Cinza E Vermelho escrita por ThePrototype


Capítulo 4
Cinza


Notas iniciais do capítulo

Então, povo... Uma semana de atraso, e eu peço perdão.
Voltam as aulas e eu não sei se poderei escrever com qualquer frequência, o que é uma pena.



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O gênesis de um novo mundo.

                A caminhada logo se tornou uma corrida, com a dama armada na liderança, disparando contra todos os quase-humanos que saltavam em nossa direção com uma eficiência letal. Eu tropeçava para acompanhar o ritmo ágil e constante, e atrás de mim o outro homem corria com o revólver apoiado no ombro, cobrindo as áreas que a outra não via.

                Os que nos atacavam corriam com uma agilidade trôpega, a coluna curvada fazia com que seus braços quase tocassem o chão. Isso quando não estavam coçando o corpo, a pele de um vermelho forte e opaco, mais claro do que o sangue brilhante que corria de suas feridas, que parecia passar despercebido pela horda, que continuava coçando como se tentassem tirar algo que se escondia logo abaixo da pele. Os olhos brilhavam contra a pele opaca, pupilas decididamente dilatadas como se não houvesse uma fonte de luz forte o suficiente para eles.

                Os ferimentos mortais das armas pareciam efetivos o suficiente: um disparo próximo era suficiente para jogá-los para o chão, onde os corpos moviam em um ritmo frenético, como uma convulsão. Alguns paravam, outros rastejavam para longe ao perceber que não tirariam nada daquele trio que, finalmente, entrou em um galpão de teto alto, cercado por cercas elétricas que estalavam ameaçadoramente em um intervalo constante. Enquanto concluíamos a distância entre o estacionamento (que ainda tinha mais carros do que imaginei) e o galpão, o homem finalmente resolveu se apresentar. “Ah é, pode me chamar de Eddie, vizinho” ele disse, com o tom familiarmente casual. “E essa é Susannah, minha esposa.” Continuou, apontando para  a mulher que parecia discutir com uma voz que vinha de um interfone ao lado da pesada porta de metal.

                Não tive tempo de me apresentar, pois a porta abriu e Susannah nos chamou com uma pressa carregada com o sotaque que talvez eu demorasse para me acostumar. A primeira sala era uma recepção definitivamente cliché, senão por alguns detalhes: uma mesa de escritório e uma cadeira com rodas repousavam em um canto, com uma leve camada de pó, e outras três cadeiras alinhadas na parede oposta, de costas para a saída. Uma planta de um verde artificial decorava solitária a parede direita, mas a esquerda era dominada por uma coleção de objetos iguais, filtros e roupas de proteção. Embaixo da mesa  um outro filtro murmurava quietamente, absorvendo o ar da sala.

                Quando o filtro ativo soltou seu toque metálico, entramos em fila no resto do prédio. Era uma instalação enorme, cheio de vida: as máquinas e containers sentavam sem uso em um canto do depósito, mas o outro era cheio de barracas e tendas distribuidas em uma ordem que permitia o trânsito entre várias “ruas” onde várias pessoas se moviam, conversavam e trabalhavam. Cada rua era terminada por um container aberto, com uma mistura de caixas e pacotes em quantidades variadas. A ideia que as pessoas puderam agir tão rápido fez minha cabeça girar.

                Não demorou muito para que Eddie me explicasse como aquilo foi possível: Alguns amigos dele (que estavam lá fora, buscando outros sobreviventes) vinham se preparando para uma situação  semelhante há anos: um hipotético apocalipse zumbi, como visto nos filmes. A teoria tinha tirado tempo e dinheiro dos homens, mas rendera frutos: “mais pessoas que nos importamos em contar”, nas palavras de Eddie, todas seguras e bem-alimentadas com suprimentos guardados à vácuo nesse depósito. O homem riu quando eu perguntei se todos aqueles containers estavam cheios de comida (o que seria um feito caro e, sem dúvidas, incrível). “Haha, claro que não, vizinho! Isso era um depósito de peças de um dos meus amigos, mas ainda temos comida por muito tempo, e os mercados ainda tem o suficiente para deixar o que já temos guardado”. Tentei não pensar no que aconteceria com essas pessoas quando a comida finalmente acabasse.

                Conversei sobre mais alguns detalhes desse “acampamento” de sobreviventes quando fomos interrompidos por Susannah, que agiu enérgica como sempre. “Vou dizer logo: Quer morar aqui? É seguro, tem comida e companhia.” (Qué morá‘qui? Siguro, tem comida i companhia). Era uma proposta um tanto súbita, eu não queria abandonar minha casa, mas o lugar parecia verdadeiramente seguro, e eu não sabia em que estado ficara minha casa após a revoada de pássaros. “E você pode passar na sua casa com um dos carros e trazer o que quiser de lá. O que me diz?” disse o outro, usando um tom de vamos-decidir-isso-de-uma-vez.

                “Eu não sei, isso é um pouco súbito demais... Eu vou até minha casa e volto com a resposta, ok?” foi a minha resposta, que Eddie respondeu me lançando um molho de chaves (de onde ele o tirara ainda é um mistério para mim) e pedindo que eu pegasse uma chave para um dos carros lá fora e passasse em casa, um ato de gentileza que eu nunca esperei ver de um completo estranho em dias normais. Todas as chaves tinham um chaveiro com a descrição e placa do carro. Escolhi uma caminhonete, mas não saí. Enquanto o sol brilhava lá fora, minha viagem era muito mais arriscada. Só decidi abandonar as instalações quando o céu já estava tingido de laranja e os “amigos” de Eddie já voltaram de sua expedição, me saudando com uma informalidade amigável. Saí para o estacionamento, com os votos de “viagem segura” do casal que ficou no prédio para organizar alguns detalhes.

                Dirigia com cuidado, observando o movimento (ou a falta dele) enquanto replicava o caminho que fiz com o casal, passando pelo carro arruinado que abandonamos. Mesmo na luz fria do farol do carro, a cidade parecia... cinza, como se suas cores tivessem começado a se fundir e desaparecer, derrubando um tom sombrio e mortiço sobre as ruas. Uma ilusão de ótica de uma mente cansada e de luzes brancas, sem dúvida.

                Quando parei em frente a minha casa, meu coração aumentou seu ritmo: a janela de vidro estava quebrada, mas um pedaço de algo preto, talvez lona, cobria o buraco, e luz escapava das frestas da janela do meu quarto, que eu sabia que não acendera quando saí horas atrás. E a parede logo abaixo da janela recebera uma nova decoração, que meus olhos não registraram enquanto eu corria para dentro. E o que eu vi me surpreendeu mais do que deveria.


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Notas finais do capítulo

Aproveitem o cliffhanger, até a próxima.



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