04. Um beijo.

Não podia acreditar, meus olhos se abriram ao máximo e minha respiração travou no instante em que esse homem terminava de pronunciar seu nome. Minha boca se abria e logo se fechava, como se fosse um peixe fora d’água. Queria lhe dizer tantas coisas, perguntar tantas outras, mas a situação era tão fantástica que não parecia ser real em minha mente.

Conheci meu amor platônico, meu ídolo. Era como se um garoto pequeno conhecesse o Super Homem. Em meu interior só havia confusão, e as voltas que davam em meu intestino não me ajudavam a pensar em uma frase coerente para poder responder ao melhor poeta que eu já ouvi.

Claro que a situação em que o conheci não foi a melhor mas, quando é?

Conheci Frank Iero no banheiro de um bar, depois de que ele teve sexo com outro homem, e não mudaria nada.

–Hey Gerard, está bem?

Sua voz me trouxe de novo a realidade. Pisquei varias vezes antes de olhar em seus olhos. Seus lindos olhos... Tinha o mistério que os meus também possuíam. Era difícil definir sua cor. Talvez fossem café com flashes em cor verde, ou talvez fossem verdes com contornos café. Só o tempo e o costume de olhar esses olhos poderia definir a cor que estes possuíam, e em minha mente desejava com todas minhas forças descobrir o mistério desse olhar.

–Sim. –Sorri. –Estou bem, é só que... Você é Frank Iero! –Comecei a rir sem motivo aparente, mas minha felicidade era tão grande, imensa, embriagante. Precisava libera-la.

–Sim, sou. –Continuou fumando encostado contra a parede de mosaicos azuis. –E o que tem isso?

–Sou um grande... Admirador. Nunca perdi um de seus programas, seus poemas são tão bons e, bem, você tem uma voz... –Meu discurso se cortou antes que eu pudesse continuar. O calor se apoderou de meu corpo e desci o olhar ao maravilhoso mundo de meus sapatos pretos. Estava a ponto de arruinar meu encontro com meu amor, mas é difícil me conter e dizer todas as maravilhosas palavras que sinto por ele. É difícil o ter ali em frente e não tentar explicar o quão feliz que fico só com ouvir sua voz. Me sinto desesperado...

–O que tem minha voz? –Seus pés avançam para mim e, jogando o cigarro no cesto de lixo, busca meu olhar segurando meu queixo.

–É linda... –Sussurro. Sinto meu rosto arder. Certamente estou vermelho como um tomate e meus olhos brilham pela aparição de gotas salgadas pela vergonha.

Pensei que talvez ele começaria a zombar de mim e minha patética forma de me expressar, mas isso não aconteceu e em troca meu olhou com uma ternura infinita e depois acariciou meu queixo.

–Obrigado Gerard. –Me sorriu e sentia que se caísse um raio nesse instante eu morreria muito feliz.

A porta do banheiro se abriu e um homem de idade corria abrindo a calça. Frank desviou o olhar sem soltar meu queixo. Seus dedos eram suaves e quentes, com um delicioso cheiro de lavanda.

–Logo começarei meu programa. –Disse Frank olhando-me e se aproximando mais.

–O fará aqui?

–Sim, é um especial de poesia e talento em New Jersey. –Sorriu. –Quer ficar e tomar algo comigo?

Mordi meu lábio inferior.

–Para mim é um ritual escutar sua voz em meu apartamento... Não me imagino quebrando essa rotina...

–Quebrar a rotina é algo bom. Chega um momento em que se torna um martírio viver as mesmas situações dia-a-dia.

Enfim soltou meu queixo. Meu rosto sentiu novamente o frio do lugar. Frank era ligeiramente mais baixo que eu, mas sua presença era enorme.

O homem saiu por fim do cubículo, deixando um pitoresco aroma atrás dele.

–Também tenho que sair daqui. Chegarei atrasado.

Assenti com a cabeça e saímos do banheiro.

–Oh, ali está minha equipe. Se aceitar tomar um drink comigo te verei no balcão.

Vi seus inquietantes e redondos olhos uns instantes antes de virar e avançar até o grupo de homens que conectavam cabos e testavam o som.

–Gerard! Você soube? Vão transmitir Romance a meia noite daqui. –Ray falou em minhas costas. O escutava, mas não deixei de olhar para Frank em nenhum instante. –Você quer ir?

–Em um momento...

Voltei para a mesa com os garotos. Podia ver Frank falando em um lugar, mas não o escutava, só via quando falava com os membros de sua equipe técnica, ou quando ria depois de tirar os fones de ouvido.

–Gerard, volta!

O grito me fez perder o equilíbrio e cair da cadeira alta.

–Gerard!

Mikey correu para meu lado e me ajudou a levantar imediatamente. Procurando em minha cabeça manchas daquele liquido vermelho que poderia causar “mortais perdas de sangue”, como dizia meu livro favorito.

–Você está bem irmão?

–Sim Mikey...

–Não se cortou, onde machucou? –Suas mãos corriam desesperadas em minha cabeça, meu pescoço e minhas mãos.

Os garotos haviam feito um circulo ao meu redor, pois Michael estava tendo um comportamento histérico demais.

–Mikey, se acalme. –Me coloquei de pé com um irmão a ponto de chorar atrás de mim. –Estou bem. –Segurei seu rosto entre minhas mãos e lhe beijei com suavidade nos lábios. Era um gesto de carinho que ambos compartilhamos desde muito pequenos. Era um consolo e uma forma de dizer “Eu te amo”. Ainda que papai nunca o viu com muito prazer.

–Me desculpe Gerard, mas você sabe como eu fico. –Me abraçou. Foi nesse momento em que me dei conta que todos meus amigos estavam nos olhando.

–Bom, então, outra rodada? –Sorri e antes de que alguém pudesse me perguntar já estava no balcão para pedir cinco cervejas.

–Que foi isso? –Uma voz em minha direita.

–Nada Ray, você sabe como Mikey fica...

Ouvi um suspiro saído dos lábios de meu amigo. Sabia que não havia acreditado em mim, mas não podia lhe dizer a verdade, ainda que quisesse. Só quero esquecer que sou “especial”.

–Não acha que o melhor irmos embora? Steve e Mikey tem que trabalhar.

Sorri. Depois virei para lhe ver.

–Certo, só vou cancelar meu pedido.

Ray me sorriu e depois beijou minha testa.

–Não demore...

Quando a mulher de cabelos castanhos me entregou as cervejas tentei lhe dizer que não queria mais, mas a mulher não desejava ter devoluções.

–Tranquila, pode deixar...

Essa voz... Noites inteiras sonhando que essa voz sussurrava palavras doces em meus ouvidos, sonhando que pronunciava meu nome e depois suspirava.

Frank... Meu doce sonho...

–Vai aceitar meu convite para um drink?

–Não tenho como dizer “não”, agora tenho cinco cerveja para consumir...

–Fique tranquilo. Essas eu pago. Você pede o que quiser uísque, vinho, tequila...

O olhei. O que eu quiser...

Ter Frank Iero em minha frente, com os olhos brilhando e o sorriso terno plantado em seu rosto não me dava muitas opções.

–Tenho que ir, meus amigos estão me esperando. –Disse com uma verdadeira decepção em meu rosto.

–Oh... Entendo...

“Estupido! Talvez seja a única oportunidade que tenha na vida para lhe conhecer, não pode desperdiçar...”

Não posso nem quero desperdiça-la, mas me dá tanto medo que ele me conheça... Eu, Gerard Way, um simples homem fechado em sua pequena bolha de irrealidade e rotina. Gerard Way que trabalha em uma livraria, afogado em seu mundo de fantasia. Gerard Way o que nunca sairá nos livros de história, nem terá uma casa em Beverly Hills... Quem queria estar comigo?

–Então, suponho que você terá que ir...

Assenti com a cabeça.

–E se me jogar no chão e fazer um chilique, você ficaria?

Eu ri um pouco. Como imaginar o locutor mais sexy do mundo fazendo isso?

–Você não faria. –Disse muito seguro.

–Claro que sim. Só você prometer que com isso ficaria...

–Tenho que trabalhar amanha.

Frank assentiu enquanto batia ritmicamente seus dedos sobre a mesa.

–Tenho 3 minutos antes de voltar a entrar. –Me disse com o olhar sério. –E te juro que se não me disser que o verei amanha será a primeira vez que cancelarei o programa, e como bônus, começarei a gritar por todo o lugar, entendeu Gerard Way?

Simplesmente ri do olhar assassino que ele me dirigia. Como negar se estava se esforçando tanto?

–Tudo bem. Nos veremos amanha. –Sorri. –Me diga onde.

–Aqui. –Pegou de seu bolso uma caneta e com pressa pegou minha mão. –Mas acho melhor você não lavar as mãos.

–Não o farei. Prometo.

Nos olhamos em silencio. Ambos com olhares sorridentes e lábios que confirmavam. A distancia foi se quebrando sem me dar conta de como havia acontecido, mas em menos de três segundos Frank havia apoiado seus lábios sobre os meus, fazendo uma leve pressão.

Se separou de mim e me olhou nos olhos. Os seus buscavam minha aprovação, os meus haviam se rendido perante ele a primeira vista.

Se aproximou de novo e em sua mão esquerda acariciou minha bochecha. Voltou a pressionar seus quentes lábios contra os meus e desta vez respondi lhe dando um suave beijo. Fechei meus olhos e o reconhecimento dos lábios durou uns instantes antes de que sentisse uns dentes se cravarem suavemente em meu lábio inferior.

Agora ambas as mãos sustentavam meu rosto, enquanto eu acariciava seus braços.

Uma travessa língua lambeu a zona mordida e meu desejo se curvou por completo. Abri a boca em um leve convite que não demorou em ser aceito. Sua língua afundou em minha boca, enquanto a minha tentava igualar os sensuais movimentos da sua, que era esperta.

Continuamos com o beijo até que a falta de ar nos separou.

–Nos vemos amanha. –Falou quando nossas testa ainda permaneciam juntas e o roçar de nosso nariz se fazia constante.

Só assenti com a cabeça. Sobrecarregado demais para poder relembrar como se falava.

Beijou outra vez meus lábios e suspirou sobre eles. Novamente senti o sabor de cerveja e tabaco em sua respiração.

Se separou de mim e se afastou correndo até a estação de transmissão. Minha mente ficou nublada e a voz de Ray se tornava mais distante.

Havia me beijado. Frank Iero havia me beijado. Era tudo tão irreal.

Mas parecia tão bom...

One Kiss and boom you’re the only one for me (*)

* * *

(*)The Game of Love - Michelle Branch