Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada escrita por Eica


Capítulo 8
Permissão para amar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/212740/chapter/8

Donatelo

A semana estava sendo hostil para todos nós e a julgar pelo andar da carruagem, continuaria hostil pelos próximos dias. O dia foi escurecendo e a atmosfera transformou-se completamente, congelando-me até os ossos. Precisei agasalhar-me. Também agasalhei Sofia, e muitos dos que festejavam o seu aniversário em casa protegeram-se com seus moletons ou casacos.

Neste momento eu papeava com Clarissa na cozinha. Meus pais estavam logo à frente de nós, sentados em cadeiras encostadas a parede. A mãe de Eduardo estava com eles também, comia salgadinhos e bebia refrigerante. Minha Sofia apareceu na cozinha algumas vezes quando queria alguma coisa ou apenas para presentear-nos com um sorriso ou então para espreitar o que fazíamos. Rafael também veio à cozinha quando quis carregar o seu prato descartável com mais salgadinhos. Antes de sair da cozinha, dirigiu-me um sorriso cheio de dentes sujos de quibe.

Clarissa e eu conversávamos sobre higiene, alimentação, saúde e outros temas referentes à paternidade. Como ela tinha mais experiência do que eu, eu escutava-a falar com muito interesse e cuidadosamente tomava nota de tudo o que me contava.

- Tenho muito orgulho de você, - disse ela, sorrindo amavelmente. – tem se saído muito bem sozinho.

- Não sozinho. – corrigi. – Minha mãe tem tido todo o trabalho, basicamente. Só vejo Sofia nos finais de semana. Às vezes até me pergunto se o que estou fazendo é correto.

- Claro que é. – disse, rindo ligeiramente. – Ninguém faz nada sem ajuda, Donato, e o contato de Sofia com sua mãe é saudável. Eu vejo a maneira como você cuida dela e a maneira como a trata e é por isso que digo que você está se saindo bem. Errado é acreditarmos que sabemos de tudo quando não sabemos. Precisamos de ajuda mesmo. Eu mesma precisei.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, Rafael retornou à cozinha e perguntou-me quando comeríamos o bolo.

- No dia em que você criar chifres. – respondi, indo até Rafael.

Sorri para Clarissa e dirigi-me à sala com Rafael a frente de mim. Chegando à sala, encontrei Mick e Leo sentados em cadeiras próximos as janelas. Isabele estava sentada numa cadeira próxima do sofá. Lucas estava de pé de costas para a porta fechada, e B.B, Marco e Eduardo interagiam com Sofia no centro da sala.

A casa exalava diferentes fragrâncias. A mais forte delas, talvez, fosse de Clarissa. Comum e adocicado. No entanto, ali na sala, eu conseguia distinguir todos os aromas de meus amigos. O mais próximo de mim era de Eduardo, que agora se sentava no sofá e continuava a fitar Sofia. Olhei dele para Sofia e, quando ele virou o rosto e sorriu, sorri de volta.

- Vai ter que nos pagar uma graninha, pai. Estou dando uma de babá desde que cheguei. – disse Rafael, ao meu lado.

- Ficar com minha filha não deveria ser trabalho para você. – retruquei, erguendo as sobrancelhas.

Ele respondeu com um sorriso e engoliu outra coxinha. Depois passou atrás de mim e fez companhia a Lucas.

- Você é tão linda! – disse B.B, ajoelhado ao lado de Sofia.

Deu-lhe um beijo no pescoço, fazendo-a alargar um sorriso, e depois passou a mão em suas costas.

- A paternidade te deixou um charme, sabia, Di? – disse B.B, fitando-me.

Um dos comentários que ouvi depois do que Bruno me disse foi de Rafael:

- Acho que esse charme é o responsável pelas garotas ficarem em cima dele. Sei não, mas acho que vou arranjar uma criança também.

- Ai! – gargalhei, olhando para Rafael.

- Só diz besteira! – exclamou Mick, do outro lado da sala, rindo.

- Mas é mesmo! – insistiu Rafael. – A Sofia é como um ímã. Ela atrai a todos para o seu papai italiano.

- Eu atraio as garotas porque sou bonito, não porque sou pai. – disse, olhando para Rafael.

Ele deu de ombros e comentou, depois de engolir um quibe:

- E você, cara, - disse, olhando para B.B. – não devia dizer na frente do seu namorado que o seu ex é um charme. Vai deixar o Marco com ciúme.

Olhei para Marco. Ele estava sentado ao lado de Eduardo. As costas acomodadas ao sofá e as pernas cruzadas. Na mão direita ele segurava um copo com refrigerante. Em seus lábios havia um sorriso suave, quase imperceptível.

- O Mi sabe que eu o amo e por mais que ache o Doni um charme, ele não me interessa em nada.

Rafael riu da minha cara, dizendo que eu não interessava a Bruno. Os demais também tiraram sarro de mim, mas cada um a seu modo.

Dali a vinte minutos, Sofia pediu colo. Carreguei-a e fui para a cozinha. Dezessete minutos depois, chamei a todos na cozinha e nos aprontamos para cantar parabéns. Fui para trás da mesa, com Sofia em meus braços, Mick acendeu a velinha que estava sobre o bolo e logo mais começamos a cantar parabéns. Quando olhei para Sofia, havia um sorrisinho encabulado em seu rosto. Ela estava tão fofinha naquele momento que dei um beijão na sua bochecha.

Depois dos parabéns, minha mãe cortou o bolo para mim, já que Sofia não quis sair do meu colo. Foram distribuídos pedaços de bolo para todos. Quando Rafael recebeu seu pedaço, perguntou se a Cinderela era comestível.

- Segundo a moça que fez o bolo, tudo no bolo é comestível. – respondi.

- Então quero comer a Cinderela! – disse ele.

Sentei numa cadeira em frente da mesa e ajudei Sofia a comer o bolo, mesmo que ela quisesse comer por si mesma. No instante em que ergui meus olhos, distraído, o olhar de Eduardo, que comia a poucos metros diante de mim, ao lado da porta da cozinha, recaiu sobre mim. Um sorriso desenhou-se em seus lábios. Encarei-o até desviar o olhar quando ele sustentou o seu olhar por muito tempo.

Para resumir a história, a festa foi muito agradável. Todos foram embora quase ao mesmo tempo, menos Eduardo que, recusando a carona de Bruno, quis ficar comigo e com Sofia uns minutos a mais.

Quinta-feira. Última semana de maio. Estava no trabalho quando me chegou um sms: “Me ligue quando puder”. A mensagem partira de Bruno. Era curioso que tivesse me mandado uma mensagem. Ele raramente fazia isso. Mesmo assim, esperei chegar minha hora de almoçar para fazer-lhe uma ligação. Antes, porém, mandei-lhe um sms perguntando se podia ligar.

- Bom dia. – disse.

- Bom dia, Doniiii! – disse, com extremíssima empolgação. - Como vai?

- Vou bem, e você?

- Estou ótimo.

- Tem algo para me dizer?

- Tenho sim. Acontece que, bem, estamos nos aproximando do mês nos namorados eeee, como eu sei que você está solteiro, pensei em lhe arranjar uma companhia para garantir que você não passe o dia dos namorados sozinho.

Ri:

- Muita generosidade, mas não me importo de passar o dia dos namorados sozinho. E, pra falar a verdade, nem me lembrava do dia dos namorados. Quando é?

- Daqui a duas semanas. Tenho um amigo que está solteiro e eu falei de você pra ele...

- Falou de mim? O que você falou exatamente?

- Nada de mais. Coisa básica. Ele está solteiro também e se interessou por você. Te achou bonito e tal...

- Ele já me viu? – exclamei, surpreso. – Como?

- Mostrei seu Face pra ele. Posso marcar um encontro entre vocês? – disse, num tom de voz infantil.

- Que?? De modo algum!

- Por que não?

- Não quero. Estou bem assim. Não preciso de companhia.

- Mas você não pode ficar solteiro pra sempre, Donatelo. Quero te ver feliz e de preferência com alguém tão interessante quanto meu amigo. O nome dele é Adriano, tem vinte e cinco anos, é inteligente, engraçado, bonitooo...

- Ham, já falei que não quero? – disse, com sarcasmo.

B.B suspirou.

- Pode ao menos conhecê-lo primeiro antes de dizer qualquer coisa? Se você não se interessar por ele, ao menos fez uma nova amizade. Que acha?

Agora eu suspirei:

- Realmente não tenho interesse. Não quero me envolver com ninguém agora.

- Vamos, vai. Vai, vai, vai, vai, vai, vai!

Não tive outra escolha senão concordar com um encontro independente do quanto gostaria de fazer o contrário. Deste modo, ficou combinado que Bruno me ligaria mais tarde para dizer-me o horário e local do encontro. Ele não me ligou na quinta-feira. Contatou-me no dia seguinte para avisar-me que o encontro aconteceria de noite, no Shopping Sorocaba, hoje!

- Hoje?? – indaguei.

- Desculpe, mas não consegui outro dia. Além do mais, amanhã é sábado e acredito que você queira passá-lo ao lado da Sofia, né?

- Sim, mas... Hoje?? Vou sair do trabalho e terei que ir correndo ao Shopping?

- Não se arrependerá. Pode escrever o que digo.

Ele estava mais animado do que eu estava.

- Está certo. – disse, após engolir minha derrota. – Vamos acabar logo com isso.

- Você conhece o Café Via Veneto, né? Pois então. Espere-o lá.

- Tudo bem.

Não me preocupei com o encontro durante o restante da tarde, somente quando faltavam trinta minutos para eu ir embora. Olhei-me no espelho do banheiro do escritório e percebi que minha aparência já não era das melhores. Penteei meus cabelos com os dedos e lavei meu rosto para ver se suavizavam as expressões de cansaço ganhas durante todo o dia.

- Espere! Se eu for todo desleixado, é bem possível que o rapaz se desinteresse! – falei comigo mesmo. – Sim! Ótima idéia, Donatelo!

Saí do banheiro, agora muito mais tranqüilo e livre do peso da obrigação, convicto de que o encontro nada tinha a me intimidar.

Apreciei a viagem de volta, mesmo que o clima não estivesse favorável. Acho que fazia 19ºC e para piorar a situação, ventava um pouco. O dia já estava negro e o céu um pouco borrado de nuvens. Gostei quando entrei no ônibus e saí da rodoviária. Ali dentro do ônibus estava mais quentinho e por pouco não cochilei demasiado.

Cheguei à rodoviária de Sorocaba e peguei um ônibus para chegar ao terminal São Paulo. De lá, fui para o outro terminal e peguei um ônibus que passava em frente ao shopping. “Já é muito tarde”, pensei, quando olhei para o horário do celular. Pensei em voltar para trás e ir para casa, mas já era tarde. Desci do ônibus e entrei correndo no shopping, atravessando o estacionamento.

Café Via Veneto era uma cafeteria de pequenas dimensões no andar térreo do shopping. Conhecia-o bem. Fui para lá. Por sorte, uma das cinco mesas do Café (enfileiradas ao lado da parede) estava desocupada. Sentei-me nesta e pus minha mochila sobre a cadeira ao meu lado. Admirei-me que o shopping estivesse bem movimentado neste dia tão frio e desencorajador, mas era sexta-feira e há pessoas que não se deixam abater por um mero friozinho irritante.

- É quase dez horas. Ele não vem. – pensei, em voz alta.

Havia me sentado com a cara voltada para o corredor, de modo que tinha ampla visão do lado de fora da cafeteria. O Café não possuía porta. Era um espaço aberto onde pessoas podiam entrar e sair facilmente e muitos entraram na cafeteria para comer pães de queijo e tomar um café bem quentinho. A esta hora do dia, meu estômago rogava por janta. Eu estava faminto, mas recusei-me a beber café porque não queria ficar com bafo, se bem que isto serviria muito bem como repelente...

- Você não bate bem da cabeça, Donatelo... – murmurei, quase sem mover os lábios.

Eu vestia minha melhor jaqueta de frio. Era bem grossa e quente. Na cabeça, um gorro preto e nas mãos, luvas. Sim. Hoje fui esperto e vesti minhas luvas. Acho que a única parte do meu corpo desprotegida e que sofria um pouco eram minhas pernas (jeans não esquenta droga nenhuma). Aguardei um pouco mais, dizendo a mim mesmo que, se este tal Adriano demorasse mais, iria para casa imediatamente.

Olhei para a minha direita. À direita da cafeteria ficava o longo balcão com os mais variados salgados e doces para se comer. Havia diferentes tortinhas, pães de queijo, coxinhas, quiches, panquecas e porções de queijos frios, além de sobremesas como brownies, tortas doces, mousses, pudins, bolos e outros.

Não olhei muito para o lado, afinal, não queria me torturar, embora os aromas do Café estivessem acabando comigo. Antes que eu pudesse reclamar da demora do tal Adriano, ergui meus olhos para a direção do corredor do shopping e alguém conhecido apareceu em frente ao Café. E sorriu.

Eduardo!

Uma leva de sensações me acometeu quando o vi. Surpresa, certamente, misturada a uma repentina alegria e um algo mais...

Segui-o com o olhar. Eduardo só precisou dar alguns passos para entrar na cafeteria e parar diante de mim. Seus olhos pareciam mais azuis e meu coração começou a bater mais rápido.

- Demorei? Dei uma volta por aí para comprar alguma coisa. – disse ele e passou-me uma sacola da Cacau Show. – É para você.

Sentou-se na cadeira em frente de mim e, pondo os braços sobre a mesa, alargou mais o sorriso. Olhei-o, confuso, e abri a sacola. Tirei uma caixinha octogonal de dentro dela. Ao que dizia na caixinha, Eduardo me comprara bombons de chocolate ao leite recheados com trufa.

- Obrigado. – disse, sorrindo.

Pus a caixinha de bombons dentro da sacola e, ainda confuso, disse:

- Estou esperando alguém.

Eduardo soltou um riso abafado:

- Alguém mais?

- Como assim alguém mais?

- Bruno me deu o seu recado. Quis te ligar, mas...

- Que recado?

- Que você queria se encontrar comigo. Ele deu a entender que você queria reatar. Disse que você não falou diretamente comigo porque não encontrou coragem.

Fiquei boquiaberto.

- Ele disse isso?

- Disse. – após fitar-me por um longo tempo, franziu a sobrancelha. - Não é verdade?

Abanei a cabeça negativamente e acrescentei:

- Estou aqui porque o Bruno me disse que, ele me arranjou um encontro com um amigo dele, mas pelo visto era tudo mentira.

Eduardo ficou a encarar-me, já há muito tempo sem um sorriso nos lábios.

- Então ambos fomos enganados? – disse ele, calmamente. – Ha. O Bruno está ficando muito safadinho. Hm. Está bem. Mas ainda pode ficar com os bombons.

Sorri, olhando-o. Fitei-o um pouco. Ele não olhava para mim. Neste momento tirara o celular do bolso que aparentemente vibrara.

- Quem é?

- Minha mãe. – respondeu. – Ela se preocupa quando eu saio à noite, por isso precisa me enviar uma mensagem a cada dez minutos. Tenho que responder, senão ela pira. Acho que vou tomar um chocolate quente, e você?

- Ah, que ótimo! Vou comer algo também. – falei, levantando-me, e me sentindo aliviado por alguém ter entrado no assunto “comida”. - Só quer um chocolate quente?

- Sim, por favor.

Fui até o balcão e esperei minha vez para ser atendido. Pedi um chocolate quente com chantily para Eduardo e café e pão de queijo para mim. Retornei à mesa para aguardar a chegada do pedido. Há esta hora Eduardo já havia largado do seu celular e ajeitava seu gorro preto na cabeça. Embora ele estivesse vestindo duas blusas de frio, não parecia muito protegido. Não fechara o zíper de nenhuma delas e a gola em formato de “u” da camiseta era outro ponto contra ele.

- Quero te mostrar uma coisa. – disse ele, olhando-me e sorrindo.

- O que?

Inesperadamente, levou sua mão direita ao meu rosto, fazendo-me recuar no mesmo instante. Sua mão estava geladíssima.

- Sai pra lá! – falei, afastando sua mão.

O engraçadinho riu e esfregou uma mão na outra, tentando aquecê-las.

- Não tem luvas?

- Até tenho, mas estão em casa. – respondeu, pondo um braço sobre a mesa e encrespando os lábios.

- Quer as minhas? – indaguei, já pronto para tirá-las.

- Não, não. Não quero. Obrigado. Como foi o seu dia?

- Como qualquer outro.

- Nenhum aborrecimento?

- Já tive muitos, mas não me preocupo mais.

Quando olhei novamente para ele, percebi que não tirara o sorriso suave do rosto e nem desviara o olhar de mim.

Nosso pedido chegou. Meu estômago agradeceu a comida. Terminei meus pães de queijo sossegadamente e tomei meu café com a mesma calma. Eduardo terminou o chocolate antes de mim.

- Então, você não quer reatar, não é?

Não o olhei quando me fez tal pergunta. Tomei o último gole do meu café em silêncio.

- Donatelo? – indagou, suavemente.

- Eu não tencionava...

- É, imaginei que você me diria isso.

Eduardo ficou sério, mas não demonstrava irritabilidade.

- Você me deixou curioso. – disse ele, sorrindo de repente. – Veio para se encontrar com um amigo do Bruno?

- Porque ele insistiu. – me defendi. - Eu não queria me encontrar com ninguém. Não quero conhecer ninguém no momento e, não tem nada a ver o que vou dizer agora, mas podemos ir? Está ficando tarde.

- Vamos.

Paguei toda a conta (disse a Eduardo para me pagar depois) e saímos da cafeteria. Caminhamos em direção a uma das portas principais do shopping. Ao nos aproximarmos dela, um vento furioso nos atacou, congelando minhas pernas.

- Deus do céu!

Corremos pelo estacionamento até a calçada e atravessamos a avenida. Chegamos a um ponto de ônibus e aguardamos a chegada de um ônibus. Eduardo fechou o zíper das suas blusas e cruzou os braços. Balançou-se um pouco. Um ônibus chegou. Entramos nele. Depois de dez minutos, quando chegamos ao terminal e descemos do ônibus, Eduardo tocou-me no braço e perguntou se não poderia ir a minha casa.

- Mas já é tarde. – retruquei.

- Sei que é tarde. Queria passar a noite em sua casa.

Por uns segundos fiquei sem reação, até consentir.

Chegamos em casa após outra longa viagem de ônibus. Abri o portão social e entramos. Tranquei o portão em seguida. Abri a porta da sala e acendi a luz. Eduardo foi até o banheiro. Tranquei a porta da sala e fui para o quarto me trocar. Coloquei moletom e uma blusa bem quentinha. Tirei meu sapato e troquei minhas meias. Deixei o gorro na cabeça, pois estava me fazendo muito bem.

Reencontrei-me com Eduardo na sala.

- Ah! Vou pegar uns cobertores pra você.

Voltei ao quarto e retornei a sala com dois cobertores na mão. O colchão que costumava ficar na sala já tinha lençol e um travesseiro. Eduardo pegou os cobertores da minha mão e deixou um deles sobre o colchão. O outro ele usou para se cobrir depois de se sentar no sofá. Sentei ao lado dele e, quando me sentei, ele me cobriu também. Ligou a televisão.

- Não está com sono? – perguntei, olhando para a TV.

- Não, e você?

- Não o bastante para dormir. Você me distrai.

Ele riu:

- Você já me disse isso.

- Então é verdade.

- Se você disser duas vezes então é verdade? – indagou, olhando-me.

- Se eu disser uma vez é verdade, e se eu disser mais uma vez, então pode confiar cegamente.

Eduardo fitou-me um pouco mais e depois olhou para a TV.

- Vai pegar a Sofia amanhã?

- Vou.

Não conversamos mais porque eu adormeci. No que abri os olhos, ainda me via sentado no sofá com Eduardo ao meu lado. Ele estava dormindo. Não sei quando adormeceu. Peguei o controle remoto e desliguei a TV. Depois saí debaixo do cobertor e levantei. Olhei para Eduardo, duvidoso se o deixava dormir no sofá ou se o deitava no colchão. Olhei para ele e depois para o colchão, pensando numa melhor maneira de movê-lo sem despertá-lo. Como não considerei o colchão confortável o bastante, arrumei minha cama e só depois o peguei. Ele não acordou. Parecia desmaiado. Deitei-o em minha cama e o cobri com os cobertores.

Em seguida, desliguei a luz da sala e caminhei até o quarto. Fechei a porta depois de entrar e me ajeitei na cama. Descansei a cabeça sobre o travesseiro e olhei para o lado. Eduardo ainda dormia. Olhei para o teto e só depois de um segundo, me virei para dormir.

A paz do aposento, o silêncio que se fazia presente, me fez dormir. Com o sono, vieram os sonhos. Bons sonhos. Dormir com alguém ao seu lado nos faz sentir mais seguros. Ter Eduardo ao meu lado não me fez sentir sozinho de modo algum.

Acordei. O quarto já estava bem iluminado. “Deve ser de manhã”, pensei, e me virei na cama. Eduardo não estava ao meu lado.

- Já foi?

Levantei correndo da cama e, calçando meus chinelos, saí do quarto com a angústia crescendo à medida que não o encontrava pelos outros cômodos da casa. Abri a porta da sala e o vi na garagem, de costas para mim. Virou-se com o barulho que fiz.

- Está indo? – indaguei, um pouco mais tranqüilo.

- Não. Só vim ver como está o tempo aqui fora. Jogaram isto. Panfleto do Esplanada Móveis.

- Ah.

Ele veio até mim e me passou o panfleto. Entramos.

- Está com fome? Vou até a padaria comprar pão. – disse, depois de um tempo.

- Vou com você.

Lavei o rosto, escovei os dentes, troquei de roupa, penteei o cabelo e dirigi até a padaria mais próxima. Comprei meia dúzia de pães, fatias de mussarela, fatias de mortadela, e outros itens que me faltavam em casa. Na volta, Eduardo me ajudou a arrumar a mesa da cozinha para o café. Sentamos para comer. Não abri a porta da cozinha que dava para o quintal porque não queria permitir a entrada do ar frio. Durante o desjejum, falamos sobre muitas coisas. Ah, também falamos sobre o mentiroso do Bruno que ontem deve ter rido muito às nossas custas.

- Ele foi cruel. – disse Eduardo, sem olhar para mim.

Estava sério. Somente neste momento lembrei-me do que Bruno disse a Eduardo. Fitei-o por um tempo.

- Pedirei esclarecimentos mais tarde. – acrescentou, tomando um último gole de leite quente.

Neste instante, olhou-me de esguelha e, quando notou que tinha minha atenção, disse:

- Agora estou me sentindo um pouco envergonhado. Fui todo feliz ao shopping imaginando que voltaríamos quando na verdade tudo acabou diferente.

- Queria voltar? – indaguei, surpreso.

- Não queria. Ainda quero.

Meu coração voltou a bater mais rápido.

- O que você está fazendo não é justo, mas não vou te forçar a nada. Se não quiser voltar comigo, então não voltamos. – disse ele, amigavelmente. – Sei que você disse que ficará solteiro para sempre, mesmo assim quero te ouvir dizer que não acontecerá mais nada entre nós.

- Não haverá nada. – respondi prontamente.

Sei que a minha resposta não o agradou (não agradou nem a mim mesmo), mas, ainda assim, ele sorriu.

Não vi Eduardo no início do mês. Não trocamos mensagens nem ligamos um para o outro e nem fizemos visitas um ao outro. No decorrer da semana, Bruno, o mentiroso traiçoeiro, ligou-me para me fazer um alerta: “Tem um cara interessado no Du. Não vá dar uma de tonto, Donatelo”. Ainda teve a audácia de me garantir que o tal interessado em Eduardo era lindo em todos os sentidos.

- Isso é invenção sua. – falei, brincando. – Você é um mentiroso, sabia?

- Quer saber? - disse ele, no mesmo tom de voz. – se não quer minha ajuda, tudo bem. Eu paro por aqui.

Só fui vê-lo (Eduardo) no domingo, dois dias antes do dia dos namorados. No momento em que ele apareceu, eu estava brincando com Sofia no quintal de casa. Ela estava dentro de sua casinha e eu sentado fora (lógico, porque não cabia lá dentro), fingindo que almoçava com ela.

- Quer comer, musti? – indagou ela, olhando para o Sr. Musty que acabara de entrar de xereta em sua casa.

- Acho que o Sr. Musty está com fome, Sofia. Dá um pratinho pra ele, dá.

Sofia pegou um dos seus pratinhos de plástico e deixou no chão, em frente a Sr. Musty. Ele olhou o prato e continuou xeretando por ali mesmo. Quando Eduardo apareceu, senti que fui deixado de lado por Sofia, que preferiu brincar com Eduardo a continuar brincando comigo.

- Sou um pai descartável. – falei.

Eduardo riu:

- Aaaah, não é verdade.

Com Eduardo cuidando de Sofia, tive tempo de limpar alguns pratos na cozinha e de organizar as coisas na sala. Mais tarde fiz companhia aos dois até o entardecer. Ainda hoje, Eduardo me acompanhou até a casa de meus pais, onde deixei Sofia. Na volta para casa, conversamos um pouco sobre o que planejávamos para nosso futuro.

- Falei pra você, né? Que todo mês eu coloco uma graninha na conta da Sofia?

- Você faz bem.

- Sabe, eu estava pensando em trabalhar em casa pra poder passar mais tempo com ela.

- É uma ótima idéia! – disse, virando o rosto para minha direção.

- Eu ganho bem, mas acho que eu devia passar mais tempo com ela enquanto é pequena. Tenho medo de ter começado fazendo errado.

- Se precisar, pode contar comigo.

Olhei-o e perguntei:

- De que maneira?

- Se quiser a minha ajuda para cuidar dela, posso me mudar pra sua casa.

- Você disse que não me forçaria a nada.

- Do que está falando? Aaaah! Só por que falei de morar com você não quer dizer que eu queira voltar com você.

- Verdade. Desculpe. – disse, envergonhado, sem olhá-lo.

Ele riu um pouquinho e depois disse:

- E então?

- Morar comigo?

- É. A menos que você não queira.

- Onde vai dormir?

- Na sala, onde mais? Que foi? Parece que não gostou da idéia.

- Não, não é isso, é que fico pensando nas conseqüências disso.

- Que conseqüências?

- Nada, nada.

- Se estiver de acordo então eu gostaria de me mudar hoje.

- Hoje?? – disse, fitando-o espantado. – Já??

- Não quer que eu me mude agora? Falo isso pra poder te ajudar.

Fiquei sem reação por uns segundos até responder que tudo bem e de dirigir até sua casa para que ele pegasse seus pertences mais importantes para esta noite. Quando chegamos em minha casa, Eduardo mencionou mais uma vez que, nesta segunda-feira, ele iria novamente para casa para pegar seus outros pertences.

- Pode deixar suas roupas no meu guarda-roupa. Ele é grande, você sabe.

- Tudo bem.

Naquele vai e vem dentro de casa, quando Eduardo e eu nos topamos na cozinha, ele abraçou-me rápido e fortemente e disse cheio de empolgação: “Nossa! Vai ser tão legal!”. Tê-lo em casa novamente acabaria com a minha solidão sem dúvida. Ter movimento em casa de novo foi ótimo. Ter alguém com quem conversar era tão bom que acabei indo dormir tarde da noite. Acordei a meia noite. Virei na cama diversas vezes, sentindo um incômodo inquietante. Deslizei para fora da cama e cheguei à sala onde Eduardo dormia no colchão ao lado do sofá. Ajoelhei-me ao lado dele e toquei-lhe de leve no ombro.

- Eduardo? Eduardo?

- Hmmmm. – respondeu-me segundos depois.

- Vem cá. – disse, pegando em seu antebraço.

- Eu estava dormindo tão bem...

- Desculpe, mas o único jeito de levá-lo para cama é te acordando.

- Cama? – indagou, somente com o olho esquerdo aberto.

- Lá é mais confortável e meu quarto não é tão frio quanto aqui.

- Estou bem. – disse,fechando o olho.

- Lá é melhor. Venha.

Sem sua cooperação, tive que levantá-lo puxando-o pelos braços.

- Me deixe aqui mesmo, Donatelo.

- Vamos indo.

Levei-o para o quarto e consegui fazê-lo deitar na cama. Somente depois, quando ele já estava instalado, deitei e dormi.

Não sei exatamente por que fiz isto. Não sei por que o levei para meu quarto. Só sei que repeti este mesmo ato na segunda-feira, quando vi Eduardo novamente deitado no colchão da sala depois que cheguei do trabalho. Na terça-feira, lembrei-me que era dia dos namorados quando Bruno me enviou um sms dizendo: “Dá um presente pro Du, Doninho!”. “Não estamos namorando”, foi minha resposta. Quando cheguei em casa tarde da noite, Eduardo estava acordado. Comeu pão e tomou leite junto comigo. Esta noite estava fria como as anteriores.

- Bruno disse que vai dar um avental ao Marco. Acho que já deu, inclusive. – disse ele, quando comíamos na cozinha.

- Avental? – franzi as sobrancelhas, estranhando. – Que presente é esse?

- Avental é a única coisa que ele vai usar quando der o presente ao Marco.

Gargalhei quando compreendi.

- E não é um avental qualquer, - acrescentou, rindo comigo. – é um avental daqueles de cintura que com certeza só vai cobrir a frente e deixar todo o resto à amostra.

Ri ainda mais.

Enfim, a noite foi boa e, quando bateu o cansaço, pulei na cama, mas não dormi. Deixei a TV ligada. No instante em que o sentimento de culpa e pena cresceu em meu peito, convidei Eduardo para se juntar a mim na cama. Ele respondeu-me que estava bem onde estava.

- Vou me sentir melhor se vier pra cá. – falei, no limiar da porta, olhando para Eduardo à distância.

- Poderá me convidar para dormir com você no dia em que minha cama for feita de pedras.

Ri:

- Mas, sério, não quer vir mesmo?

- Que surpreendente. Quem estava falando em conseqüências esses dias mesmo? – brincou, de modo sarcástico.

- É só uma cama. Podemos dividi-la.

Quando ele cedeu e veio para meu quarto, acrescentei:

- Você poderá trazer sua cama pra cá. Ela é de solteiro e com certeza cabe ali no canto.

- Trazer minha cama?

- É. Não pode ficar dormindo no chão.

Em pouco tempo, dormimos.

Nesta quinta-feira, aconteceu uma coisa que eu não previa e que, se tivesse previsto, não teria deixado acontecer: Eduardo dormira ao meu lado na noite anterior e, quando acordamos esta manhã, ele falou para eu voltar para a cama, pois me levaria à rodoviária. Sossegado e, tendo mais tempo para descansar, retornei a deitar-me. E aí ocorreu que, depois de uma curta conversa, acabamos nos beijando. A ação foi tão rápida que quando me dei conta, nossos lábios estavam grudados. Não queria beijá-lo, mas aconteceu. Com o beijo, quis envolvê-lo em meus braços. E o fiz. Só me afastei dele quando uma força maior dentro de mim repeliu o desejo reprimido. Afastei-me dele no colchão e deitei de costas.

- Foi mal. – respondi, mirando os olhos no teto.

Tentei acalmar meu coração e não apreciar o úmido dos meus lábios por causa dos seus beijos.

- Eu acho que isto não dará certo. – soltei.

De repente, ele levantou da cama, recolhendo seu travesseiro, e foi indo na direção da porta.

- Aonde vai? – indaguei, levantando levemente a cabeça.

- Dormir na sala. – disse, calmamente. – Pode dormir mais um pouco. Ainda pretendo te levar à rodoviária.

- Desculpe, está bravo comigo?

- Não, não estou. Até concordo com você. Isto não dará certo.

Tive tempo de chamar seu nome antes que ele cruzasse a porta que acabara de abrir. Sentei na cama, encarei-o e disse:

- Às vezes tenho vontade de voltar com você. Não. Não às vezes. Eu não queria ter terminado. Eu ficaria com você, mas precisaria da aprovação do Leonardo.

Sua face se transformou. Encrespou as sobrancelhas, parecendo indignado.

- Q...

- Por favor, eu preciso disso. – disse rapidamente, antes que ele ralhasse comigo.

- O que você pensa que eu sou?

- Não, não, - disse, levantando da cama e indo até ele. Não queria que ele brigasse comigo. – não me entenda mal...

- Aprovação?? Ninguém aqui precisa de nenhuma aprovação.

- Eu sei que não, mas se puder compreender o meu lado... Somos amigos e não quero magoá-lo mais. Por favor, me deixe falar com ele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.