Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 14
Capítulo 13 - Informações




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Acompanhando a voz de Harrys, dessa vez veio a Aura com cheiro de mar. Sim, agora dava para ter certeza. A voz dele ainda estava do lado de fora da casa, parecia estar falando com o Sr. Masahiko. A Aura era quase imperceptível, mas eu consegui senti-la, e também o ponto de onde vinha. Desci as escadas o mais rápido que pude e praticamente me joguei no sofá negro, que se arrastou para trás diante meu impulso.

- Yudai? – Raquel perguntou com estranheza no exato momento em que Harrys entrava.

A Aura vinha dele, agora eu tinha certeza. Ele parecia um pequeno e discreto gerador, enquanto a tênue Aura saía dele e espalhava-se por todo o cômodo. Era assim que ele me confundia. Sua Aura de vez enquanto, tornava-se mais fraca, quase desaparecendo, e então se tornava um pouco mais ‘‘visível’’. Como eu conseguia senti-la tão bem agora? Não fazia ideia.

- Yudai? – perguntou ao me ver.

- É eu voltei. – falei o óbvio, fingindo não saber nada, então avisei. – Hideo está dormindo.

Ele pareceu convincentemente surpreso e pôs as chaves na mesa, e olhei para sua mão discretamente pelo canto do olho. Ele usava um anel no dedo médio, mas estava de lado para mim, portanto não consegui ver se o anel tinha símbolo.

Mas mesmo assim, eu tinha certeza de quem ele era.

Das duas uma: ou agora eu podia sentir a Aura dele e dizer onde estava por ter me familiarizado ou pelo fato dele ter se descuidado. Provavelmente a primeira, ele não iria se descuidar, tinha certeza.

Mantive o ar neutro, fingindo estar assistindo TV, enquanto na verdade estava acompanhando cada mínimo movimento. Havia algo estranho, antes eu não conseguia sentir muito bem as Auras como eu sentia em Darneliyan, mas agora parecia tão lúcido quanto lá, ainda mais talvez. Só para experimentar, estendi toda a minha mente para estender o meu campo de rastreação.

Senti a Aura gélida do monstro no outro lado da cidade.

Enrijeci, mas ainda estava num horário em que as pessoas estão acordadas, e o monstro estava claramente andando na rua. O que havia acontecido?

- Yudai, o que foi? – Raquel perguntou ao meu lado.

Pisquei, percebi que tanto ela quanto Harrys/Lionel me encaravam, e percebi que minha visão estava aguçada, conseguia ver a poeira caindo imperceptivelmente do teto, e parecia embaçar-se nos pontos em que eu não concentrava. Talvez o fato de ter sentido a Aura tenha me posto em estado de alerta, e com certeza, para eles meus olhos deveriam estar felinos. Suspirei, e contrariando os meus instintos, ignorei a Aura do monstro e aos poucos minha visão voltou ao normal. Apenas balancei a cabeça, dizendo de forma muda que estava tudo bem.

- Alarme falso. – falei.

Raquel suspirou, mas percebi que Harrys continuava tenso, olhei para baixo e percebi que suas mãos tremiam levemente, poderia ter pensado no fato de quase ter me matado. Continuei olhando para suas mãos e ele percebeu e escondeu a mão direita atrás de si, então levantei o olhar e o encarei. Ele sustentou o meu olhar com seus olhos arroxeados. Talvez... Eles fossem dessa cor por causa de lentes azuis sobre a íris vermelha. E o cabelo, ah, eu sei lá, peruca?

Ele deu as costas para mim, quebrando a tensão, e subiu as escadas, mas parecia que o ar na sala havia ficado mais frio. Raquel estava claramente sem entender o porquê da hostilidade de agora a pouco, mas continuei olhando para a TV, enquanto conseguia acompanhar cada passo que ele dava no andar de cima. E foi só aí que fui perceber que o problema de não sentir a Aura não era meu, nem da Terra.

Minha leitura, que antes eu achava que era pequena demais para o tamanho da cidade, mas só agora percebi que na verdade, havia algo errado com ela. A cidade parecia insignificante agora.

Mas depois de duas semanas sem o Supressor, ela voltou ao normal.

Será que... Minha leitura de Auras esteve tão péssima pelo Supressor?

Estendi novamente minha Aura, tentando ver até onde eu conseguia estendê-la. Quando se estende sua mente, pode-se sentir Auras, mas também detalhes um pouco “insignificantes’’, como o calor de humanos e animais, mas que confundiram a mim e a Hideo nas semanas anteriores. Estendi-a por vários quilômetros, até que parei no que poderia se dizer que era a uma distância de onze horas do local onde eu estava, e pensei que poderia ser um parque, pois sentia um grupo de calor que poderia se dizer pequeno, que era característico de crianças, e pelo modo que se moviam para frente e para trás, poderia dizer que estavam em balanços, e novamente senti a Aura do monstro.

Comecei a sondá-lo, ainda estava na rua, e parou em um local onde havia vários humanos, e pelos movimentos de alguns, poderia ser um supermercado. Ele passou um bom tempo ali, e quando saiu, seguiu rapidamente – talvez estivesse num carro – para uma rua distante de onde estava antes, e se eu me lembrava bem, era perto da rua da escola. Ele saiu e entrou em outro lugar, e permaneceu nele, se movendo por dentro do local onde estava, talvez fosse a casa onde vivia. Passei um bom tempo ainda vendo se ele não sairia dali, e percebi que aos poucos, a Aura de Hideo voltava ao normal, logo voltou a ter seu cheiro normal de chocolate.

Senti a cabeça de Raquel pender para meu braço e acabei me movendo, e ela caiu para meu colo. Ela havia adormecido.

Olhei para o relógio e me surpreendi. Ficara tão absolvido em sondar o monstro que perdera a noção do tempo, e agora já estava quase dando onze horas da noite. Suspirei, apesar de já ter localizado o monstro, acho que não iria atrás dele, que dizer, não iria sozinho. Peguei Raquel no colo e levei-a para seu quarto, e pousei-a em sua cama e a embrulhei. Quando saí de lá, vi Harrys saindo de seu quarto.

Ele me olhou de modo tão ameaçador que reconheci o olhar de Lionel pouco antes de tentar me matar, apesar de todas as coisas que o disfarçavam tão bem, sua tênue Aura estava hostil e trazia certa desconfiança.

- Então, vai me matar aqui? – falei sem pensar. – Lionel, não é?

Sua boca entortou-se levemente.

- Você é mais corajoso do que imaginei. – falou e sua voz pareceu ligeiramente diferente, mais... É, acho que juvenil. – Ou mais até do que seria prudente.

Ele puxou o cabelo, tirando a peruca, mostrando os cabelos brancos, e quando tirou os óculos, pareceu impossível que coisas tão simples pudessem envelhecê-lo tanto. Os olhos arroxeados me encaravam numa intensidade ameaçadora.

- A Ordem sabe que você ainda está vivo? – perguntei.

- Óbvio que não. – respondeu. – O fato de eu ter falado há duas semanas que me entregou?

- Não totalmente, apenas ajudou. – respondi. – Foi sua Aura, eu conseguia senti-la ocasionalmente na casa, mas não especificar de onde vinha, e quando você chegou, a senti vindo de você.

Ele ergueu uma sobrancelha e um os cantos de seus lábios se levantaram num sorriso irônico.

- Você consegue sentir minha Aura? – perguntou incrédulo.

- Sim, ela é muito fraca, mas consigo. – respondi. – Por que ela é assim?

Ele apenas apontou para sua porta, como se quisesse que eu entrasse ali. Suspirei e entrei em sua porta. O quarto era grande e todo pintado de branco, com um banheiro ali dentro – que estava com a porta aberta - uma cama de casal, uma escrivaninha, criado mudo e uma TV.

- Respondendo a sua pergunta. – disse. – É porque eu suprimo minha Aura há mais de um ano.

Pisquei, e me virei para ele, que continuou.

- Quando se suprime sua Aura durante um longo tempo, ela se torna imperceptível para qualquer guerreiro, mesmo os que possuem habilidades de rastreação mais avançadas. – Suspirou. – Mas você consegue me rastrear mesmo assim.

- Você fala como se...

- Eu desertei da Ordem e vim para a Terra há trinta e cinco anos. – respondeu e tive que me controlar para não arregalar os olhos. – Houve uma circunstância que quase destruiu a Ordem, em que mais da metade de seus guerreiros fora mortos, assim como grande parte dos aprendizes. Alguns corpos ficaram irreconhecíveis, e um amigo meu disse que tinha a desculpa perfeita para sair de lá, mas teria de tomar cuidado. Então, vim para cá, e de vez enquanto aparecem guerreiros mandados pela Ordem. Isso responde sua pergunta?

- Bom... Sim.

- E vocês dois foram no sótão.

- Hã, como...?! – exclamei antes de me conter. Ele suspirou e revirou os olhos.

- Senti o leve rastro do cheiro de vocês dois e quando fui verificar, os baús foram mexidos. E tinha um que vocês simplesmente não podiam mexer.

Ai meus deuses, eu tô ferrado. Não adiantava mentir, se ele sentira nossos cheiros.

- E-eu pensei que no outro tinham só livros, mas... – gaguejei e ele olhou para o teto como se estivesse se segurando para não me dar um soco. – Ok, eu mexi no das cartas, mas não foi tão...

- Você leu algumas.

- Tá! Eu li! – exclamei, derrotado. – Foi curiosidade, mas não foi por mal.

- Fala sério, seu idiota. – disse claramente irritado. E o modo que ele me xingou me deixou incomodado. – Tivesse o mínimo de respeito e deixasse a curiosidade de lado.

Ele parecia tão irritado que me lembrei imediatamente do momento em que ele cortara minhas duas pernas foras. Só isso me fez ficar com medo e nervoso, mas tentei não demonstrar isso, mas acho que foi – novamente, como tudo mais que eu tentara com Lionel – uma tentativa miserável, pois ele reparou.

- Está com medo? – sorriu de um modo ameaçador/provocador.

- Eu tenho amor a minha integridade física. – falei e então pensei antes de continuar. – E a minha vida.

Seus ombros se balançaram com o riso reprimido.

- Eu realmente ia te matar naquela vez se a peste do seu irmão não chegasse. – confessou, tirando a camisa de dentro da calça jeans e começando a abrir os botões.

- Não queria que eu contasse para ninguém? – falei. – Você sabe que eu não sou o mais santinho da Ordem.

Ele ergueu uma sobrancelha.

- Ao menos já sei pelo menos uma das cartas que você leu.

- Bom, o Hideo também leu.

- Entregando seu irmão, que feio.

- É uma política de infância. – expliquei.

Ele deu de ombros.

- Talvez fosse isso. – disse. – Mas parece que seria um baque muito forte para aquela menina e o seu irmão. Principalmente ele. – depois acrescentou ironicamente. - E as vizinhas sentiriam sua falta.

- Hã? – perguntei confuso.

Ele rolou os olhos.

- Você é cego? Elas só faltam bater com a cara nos postes de tanto olharem para vocês.

Eh... Eu nunca reparei nisso. Talvez estivesse sonolento demais para isso, ou fosse – como muitas vezes acontecesse comigo – apenas distração.

- É você não repara.

- Não, mas saiba que eu não vou te entregar para a Ordem. – falei.

- Você não tem medo do que ela pode fazer? – perguntou num tom desafiador.

- Tenho, mas não vou entregar uma vida como se fosse nada. – respondi. – Eu já virei alvo deles mesmo.

- Ah, você percebeu? – perguntou com um sorriso aberto, mas ligeiramente diabólico. – Quando mandam alguém para uma missão disfarçada e que mandam usar Supressores, é quase como se estivessem falando na cara do guerreiro que querem se livrar dele.

- Ok, disso eu não sabia. – admiti. – Por quê?

- Porque os Supressores começam a tornar o rastreio do guerreiro cada vez mais impreciso, até que se torne mais vulnerável, embora tenha suas particularidades úteis.

Então, o que eu suspeitava era verdade.

- Como você descobriu isso?

- Eu e um amigo meu “dissecamos” um Supressor. – falou. – Descobrimos que ele se tem duas partes diferentes, assim digamos. Pegue um que eu mostro.

Concordei e fui ao meu quarto e peguei um Supressor, e quando voltei, ele tinha tirado a camisa social e estava apenas com a regata branca e o jeans.

- De tantas coisas, você foi ser logo professor. – comentei.

- É uma vida muito mais tranquila do que a que eu levava em Darneliyan. – disse. – E estou na Terra há mais de trinta anos, portanto, tenho que me mudar constantemente e assumir outras personalidades. Ser professor foi algo que comecei muito recentemente. Mas terei que ir embora antes que suspeitem que não envelheço.

- Ah, com certeza deve ser. – concordei. – Que outras profissões você já teve?

- Bom, já fui advogado, motorista, fiz faculdade de medicina, logo, também fui médico, vendedor, cozinheiro e tem certas coisas que sequer lembro... – disse, parecendo pensativo. – Deu para eu acumular uma bela quantia de dinheiro, que mando para um paraíso fiscal, e nossa língua permite que entendermos e falemos qualquer outra língua sem problemas, então não me restrinjo a apenas um país.

- Você fingiu ser um humano que um monstro atacou para entrar em contato com a Ordem.

- Embora eu não possa acabar com o monstro, pois iriam acabar suspeitando, então eu queria auxiliar em algo, não com a Ordem, mas salvar vidas. – confessou e tirou o anel, e à medida que passava o dedo na circunferência, algo como uma tira de ferro começou a sair, e ele a puxou, transformando-a em uma adaga.

- Essa parte do símbolo se transformar em qualquer arma que precisamos é estranho. – comentei.

- Estranho, porém útil. – disse e cortou o Supressor ao meio. – Aqui.

Me aproximei e ele me mostrou as duas metades. Por dentro, uma metade era branca, e a outra era esverdeada, num tom que lembrava... Verde vômito.

- O mal é a metade verde. – falou. – Ela é feita com uma droga venenosa sem nome de Darneliyan, conseguida de uma fruta da mesma cor que essa metade. – anunciou, e me olhou. – Uma dose pequena deste tamanho é capaz de matar um humano normal, e apesar de sermos mais resistentes, aos poucos isso vai nos matando, assim por dizer. Você e seu irmão estavam tão mal quando tomavam, no caso dele, toma Supressores todos os dias, por que na verdade estavam sendo drogados e envenenados sem saberem. Isso também obstrui os sentidos, como audição, olfato e visão.

- Como você...?

- Você leu aquelas cartas, então digamos que eu e... Raban não éramos o que se pode chamar de quietos, e acabamos descobrindo uma plantação dessa droga. Talvez tenha sido criada pela Ordem. – ele fez uma careta. – Raban me obrigou a ingerir a fruta que cria isso, na verdade, ele praticamente enfiou na minha goela, e digamos que... Fiquei doidão pela dose excessiva.

Acho que meu cérebro quase saiu pela orelha pela minha tentativa de não rir ao imaginá-lo doidão. Como os meus colegas de escola falam, dorgas mano! Mas eu também fui drogado, então não posso dizer nada.

- Bom, ele te ajudou ao menos, não é?

- Quem disse? Ele só ficou gargalhando enquanto eu cambaleava pelos cantos. – bufou. – Só levou a sério quando eu caí encima da irmã dele. E eu ganhei uma bela surra dos dois.

- Poderia ser pior.

- Poderia, mas voltando ao caso. – disse e jogou o lado verde no lixeiro. – Vocês devem ingerir apenas a parte branca. Ela suprime sua Aura, mas seu rastreio continua o mesmo, e se tomar um quarto delas, irá reprimir sua Aura somente se você perder a consciência.

- Sério? – perguntei.

- Sim, de novo eu fui a cobaia, como em tudo, mas o tempo de efetividade baixa para seis horas. – alertou.

- E os Transfiguradores, tem algo mal neles?

- Não. Não sei do que eles são feitos, mas eles não fazem mal. – respondeu. – Só precisa tomar os dois normais e tomar a metade branca que poderá ir para a escola e rastrear o monstro de lá. Se quiser se manter disfarçado por menos tempo, tome apenas metade, que o efeito também irá baixar para seis horas. Tome um quarto também e se você perder a consciência irá fazer efeito.

Ah, seria melhor, falando agora como num comercial que vira na TV, aumentaria a produtividade. Peguei a metade branca, aquilo seria melhor. Então eu só estava acabado daquele jeito por causa da parte verde, e pensei em Hideo com suas olheiras mais cedo. Ele estava horrível, e também – o que me fazia sentir culpado. – não dormia há duas semanas por minha causa. Suspirei e então me lembrei de perguntar:

- O Raban que você falou... É o número cinco da Ordem, atualmente?

Ele sorriu.

- Sim, ele mesmo. – respondeu. - Eu tenho 75 anos. – falou, e me surpreendi, mas deixei que continuasse. – Eu sou da 390ª geração de híbridos, comandada pela número 1, Rhode. O seu irmão mais novo, Raban, era o número 2, e eu era o número três. Ela teve uma das gerações mais longas, que durou cerca de 30 anos, mais ou menos. – Ele desviou o olhar, como se estivesse muito longe dali. – Raban mudou bastante do que era antes para o que é hoje, mas quando o conheci, ainda como aprendiz, ele tinha uma personalidade que lembrava a de Hideo, porém mais madura.

- Ele... Mudou por algo?

Um sorriso formou-se no canto de seus lábios, ele estava claramente pensando no que poderia dizer e no que não poderia.

- Ele e Rhode eram irmãos como eu jamais vira, ainda mais sendo ela a mais velha, pois normalmente o mais novo gosta de irritar a mais velha, não é? – concordei, e então continuou. – E, portanto, a Ordem começou a tentar prepará-los para um grande projeto. Esperou que fossem considerados suficientemente maduros antes de começar a treiná-los para algo, que acho que até hoje tenta.

- O que é? – perguntei, não conseguindo esconder minha curiosidade, e Lionel pareceu hesitar.

- Chamamos isso de “Mind Link”. – respondeu. – Como o próprio nome diz ligação de mentes, mas também pode ser chamado de “Body Link” ou “Soul Link”.

- Como seria?

- Um membro começa a Despertar, então o outro sincroniza sua Aura com a dele, fazendo-o voltar, assim por dizer. Isso é possível com qualquer um, mas com irmãos é diferente, talvez por terem mentes parecidas. – respondeu. – Eles podem conectar suas mentes e consciências, e assim, um Despertava enquanto o outro tomava conta de sua consciência humana. Assim, viravam armas invencíveis.

- Isso é o que podemos chamar de projeto ambicioso. – bufei.

- Com certeza, mas antes os membros escolhidos recebem um treinamento a parte, de sincronização de Auras, para fazerem isso melhor. – continuou. – Então, um dia, eles tentaram fazer isso com Raban e Rhode.

- E... Não deu certo. – adivinhei.

- Estava dando. - suspirou. – Rhode já estava semi Despertada, mas mantinha sua mente humana graças à Raban, alguns membros já haviam até se tornado o de um Despertado.

- Você fala como se estivesse lá.

- Ah, mas eu estava assistindo... Às escondidas. – sorriu de maneira travessa. – Mas continuando, quando estava quase lá, começou uma discussão entre os curadores, e eles atiraram com suas armas, e o tiro pegou em Raban.

Os curadores sempre carregam armas para caso de proteção, mas usar um contra o outro parece burrice... Ainda mais com o que estava acontecendo.

- Para isso, pelo menos na primeira vez, precisa-se de concentração total, e o tiro pegou no braço de Raban... Mas foi o suficiente para que se distraísse... E Rhode saiu do controle. – disse pesaroso. – Ela começou a entrar na selvageria que os Despertados entram quando estão em seus primeiros momentos. Se você reparar, todos eles têm consciência, mas logo que Despertam se tornam irracionais, como um animal.

“Ela estava numa forma contida, logo que saiu do controle de Raban, começou a aumentar, até adquirir um tamanho que era quase igual ao do prédio de experiências da Ordem. E começou a destruir tudo em seu caminho, o alojamento de aprendizes, o prédio de experiências, o prédio dos híbridos, tudo. Mais da metade dos guerreiros da Ordem morreram naquele dia, ou esmagados ou devorados.”

- E... Depois? – perguntei.

- Os homens da Ordem saíram imediatamente do local para salvar a própria pele. – respondeu com claro ódio, não era exatamente algo que eu poderia censurar por causa. – Raban ficou no estado mais lastimável. Talvez pelo fato de que a experiência estar dando certo, não sei, mas seu olho esquerdo se tornou o de um Despertado.

- Hã? – pisquei atônito, como assim? – Olho de Despertado?

Lionel balançou ligeiramente a cabeça, tentando ver o que iria me contar.

- Raban provavelmente será o primeiro e único híbrido que você verá com um tapa-olho. – respondeu. – Ele cobre toda a face esquerda com um tapa-olho negro que lembra uma faixa. Mas no momento do Despertar de Rhode, ele se feriu bastante pelos ataques dela, e quando saí de trás da parede que estava escondido, o encontrei coberto de sangue, caído, com um olho de um... Rosa psicótico e felino completamente redondo com as ligações do músculo à mostra. – Fechou os olhos e balançou a cabeça rapidamente. – Era uma coisa horrível de se ver, e ele tentou após, mas a pele não crescia, ficou assim, então, ele pôs o tapa-olho. Mas antes disso, ele disse que era a chance perfeita para que eu fugisse da Ordem, já que eu a odiava, como muita gente, aliás.

- Isso é verdade. – concordei, eu também não morria de amores pela Ordem.

- Raban ficou com medo quando viu você e Hideo pela primeira vez, pois tem certeza que a Ordem quer repetir a experiência. – comentou pensativo. – Deve ter pensado que há menos chances de erro com gêmeos. Acho melhor vocês tomarem cuidado.

- Sim... – respondi. – Vou... Vamos tomar cuidado.

Ele suspirou e continuou, sua expressão assumiu uma profundidade que agora eu sabia que ele estava falando de algo muito sério.

- Depois disso, foi o que ele me contou. Apesar de o que aconteceu ter sido culpa dos curadores “brigões”, toda a culpa foi dada a ele por perder o controle sobre Rhode. Mas Raban tinha o mesmo poder em questão de força física e técnicas que Rhode, portanto, a Ordem não ousou fazer qualquer atentado contra ele. Apenas o considerou como um morto e o expulsou da Ordem. Um renegado por autorização. – continuou. – Ele viveu assim por trinta e um anos, quem demonstrasse saber algo sobre ele era eliminado, pois o pessoal da Ordem tinha medo que o caso de Rhode e Raban viesse à tona. Mas teve alguém que conseguiu conhecer Raban, esconder que o conhecia, e também se tornar muito próximo dele.

-... Esse alguém era... Sophia? – perguntei. – A número um da 420ª geração?

Ele sorriu.

- Ela mesma. – suspirou, e pareceu ao mesmo tempo saudoso e pesaroso. – Eu e Raban demos um jeito de nos correspondemos, mesmo eu estando na Terra e ele em Darneliyan, não pergunte nossos meios. Mas, um dia, Raban estava na floresta envolta da Ordem, quando uma aprendiza apareceu. Ela havia conseguido sentir seu cheiro e o seguira. Ela era Sophia.

- Ela não parava quieta, isso eu me lembro. – falei.

- Não, mas ela continuou a tentar falar com ele após se tornar uma guerreira, e então eles acabaram por ficar próximos.

- Grandes amigos. – comentei.

- Bem próximos. – disse. – Na verdade, mais próximos do que chegava a ser seguro para ambos.

Não entendi o que ele quis dizer, mas Lionel apenas continuou.

- Não posso falar mais que isso. Se Raban descobrir que eu contei sobre a vida dele, ele é capaz de vir até a Terra apenas para me dar a surra da minha vida, se eu continuar é possível que ele venha exclusivamente me desmembrar. Isso por que eu sou o melhor amigo dele.

- Que amizade linda. – bufei sarcástico.

- Chega a ser tocante. – concordou no mesmo tom, e então fechou a mão que segurava a metade do Supressor e quando o abriu, tudo o que restava dele eram apenas os farelos. Ele limpou as mãos nas calças e disse. – O fato do Soul Link é uma das coisas mais secretas que a Ordem já teve, ela elimina quem descobre. Raban é uma exceção. Com certeza eles achem que gêmeos podem trazer ainda mais possibilidades positivas, portanto, deve ser por isso que eles tiveram interesse especial em vocês dois quando foram em Deditio.

- C-como você sabe? Hideo...?

- Ele só comentou que a cidade de vocês os vendeu, mas não perguntei mais nada por que ele parecia prestes a desmaiar. Pode me contar mais sobre isso?

- Bom... Eu e Hideo fomos os únicos a serem vendidos que não eram órfãos. Quando eu era criança tinha uma saúde muito frágil, vivia doente por qualquer besteira, e era epiléptico. E também tinha asma.

- Colocassem você num jogo de bola. – comentou. – O cansaço lhe daria um ataque de asma e o estresse lhe daria um ataque de epilepsia.

- Hã... Mas isso aconteceu... No dia em que fui... Vendido.

Ele arregalou os olhos, surpreso.

- Credo, não falo mais nada. Continua.

- Bom, teve um evento beneficente na cidade, para os mais carentes, sabe? Minha mãe era uma das assistentes sociais que fora chamada e nos levou, e meu pai era médico no hospital. Me puxaram para jogar bola, e Hideo se esqueceu das doenças... Eu comecei a ter um ataque de asma e depois eu tive um ataque de epilepsia. Quando acordei, estava no hospital e quem estava comigo era o meu pai... Ele disse que a minha mãe achou que eu ia morrer.

- Deve ter sido um belo susto. – Lionel bufou.

- Deve ser. Mas quando saímos do hospital... Havia um curador da Ordem na cidade, e o governador estava dizendo que não tinha dinheiro para pagar o valor do trabalho do híbrido e...

- Mandaram entregar crianças, senão mesmo que a cidade fosse destruída, não iriam mais fazer serviços lá. – Continuou em meu lugar. – Provavelmente, ele deve ter entregado crianças de orfanato.

- Sim... Mas então o curador disse que queria gêmeos... A cidade era pequena e se gêmeos são raros na Terra, mais raros são em Darneliyan. Nós éramos os únicos gêmeos na cidade.

- A Ordem é tão sensível quanto uma pedra. – comentou. – Tanto que pega crianças a esmo, nem se importando se tem família ou não.

- Bom, seguraram nossa mãe e nos jogaram no comboio do veículo da Ordem... E o resto você já consegue imaginar.

- É agora tenho quase certeza. – Lionel bufou. – Se um dia chamarem você e seu irmão, desconfie. Mas creio que vocês não sejam os únicos gêmeos de lá, mesmo que sejam os únicos conhecidos.

- Você acha que eles podem esconder outros gêmeos no prédio de experiências?

- Tenho quase certeza. – falou. – Você sabe das experiências humanas que eles têm certeza que ninguém sabe, mas todos sabem. Então não duvido de nada se for falar da Ordem.

Ele olhou no relógio de pulso e disse:

- Amanhã você vai para a escola, não vai? Então acho que é melhor você ir dormir.

- Eu passei duas semanas dormindo, a última coisa que eu quero é dormir. – falei.

Sua expressão tornou-se mais séria, então tensa.

- Te levaram para um hospital?

- Bom... Sim. – falei.

Ele tornou-se ainda mais tenso.

- Chamaram... Alguém para ver você? Do governo?

- Bom, apareceu lá um William Garret. – respondi. – Ele disse ser um agente do governo, e me deixou aqui.

Ele se levantou tão bruscamente que a cadeira caiu pesadamente atrás de si e eu acabei me assustando.

- Isso é mal, eles já sabem onde você está. – falou. – Você acha que consegue achar o monstro em três dias?

- Eu já o encontrei. – falei, estranhando. – Por quê?

- Você foi ingênuo. Agora que sabem onde você está, podem vir atrás de você, simplesmente, caso tenha algum interesse. – disse. – Eu vou arrumar as coisas para qualquer caso todo mundo dar o fora daqui.

Droga! Eu sequer havia pensado nisso. Qualquer coisa, poderiam vir atrás de mim. William fora esperto, ele conseguira me enganar muito bem. Levantei e me desculpei por aquilo, mas ele apenas disse que não fora – totalmente – culpa minha. Apenas me mandou ir dormir.

Saí do quarto dele e em vez de ir para o meu quarto, fui para o quarto de Hideo. Ele ainda estava dormindo e peguei discretamente o celular dele, que estava carregando. Era meia noite e meia, e eu não estava com o mínimo de sono. Sentei na beira de sua cama, perto de sua cabeça e pensei sobre o que Lionel havia contado para mim.

Então a Ordem provavelmente quisera a mim e a Hideo para realizar uma experiência. Isso era mais que eu poderia aguentar ou querer.

Lembrei-me do dia em que pegaram a mim e a Hideo, e também dos nossos pais.

Minha mãe se chamava Maria. Ela era baixa e tinha cabelo castanho escuro completamente encaracolado e olhos castanhos esverdeados, duas coisas que a minha irmã mais nova havia herdado. Quer dizer, apenas os cachos no quesito cabelo, pois possuía o mesmo cabelo ruivo que eu, Hideo e nosso pai. Minha mãe era o que se pode chamar de mãe amorosa e divertida, mas era uma negação na cozinha, e muitas vezes meu pai jogava a comida de nossos pratos fora e nos levava para alguma lanchonete. – Às escondidas, óbvio, porque a mamãe teria um ataque se soubesse. Alec era quem sofria quando ia dormir em casa, pois ela fazia uma “comida caprichada” para ele.

Meu pai se chamava Helder. Ele era um pouco mais velho que a mamãe, e nascemos quando ele tinha dezessete anos. Como a maioridade é com dezesseis anos, ele já era casado quando nascemos. Ele era muito inteligente, pois como aqui, a escola terminava aos dezoito e começava então a faculdade, ele terminou o ensino médio aos quinze anos e começou a faculdade de medicina, mas ele normalmente não agia como um médico, ao menos conosco. Ele era muito alto, meu avô disse que ele tinha um metro e oitenta cinco quando ele reclamara que sobre o vovô ser baixote – na verdade, ele era baixote, porque eu e Hideo tínhamos 1,43 de altura aos dez anos e tínhamos quase a altura dele, mas o papai era muito alto também.

Assim como quase todos por parte da família dele, meu pai era ruivo, mas seu cabelo era mais ruivo que o da maioria. Ele tinha cabelo ondulado e minha mãe sempre reclamava sobre ele sempre estar bagunçado. Ele, ao contrário da mamãe, sabia cozinhar bem, embora raramente o fizesse, mas ele dava quase sempre um jeito de salvar o estômago de todo mundo na hora das refeições. E brincava quanto a quem chegaria primeiro no banheiro quando via que não tinha como escapar do jantar ou almoço. Ou qualquer outra refeição.

- Yudai...? – Hideo chamou ainda sonolento, levantando o rosto do travesseiro. – O que você tá...?

- Hã? Você acordou? – falei de maneira idiota. – Eu só tô aqui.

Ele esfregou os olhos e bocejou, enquanto se ajeitava na cama. Eu poderia jurar que suas olheiras haviam desaparecido, mas estava escuro e o efeito do Transfigurador não sumira, portanto, não poderia ativar minha visão noturna. Ele se moveu e esticou o braço até o celular.

- Por que não me acordou? – reclamou ao ver o horário.

- Se você não dorme há duas semanas por minha causa, eu é que não vou te acordar. – rebati, e vi algo estranho. Cerrei os olhos e ri. – Hideo... Você está corando?

- Hã? N-não tô não. – disse e esfregou o rosto. – Mas... E então?

Suspirei e comecei a ver o que poderia contar a ele. Não iria contar a história de Raban e quanto ao Mind Link, como Lionel pedira, mas o resto iria contar.

- Lionel e Harrys são a mesma pessoa. – comecei. – Ele desertou da Ordem há trinta e cinco anos, e sabe muitas coisas.

- Hã? Isso é sério? – perguntou.

- Sério, e explicou por que de não termos conseguido achar o monstro durante todo esse tempo. – falei. – Temos que tomar apenas uma metade de Supressor.

- Por quê? – Hideo perguntou sem entender.

- Metade dele tem uma droga. – respondi. – Uma droga que a quantidade que tem no Supressor é capaz de matar um humano. Isso nos tem deixado ruins até na disposição, pois é quase um veneno.

Ele esfregou os olhos numa tentativa de manter-se acordado, já que ainda estava sonolento.

- Espera, o quê?

- A Ordem quer se livrar de nós. – falei. – Provavelmente por... Sabermos o que aconteceu realmente na Caçada de Sophia. Isso é um problema para eles...

- Sobre o Lúcio. – disse hesitante. – Se todos soubessem sobre ele, provavelmente...

- Claro, teriam muitos problemas, por que ele... Digamos, não era maduro. – respondi. – E o colocaram de primeira naquela missão.

Ele ficou calado, assim como eu.

Lúcio e Sophia, ambos foram pessoas que não poderíamos esquecer, mas o que Lúcio fizera fora uma das coisas que mais ficara marcada em minha mente. Não apenas a minha, na de Hideo também.

Mas Lúcio não fora uma pessoa odiosa, era quase um irmão mais velho.

Aos treze anos, Lúcio começou a nos ensinar a lutar.




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Notas finais do capítulo

Tópico interessante: A linda e tocante amizade de Raban e Lionel... Lionel espancado por Raban, drogado por Raban, enfim... e.e
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