Cinza E Vermelho escrita por ThePrototype


Capítulo 3
The Jungle, the Mighty Jungle


Notas iniciais do capítulo

Dá pra perceber que eu adoro o modo como Stephen King escreve frases com sotaque, repetindo ela como uma pessoa falaria? Eu acho que sim.
Anyway, aproveitem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/198915/chapter/3

Como a natureza reage quando a humanidade está destruindo a si mesma?

A noite que o gentil estranho me ajudou foi a primeira noite em que eu não dormi. A ideia de outras pessoas que viviam em outras casas, que sobreviviam como eu, ainda não passara pela minha cabeça. Quem era a pessoa que quase foi atropelada ontem? Os meus vizinhos já fugiram para outros lugares, e aquela não era uma vizinhança exatamente interessante para saqueadores, pois todos os prédios são trancados seguramente e com imponentes cercas elétricas, que estalam com cargas elétricas. Mas não foi isso que me manteve acordado, foi um som, que seria ignorado antes dessa situação caótica.

A minha percepção estava se embaçando com o sono, o silêncio das ruas parecendo cada vez mais distante. Foi quando eu ouvi um som, nítido como uma nota errada em uma sinfonia: um farfalhar de asas e um gorjeio, um pássaro acabara de levantar vôo de algum lugar próximo a janela, talvez até mesmo ao lado dela. A primeira questão que surgiu a minha mente foi porque um pássaro estaria acordado tão tarde, que tinha uma resposta óbvia: nem os pássaros conseguem transitar pelas ruas enquanto a legião de infectados correm pelas ruas, pois eles jogam o que conseguem encontrar na direção dos pequenos animais, buscando mais comida e nada mais.

Mas o que realmente me deixou pensando, o que me fez sentar na cama e pensar até meus olhos arderem de cansaço, foi a ideia de que os animais também eram vulneráveis a toxina. Era óbvio que respiravam, e estavam em contato permanente com o ar impuro, mas até hoje eu não vi nenhum comportamento agressivo da parte deles, que seguiam suas rotinas instintivas como se o mundo ao seu redor não estivesse sendo reduzido a uma zona de guerra para canibais.

Minha mente vagou pela ideia de animais se unindo à horda de homens insanos, e uma imgem especialmente desagradável tomou conta de meus pensamentos: Um infectado, com sua postura curvada e pele levemente vermelha, como se irritada, segurando três correntes, que estavam presas às coleiras de três Rottweilers, os quatro observando com aqueles olhos brilhantes sua nova vítima, uma garota reduzida à lágrimas no chão manchado de sangue, e uma ordem muda para que os cães atacassem, reduzindo a forma desesperada a pedaços vermelhos, seus gritos abafados de misericórdia ignorados pelo homem silencioso, que assistia com um frio desinteressse o espetáculo repugnante.

Eu não consegui repelir essa cena do palco da minha mente, tão plausível que eu quase podia sentir o cheiro de sangue e do pêlo escuro dos cães. Meus olhos arderam com lágrimas quando eu finalmente percebi que os que andavam pelas ruas não precisariam dos animais, era óbvio que já fizeram muito mais que isso por si mesmos.

Finalmente, outro som quebrou o meu deprimente transe: um som distante, o ronco de um motor que se aproximava depressa, e mais algum som, alto e com intervalos irregulares. Como as janelas estavam trancadas pela pasta isolante, eu corri para a garagem, vesti minha roupa e corri para as ruas, o que levou tempo suficiente para uma luxuosa SUV começar a frear na frente da minha casa, pneus marcando o asfalto até quase duas casas após a minha. Quando me aproximei, dois saltaram dela, rindo como maníacos, um deles carregando uma shotgun, carregando mais duas balas com um descuido que demonstrava familiaridade.

Não tive tempo de abrir a boca, como sempre. “Bom dia, vizinho!”, gritou o que não carregava a arma. O homem do mercado, sem dúvidas. “Adoraria ficar pra conversar, mas tu tem que vir com a gente, é.” “Ah, você... o que houve?” foi o que eu consegui perguntar, atônito.

Foi quando o outro (Nesse caso, a outra) resolveu falar, um sotaque pesado de interior: “Não dá tempo pra explicar, entra no carro e vamos nessa!”, o que pareceu “Num dá tempo prá explicá, entra no carro e vamunéssa!”, uma voz decididamente feminina, que parecia ser tão velha quanto a do homem que a acompanhava, o que me pareceu entre os 30 e 40 anos. Mas o homem insistiu. “Tem um bando de... alguma coisa vindo de lá.”, disse apontando para a direção geral de onde vieram, “E não vieram pra um pic-nic. Pode ficar na nossa casa, até eles passarem”. Eu não fazia ideia de ao que eles se referiam. Uma horda de infectados, à noite? Ou (um pensamento que lançou uma onda de frio pelo meu corpo) animais, finalmente infectados, buscando sangue?

Não tive tempo para pensar, a mulher gritou que “eles estavam vindo, vindo, pelo amor de Deus!” e me empurrou para dentro do carro. O homem estava ligando o motor quando eu vi outra pessoa saindo de uma casa, e uma gigantesca nuvem negra, que parecia se mover em infinitos pontos individuais, avançando na nossa direção. Já estávamos em movimento quando a “nuvem” segurou a pessoa por trás e a ergueu metros acima do chão. Foi quando a realização me atingiu: uma revoada, milhares de pássaros que tinham força suficiente para levantar um ser humano e agora bicavam todo o seu corpo, se movia sempre a frente, sem parar. Os animais se “focaram” em remover a máscara de gás, puxando-a para cima. Quando seu rosto foi exposto, o homem arregalou os olhos, e os pássaros atacaram, bicos puxando pedaços daquele olhos cheios de medo, outros atacando o resto da pele do rosto, reduzindo suas feições a centenas de pequenos cortes vermelhos.

Alguns dos outros animais já haviam arrancado pedaços do uniforme, e o tiraram com uma facilidade assombrosa. A visão de carne exposta pareceu um convite: ainda mais aves voavam até o homem, seu corpo exposto sendo jogado para todos os lados, enquanto era mutilado rapidamente pela muralha voadora ao seu redor.

Eu permaneci ali, de costas para o motorista, observando a nuvem de pássaros se espalhando, cobrindo uma área maior, erguendo qualquer coisa viva. Mesmo correndo o mais rápido possível, a quantidade de curvas que precisamos fazer foi o suficiente para o grupo de pássaros nos alcançar, bicos acertando o carro e fazendo um barulho insuportável contra o metal. Felizmente não conseguiram entrar no carro, mesmo batendo insistentes contra o vidro, olhos cheios daquele brilho faminto. O motorista teve que parar quando o peso das aves diminuiu a velocidade do carro e eles ocuparam todo o para-brisas, transformando nossa visão em uma onda confusa de asas e movimentos rápidos. Ouvi um estouro e o carro curvou-se em um ângulo estranho: um dos pneus foi inutilizado pelo ataque ágil e impiedoso.

Felizmente, antes que o ataque se tornasse uma invasão e as rachaduras nos vidros se expandirem até quebrarem, a onda de pássaros arrastou os atacantes consigo, logo nos deixando em um silêncio assustado, observador.

A “atiradora”, que pareceu extrovertida, se não um pouco agitada, no nosso breve diálogo, foi a que quebrou o silêncio. “Eu não sei de vocês, mas eu que não vou ficar (qui não vô ficá) aqui esperando os feiosos saírem das tocas.” Ela disse, em seu pesado sotaque de interior, abriu a porta e saiu do carro, com a shotgun em mãos. Como eu não pretendia ficar em um veículo que não pode ir longe, contra hordas super-humanas de canibais, e sem a única companhia armada que conhecia, saí do carro e a acompanhei com o outro homem, que parecia um pouco agitado, mas cuidadoso e focado, agora com uma arma prateada (que eu não vi ele tirando do porta-luvas) que segurava com as duas mãos, olhos saltando na direção das sombras que se expandiam com o que logo seria um amanhecer fulminante.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Em outras notícias: Cliffhanger!
Até... terça, quarta no máximo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cinza E Vermelho" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.