7-100: Memórias De Sangue escrita por Jena_Swan


Capítulo 4
Capítulo 4




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  O velho tinha me colocado para atender na clínica. O que só vem a provar o quão injusta é a vida.

  Eu ali, com os nomes de Seth Miller e Julian em mãos sem poder fazer nada a respeito, além de encará-los com vontade e acertar as fichas de pacientes babacas com problemas triviais.

  Senti que estava próximo a um ataque de fúria (e ainda bem que não tinha algo clichê como um taco de beisebol perto de mim no momento) quando a moça de cabelos loiros entrou aos prantos em minha sala.

Suspirei e rolei os olhos, afastando os papeis de perto dela antes que acabassem se molhando com as lagrimas desenfreadas.

Por que as pessoas precisam chorar tanto?! Que coisa mais estúpida! A humanidade é estúpida!

- O que foi?! - perguntei meio ríspido, irritado e frustrado por ter que fazer aquilo e quando ela, minha suposta paciente, me encarou confusa, limpei a garganta, entrelacei os dedos e fiz uma voz amável - Quais são seus problemas querida?

  Podia ser meu exagerado mas, ela pareceu gostar das palavras carinhosas e voltou a chorar.

Uma reação um tanto irritante.

Suspirei e me ajeitei na cadeira, que era o máximo que podia fazer naquela situação (dispensando a ideia de matá-la com um triturador de papeis).

- É o meu trabalho - ela se lamentou e eu, prevendo a longa ladainha que viria pela frente, lhe estendi meu pacote de lenços de papel.

- Vá em frente e conte-me tudo - Peguei meu bloco de anotações (para desenhar, é claro) e recostei-me. Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que não entrei em medicina nem em psiquiatria para ajudar a absolutamente ninguém além de mim.

O único propósito de anos de estudo é melhorar a mim mesmo. E não melhorar no sentido humano de se dizer "evoluir para um ser melhor, espiritualmente", não, nada disso. O que eu quero é conhecer minha essência maligna (como os outros chamam) e converte-la em algo infalível, algo que apenas a ficção já ousou escrever.

Como Dexter.

Ou Hannibal.

Mas, quero ser melhor que eles. Quero ser real.

Alias, sou real.

Só que sinto-me mais ou menos como uma placa de liquens enquanto sou forçado a aturar essa choradeira sem sentido dessa mulher loira que provavelmente não tem mais o que fazer a não ser tomar meu tempo.

Porque tenho certeza que, seja lá qual for seu problema, pode ser resolvido sem minha ajuda. Aliás, sem a ajuda de qualquer pessoa dentro do hospital.

Dediquei-me com afinco em meus desenhos, como se estivesse atento as palavras dela e anotando freneticamente. Na verdade, eu estava trabalhando detalhadamente em meu modelo de serra elétrica que eu adoraria ter em mãos naquele momento.

E usar na cabeça mole daquela moça estúpida.

O que, segundo as normas, era errado. E não aceitável em nossa sociedade atual. Outro absurdo. Não sei porque não é permitido matar uma pessoa como ela, toda cheia de lamentos inúteis que só interferem de modo negativo em minha vida. Tenho coisas mais importantes a fazer e ela está me atrapalhando.

Quer causa mais justa?

Mas, claro. Eu deveria antes de tudo lembrar de que o preço de saber mais sobre mim mesmo (e por causa de minha inteligência) era ter que ficar sentado naquela misera sala ouvindo as queixas estúpidas de pacientes estúpidos enquanto treinava minha melhor expressão de concentração e empatia.

Empatia.

A palavra mais estranha de meu dicionário.

-... E ele faz isso todos os dias - a mulher continuou dizendo - Ele nos bate as vezes, puxa nossos cabelos, quer posições impossíveis e não se importa conosco! Com nosso bem estar...

Opa! Eu podia não estar muito interessado nas lamurias dela e o mais provável era que fosse lhe passar algum calmante qualquer e dispensá-la, mas, aquela descrição me chamou a atenção.

Até porque era uma descrição bem conhecida. Afinal, "não se importar conosco" não era exatamente o que eu estava fazendo naquele momento? E não era o que eu fazia todos os dias, com todo o mundo?

- Desculpe - eu a interrompi - A quem você está se referindo mesmo?

- Ao meu chefe - ele fungou e soluçou. Tudo ao mesmo tempo.

Não sei como não engasgou fazendo essa manobra impossível.

- E quem é seu chefe?

- Alexis Hunter. Da agencia de moda - um longo suspiro e assoar de nariz. Nojento - Da lexus Models. Eu trabalho lá, lembra?

- Ah sim, sim  - ela trabalhava? Pouco me importava- Descreva o perfil mais detalhado de seu chefe. O perfil psicológico, sim? - porque achei que ela estava bem inclinada a descrevê-lo fisicamente, o que, mais uma vez, não me interessava.

- Bem, ele é... Arrogante, metido, pensa que sabe de tudo e que ninguém é melhor que ele. Suas roupas sempre são apertadas e ele sabe disso, faz de propósito. Ele sabe o tamanho das modelos mas, uma noite antes dos desfiles aperta todas e a gente quase se mata nas pistas. As vezes não paga o combinado. Assina contratos sem nossa autorização, falsifica assinaturas...

Quanto mais ela falava mais encantado eu ficava.

Com  o chefe dela, é claro.

Será que eu teria tanta sorte a ponto de mais um psicopata vir, voluntariamente, bater em minha porta? Quer dizer, não que ELE tenha vindo, mas, o caminho até ele com certeza parecia estar parado diante de mim.

Abandonei rapidamente meus desenhos e anotei tudo que podia sobre ele, desde o endereço ao perfil.

De qualquer jeito, receitei a ela o calmante e recomendei que tirasse umas ferias, se afastasse do trabalho por algum tempo. Ela me pareceu genuinamente agradecida.

O que não me fez diferença alguma.

Depois que ela finalmente saiu de minha sala, liguei o computador e passei a procurar sobre Alexis Hunter e encontrei muitas fotos dele. Na verdade, achei que ele estava bem em duvida sobre ser o designer ou o próprio modelo. No fundo, acho que competia com todos os seus modelos tanto homens como mulheres, e incapaz de tolerar estar ao mesmo nível que eles, se tornara alguém a cima, o chefe.

Bom, pelo menos ele tinha raciocinado direito.

Alexis Hunter não me parecia muito alto. Tinha um book de fotos gigante espalhado em sites de moda pela internet, que tive fácil acesso. Suas fotos variavam entre estilos andrógenos e machão. Mas, mesmo com muito esforço Alexis jamais seria “machão”.

Eu sorri.

Em alguns perfis ele parecia muito com uma garota.

Seu corpo era magro, seu ombros eram estreitos. Os olhos eram grandes e azuis intensos e os cabelos ruivos eram repicados. Na maioria das fotos aparecia com gloss nos lábios, sombra nos olhos e roupas coladas.

Encontrei uma foto onde ele se atreveu a vestir um sapato com salto.

Mas, até aí nenhuma novidade... cada louco com sua loucura. Eu tinha instintos de matar as pessoas... ele gostava de judiar e vestir sapatos femininos. Qual o problema?

Nas fotos que ele próprio tirara, de suas modelos, havia a clara devoção dele para uma garota (muito jovem diga-se de passagem) que de forma alguma deveria ser uma modelo oficial, a julgar pela carinha de bebê dela. Chamava-se Melany e uma rápida checagem na internet me informou de que era sua irmã mais nova.

Não era ruiva como o irmão, nem excêntrica como ele, mas, com certeza era uma boneca de porcelana viva. O que, novamente, não me interessava em nada.

A não ser que ela fosse uma linda menina com TPA. (Transtorno de Personalidade anti-social).

Perguntei a algumas garotas do hospital, que pareciam entender de moda, se elas sabiam me dizer algo sobre Alexis e tudo o que consegui foi que ele era "uma diva", "bárbaro" e "o terror das modelos".

O ultimo apelido era o que fazia mais sentido.

Como não tinha melhor opção para ir checar esse tal de Alexis, e investigá-lo me parecia mais fácil do que abordar os problemáticos Seth e Julian, arrumei uma desculpa para o professor Brody (algo sobre ter perdido meu cartão de credito) e me esgueirei para fora daquele hospital rumo ao Lexus Models. Eu tinha todo o plano em mente.

-

  O Lexus era um lugar que se parecia muito com o cruzeiro das loucas e não me senti nem um pouco confortável entrando ali. Era quase uma afronta a minha dignidade masculina.

Os modelos masculinos mais pareciam garças e gazelas saltitando de um lado para o outro vestindo espartilhos com lantejoulas e as garotas vestiam peças de couro e me pareciam ofegantes.

Como se alguém tivesse apertado demais as peças.

Alexis.

Eu sorri. Não me parecia algo muito bonzinho judiar assim das modelos, assim como não era boazinha a personalidade dos psicopatas, como eu.

Controlando minha felicidade, fui em busca do tal Alexis e logo o encontrei. Na verdade, ele me encontrou. Vinha aos berros saindo de um camarim, xingando sua equipe de maquiadores e cabeleireiros. Tudo porque, pelo que entendi, faltava um modelo homem para a campanha que começaria dali dois dias.

Ele parou na minha frente, depois de quase trombarmos, e me olhou de cima a baixo reprovador. Provavelmente não gostando de minha calça jeans simples e camiseta que com certeza não eram compatíveis para com as calças de couro dele, a blusa prateada e o espartilho de lantejoulas pretas por cima.

Sem falar do chicote (tenho certeza que é um artigo de sex shop) em suas mãos.

Também notei que estava certo. Alexis era realmente baixinho. Mas, suas botas com saltos o deixavam mais alto.

Ele era quase uma caricatura de modelo de cantor de Rock Japonês.

- Alexis Hunter eu presumo - disse lhe estendendo a mão. Alexis cruzou os braços e não me tocou.

- Sim, e você quem é?

Hum, petulante.

Mas, segure-se Elijah. Não seja ousado logo no primeiro encontro. Vamos ver do que ele é capaz.

- Sou Elijah Carter -  tentei sorrir simpático.

- É modelo? Nunca ouvi falar.

- Não, não sou modelo - estava tentando não dar um soco nele. Não gosto que brinquem com a minha paciência nem que usem esse tom petulante comigo. A menos que seja um homem ameaçador como Julian, Seth... e quem sabe Mason. Esse Alexis era uma afronta! - Sou médico.

Alexis rolou os olhos e teve outro ataque histérico, virando-se para as modelos.

- Muito bem, engraçadinhas, quem foi? Quem foi que chamou um médico? Quem é que acha que precisa de um médico que eu já vou dar JÁ um motivo para REALMENTE precisarem de um médico! - A voz dele subiu tantas oitavas que mais um pouco e conseguiria quebrar as janelas.

O recinto todo caiu num silencio assustador. As modelos o olhavam com olhos arregalados de puro medo e me perguntei o que ele seria capaz de fazer caso ousassem enfrentá-lo, afinal, pareciam ter um medo genuíno desse carinha.

O que tornava as coisas muito mais interessantes.

Ri para quebrar o gelo, como se não o levasse a sério.

E, de fato, não levava.

- Não não, acho que você me entendeu errado. Eu vim porque ouvi falar que  você precisava de um modelo masculino.

Alexis fez uma cara engraçada de surpresa e depois murmurou um som de aprovação que não sei imitar.

- Por que não disse antes?! - Pegou-me pelo braço e foi me arrastando para uma salinha lateral - Voltem a trabalhar, vocês! - gritou para o resto.

Apenas eu, ele e dois caras da equipe foram para a tal sala.

Cheia de espelhos e roupas.

Alexis me soltou, fechou a porta e apontou para minha camiseta.

- Tire.

- O que?

- A roupa. Sua roupa. Tire.

- Como é?! - exclamei pego de surpresa, mas, seus assistentes já estavam puxando minha camiseta pela minha cabeça e desabotoando minhas calças.

Por um pequeno momento fiquei com medo do que pudessem fazer, mas, como psicopatas tem deficit de atenção com relação ao medo, logo me esqueci disso e passei a planejar minha cruel e fria vingança a todos eles.

Olhei cobiçosamente uma tesoura em cima da mesa.

Antes que pudesse pegá-la, no entanto, eu estava apenas de cueca (preta) parado na frente do espelho, enquanto Alexis andava ao redor de mim, avaliando tudo. Notei, estranhamente, que ele tinha um lenço de Oncinhas amarrado no pescoço, que não combinava com o resto da roupa.

Ele teve a ousadia de dar uma chicotada em minha barriga e me tirar do torpor reflexivo em que me encontrava.

- Parece que o doutor Elijah não faz muito exercício, não? - sua voz era acida e reprovadora e fiquei imediatamente com vontade de fincar aquela tesoura em seu crânio.

Eu não era gordo. Nem barrigudo. Um pouco sedentário, admito, mas, de modo algum ele poderia usar aquele tom comigo.

- Hmm nada que uma academia intensiva não resolva - refletiu com aprovação. O chicote passou por minha coluna e eu pulei pra frente, pego de surpresa. Alexis sorriu - Nada mal, nada mal... - Virei para encará-lo e pude vislumbrar seu olhar.

Achei que estava olhando meu traseiro, o que não era legal. Nada legal.

Principalmente pelo sorrisinho de aprovação.

- Muito bem, chega disso - resmunguei.

- Pode assinar o contrato e aparecer aqui depois de amanhã para começarmos os ensaios.

E quem disse que eu iria posar para ele?! Era tudo apenas um plano, eu não pretendia realmente, REALMENTE, tirar fotos pra esse cara!

Mas, ao final do dia, eu tinha, estranhamente, assinado um contrato para fotografar com Alexis Hunter para a próxima temporada. 


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