Quando cheguei em casa, já passava das nove da noite. A culpa era daquele policial idiota e dos meus três amigos estranhos, que acabaram me arrastando até uma lanchonete para comermos algo. Claro que, por ter passado do “toque de recolher” que meus pais haviam estipulado para o meu eu feminino, eu estava morrendo de medo da reação deles. Ok, medo também não, porque nem como garota eu tinha medo do que meus pais fariam comigo, eu tinha mesmo era receio do que eles me tirariam.

– Georg! – minha mãe gritou da cozinha, me fazendo gelar.

– Que foi, mãe? – gritei de volta.

– Vem aqui! – ela gritou, e eu segui até lá. – Você quer comer?

Ela não tinha brigado comigo? De verdade? Era mesmo a minha mãe?

– Não, mãe, eu já comi. – repondi meio receosa. – Você não...?

– Eu não o quê?

– Você não vai falar nada pela hora?

– Não. Por que deveria? Você fez algo errado, Georg? – ela perguntou com cara de desconfiada. Por que mães têm esse poder de saber quando a gente faz algo errado?

– Não mãe, claro que não. Eu vou... – desculpa para ir embora logo, pensa, pensa, Mariana! – tomar banho.

– Tudo bem. – ela sorriu e eu segui para o meu quarto.

Foi estranho tomar banho estando no corpo de um garoto tão... bom... bonito. Inevitavelmente eu tinha pensamentos impuros e, por mais eu tentasse me desfazer deles, eles sempre voltavam. A solução foi pensar em coisas aleatórias para tentar esquecer meu belo corpo.

Quando voltei ao meu quarto, notei mais um daqueles bilhetes em cima da cama desarrumada, o que deixou muito mais pensativa.

“Pense muito bem antes de tomar a sua decisão.”

– Que inferno esses bilhetes! – deixei escapar, irritada.

Joguei o papel no lixo sem pensar duas vezes e deitei em minha cama pensando sobre o que havia acontecido naquele dia. Agora eu realmente tinha uma ponta de dúvida sobre o que escoher, ser homem ou mulher, e acabei caindo no sono enquanto pensava sobre o assunto.

Na manhã seguinte, acordei atrasada como sempre, ainda como Georg. Eu queria saber qual era o segredo do cabelo perfeito do meu eu masculino, precisava levar isso comigo para a outra vida caso eu escolhesse ser mulher, iria me salvar com toda a certeza. Me vesti de qualquer jeito e saí correndo para o colégio. “Bem que meu carro poderia funcionar, né?!”, pensei.

O dia no colégio não foi muito diferente do anterior: Mariana dormindo na aula; Tom dormindo na aula; Mariana babando pelo Bill; Tom babando por garotas; Bill rindo; Mariana morrendo pelo sorriso do Bill; Mariana se matando por não ter prestado atenção nele antes; Ashley correndo atrás de Mariana; Mariana fazendo de conta ser Georg.

Resumidamente, foi isso que se passou durante o dia, mas o assunto principal era a grande festa que teria durante a noite e que, segundo Tom, seria onde eu pegaria a “minha” Ashley. Era esse tipo de coisa que eu não entendia nos garotos, e mesmo estando no corpo de um, continuava sem entender. Como os garotos conseguiam pensar em pegar alguém como a Ashley? Tão fútil, sem conteúdo, sem personalidade. Eu iria na festa mesmo era para ficar de olho no Bill. Ele não era meu, fato, mas eu podia ficar cuidando de longe, não podia?

Por mais que eu tentasse mudar de assunto, Tom sempre voltava a falar da festa. Parecia que ele esperava há muito por essa festa e que iria tirar o seu atraso lá. Tom era o tipo de garoto pegador, daqueles que eu odiava, e agora ele era um grande amigo meu. Boa Mariana, veja o nível das suas companhias. Mas eu como homem também era pegador, então, isso significava que eu me odiava? Não, impossível. Inclusive, se eu pudesse ser mulher e homem ao mesmo tempo, eu me pegaria. Que coisa mais narcisista, mas é a realidade dos fatos.

– Cara, tem certeza que seu carro não funciona? – Tom perguntou.

– Eu não sei. Mandei rezar uma missa pra ele e não testei ainda. Por que?

– Como porque? Você espera pegar a Ashley dentro do meu carro?

– Abasteceu? Encontrou as chaves? – perguntei segurando o riso.

– Sim, mas não muda de assunto.

– Não sei, cara. Talvez encontre um lugar lá.

– Boa sorte, colega. Só não esquece da camisinha, hein safadão. – Tom disse rindo.

Para tudo. Camisinha? Pensei que só ia precisaria dar uns amassos nela e tava tudo ótimo. E agora essa história de camisinha? Eu não sabia como fazer na prática, e aí?!

Enquanto pensava apavorada nas minhas opções de fuga no meio da última aula, notei que alguém havia jogado um papelzinho dobrado na minha carteira. “Ge, podemos conversar no final da aula? Mesmo lugar de sempre. Ash.” Ótimo, mais um enigma para a minha pessoa.

– Deixa eu ver o bilhetinho. – Tom puxou da minha mão e o leu. – Hum, festinha antecipada, é?

– O quê?

– A Ashley. Quer te encontrar atrás da biblioteca.

– Ah... – problemas, talvez? Só saberia se fosse até lá.

Assim que a aula acabou, fui até o lugar marcado. Tinha ido algumas vezes lá para matar aula. Era um lugar bonito e bem tranquilo, não havia ninguém além da loira lá. Ao me aproximar de onde Ashley estava, ela sorriu e me surpreendeu ao me agarrar pelo pescoço e me beijar de um jeito que nunca tinha sido beijada antes. Mesmo sem perceber, retribuí o beijo.

– Você queria falar comigo? – perguntei.

– Sim. – ela sorriu sem jeito. – É sobre a festa. Georg, eu não quero fazer... Nada hoje.

Ufa! Minha salvação. Fiquei até com vontade de beijá-la novamente depois daquilo, mas me controlei.

– Eu tenho medo que depois você nem olhe mais na minha cara, e eu... Eu gosto mesmo de você, Georg. – ela disse com os olhos brilhando.

Eu sabia que o meu eu masculino era apaixonado por ela e, mesmo não querendo admitir, ela parecia falar sério.

– Tudo bem, Ash. E eu... – engoli a saliva, não acreditando no que eu iria falar. – Eu também gosto de verdade de você. Mesmo.

Sorri fraco e falsamente, mas foi o suficiente para ela abrir o maior sorriso que eu já havia visto vindo dela, além de me abraçar, o que de fato me surpreendeu.