Colecionadores De Segredos. escrita por Lioness


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :3



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Capítulo 19

O vento murmurava ao pé de seu ouvido em sussurros melódicos, suaves e roucos. Lá fora as folhas farfalhavam genuinamente sem nenhuma preocupação, untando-se à suave vertigem da luz prateada que intercalava por entre a cor clara de suas cortinas dançantes.

A janela estava entreaberta.

Podia-se ouvir o som emitido dos morcegos em sua vida noturna. O relógio em seu criado-mudo fazia-se ouvir certo tic tac.

Não tão distante, as dez baladas ecoavam pelo ar.

Ela remexeu-se um pouco, contraindo os lábios e o cenho.

Uma coberta púrpura e fina a protegia da brisa gélida da noite. Sua cabeça estava perfeitamente posicionada entre dois travesseiros, de modo a não sentir tanta tontura quanto deveria. Suas mãos delicadas estavam largadas sem jeito ao lado de seu corpo coberto. Os braços nus. Os cabelos rosados caiam-lhe de maneira rebelde sobre o rosto, fio por fio. Uma expressão suave tomava conta de sua feição. Então ela mexeu um pouco mais.

O vento assobiava constantemente contra o lóbulo de seu ouvido, querendo a despertar. E conseguiu.

Ergueu as pálpebras devagar. O verde cintilante contrastava na sombra que se formava a partir de sua janela, como brilhantes olhos felinos. A visão embaçada mal podia enxergar, levando-a a instintivamente piscar várias vezes lentamente. Crispou os lábios semiabertos e levou a costa da mão à testa. Uma terrível dor começava no lado esquerdo de sua cabeça. Rodou os olhos ao redor e identificou o quarto. Seu quarto. Logo após olhou para baixo, constatando que estava deitada. Porém, não sabia como havia chegado à sua cama. Olhou para seus braços. Estava com sua bata de alcinhas de pijama e sentiu a textura grossa de sua calça de dormir. Também fazia a mínima ideia de como havia entrado naquelas roupas. Franziu o cenho, confusa e apoiou-se nos cotovelos a fim de se erguer. Oh, um pequeno erro, a dor latejante em sua cabeça deu uma fincada maior e se intensificou. Agonizou baixinho em um extenso “Ah”. Aquilo era um martírio. De qualquer maneira, esforçava-se para lembrar-se de... Bom, nem ao menos sabia o que queria lembrar. A dor tomou o outro hemisfério de sua cabeça quando chegou ao branco de sua memória. Nada. Não se lembrava de nada. Apenas de rápidos movimentos tumultuados em um bar. Continuou a se erguer, escorrendo o corpo pelo lençol de seda quando intercalou entre a sombra e a luz fraca da lua. Neste exato momento sentiu uma voz ecoar em seus ouvidos.

–-Oh, você acordou. – era uma voz masculina, firme, ao mesmo tempo havia um notável cuidado com o tom tornando-a suave.

Por um segundo questionou se havia feito alguma besteira, mas arquejou internamente aliviada ao sentir-se intocada. Continuou a arrastar-se pela cama king size baixa até conseguir desembrulhar seus pés e pô-los alinhados com o chão, entretanto foi bloqueada.

–-Ei, não pode se movimentar assim, vai ficar pior. – a luz não era suficiente para decifrar quem era, fora o fato que sua dor gritante a tornava parcialmente cega e irracional.

–-Q-Quem é... – um embrulho tomou conta de seu estômago e as paredes de sua garganta pareciam se contrair. Oh, a dor estava começando a se tornar corporal.

–-Shh... – sibilou a empurrando cuidadosamente para a cama, impedindo-a de movimentar as pernas – É melhor ficar deitada, eu vou buscar uma aspirina, deve estar com uma dor do caramba. Fica aqui. – terminado de dizer, ela pode escutar passos firmes ecoarem pelo corredor e sumirem junto com a silhueta dele.

Seu estômago revirou-se novamente, como se tivessem o exprimido por bastante tempo até que sentiu algo volumoso subir de súbito até a boca do mesmo – que por sinal causava uma sensação terrível – e por fim escapar de sua boca em um gemido rouco. Teve tempo apenas de prender a franja escorregadia com os dedos.

Todo o líquido gosmento caiu no chão, respingando. Um gosto amargo tomou conta de sua língua e seus dentes pareciam corroídos. O processo se repetiu mais algumas vezes até ela não aguentar mais e sentir seu estômago completamente vazio. Um cheiro ácido e ruim invadiu suas narinas e ela repugnou. Por sorte não se sujou.

Lançou um olhar vago e pesado para a considerável fresta de luz que vinha da porta. Estava em um estado deplorável e sua subconsciência a enchia de culpa. Bom, sua cabeça parecia estar sendo martelada e sua boca tinha um gosto horrível, dar ouvidos ao interior de sua mente não era sua prioridade agora.

Fixou o olhar lânguido para aquela fresta de luz. Os lábios não se encontravam e ela estava sentada com as pernas dobradas pra trás, usando as palmas das mãos como apoio. Quem quer que seja que havia saído estava demorando e ela não estava gostando da demora. Estava começando a sentir sozinha. Isso incomodava. Era a primeira vez que passava por isto tudo. E ficar parada na cama esperando por alguém que nem ao menos identificou não parecia legal. Bom, não estava em sã consciência, a própria rosada – obviamente – não estava legal e nem no mínimo racional, as únicas coisas que conseguia ouvir eram as batidas de seu coração no latejar de sua cabeça e uma fina e distante melodia. Suave e terna, com uma ligeira pontada de mistério. Ah sim, aquilo despertou sua curiosidade!

Então se levantou descalça pelo lado limpo da cama – podia não estar completamente bem, mas uma vozinha no fundo gritava um pouco de razão – e esperou se estabilizar apoiada na parede. O chão estava frio chocando contra o solado de seus pés quentes, subsequentemente um choque elétrico percorreu por todos os seus ossos, arrepiando-a. Pé ante pé começou a andar, sem largar as pontas dos dedos abertos contra a parede fria e áspera. Ao alcançar a porta, a luz forte do corredor fez sua cabeça doer ainda mais e suas orbes esmeraldinas foram protegidas instantaneamente pelas pálpebras alvas, espreitando a visão. A melodia parecia se tornar mais audível a cada passo. A ordem de esperar naquele quarto? Bom, ela não se lembrava nem de quem era direito, então não iria gastar espaço de sua memória com uma ordem daquelas de quem nem ao menos sabia quem era.

–------------- xx --------------

As vistas embaraçadas a faziam tropeçar constantemente, até em seu próprio pé. Sua boca seca começava a incomodar. O céu negro de sua boca ardia. Protegia o estômago com os braços, apertando para conter a dor que surgia fraca na pontinha de seu fígado. “Arg!” bufou. Seu apartamento era grande e todas as luzes pareciam ligadas, queimando contra seus olhos. Guiava-se pelo som propagado, contínuo e gostoso. Aquilo era como comer de olhos vendados. Algo bom, porém, um delicioso quê de mistério enorme. Aquela melodia era como uma imitação distinta da vida: uma continuidade suave que enganaria ouvidos dispersos, certa falsidade. Por de trás, uma tonalidade macabra e sórdida envolvida em um suspense estonteante e aventuresco. Para terminar fraca, definhada, um quê de triste e tragicamente doce. Era um bom drama, com certeza.

Continuou a levar pé por pé, andando escorada na parede. Os cabelos cor de rosa pioravam a situação por cair em seus olhos. A perna já não doía tanto assim como as outras feridas. Riu pelo nariz, Chyo era uma boa enfermeira.

O que estava fazendo?

O som tornou-se mais palpável.

O que estava acontecendo?

Era a sala do piano.

Por que estava neste estado deplorável?

Estava quase chegando.

Quem estava ali?

Uma leve euforia borbulhava dentro de seu corpo. Oh, sua parte sã começava a atordoa-la com perguntas e flashes vagos de memória.

Gaara...? Seu pai...? Hikaru...?

Gemeu, levando a mão direita a têmpora esquerda, massageando-a e apertando-a com força. Uma expressão agonizante tomava conta de seu rosto. Os olhos cerrados bruscamente e o nariz franzido. Os lábios formavam leves vincos. Seu coração descompassou. Acelerou os passos, a porta da sala instrumental estava perto. Sentiu um embrulho se formando na barriga. O que sentia? Por que esta inquietação incomum? Seu corpo doía por completo, entretanto, como contraste, esta curiosidade a levava cada vez mais. Poderia ser perigoso. Poderia ser um ladrão. O que diabos estava fazendo? Estava doente, estava mal e entendia muito bem seu estado, deveria ficar na cama até passar. Tossiu forte. “Oh, droga.” Pensou. Ansiosa? Era isso? Bem, era o que parecia. Seu coração batia rápido e descompassado. Mas pelo o quê? Ah, bom, uma parte dela sabia e se lembrava muito bem... Seria ela que não queria enxergar?

Gemeu alto de dor, agonia. A mão não deixava sua têmpora. Estava parada na soleira. Sua cabeça explodiu. A música acabou.

A luz – para Sakura no momento – era forte de mais. Sua visão era tomada por uma alvura monocromática extremamente forte. Suas pupilas se contraíram demasiadamente. As orbes de jade doíam. Ela as protegia com a palma da mão até que tudo vagarosamente se esvaísse. Lentamente as coisas começaram a se formar por fracos contornos. Lentamente ela começou a enxergar e pode distinguir livros, poltronas, o piano... O que era aquilo? Alguém? Devagar, ela começou a afastar a mão dos olhos e espreitar a visão. Ao contrário de antes, agora suas pupilas dilatavam. Seu corpo continuava dolente.

Via alguém... Um homem. Este sentado ao piano, olhando-a de soslaio sobre o ombro, possuidor de um cabelo tão negro quanto uma noite sem luar. Sua expressão? Um mistério. De fato indecifrável. Forçou ainda mais os globos oculares. Precisava saber quem era. E no que achava que acabaria toda a sua surpresa só a tornou maior ainda.

Arregalou os olhos e um arrepio passou sobre seu corpo. Em parte estava frustrada; ao mesmo tempo em que queria que tudo acabasse algo dentro de si clamava por mais. Realmente confusa... Com tudo. O que era aquilo? Um quebra-cabeça? O que ele estava fazendo ali? Essas perguntas assolavam sua mente cada vez mais.

–-S-Sasuke...?! – murmurou em espanto. Como resposta, apenas um olhar gélido e impassível.

–------------- xx --------------

–-Você errou.

Um silêncio surdo estava entreposto entre eles, exceto pela nova melodia que compunha.

–-O arpejo não era Lá era Sol. – prosseguiu olhando para o teto.

–-Não errei. – afirmou seco, sem deixar os dedos das teclas.

–-Eu conheço a partitura de cor. – replicou um pouco impaciente.

–-Não, eu não errei.

Ela bufou e se levantou do divã que estava deitada, ainda com a mão massageando a têmpora. Um pouco nervosa parou ao lado do moreno esperando que ele se afastasse para a ponta da banqueta de madeira maciça estofada por um delicioso veludo vermelho. Recebeu um olhar misturado de incredulidade e desprezo – o que de certa forma a magoou ao mesmo tempo em que a irritou mais ainda – para então o rapaz ceder parte de seu lugar para a rosada. Tomou lugar ao piano e começou a fazer ecoar a mesma música pelos ares.

–-Minha mãe me ensinou essa música. É desta forma. – pausou ao mostrar-lhe a parte que, segundo ela, estava errada.

–-Se você quer insistir, pra mim tanto faz. – tomou o espaço das mãos macias e frias dela para recomeçar.

–-Vai admitir que estava errado?

–-O que a faz pensar que está certa?

–-Eu sei do que estou falando.

–-Eu não errei. – seu tom tornava cada vez mais áspero.

Um novo silêncio. Estavam tão próximos, mas pareciam tão distantes. Ambos estavam nervosos, ambos por motivos diferentes que pareciam tão ligados... A mente do moreno estava cansada e extremamente irritada. A companhia da garota ao lado era irritante. “Irritante”... Era mesmo isso que o incomodava? Sakura? Ele se questionava. Não sabia ao certo, mas algo o sufocava cada vez mais.

A garota soltou um longo arquejo, deixando ambas as mãos repousarem em seu colo. Um pouco receosa buscou coragem para falar. Não que tivesse medo do Uchiha, ao contrário. Não era de seu feitio ter medo de falar as coisas, ficar subjugada ou submissa. Encarava tudo que conseguia. Era tida como uma garota forte, quase mulher. Queria ser forte. Precisava. O fato era que apenas sentia um mistério terrível emanado do moreno. Algo muito atraente, de fato, ela admitia. Até sexy. Podia-se dizer ser tão bom quanto ruim. E ela sabia.

–-Você ainda não me disse. – começou olhando para o chão.

Sasuke arqueou uma de suas sobrancelhas.

–-O que está fazendo aqui, você não me disse por que está aqui. – enfim encarou-o bem ao fundo de seus olhos. Era como cair em uma imensidão negra sem fim, hipnotizante.

–-Hum... – começou rindo pelo nariz debochadamente – Obviamente que não se lembra. – respondeu ao olhar da mesma forma, mas com a sua característica debochada habitual – Foi um baita porre.

–-Porre? Mas q... Mas que droga, será que não dá pra falar diretamente?! – e lá se vai sua paciência pelos ares. A angústia era bem maior que seu autocontrole.

–-Fica calma princesa, eu não quero gastar muito mais do meu tempo com um desperdício como você. – sussurrou ao pé de seu ouvido - Vou ser o mais breve possível. – há essa hora a melodia já havia se encerrado, a única coisa que matinha um clima um pouco mais agradável – Afinal, princesinhas também ficam bêbadas. Totalmente fora de si, como estava no bar. Não se lembra de absolutamente nada? Daquele cara de cabelo preto... De todos os drinks que pediu... Da confusão que arranjou... – murmurava de forma macia e rouca ao seu ouvido, a estremecendo. Seus sussurros batiam contra a pele alva de seu pescoço e seus lábios quase se encostavam ao lóbulo de sua orelha. Oh, Sakura sabia, ele estava exercendo um horrível poder sobre si e ela fazia ao máximo para se segurar – Estava sendo divertido. Eu e Naruto estávamos bebendo quietos no nosso canto, até aquele cara te forçar a ir com ele e mais uns idiotas. Você fez muito barulho, era impossível não notar e Naruto, como sempre, não resistiu ao ver uma dama em perigo para logo correr e salva-la, especialmente você. – a essa altura ela já estava totalmente corada, surpresa e pasma. – Você já sabia que estava de ressaca. Os sintomas são óbvios. Dor de cabeça, vômito, sensibilidade à luz... Não quer admitir princesinha? Não pode fazer isso? Não quer se lembrar, não é? Afinal, quando se está bêbado, você ainda se lembra de bastante coisa do que se faz. Se não quer lembrar, eu conto. – sorriu um sorriso de canto carregado em malícia. Ela estava começando a se atordoar e aquilo era divertido pra ele.

Oh, Sasuke estava gostando de vê-la naquela situação. Em sua visão ela era apenas uma garotinha mimada com a típica fachada de responsável, mas na primeira oportunidade fugia inconsequente. Como Naruto ousava dizer que ela podia ter sofrido algo parecido com o que aconteceu com eles? Ela era irritante demais. Fútil demais...

Todavia, não era necessário que Sasuke descrevesse o que aconteceu. Flashes mais nítidos voltavam a memoria de Sakura, novamente a fazendo estremecer de dor de cabeça. Aos poucos soube muito bem o que fez... Entretanto, perguntas e mais perguntas pairavam em sua mente e aquela pequena voz dentro de si aumentava gradativamente.

Aquela voz... Aquela angústia... O que era aquilo? Só aumentava cada vez mais, como um lento martírio.

–------------- xx --------------

–-Achei que não vinha mais. – levantou-se do sofá subitamente, trocando a cara de tédio por uma feliz, caminhando sorrindo para seu lado.

–-Ficou me esperando no hall esse tempo todo? – sorriu de canto minimamente.

–-Fiquei muito tempo sem te ver, agora fiquei ansiosa. – sorriu amarelo, aquilo era constrangedor.

–-Desculpa, meu pai me prendeu.

–-E como vai o poderoso senhor Sabaku?

–-Do mesmo jeito. – sua expressão agora havia sido trocada pela habitual carranca fechada e com sono.

–-Oh... Bom, aonde quer ir?

–-Achei que ficaríamos aqui.

–-Aqui não é bem o lugar que eu quero ficar... Além do mais, não tem nada. Que tal ir à um café?

–-Starbucks parece ótimo pra mim. – sorriu genuíno. Ela retribuiu.

–-Akemi-san – chamou a jovem recepcionista, esta que logo atendeu com um prontificado sorriso amigável. Gostava de Sakura – Eu vou sair, não sei se vou ter horário pra voltar, mas não devo demorar muito.

–-Devo mandar Freddo-san te buscar?

–-Não, eu não vou longe.

–-Tudo bem. Tome cuidado Sakura-san. – a rosada riu.

–-Não te preocupa.

–-Eu cuido dela. – Gaara completou.

E assim saíram contentes, a passadas firmes pelo chão. No local destinado apenas trivialidades, o de praxe e as novidades. Sorrindo e conversando. Por um momento a rosada até se esqueceu de seus problemas.

Sorrindo... Até quanto tempo? No fundo ela sabia que não duraria muito.

Era como um sonho... Uma hora você acorda e nem se lembra mais daquilo que sonhou, por melhor que seja.

–------------- xx --------------

–-Brr! – tremeu esfregando as mãos – Tá frio! – seus saltos baixos estalavam contra a rua. Já era noitinha.

–-Toma – enrolou seu cachecol azul em torno do pescoço alvo dela. Por um pequeno minuto permitiu-se comtemplar as brilhantes e incomuns esmeraldas, parados no meio da calçada – Vai pegar um resfriado se ficar tomando sereno. Já está com a imunidade baixa por tomar chuva.

–-Obrigada. – ela sorriu amarelo novamente e olhou para baixo. Estava corada – Parece um irmão. – Irmão... Ele, de certa forma, não havia gostado disto. – Meu irmãozão! – passou seu braço sobre o pescoço dele, acabando por desequilibrar os dois. O ruivo não se manifestou muito, como de costume, apenas franziu o cenho – Que aproposito, precisa aprender a sorrir mais! Vamos seu menino desobediente, sorria! – ela ria marota.

–-Sakura... Por favor, estamos na rua.

–-Aaah, mas não tá passando ninguém! Por favor, ruivinho! – fez beicinho. Ela sabia muito bem que ele não resistia e não resistiu. Acabou por soltar um sorriso pequeno, mas sincero.

–-Eu senti muita falta dessas suas palhaçadas. – novamente a fitou, examinando cada traço de seu rosto minuciosamente. Novamente, ela corou.

–-Hey... Esse é o mesmo cachecol? – perguntava enquanto afagava o acessório em seu pescoço.

–-É... Eu gosto dele.

–-Você nem mudou o perfume. – brincou.

–-Não gosto muito de mudanças, você sabe.

–-Mas até que você tá mudado. Não é mais... O mesmo... – algumas memorias voltavam à mente. Ela engoliu em seco, sem tirar os olhos do tecido azulado.

–-Eu queria dizer o mesmo de você.

–-Gaara...? – levantou o olhar para mira-lo. A voz saiu roca e baixa, juntamente com o cenho franzido e um semblante surpreso.

Ambos os passos cessaram. Uma brisa fria chacoalhavam o vermelho e o rosa, cortando a pele. Poucas pessoas estavam na rua, embora fosse sábado à noite. O prédio da rosada ficava no centro, entretanto, sua rua era mais pacata.

–-Chegamos. – retomou a atenção de Sakura apontando-lhe a porta, a qual já estava sendo aberta pelo porteiro.

–-Ah... Obrigada por me trazer. Quer entrar?

–-Preciso garantir a entrega, não é? – ela sorriu.

Adentraram rapidamente o Hall e cumprimentaram a recepcionista. Logo já estavam no elevador. Um silêncio iniciava uma sutil barreira, a qual foi logo quebrada por Gaara.

–-Seu pai está?

–-Não sei... Provavelmente não... – novamente, seu tom saiu baixo e um tanto quanto melancólico.

–-Sakura... – ela lhe olhou – Você não é assim. O que aconteceu?

–-Adianta eu negar? – recebeu um olhar de reprovação – M-Meu pai, nós discutimos. – a voz saia acanhada. Ela realmente não era assim, mas quando se tratava de seu pai... Bam! Seu ponto fraco era atingindo.

–-Fala. – delicadamente segurou seu braço.

–-Ele quer me mandar para um curso preparatório.

–-Isso é bom.

–-Tirando o fato que é na Suíça e que quero ser médica, é uma delícia! – brincava para engolir a tristeza que recomeçava.

–-Sakura...

–-Não sei se vou convencê-lo do contrário. Essa é uma tarefa dificílima. E-Eu não quero ir... Às vezes eu... Às vezes queria saber por que ele é assim... Ele não era. Eu sinto falta dele. Da minha mãe... – fungou.

–-Ei...

–-Mas não adianta chorar sobre o leite derramado, não é? Minha mãe não tá aqui. Não tá. E meu pai não vai mudar...

–-Eu posso pedir para meu pai conversar com o seu.

–-Seria muito gentil, Gaara. – sorriu – Mas ele já tem seus próprios problemas. E mesmo assim, meu pai não cederia.

–-Pelo menos me deixa tentar.

–-Você quem sabe. – suspirou – Chegamos.

Saíram juntos do elevador esperando Sakura destrancar a porta. Assim feito, adentraram o local.

–-Seu apartamento é grande. – dizia rolando os olhos ao redor.

–-Até demais pro meu gosto. Quer alguma coisa?

–-Água.

–-Tudo bem, já volto.

Gaara a fitou sumir no extenso corredor até não poder vê-la mais. Examinou a sala. Era bonita. Bastantes obras de artes. Moderno. De fato belo. Sentou-se no sofá. Algo remexia-se dentro de si. Ele sabia o que era. Estava começando a sufoca-lo. Sakura. Ele sabia muito bem que ela não havia superado por completo o que passou naquele lugar, o que viu quando pequena. Era perceptível que ainda estava atordoada. Sempre estaria. E seu pai não contribuía muito... Assim como o seu. Ela negava e passava por cima, entretanto, ele sabia que um dia seria mais forte do que ela imagina. E isso o preocupava de certa forma.

A garota de cabelos rosados...

Aspirou inalando o perfume delicioso que ela havia deixado no ar. Era extasiante. Seu coração acelerou e seu corpo contraiu involuntariamente. Pequenos nervos se exaltavam e ele fazia tudo de si para controlar, porém parecia cada vez pior. Puxou todo o ar que conseguiu para dentro de seus pulmões e segurou. Precisava se acalmar.

Estava com sono.

Ela estava demorando.

Havia acabado de sair da clínica.

Daquele lugar.

Ele odiava aquele lugar.

Ele odiava as pessoas de lá.

As pessoas que o trataram mal.

Mal, não. As pessoas que quase acabaram com tudo.

As pessoas que criaram um enorme remorso dentro de si.

Medo.

Sim, certo medo também havia sido criado.

Elas o machucavam. Fisicamente, emocionalmente. Insistiam em penetrar suas feridas de maneira brusca, sem cuidado, sem compaixão. Não havia maneira de não sair recuperado de lá, mesmo que por um pouco, afinal havia duas opções: recuperar e recuperar. Não era atoa que era a clínica mais cara e mais eficiente. Mesmo assim, havia certos traumas que se eram impossíveis de serem apagados assim. Talvez até não existisse maneira. Superar... Talvez, mas esquecer? Nunca.

Apenas substituíram um trauma por outro.

Chutando cachorro morto.

Sem nenhuma compaixão.

Isolados.

Sua sorte havia sido Sakura. Se apegaram, se protegeram e se ajudaram mutuamente.

Mas ela foi embora antes.

Ela era mais forte.

Ele piorou.

E teve de aguentar sozinho.

Em um quarto sem vida, sem cor. Completamente sozinho.

Sozinho...

A palavra parecia ser mais pesada do que as pessoas pensam.

As cartas satisfaziam momentaneamente. Até que o proibiram de se comunicar. Tratamento intensivo.

Até que ele saiu.

E seu primeiro desejo era vê-la.

Mesmo depois do que havia feito à ela, Sakura o recebeu de braços abertos.

Ele se sentiu culpado desde que ela foi embora.

Disseram que recaídas seriam normais até ele se acostumar novamente.

Ele se acostumaria mesmo?

Nunca gostou de muita gente.

Sua cabeça latejava e sua jugular começava a pulsar. Estava na hora de ir.

–-Aqui está. – a garota chegou cortando seus devaneios e entregando o copo em sua mão – Demorei? – perguntou amena.

–-Um pouco. – bebeu tudo de uma vez só e deixou o copo sobre a mesa – Preciso ir.

–-Já? – ele caminhava para a porta inquieto – Espera Gaara, você tá estranho. O que aconteceu? – questionava com o cenho franzido.

–-Nada.

–-Gaara – o segurou pelo braço, fazendo-o olhar em seus olhos – o que está acontecendo? – repetiu firme – Por que está tão inquieto? Me fala!

–-Depois nos encontramos. – ela deixou seu braço, mas ele se lembrou de algo – Meu cachecol.

–-Ah – levava a mão para retirar o tecido de seu pescoço quando sentiu dedos gélidos sobre os seus. Levantou o olhar e deu cara com as orbes verde-mar fitando seu rosto com possessividade. Uma expressão de surpresa ocupou seu rosto e involuntariamente suas bochechas se tornaram rubras – Gaara... – a respiração descompassada dele batia contra seus lábios avermelhados. Ela sentia seu corpo tremer.

–-Eu não aguento mais! – bufou e puxou-a para si, invadindo sua boca com seus lábios ferozmente. Suas mãos entrelaçadas em seus cabelos a puxava para si. Todavia, ela não correspondia e relutava espantada.

–-Gaara! Não! – tentava dizer enquanto se debatia, mas ele era mais forte. Aquilo a assustava e remetia algumas lembranças... A língua do ruivo explorava sua boca de maneira violenta.

–-Não aguento Sakura, não aguento mais! Você tem que ser minha, minha! – afirmava entre lufadas de ar, puxando-a cada vez mais para si, apertando seus braços, agora desprotegidos do casaco.

Com verdadeiro afinco o garoto ruivo arrancou a blusa da rosada, literalmente rasgando-a, deixando a mostra o sutiã rendado. Estava possesso de raiva. De furor. Estava feroz. Ela estava amedrontada. O que aconteceu tão de repente? Medo. Ela poderia mesmo estar com medo dele? Do seu amigo? Querido amigo?

Gaara escorria suas mãos sobre sua cintura e apertava com força enquanto tentava mantê-la em sua boca. Descia os beijos violentos até seu pescoço, ignorando o clamor da rosada para parar. Não conseguia ouvir naquele momento. Estava surdo de raiva.

–-Gaara, para, por favor! – implorava tentando o empurrar. Lágrimas já começavam a se formar em seus olhos. Era assustador ver aquele garoto gentil se transformar em um monstro desta maneira. O seu melhor amigo.

–-Você vai ser minha! Só minha, Sakura! – afirmou de maneira rouca e ofegante, cravando suas unhas no ombro dela. Do local tênues linhas de sangue escorriam.

–-Gaara, você tá me machucado! Para! Por favor, para! – cerrou os olhos, soluçando. As lágrimas compulsivas formavam rastros em seu delicado rosto. Sua respiração estava ofegante, seu coração batia rápido de mais. As pupilas contraídas. Estava realmente com medo – Você está me assustando! Você não faria isso! Vai acabar voltando pra lá! É o quer? É isso, Gaara?! – cuspiu pra fora.

Subitamente, os olhos verde-mar pararam o corpo por um segundo, fitando o terror nos olhos à sua frente.

“O que está fazendo?”

“Não consegue ouvir? É ela!”

“Você a machucou. Olhe para o estado dela, está apavorada!”

“Como pode fazer isso com ela?”

“Você a fez chorar.”

“Você fez isso Gaara.”

As orbes arregaladas viam pasmas o feito de suas mãos. Viam a garota chorando, recuada na parede, completamente indefesa. Viam sangue sair de suas unhas e escorrer pelo braço trêmulo dela. Viam sua roupa rasgada.

Sentia o coração descompassado da rosada. Ela não abria os olhos. Apenas soluçava.

Deixou suas mãos escorrerem por seu braço lentamente e afastou-se alguns passos pra trás rapidamente, quase caindo, tropeçando. Ódio. Sentia ódio de si mesmo. Começava a apavorar-se. Seu coração batia em choques. Suas mãos estavam trêmulas. Uma angústia nascia. “Como pude fazer isso?”. Seus lábios tremiam e formavam vincos. As orbes opacas. Estava em choque. Horror. Medo. Dor. Engasgou-se com o ar que puxava pela boca. Estava confuso.

–-E-Eu tô com me-medo de você, Gaara... – murmurou engasgando, escorrendo os cabelos e o corpo pela parede, apertando as penas contra o estômago, formando um casulo.

Seu coração apertava dolentemente. A raiva aumentava cada vez mais à medida que tomava consciência de seus atos. Estava sufocando-o. Ele não conseguia respirar. Sua cabeça latejava fortemente. Levou as mãos aos cabelos e puxou-os, inspirou o máximo de ar que conseguia tentando não se engasgar.

Não aguentava ficar ali. Não podia. Machucava. Sua mente estava conturbada demais. Não conseguia pensar. Ele clamava surdamente. Nem conseguia formar palavras, nem podia ser ouvido.

Então correu. Correu para fora dali. Fugiu deixando a garota sozinha. Cego, surdo e mudo.

–------------- xx --------------

–-Ino – afagou os olhos com uma mão enquanto a outra segurava o celular, apagando qualquer resquício de lágrima. Ainda estava sentada no mesmo lugar, embora fizesse um bom tempo desde o incidente – Preciso te ver.

–------------- xx --------------


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu gostei deste :3
Então, o que aconteceu com a Sakura vai ser continuado no próximo e provavelmente encerrado lá, iniciando uma nova parte da fic. Se não ainda gasto mais uns dois capítulos pra terminar, não sei. Do jeito que sou enrolada!
Desculpem a demora.
Erros de português? Coerência? Dicas? Deixem nos comentários!
Até o próximo
Beijoocas (: