Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 2
Capítulo 1 - Yudai


Notas iniciais do capítulo

Agradeço a quem deixou review *-----*
Bom, a história começa alguns anos depois do ocorrido no prólogo, mas alguns personagens que aparecem lá já estão aqui. Tente descobrir quem são :P



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         Estava um dia agradável, frio e com neve, mas não estava insuportável para mim, apesar das minhas roupas relativamente finas. Eu estava sentado em cima do telhado da sacada do penúltimo andar dos dormitórios da Ordem. Era extremamente alto, porém, gostava de ficar lá, observando o que ocorria abaixo. Em meu campo de visão, conseguia avistar o vasto gramado coberto de neve e o lago congelado ao longe juntamente com os pequenos flocos que rodopiavam e bailavam suavemente diante meu campo de visão. Mexi-me levemente, arredando a neve para que ela não derretesse pela temperatura de meu corpo e molhasse minhas calças – o que com certeza se tornaria motivo de gozação - logo após, abracei minhas pernas, não olhando pra nada em especial.

         Quase ninguém vinha nos telhados por motivos óbvios. A altura, a qual uma queda poderia causar a morte para as pessoas normais, mas se alguém como eu não fosse cuidadoso iria apenas se machucar. Muito, na verdade. E também o fato de se ter lugares mais interessantes para se ir ver. Apesar de que aqui ser considerado um local amaldiçoado, tinha uns bons lugares para seus “seres amaldiçoados” se divertirem, como a biblioteca ou sala de música – a qual eu nunca fui, aliás – mas eu gostava de ficar aqui, isolado talvez, mas gostava.

         - Ei Yu!

         Virei minha cabeça só para ser acertado por uma bola de neve, bem na cara.

         É em momentos como esse que amaldiçoo minha distração, que por muitas vezes é constante. Com minha mente vagando deste modo, até mesmo prever a aproximação de alguém – ou algo – se torna difícil. Como essa criatura dos deuses que veio justamente para atirar uma bola de neve na minha cara.

         - Ah, droga! – me levantei rapidamente, quase escorregando por conta da neve do telhado.

         - Isso é por sumir sem avisar e depois deixar os outros te procurando! – ralhou.

         - Ah, sinto muito, papai. Você sabe que eu venho sempre aqui Hideo. – resmunguei enquanto limpava a neve que caíra em meus olhos para poder enxergar melhor, apoiado na parede para ter certeza de que não iria cair. – Qual o motivo da revolta? A idade?

         - Somos gêmeos, não fale como se eu fosse um ancião. – disse revirando os olhos. – E só tenho 15 anos. Assim como você.

         - Feitos hoje. – lembrei.

         - É, mas ainda assim.

         Hoje é o dia de Zachnakpon, ou 24 de dezembro, como preferir, dia do nosso aniversário de 15 anos. Devido ao trabalho que temos e o seu nível de periculosidade, o fato de estarmos vivos há quatro anos após iniciá-lo pode ser considerado extrema sorte, pois apenas o teste para se tornar um guerreiro é terrível...  

         - Ei Yudai, vamos descer logo, já está na hora do jantar. - Hideo chamou enquanto saltava como um gato para a varanda do andar de cima, alcançando a sacada com um único salto.

         - Claro. – falei mais para mim mesmo, pulando logo atrás dele. É óbvio que ele veio atrás de mim por isso. Comida.

         Depois de alcançar a sacada, tivemos que descer todos os andares até o térreo com Hideo resmungando devido ao fato de ter que ir atrás de mim o fazia perder tempo que ele poderia perder comendo. A ala dos dormitórios são basicamente os quatro últimos andares do prédio destinado aos híbridos que já haviam terminado seu treinamento. Portanto, quase falei que se ele queria comer, deveria deixar a velocidade humana para trás e ir correndo até o refeitório. Conseguia ver pela janela a comida sendo levada em direção ao alojamento dos híbridos que ainda eram aprendizes.

         “Nossa terra é e sempre foi assolada por monstros devoradores de humanos, e para se defender, criaram-se os híbridos. Humanos que faziam cirurgias em que partes de monstros aprisionados anteriormente eram transplantados para seus corpos, assim ganhando poderes sobrenaturais como força e velocidade extremas, permitindo-lhes subjugar estes monstros. Suas principais características são os cabelos brancos e os olhos cor de sangue.”

         Aprendemos isso na escola, mas os “híbridos criados para proteger os humanos” provavelmente são mais temidos que os próprios monstros, e isso porque não conheço nenhum que tenha feito essa cirurgia por vontade própria, assim como eu e Hideo. Em nosso caso, fomos vendidos, mas a grande maioria é capturada. Não é de se surpreender que esse lugar fosse mal visto.

         Continuamos andando pelos corredores desertos e iluminados, chegando a um conjunto de quatro corredores que formavam um grande quadrado, no centro desse quadrado tinha uma fonte – que estava congelada – e mesas e cadeiras de pedra, e no corredor “norte” dele, se tinham imensas portas duplas de carvalho, que era o refeitório.

         Abri a porta, sendo seguido por Hideo, o refeitório era um imenso salão coberto de lajotas brancas nas paredes e marrons no chão, com grandes vidraças que mostravam a neve e a escuridão do lado de fora, e tinham cerca de várias mesas e bancos para acomodar todos.

         No fundo, havia uma espécie de bufê self-service, com direito a bandejas e copos de plástico e muita comida. Logo atrás dava para ver Zack, o principal cozinheiro daqui. Ele é humano – sim, um humano cujo trabalho é evitar com que os híbridos morram de fome ou morram devido ao fato que a comida que eles fazem é ruim demais para se manterem nutridos (tudo bem, isso é exagero) -, com cabelo e olhos castanhos escuros, pele clara e bem magro. Deve ter uns vinte e poucos anos, nunca me preocupei em perguntar, e ele também nunca se preocupou em falar.

         Peguei a comida rapidamente, tentando ao máximo não puxar nenhuma conversa com ele, pois quando isso acontece, demora muito para que ele pare de tagarelar sobre o assunto, e fazia pouco tempo que eu havia percebido, mas estava com muita fome.

         Depois de pegar comida, localizei a mesa em que poderia me sentar, era a mesa onde estava sentado um casal, que seriam o meu primo Alec – que foi parar na Ordem conosco - e a melhor amiga dele, Nina. Ambos estavam sentados um para frente do outro, conversando sobre qualquer coisa que obviamente, eu não sabia o que era.

         - Oi. – falei rápido enquanto me sentava ao lado de Alec.

         Alec era apenas alguns meses mais novo do que eu e Hideo, tendo ainda 14 anos, era bastante parecido conosco, seu cabelo branco era penteado para trás, mas alguns fios escapavam. Ele sempre usava brincos azul água em forma de gota com pedras cravejadas no topo. Alec tinha seus motivos para usar brincos femininos.

         Nina tinha mais ou menos a idade dele, era bastante baixinha, mas esguia e pode-se dizer, bonita. Ela prendia o cabelo em dois rabos de cavalo no alto da cabeça com fitas, e estranhamente, não ficava infantil.

         - Hey. – Hideo cumprimentou enquanto se sentava ao lado de Nina, com um verdadeiro monte de comida em seu prato.

         - Feliz aniversário aí. – Alec disse enquanto dava uma mordida em um pedaço de pão de alho.

         - Obrigado.

         - Não fale de boca cheia seu porco. – Nina o repreendeu, e Alec apenas deu de ombros enquanto sorria, ainda mastigando.                   

         Comecei a comer logo, enquanto Alec e Hideo começaram uma discussão sobre o que era melhor, guitarra ou baixo (instrumentos da Terra que meus pais e os pais dele pagaram os olhos da cara pra eles terem aulas), e Nina me olhou com uma expressão de que não tentaria nem entender os dois. Dei de ombros, eu já estava acostumado com aquela situação desde que ambos tinham iniciado as aulas quando éramos menores.

         - São menos cordas. E o som não fica inaudível quando se toca sozinho.

         - O som tem mais destaque se for tocar com outros instrumentos.

         - Mudem a conversa e falem nossa língua. – me intrometi.

         Ambos me encararam, enquanto ignorei-os sumariamente, me concentrando na comida. Nina cruzou os dedos e apoiou o queixo neles. As conversas continuavam a nossa volta, mas parara em nossa mesa. Hideo se levantou e foi pegar algo no bufê, e Alec começou a fazer dobraduras de guardanapo.

         - O estranho momento em que o assunto acaba. – Nina comentou.

         - Com certeza. – concordei, enquanto observava o barquinho de papel feito por Alec, posicionado ao lado do que parecia ser um pássaro. – Não é Alec?

         - Hã? – ele me olhou, se desconcentrando do porco que estava fazendo.

         Nina suspirou, com uma expressão de “como posso ser amiga dele?”, enquanto ele continuava com o porco. Me encostei na cadeira, olhando em volta para o que eram mais uma centena de híbridos. A grande maioria eram crianças, aprendizes ainda. Outros já eram guerreiros, mas todos eram ou adolescentes ou jovens adultos. Muito raramente, alguém passa desta idade, e se passa, não mais envelhece.

         Levantei, peguei a bandeja, entreguei-a para Zack e saí do refeitório. Eu iria dormir, estava com sono. O dia todo não houvera nada de interessante, fora monótono e sem nada de bom. Subi as escadarias, mais umas entre tantas, até o quarto andar, no último quarto do corredor.

         O quarto que eu divido com Hideo desde meus onze anos é bem grande, mas tem pouca mobília. Ele tem um banheiro à esquerda, com uma porta de madeira simples, duas camas que eram maiores que uma de solteiro, mas menor que uma de casal, formando uma espécie de beliche, só que a minha cama, que ficava embaixo, não era interligada de forma alguma com a de Hideo, que era sustentada por quatro barras de ferro a uns dois metros do chão. Tinha um guarda roupa no canto, que a gente dividia, e uma escrivaninha com uma cadeira. As paredes não eram pintadas, então ficavam com a cor do concreto, o teto era de madeira escura.

         Fui ao guarda roupa, pegando o primeiro moletom que encontrei, e depois me dirigi ao banheiro, só para escovar os dentes e tomar um banho rápido, me secando de qualquer jeito, ainda deixando o cabelo meio molhado e me vestindo.

         Eu e Hideo usamos o mesmo corte de cabelo, temos a mesma altura e se duvidar, o mesmo peso, apesar de Hideo ser muito mais guloso que eu, nosso único esforço para nos tornarmos minimamente distinguíveis era usar roupas diferentes. Quando éramos crianças, tudo era comprado aos pares para nós, pois achavam bonitinho ver gêmeos idênticos indistinguíveis, apesar de que eu não goste de ser confundido com Hideo, e acredito que ele também não gosta que o chamem de Yudai.

          Meu cabelo é cortado até o queixo mais ou menos. Ele é todo repicado. Eu sempre usei franja, desde que me lembro, ela cai sobre os olhos e no meio dela, uma mecha é maior e cai sobre o nariz, e toda a franja é direcionada para a esquerda.

          Também somos altos para nossa idade ou talvez para nosso histórico mesmo. Tenho um metro e setenta e seis de altura, desde a última vez que me medi, mas não tenho dúvida alguma que estou muito abaixo do peso.

          Saí do banheiro e acabei vendo Hideo sentado na cadeira, balançando suavemente de um lado para, olhando para o teto de pedras.

          - Pensei que tinha morrido aí dentro. – disse, ainda olhando para o teto.

          - Não venha com essa, eu fui rápido. – resmunguei, enquanto me direcionava à minha cama.

          Ele se levantou e tirou camisa quadriculada que usava por cima da branca de mangas compridas, então entrou no banheiro e fechou a porta atrás de si. Me deitei na cama, me cobrindo logo com as cobertas, sem me importar de desligar a luz.

          A porta do banheiro abriu e Hideo foi até o interruptor e desligou a luz. Vi seus olhos vermelhos brilharem no escuro, “ativando” sua visão noturna, e começar a subir as escadas de sua cama. Nossa visão só é ativada no escuro quando queremos.

          Depois do som usual das cobertas sendo movidas, Hideo apenas disse:

          - Boa noite.

          - Boa noite. – respondi, me virando melhor na cama, enquanto o sono chegava.                               




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Notas finais do capítulo

Reviews? :D