se você fosse encontrar bons psiquiatras em Flowers Street dispostos  a lidar com casos perigosos, perdidos e afins.

O bom também é que, por não dispor de muita ajuda, Brody aceita qualquer mão “amiga” que se estenda.

Por isso entrei ao seu lado no forum como o bom estudante/ajudante/faz tudo que era.

Um velho de bigode passou por nós.

- Ei Brody! – cumprimentou-o com um tapinha nos ombros. O olhei de cima a baixo.

- Teodor! – Brody o cumprimentou sorridente – Como vai?

  Ah que lindo! O juiz em pessoa! Tem como meu dia ficar melhor?

- Tudo excelente! O que te traz aqui?

- Tenho alguns casos para dar uma avaliada – Brody respondeu casualmente.

O juiz fez uma cara cansada.

- Sei bem. Você já pegou o da semana passada? Sobre Barry Miller – o juiz esclareceu.

Arqueei a sobrancelha. O milionário da cidade? O que poderia ter acontecido com ele?

Teodor olhou pra mim antes de prosseguir e Brody o acalmou explicando que era seu aluno de confiança. Teodor nos levou para sua sala e fechou a porta.

Realmente, gostei do andar da carruagem até aqui.

 - O filho dele anda sendo um problema – o juiz disse – Não posso me meter nesses assuntos, você sabe, mas... Seth é um caso delicado. Barry, na verdade, é um caso delicado e ele é influente na cidade. É errado de minha parte lhe pedir isso, mas... Por favor, caro amigo, pise em ovos para lidar com eles.

Não pude deixar de arquear minhas sobrancelhas diante disso, apesar de não saber ao certo sobre o que se tratava. O juiz entregou a Brody um arquivo completo, bem recheado por sinal. Me perguntei se conseguiria ter umas horinhas a sós com aquela papelada, mas, não foi preciso afinal, meu caro Brody começou a folheá-la na minha frente.

- Seth está andando com a gangue do Scott?

Scott. Eu já tinha ouvido falar dele. Como em qualquer cidade pequena, Scott era seu vilão, o cara problema por assim dizer.

Mal sabia a “pobre e coitada” população de Flowers Street que eu iria em breve me tornar seu maior pesadelo... Mas, até lá quem fazia as vezes de vilão não tão malvado era Scott.

Pelo que eu ouvira falar ele tinha muitos problemas em casa e para descontar, nos pais provavelmente, reunira um grupo de outros jovens revoltosos como ele e “tacavam o terror” nas ruas da cidadezinha, fazendo todo tipo de vandalismo e recentemente assaltando casas de “gente honesta”.

Perto de meus planos, Scott era um anjo com asas de penas brancas... Mas, como o bom ator que era fiz minha maior cara de preocupação.

- Meu Deus esse garoto é uma péssima influencia!

Brody e Teodor me olharam com um misto de concordância e pena, como se quisessem dizer “Ah garoto, você não sabe da missa a metade”.

Hum pobre tolinhos...

- É ainda mais complicado Elijah – Brody disse estalando a língua – Seth já é um garoto problema. Ele é... – faltaram palavras ao professor – um caso delicado.

Hmm interessante, muito interessante. Falem-me mais sobre esse tal Seth.

- Desde que a mãe dele sumiu Seth se tornou um menino estranho – o juiz emendou e Brody fez uma cara desolada.

- A mãe dele sumiu? – franzi a testa. Eu tinha certeza que já tinha visto a sra. Miller em varias fotos, em vários jornais – A sra. Miller não compareceu na comemoração do aniversário da cidade mês passado? – me lembrava nitidamente dela sobre o palanque junto do marido e do prefeito da cidade.

Teodor deu um sorrisinho.

- Aquela é uma das senhoras Miller.

- Uma das...?

- Se você reparar bem Barry Miller aparece, em cada evento, com uma nova intitulada senhora Miller.

- Ah eu nunca reparei – admiti. Acham que eu tenho tempo de ficar reparando no rosto de supostas milionárias casadas com outro milionário? Tenho mais o que fazer!

- Mas, a original – Brody acrescentou de uma forma um tanto melancólica – A original Amelie Miller, inigualável, jamais poderá ser substituída.

Pelo tom de voz eu diria que Brody era apaixonado por ela.

- Sim, a Amelie – Teodor acrescentou com um sorriso bobo também. Ah homens sentimentais... As vezes fico muito feliz em não ser assim – A linda Amelie. Foi realmente uma pena... – e ele estalou a língua.

Mas, que coisa! Parem de ficar andando em círculos pela história, contem logo o que aconteceu com essa tal Amelie, quanta enrolação! Sou um cara impaciente e impulsivo, é uma característica de minha personalidade.

- O que houve com ela? – perguntei com minha melhor voz inocente e curiosa.

Minha voz mental é bem mais agressiva e arrogante. Pena que não posso usá-la em publico, é tão mais viril!

- Amelie sumiu, simplesmente isso – o juiz deu de ombros – Ninguém sabe o que aconteceu. Para a mídia Barry disse que ela morreu, mas, nós sabemos que não é verdade. Nunca houve um corpo ou um acidente e nem sequer um enterro. Amelie está viva, mas, ninguém sabe onde.

- Talvez ela tenha feito certo. Barry é um péssimo marido – Brody resmungou – O único erro dela foi deixar os filhos. William, o mais novo, não pareceu se afetar tanto quanto Seth. Se o mais velho já tinha algumas inclinações para esse comportamento agora, sem a mãe e apenas com o pai que não pensa em mais nada alem de seus interesses, está completamente mergulhado em problemas.

Eu achava que já ouvira as pessoas na cidade falarem sobre a mãe dos garotos...

- Uma das mulheres com quem se casou insiste em dizer que assumiu o lugar da mãe deles e que os garotos a amam. Não sei qual das senhoras Miller disse isso, mas, o próprio Barry já se referiu a ela como “mãe” de seus filhos – o juiz fez uma cara de desagrado.

Se eu estivesse no lugar de Seth e William já teria dado um jeito nesse pai e nessa “mãe”.

Teodor voltou-se para Brody.

- Eu sei que é um assunto delicado, mas, eu me pergunto se não está na hora de assumir que esse garoto é um anti social e tomar as devidas providencias. Ele só nos trará problemas daqui pra frente.

Um garoto anti social? Eu sorri.

  Seth Miller era o próximo em quem eu deveria ficar de olho.

Quando achei que meu serviço estivesse praticamente terminado, Brody puxou outra pasta.

-  Ah essa é daquele garoto que veio de fora, não? – ele a folheou – Hmm os pais morreram...A assistente social está reclamando do modo como ele cria o irmão. Na verdade, esse garoto também é estranho. Pedi para algumas pessoas ficarem de olho nele... Elas não me relataram boas coisas...

- Esse ainda não passou por mim – o juiz riu – Eu apenas adiantei a papelada dos Miller porque sei que isso, mais cedo ou mais tarde, me trará problemas.

- Certo – Brody fechou a pasta, se despediu do amigo e seguiu para sua sala. Consegui ler de relance o nome do individuo do segundo arquivo.

Julian Cooper.

Sorri.

Eu iria à caça em breve.


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