O Primeiro Dia Do Resto Da Minha Vida escrita por Mimia R


Capítulo 26
Frágil como Vidro


Notas iniciais do capítulo

Bom, demorou um pouco mais, mas aqui está o capítulo. É que eu estava com medo do que poderia escrever aqui. Mas leiam pra saber como anda a situação... ;DD



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 Tuana estava com o rosto encostado ao vidro, que já estava embaçado pelas lágrimas e a respiração ofegante, as duas mãos também coladas lá, como se tentassem ultrapassar a barreira transparente para chegar ao alvo. Já estava ali havia horas e não pretendia sair tão cedo. Do outro lado tinha um Felipe inconsciente, deitado em uma cama de hospital, o rosto com vários machucados, o corpo cheio de tubos e máquinas ligadas ao redor. A garota não desviava os olhos do jovem, que parecia sem vida, nem por um segundo.

(Música de Cena: Astronaut - Simple Plan)

 A cada estante chegava alguém ao lado dela e tentava convencê-la a sair dali, comer alguma coisa ou ir descansar. Mas ela ignorava, sem nem mesmo olhar quem era a pessoa ao lado dela. Não iria sair dali por nada. Se não poderia entrar no quarto, ficaria grudada naquele vidro pelo tempo que fosse necessário. Só rezava que fosse pouco.

 Tuana tinha os olhos muito inchados e vermelhos. Ela chorava desde que tinha recuperado a consciencia após receber a notícia. Tinha ido para o hospital o mais rápido que conseguiu. Quando chegou foi logo tentando ver o namorado, mas foi impedida. Felipe estava na U.T.I. e não podia receber visitas. Ela fez um escândalo, brigou com todos que tentavam impedi-la, até um enfermeiro veio com um calmante para ela, mas nada adiantou. Não deixaram ela entrar no quarto. Então ela se postou naquele vidro e jurou não sair.

 Felipe estava em coma. O médico tinha dito que ele tinha chegado em estado gravíssimo, estava muito machucado, principalmente na cabeça. Disseram que o carro tinha perdido a direção, derrapou e bateu em uma árvore. A pancada tinha sido tão forte que fez a árvore cair em cima do carro. Por muito pouco não caiu inteira em cima de Felipe, caso contrário ele não estaria ali. Mas uma parte tinha batido em sua cabeça, causando assim uma fratura craniana.

 Tuana deixou de ouvir quando o doutor começou a falar em “lingua de médicos”. Ela só tinha ouvido que o garoto que ela amava estava em coma e ninguém sabia ao certo quando e em que estado ele iria acordar. Poderia demorar dias, semanas ou mesmo anos. E ela odiava pensar nisso, fazia seu coração doer e mais lágrimas descerem por seu rosto.

 Tuana não sentia mais as pernas, ou os braços ou parte alguma de seu corpo. Ela estava parada ali naquele canto havia muito tempo. Já devia ser noite. E em nenhum momento Felipe deu o menor sinal de vida. Nesse instante a garota já não chorava mais. Talvez ela já tivesse gasto toda água de seu corpo, pois já tinha chorado muito mais do que acreditava ser possível.

– Tuana. – Alguém falou chegando ao lado da menina.

 Tuana não respondeu nem olhou quem estava ali. Ela só tinha sua atenção voltada para Felipe.

– Minha filha, por favor. – A mãe de Tuana tinha a voz baixa implorando alguma reação da garota.

 Mas novamente Tuana não deu atenção. Era como se o mundo tivesse parado e só o que importava era Felipe naquele quarto de hospital. Uma parte da consciência dela sabia que isso não era verdade. Mas a outra gritava mais alto.

– Tuana, já é quase 22h da noite. – Dona Ana disse. – Você já está parada aqui desde que chegou pela manhã. Minha filha, você tem que se alimentar, tem que descansar, pelo amor de Deus!

 Tuana continuava calada e sem dar atenção a sua mãe.

– Tuana, você vai pra casa comigo, agora. – A mulher tentava se mostrar forte, mas em sua voz transparecia desespero.

 Tuana nem deu sinal de ter ouvido sua mãe. Dona Ana já estava em desespero. Precisava tirar sua
filha dali, ou ela chegaria ao ponto de ficar doente, depressiva ou algo mais grave. A mulher agarrou o braço da filha e fez menção de puxar. Mas Tuana fez força e não deixou que a mãe tirasse o seu braço dali.

– Tuana! – Dona Ana já estava a ponto de estourar.

 Ela tentou puxar novamente o braço da menina, mas Tuana não hesitou. A mãe começou a fazer
força, e a filha também. Sem nenhuma palavra Tuana conseguia dizer que dali ela não sairia de jeito nenhum.

– Você vai sair daqui agora. Eu não vou deixar você enlouquecer aqui!

 Dona Ana agora gritava enquanto puxava o braço de Tuana. As duas faziam força. A mulher começou a agarrar o corpo da filha e conseguiu desgrudá-la daquele vidro. Tuana agora lutava com sua mãe, que começou a arrastá-la para fora do corredor.

 Tuana se debatia e não dava uma palavra se quer. Dona Ana nunca tinha visto a filha tão agitada e
a beira da loucura como naquele momento. A menina parecia que tinha perdido a noção do que acontecia. Alguns enfermeiros que passavam viram o que estava acontecendo e foram ao encontro das duas. Um deles segurou uma Dona Ana que agora chorava e o outro segurou Tuana que continuou a se debater nos braços do homem.

– Você passou o dia inteiro colada nesse vidro! – Dona Ana dizia entre lágrimas. – Você vai ficar doente, minha filha! Você precisa sair daqui! Tuana, você perdeu os sentidos!

Tuana continuava tentando se soltar dos braços do enfermeiro. Ele percebeu como a menina estava
transtornada, por isso continuou a segurando. Um segurança que já tinha visto Tuana ali saiu do corredor e foi até a sala de espera avisar aos familiares o que estava acontecendo. Rapidamente o pai da menina apareceu, juntamente com os pais de Felipe. A mãe do garoto quando viu a cena desatou a chorar mais do que já chorava.

– Tuana, minha filha! – O pai dela falou indo de encontro ao enfermeiro e a garota. – Tuana, se acalme!

 Mas nada adiantava. Realmente parecia que Tuana tinha enlouquecido. O pai dela viu o médico que
estava cuidando de Felipe aparecer ali. Ele falou alguma coisa para uma enfermeira ao seu lado. Ela correu para algum lugar.

– Tuana, você precisa de acalmar. – O médico disse calmamente. – Desse jeito você não está ajudando. Assim você só vai conseguir ser proibida de continuar no hospital.

 Mas nada parecia entrar no ouvido de Tuana. A enfermeira que tinha corrido voltou. Ela segurava uma pequena bandeja. O doutor falou algo só para ela ouvir, e ela preparou uma injeção, provavelmente com um calmante. O pai de Tuana viu aquilo e pensou que era a melhor maneira de fazer a filha se acalmar. Mas olhando para Tuana, viu o desespero no olhar dela. A menina só queria ficar perto de Felipe. E pela primeira vez o pai foi compreensivo nesse assunto.

– Não! – Ele disse a enfermeira. Olhou para o homem que segurava sua filha. – Solte-a!

O enfermeiro hesitou.

– Solte-a! – O pai repetiu. O enfermeiro soltou a menina.

 Tuana correu rapidamente de volta para o vidro, encostou as duas mãos e continuou a olhar
para Felipe, esquecendo o mundo ao seu redor. O pai dela observou a reação da filha e viu que nada ajudaria a menina naquele momento. Por enquanto não.

– É melhor deixá-la ali. – O pai dela disse. Dona Ana olhou para ele incrédula.

– Ela vai ficar doente! Ela precisa sair desse hospital...

– Tudo bem, não se preocupem. – O doutor falou. – Vocês podem ir descansar. Eu vou cuidar da garota. Vou pedir para um enfermeiro ficar de olho nela. Daqui a algum tempo eu vou fazer uma nova tentativa, ver se ela come alguma coisa.

– Não vou deixar minha filha aqui. – Dona Ana disse.

– Ana. – A mãe de Felipe falou pela primeira vez. Sua voz estava chorosa. – Eu não vou deixar a Tuana sozinha. Eu vou cuidar dela, enquanto ela cuida do meu... – Ela pausou, segurando as lágrimas. - ...Enquanto ela cuida do meu filho.


 O pai de Tuana olhou para o pai de Felipe, que apenas assentiu com a cabeça. Algum tempo depois Dona Ana saia do hospital com o marido, ainda receosa em deixar a filha. E Tuana continuava parada ao vidro, apenas olhando para o garoto adormecido.

Mais horas foram se passando, vários enfermeiros tentaram fazer Tuana comer ou sair dali, mas nada adianta. Ela nem olhava para eles e nunca dizia uma palavra se quer. A mãe de Felipe também tentou falar com a garota, mas não conseguiu nada. Ninguém sabia como Tuana estava aguentando ficar ali aquele tempo todo em pé e sem comer ou beber nada.

 A manhã foi chegando. Dona Ana não tinha conseguido dormir direito, então logo cedo voltou ao hospital e descobriu que a filha continuava parada lá, e que Felipe continuava na mesma também. Então a mulher, que estava desesperada para obter alguma reação da filha, fez a primeira coisa em que pensou. Pegou o celular e discou um número.

Mais um tempo depois, Tuana continuava olhando para Felipe. Ela esperava que a qualquer segundo ele fosse abrir os olhos e despertar. Ou que ela fosse acordar e ver que tudo tinha passado de um terrível pesadelo. Mas os segundos passavam e nada disso acontecia. Num desses momentos, Tuana viu uma mão aparecer também no vidro e encostar-se à dela. Um leve choque passou por sua pele e ela nem teve que esperar para ouvir a voz e saber quem era.

– Oi. – Victor falou ao lado da menina.

 Tuana piscou algumas vezes, mas não olhou para o garoto. Victor com continuou com a mão por cima da dela, olhando-a. Tuana nada disse nem fez menção de retirar a mão dali. Victor esperou para ver se ela reagiria, falaria algo ou mesmo retiraria a mão, mas nada aconteceu. Então desviou o olhar de Tuana, e olhou para Felipe. Se não fosse por todos os tubos e máquinas, poderia se dizer que o garoto estava... Mas ele não pensou nisso. Olhou novamente para Tuana.

– Sua mãe me ligou. – Ele disse.

 Tuna apenas piscou. Mais silêncio.

– Ele vai ficar bem. – Victor disse. Uma tentativa de animar Tuana, mas novamente não obteve resposta.

–Tuana, todos estamos preocupados. – Ele falou. – Você precisa se alimentar. Você está aqui já faz quase um dia inteiro...

 Ele parou de falar porque viu que nada adiantava. Parecia que Tuana estava no mundo da inconsciência. Mas ele sabia que ela não poderia continuar assim. Em algum momento ela teria
que ceder. Alguém teria que intervir.

– Você não está ajudando ele desse jeito. – Victor disse se referindo a Felipe. – Já parou pra pensar como ele iria ficar se soubesse que você está se acabando aqui em frete a esse vidro? Sem comer ou dormir? Correndo o risco de ficar doente? Eu sei que ele não ia gostar nada.

Tuana não respondeu. Ela estava ouvindo tudo o que Victor dizia, e parecia que estava despertando
alguma coisa dentro dela. Mas outra parte ainda se recusava a sair daquele estado.

– Tuana, já tem muita gente sofrendo por causa de uma pessoa no hospital. – Victor falou. Estava começando a apelar por qualquer coisa. - Ninguém vai querer mais uma internada em outro quarto daqui.

Um pouco mais de silêncio. Victor resolveu que nada funcionava. Ele retirou sua mão da de Tuana.
Deu um passo para trás para ir embora. Mas deu uma olhada novamente para o rosto da garota. Ela não chorava antes, mas agora uma lágrima descia pela sua bochecha.

– Eu o amo mais que qualquer outra coisa na minha vida. – Tuana falou pela primeira vez em quase 24h.

Victor ficou surpreso quando ela falou. A voz dela saiu rouca e um pouco baixa. Ele ficou sem reação
por um minuto, ainda surpreso. Mas rapidamente piscou os olhos e se aproximou novamente da menina.

– Eu matei o filho dele. – Ela sussurrou. – E agora ele está aí, quase sem vida...

– Não! – Victor disse. – Tuana, você não fez nada.

 Mas Tuana não falou mais. Ela agora chorava e chorava. Aos poucos começou a soluçar e seu rosto
ficou todo molhado. Quando Victor pensou em fazer alguma coisa, ele não precisou. Tuana tirou as mãos do vidro e as jogou ao redor de Victor num abraço. O garoto ficou novamente surpreso, mas rapidamente apertou a menina. Tuana chorava muito. Victor viu como ela estava sofrendo e isso o fazia sofrer também. Ele queria poder ajudar, mas sabia que não tinha como.

 Tuana ficou abraçada a Victor e soluçando durante alguns minutos. Parecia que ela tinha recuperado a consciência e devido a isso as lágrimas voltaram. Nesse momento ela estava com medo de olhar novamente para aquele vidro e ver a realidade. Ver que Felipe continuava sem vida naquela cama.

– Eu não... – Tuana soluçava enquanto tentava falar. – não posso... não quero perdê-lo!

– Tudo bem. – Victor disse. – Você não vai. Não vai perdê-lo.

– Não posso... Ele não pode morr...

– Tuana, nada vai acontecer. – Victor falou tentando se mostrar firme. – Eu prometo!

 Tuana se soltou dos braços de Victor e o olhou nos olhos. O menino tinha uma marca de lágrima pelo rosto também. Mais rápido do que se podia calcular, Tuana se aproximou e deu um beijo nele. Foi só um toque de boca, mas fez Victor parar por um instante. Ele desejou que aquele pequeno gesto significasse outra coisa, mas percebeu também que era um pedido de desculpas. E, além disso, era também a despedida de Tuana para aquele sentimento que já era antigo. Porque o único e verdadeiro amor dela era Felipe. E Victor entendeu.

Antes que ele conseguisse dizer algo, Tuana fechou os olhos e começou a cair na frente dele. Victor foi rápido e a segurou antes que ela tombasse no chão. Um enfermeiro, que estava ali observando Tuana, correu ao encontro dos dois. O doutor apareceu e mandou que a levassem para um quarto. Tuana finalmente tinha cedido à fraqueza.

Colocaram a menina numa cama e imediatamente trouxeram soro. Victor estava ali ao lado observando tudo o que acontecia. Dona Ana também já estava no quarto e chorava. Alguma medicação foi injetada pela veia em Tuana.

– Dei um calmante a ela, e ela vai precisar ficar no soro por um tempo. – O doutor falou. – Ela está muito fraca. Assim que acordar temos que fazê-la comer alguma coisa.

Ele falou alguma coisa para um enfermeiro, que pegou duas fitas e começou a amarrar os braços de
Tuana na cama.

– O que você está fazendo? – Victor perguntou chegando perto da menina.

– Ela vai querer voltar para ver o namorado, temos certeza.

– O médico disse. – E ela não pode sair daqui sem comer. Vamos ter que forçá-la se for preciso.

Victor pensou em protestar, mas viu que aquilo era o melhor. Todos estavam saindo do quarto para
deixar Tuana descansar. Ele deu mais uma olhada nela e saiu. Passou pelo corredor do quarto de Felipe. Ele parou no vidro e olhou o garoto adormecido. Naquele momento o menino parecia tão frágil quanto aquele vidro onde Tuana ficava colada o dia todo. Victor olhou ao redor para ver se alguém o olhava. Ninguém. Então ele fechou os olhos e rezou para que Felipe se recuperasse o mais rápido possível.


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Notas finais do capítulo

Viu só? Alguns personagens podem surpreender. E agora, o que será que vai ser de Felipe?



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