Capítulo especial

Ela estava sentada sob uma árvore. Seu semblante era ameno e sereno. Um farfalhar gostoso a embalava, fazendo-a sorrir genuinamente. O vento brando brincava delicadamente com seus cabelos e lhe alisava a face macia e alva enquanto escorria por entre as folhas das árvores em câmera lenta. Ela deleitava o momento inebriante de olhos cerrados, inerte.

Em sua companhia apenas seus pensamentos, devaneios...

Através de suas pálpebras ela podia enxergar muito bem as formas das nuvens no céu celeste. Tão macias... Tão brancas... Reconfortante...

Pensava em não pensar e imaginava o que nunca pensaria acontecer. Sonhando meio acordada, vivendo internamente uma utopia.

Seus lábios vermelhos como morangos na doce primavera.

Um aroma nostálgico, floral, doce e amadeirado pairava no ar. Gentilmente entrando-lhe nos pulmões e dando a volta para fora carregando todo o seu peso, todas suas impurezas e aflições.

Algumas pétalas rosadas caiam sobre o prado.

Estava leve, como um sopro.

E ainda de olhos fechados ela pode sentir ele se aproximar cautelosamente. Escutava seus passos sobre a grama intensamente esverdeada e podia ouvi-lo roçando os dedos pelos troncos encurvados das árvores que encontrava.

Continuava com seu sorriso de canto, esperando-o chegar. E novamente, escutou e sentiu quando ele se agachou e sentou ao seu lado, esticando as pernas, deixando a brisa fazer o que bem entendia com seus cabelos.

Por um breve momento ficaram em silêncio, dividindo o estado de inércia, admirando a visão cada um a seu modo. No entanto, podiam se ouvir e sentir o que cada um queria. Como se lessem mentes...

“Sakura... Sakura... É um belo nome. Flor de cerejeira...” pronunciou-se brincando com uma pétala que caía em ondas, rente a seus olhos. Sua voz branda, rouca e naturalmente vaga.

Ela permaneceu imóvel, sem ao menos responder. Apenas endireitou a coluna e se aproximou alguns centímetros do garoto. Sempre com seu sorriso singelo nos lábios e poucos fios róseos caindo-lhe sobre os cílios, pousando em seus lábios levemente rachados.

“A primavera é uma época bonita. Completamente colorida, harmoniosa, perfumada e repleta de vida.” Insistiu, fitando tranquilamente os pássaros sobrevoando sobre as montanhas ao longe.

Ela riu.

“Não tanto quanto o outono.” Respondeu finalmente, erguendo as pálpebras devagar.

“E o que teria de tão especial?”

“Completamente tudo. O tempo é ameno e misterioso, sendo impossível prever com certeza se fará Sol ou nuvens no céu. Ao mesmo tempo, o vento frio e seco nos corta ao meio e rodeia a nossa mente, fazendo-nos pensar sobre nós mesmos. É um tempo em que, ao mesmo tempo em que deseja estar perto de alguém caloroso, quer estar um pouco sozinho. Um tempo em que nos aproximamos. Um tempo tão sereno. De cores leves, apaziguador, reconfortante... Onde o chão se torna flores e quando pisamos parece ser tão macio e seguro...”

“Mas é um tempo em que as árvores perdem sua cor.”

“Para nos lembrar de que novas virão mais tarde, tão belas quanto. Sabe, o outono é um pouco como você.” Ele sorriu.

“Pensei que diria que eu seria como o verão.”

“O verão não tem todos os seus segredos.”

Ela lentamente girou a cabeça a fim de enxerga-lo. Os vedes olhos intensamente claros podiam ver os cabelos dourados como um campo de trigo sob o pôr-do-sol, bagunçados e caindo-lhe gentilmente pelos olhos cintilantes. No canto de sua boca, seus lábios arqueavam em um pequeno gesto afável. As sombras volúveis projetadas pelas folhas salpicavam em partes de seus rostos, dividindo-os em escuridão e um brilho radiante do Sol.

“Você seria capaz de tê-los?” Ele virou para encara-la de mesma forma. Seus olhos fitavam o belo rosto translúcido e levemente avermelhado, trazendo-lhe um sutil desejo.

Ela sorriu mais uma vez e virou-se.

“Seríamos capazes de sonhar, simultaneamente, o mesmo sonho?”

“Creio que não.”

“E quem sabe juntos sonhar acordados a mesma realidade?”

“Bom... Talvez seja possível.”

“Você consegue sentir?”

“A sensação de que nada, agora, é real?”

“Então podemos sonhar o mesmo, do nosso jeito, e posso ser capaz de ter todos teus segredos assim como você os meus. Estamos ligados, como o céu e terra.”

“E qual seria a ligação ente esses dois?”

“Imagine... O céu não poderia existir sem a terra e nem o contrário. Se não fosse pelo céu, quem iria mostrar a terra que existe muito mais do que ela pensa e que ela pode ir mais longe do que ela imagina? E se não fosse pela terra, o céu vagaria solitário sem tê-la em sua companhia e nunca se firmaria. Seria como um mundo sem primavera ou outono.”

“Esse seria um mundo terrível! Você me surpreende cada vez mais com suas suposições mirabolantes.”

“Apenas tenho dúvidas quanto ao lugar em que se encontram...”

“Seria um lugar repleto de árvores, intocado, onde o vento plainasse da maneira que quisesse junto com um perigo convidativo. Onde o aroma fosse inebriante e onde o tempo parasse. Tranquilo e ardente ao mesmo tempo.” O garoto dizia enquanto virava novamente teu rosto para vê-la, para entrar nos hipnotizantes olhos esmeraldas.

“Talvez haja um meio mais curto pra esse lugar.” Afirmava ela enquanto repetia a mesma ação do garoto ao lado, sendo levada por suas orbes encantadoramente azuis.

“Você precisaria correr o risco.”

Encurvam-se, aproximando os rostos e escondendo os olhos, misturando os perfumes e chocando os fios de cores tão distintas. Aos poucos aproximavam suas mãos de maneira sutil, roçando as pontas dos dedos.

A primavera harmoniosa e repleta de surpresas.

O outono misterioso.

Onde o céu e a terra se encontraram...