7-100: Memórias De Sangue escrita por Jena_Swan


Capítulo 2
Capítulo 2




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  O grande truque é saber camuflar-se, ser adaptável. Um segredo e tanto para os anti-sociais como eu, mas, dificilmente se vê um tendo sucesso em fazer isso. Pelo menos por muito tempo.

  Alguns tem facilidade em se esconder entre os outros, se misturar, mas, a maioria acaba sendo pega, desmascarada. Sempre assim. Temos uma dificuldade gigante em abaixar a crista e quem estiver atento consegue perceber a falha em nosso papel de humano bonzinho.

  O que eles precisam é de um treinador, alguém dotado de todas as técnicas, com conhecimento profundo em comportamento e psiquismo humano, o suficiente para te dizer “Ei, idiota, é isso que te torna chamativo”.

  Eu era esse cara.

  E para que entendam bem meus objetivos vou deixar bem explicado: Não estou fazendo isso pelos outros, minha natureza pouco se importa com os outros. O que quero é provar que eu consigo ser melhor que todos.

  Bem simples.

  Você pode encarar a situação toda como: Humanos normais vs. Humanos com personalidade anti-social ou psicopatas. Nesse caso meu interesse seria em tornar o meu grupo vitorioso, com vantagem sobre os normais.

  Ou então a coisa toda poderia ser vista como eu sendo mais inteligente e esperto entre os de minha própria “categoria”.

  De qualquer jeito... Sou melhor que eles.

  E que todos.

  Mas, sei disfarçar essa certeza com uma falsa modéstia perfeita.

  OK. Meu plano não iria funcionar sem adeptos e o que eu precisava no momento era de voluntários (ou não). Na verdade o que eu queria mesmo eram seguidores, mas, não importa como iremos chamá-los, a função é a mesma.

  O primeiro passo era encontrar essas criaturas iguais a mim em algum lugar de Flowers Street, o que, apesar de não parecer, é muito difícil. Somos 1% da população mundial e você pode tentar nos encontrar em qualquer lugar, mas, fazendo bem os cálculos a quantidade de psicopatas existentes num lugarejo como essa cidade é mínima!

  Tente achar UMA pessoa especial entre uma multidão e você entenderá. Agora tente achar essa mesma pessoa supondo que ela está disfarçada. Porque, mesmo sempre sendo desmascarados no final, os psicopatas a principio se disfarçam bem.

  Superficialmente bem.

  Tente se aprofundar mais na psique daquele seu amigo estranho, que não se importa muito com os seus sentimentos, e vai entender o que digo.

  Reflexões a parte... Achei que o jeito mais fácil fosse sair à caça em ambiente fechado, onde poderia ser um observador passivo dos fatos, das conversas e procurar a fumaça. Conversas sempre correm para todos os lados, carregadas de informações úteis que poderiam ser usadas contra muita gente. É que as pessoas não ficam prestando muita atenção na conversa alheia mas, até mesmo senhas de banco você poderia conseguir se passasse um tempo prestando atenção na conversa de duas ou mais mulheres.

  Era esse meu alvo.

  Mulheres.

  Onde há fumaça há fogo e  elas falam, falam, falam... Deveriam saber algo. Um namorado estranho, um irmão, primo, pai que fosse! As amigas seriam as confidentes e eu o ouvinte secreto.

  Afinal numa Universidade reconhecida como a Seasons a quantidade de pessoas diferentes, vindas de outros lugares, deveria ser maior. A cidade podia ser pequena, Seasons era grande por si só, ou seja... A probabilidade de encontrar um psicopata ali também era maior.

  Gostamos de prestigio.

  Mas, vamos deixar as probabilidades de lado.

  Saí do bloco de medicina e enfermagem e atravessei o campus na direção onde ficava o bloco de Direito, Administração e Jornalismo. Era o segundo maior bloco dentro da Seasons, depois de Medicina.

  No pátio onde ficava a lanchonete os alunos se reuniam em grandes bandos. A maioria ali andava acompanhada de pelo menos, três pessoas. O que era bom, quanto mais pessoas mais conversa e quanto mais conversa... Mais chances de falarem algo que me interesse. O negócio agora era saber QUEM de todos aqueles grupos, iria me fornecer, sem querer, a informação de que precisava.

  Comprei uma barra de chocolate, enfiei meu jaleco no fundo de minha mochila, escolhi uma mesa aleatoriamente e me instalei. Camuflagem. Tornar-se invisível entre os demais. Para quem me olhasse eu era apenas um aluno, no intervalo de sua aula de direito, administração ou jornalismo, saboreando sem pressa seu chocolate, perdido em pensamentos distantes, talvez sobre uma possível namorada que o tenha deixado.

  Viu só? Até mesmo o cenário tem que ser perfeitamente calculado. E eu estou representando o jovem comedor de chocolate de coração partido.

  Ninguém iria dar bola pra mim. Sou uma dessas pessoas que seu cérebro capta e deleta com facilidade.

  Passei a prestar atenção ao redor, nas conversas. Era quase como pescar. Ficar imóvel e silencioso esperando os peixes se aproximarem.

  De repente meu cérebro captou um “ele é tão estranho” seguido de um murmúrio feminino de reprovação. Virei a cabeça na direção do grupo ao meu lado. Era uma mesa com cinco garotas, todas com estilo patricinha. Falavam sobre os rapazes e possíveis pretendentes... é claro.

  Por um momento cogitei ignorar afinal, garotas usam o termo esquisito para quase todos os garotos que não as atraia e “muito esquisito” é um termo muito amplo. Qualquer um pode ser muito esquisito. Só que a loirinha emendou algo interessante à frase:

  - Sei lá, ele fica lá na dele, quieto. Sinistro. Ah não sei –  murmurou chacoalhando a cabeça – ele me da medo.

  Interessante.

  - Ahhh – gemeu a outra – mas, ele é tão bonito!

  - Bonito e sinistro. É o tipo de cara com quem você vai dormir num dia e no outro ele acorda e você vai pro necrotério – respondeu a morena.

  Muito interessante.

  A loirinha benzeu-se.

  - Credo! Você acha que ele é o que? Algum tipo de monstro? Um psicopata maníaco tarado disfarçado de estudante?

  Nossa! Quanta imaginação! Discordo quanto ao maníaco tarado.

  O psicopata disfarçado de estudante já é outra história.

  Sorri.

  Vamos gracinhas, digam-me mais. Quem é esse seu amiguinho esquisito? Onde estuda? Qual seu nome? Vamos passem-me a ficha.

  - Sei lá o que o Julian é! – a morena deu de ombros – Deve ser algum vampiro – ela riu – lindo e mortal. Só espero que não brilhe no sol.

  - Julian não é lindo – disse a outra – ele é estranho. Ninguém que é estranho é bonito.

  - Você nunca reparou nele!

  - Claro que não, ele me da medo!

  Rolei os olhos. Ok chega de ladainha suas tagarelas! Já sei o primeiro nome e o resto?!

  - Você só tem olhos pro Mason isso sim.

  - Ah o Mason – a loirinha abriu um sorriso gigante e suspirou.

  Bufei decepcionado em minha cadeira. O assunto não voltaria ao tal Julian, o esquisito.

  - Mason é lindo – ela suspirou tão profundamente que me perguntei como seus pulmões não explodiram.

  - Mason é metido – a morena mostrou a língua e deixou bem claro, pelo menos para mim, que estava com dor de cotovelo porque o tal “Mason” não lhe pertencia.

  - Não, Mason é perfeito!

  Ah pelo amor de Deus! Não quero ficar ouvindo sobre o todo perfeito Mason, será que dá pra voltar pro esquisito!

  - Ele tem um futuro brilhante pela frente, é muito inteligente. Own ele é perfeito! Você ouviu ele contando de quando foi pro Japão?

  - Ele foi pro Japão?

  - Foi! Ele não é perfeito?

  Perfeito até demais.

  - Você reparou que os outros caras o respeitam né?

  - Eu tenho a impressão que os outros caras não gostam dele.

  - Ah pra você ninguém gosta de ninguém! Ninguém gosta do Julian, ninguém gosta do Mason...

  - Não gostam mesmo. O Julian porque ele da medo. O Mason porque é um grande metido.

  Opa, opa. Vamos voltar a fita. Ser “metido” é uma característica que nós podemos ter. Devo lançar um outro olhar sobre esse Mason ou seria muita loucura encontrar dois deles na mesma sala?

  Um é esquisito. O outro arrogante.

  Será que são amigos?

  Acho que está na hora de olhar pessoalmente para esses caras.

  A morena tinha um livro em cima da mesa e ela o usava como apoio de cabeça. A lombada estava virada para mim.

  Direito.

  Ela estudava Direito. Ótimo. Então, a não ser que elas passassem todo o seu tempo em outra turma, que a não a de Direito, Julian e Mason estariam lá.

-

  O bom das turmas grandes é que geralmente o professor não grava o nome e o rosto de todos os seus alunos, o que facilita em muito a minha intenção no momento.

  Entrei no anfiteatro onde o pessoal de Direito estava tendo aula. Provavelmente tinha uns oitenta alunos ali dentro. Já vi turmas maiores, mas, aquela não deixava de ser grande.

  Entrei furtivamente, o professor não me viu. Subi os degraus e encontrei um lugar no alto, de onde eu poderia visualizar todos os que estivessem abaixo.

  Eu espero, francamente, que esse velho faça logo a chamada. Não vou ficar brincando de adivinhação para saber quem é Julian e quem é Mason!

   De qualquer jeito não precisei esperar muito. Logo um rapaz de cabelo castanho, peito estufado, pose de rapaz que faz academia entrou na sala segurando sua jaqueta sobre o ombro, emanando arrogância. Ele sorriu de queixo erguido para as garotas, dando uma piscadela. Elas retribuíram com risinhos e aceninhos e logo descobri que esse era o tal Mason.

  Aparentemente, além da arrogância, não havia nada errado com ele. Qualquer rapaz com dinheiro a vontade na conta corrente poderia exibir esse peito estufado com tranqüilidade. No entanto havia nele algo... vazio. Como uma mascara de teatro.

  Talvez eu devesse manter-me de olho nele também. Quem sabe onde toda essa popularidade o levaria.

  Quase todos os alunos já tinham se acertado em seus lugares quando um rapaz alto, de cabelos negros entrou atrasado. Não era o tipo que entra envergonhado, constrangido pelo atraso. Não. Aquele cara entrou como se a sala devesse esperá-lo e não o contrário.

  Ele não era popular.

  O professor o olhou de modo reprovador mas, contido. Achei que tivesse medo dele. Os outros rapazes não o cumprimentaram, coisa difícil de acontecer porque geralmente os rapazes são amistosos com todos nas universidades. As meninas baixaram os olhos, ninguém se atreveu a “respirar” algo na direção dele.

  Era mais ou menos como se esperassem que o estranho tirasse uma arma da mochila a qualquer momento.

  Cara, você não está sendo sutil.

  Sorri. Eu ainda não tinha certeza se esse cara era mesmo alguém como eu, afinal, mesmo a criatura mais estranha do planeta nem sempre é um psicopata. O estranho aí de repente poderia ser simplesmente... estranho. Mas, algo dentro de mim se atraiu a ele. Algo como se pudéssemos quase compartilhar o mesmo olhar e pensamento enfadonho por estar preso a uma sala de pessoas medíocres, abaixo de nossa inteligência.

  Ele se sentou nas ultimas fileiras também. Silencioso. Lá no alto, na ultima fileira, numa carteira mais elevada que a minha. Parecia um corvo gigante e agourento empoleirado, observando os reles mortais aos seus pés.

  Gostei dele.

  E também fiquei alarmado. Um cara assim não me inspirava nem um pingo de confiança.

  Ele me olhou pelo canto dos olhos negros. Desviei minha atenção para frente, para o professor. Percebi de relance que Mason estava olhando para trás, encarando Julian com o mesmo olhar avaliador que lançara a mim, quase como se quisesse garantir que a supremacia ali fosse dele.

  Se Julian e Mason fossem competidores, então... Acho que chego a ter algo parecido com pena (uma pena simbólica, digamos) por Mason, afinal, é Julian quem tem cara de assassino.

  Ele TALVEZ não seja um psicopata.

  Mas, que tem cara tem.

  Pelo menos desses psicopatas estereotipados que a gente cansa de ver no cinema.

  Se ele for mesmo um psicopata vai me dar muito trabalho transformá-lo em alguém invisível, normal. Um bom ator.

  Julian não é um bom ator.

  - Espero que chegue um pouco mais adiantado da próxima vez, Julian – o velho professor comentou e achei que foi um tanto sem propósito. O que ele queria? Medir forças? Mostrar que era mais forte que o aluno?

  Grande bobagem.

  - Vou me lembrar – Julian respondeu. Sua voz era sarcástica, profunda e aveludada. Gostei da voz. Destilava arrogância.

  Ai ai ele iria me dar trabalho.

  Me perguntei como iria obter a resposta de que precisava. Não podia aparecer com o PCL-R e aplicá-lo, mesmo usando a desculpa de ser um aluno de medicina. Julian era esperto demais e eu não sei do que ele era capaz para ir dando minha cara assim, a tapa.

  Tampouco posso tentar obter informações fazendo amizade. Ele não me parece estar aberto a novas amizades.

  Mason será fácil, ele quer se mostrar. Posso virar amiguinho dele rapidinho.

  Talvez funcione.

  Esperei a aula acabar. Julian sumiu da sala logo que fomos dispensados sem nem olhar para trás.

  Me aproximei de Mason.

  - Ei licença! – sorriso simpático de minha parte – Você é o Mason?

  Olhar de cima da parte dele. Hum espertinho, quer dar uma de poderoso pra cima de mim? Muito bem. Vamos ver até onde você vai.

  - Sim, sou – ele cruzou os braços.

  - Ah eu sou... novo aqui. Fui transferido para essa turma... nessa matéria... – Que matéria estamos cursando aqui mesmo? Isso, parabéns Elijah, você não planejou nem um pouco seu discurso. Nem prestou atenção na aula.

  Grande coisa. Não quero ser advogado.

  Sou médico.

  Mason continuava me olhando a espera.

 - Será que eu posso me sentar com você nas próximas aulas... para pegar a matéria? Me disseram que você é muito bom – acrescentei rapidamente. Isso, vamos massagear o seu ego e ver qual é a sua, Mason.

  - Sim, sou bom – ele concordou. Modesto, não? – Claro, sem problemas. Nos vemos então é... como é seu nome?

  - Elijah.

  - Nos vemos Elijah.

  Ele não ficou para me esperar. Saiu com as meninas e me esqueceu no segundo seguinte. Até aí nada alarmante.

  Não, não estou muito inclinado a acreditar que Mason seja um psicopata. Um metido até pode ser, mas, psicopata... Só o tempo dirá. Todo caso irei ficar de olho nele.

  O que me interessa mesmo no momento é o outro...

  Julian. 


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