O Semideus escrita por Dreamer


Capítulo 8
Vale tudo no amor e na guerra




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E para variar, semideuses nunca sonham com unicórnios.

Lá estava eu, numa sala sombria e totalmente preta. Olhei ao redor. Parecia que eu estava num cubo de vidro viajando pelo universo. Mas, eu sabia que aquele lugar tinha algum tipo de simbolismo estranho, como o Submundo. Dei um passo para frente, ainda confuso com o local ao redor.

Um vulto negro surgiu no canto da sala, e foi aí que eu lembrei-me do meu antigo sonho. A figura sombria andou, ou se arrastou até a minha frente, onde ergueu as duas mãos, apresentando-me novamente aqueles estranhos balões cheios de nada.

-Escolha. – uma voz misteriosa e grave encheu a sala.

Mais uma vez, eu não sabia o que fazer. Eu estava ciente que um daqueles balões iria me fazer afundar na escuridão eterna. Mas o que fazia o outro? Apontei com o dedo indicador a mão esquerda do vulto, e ele abaixou os braços imediatamente.

Foi como se o chão tivesse sumido abaixo de meus pés. Literalmente. Comecei a cair, cair, cair...

[...]

-AAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!

Matt, no banco da frente do carro, olhou para o banco traseiro imediatamente, onde eu estava deitado. Estava assustado, e então eu percebi que aquele grito tinha sido meu. Lynn também parecia preocupada, mas não podia tirar os olhos do trânsito. Meu melhor amigo se acalmou ao perceber que eu estava bem.

-O que foi, Josh? – ele disse. – O que aconteceu?

-Nada, nada. Só um pesadelo.

Me pus sentado em um movimento rápido. Estiquei os braços, sonolento, esfregando os olhos e bocejando simultaneamente. Parecia que eu havia dormido demais. O sol já estava quase a pino, e já havia muitos carros na rodovia. Curvei minha coluna para frente, observando melhor Lynn e Matt, que olhavam tensos para a picape preta que estava na frente do nosso carro alugado.

-Qual é o próximo deus...? – perguntei, com a voz fraca e rouca.

-Deuses – corrigiu-me Lynn. Era a primeira vez que eu a ouvia falar naquele dia. – Vamos para Vegas, onde Ares e Afrodite estão.

-A viagem vai demorar um pouco. – Matt me explicou, tossindo. – Pode dormir. Nossa, mas que calor aqui.

Ele começou a se abanar, enquanto Lynn não se a dava ao luxo de se distrair. Aquela rodovia era um pouco perigosa. Percebi isso imediatamente e me encostei-me ao banco atrás de Matt, colocando o cinto. Após verificar se o cinto estava bem preso, girei o rosto para observar a paisagem através da janela.

Como o pesadelo havia me tirado algumas boas horas de sono, não demorei a adormecer, dessa vez, sem nenhuma sala de vidro viajando pelo universo.

[...]

-Hey Josh, amigão, acorda.

Abri os olhos. A primeira coisa que vi foi o rosto de Matt, que estava me olhando do banco da frente do carro. Bocejei e me espreguicei, esfregando os olhos e fitando o lugar onde estávamos através do pára-brisa. Já era noite, e luzes e neons me ofuscavam a visão de todos os lados. Concerteza estávamos na capital mundial dos jogos, Las Vegas.

-Afrodite e Ares vêm muito aqui. – comentou Lynn, cansada. – E Vegas só funciona à noite.

Matt sorriu maliciosamente.

-Isso aí, vamos jogar poker, truco... vai ser uma beleza! – ele disse, animado.

-Nada disso, mané. – Lynn contou a felicidade dele. – Vamos pegar a benção deles e cair fora.

Meu melhor amigo abaixou a cabeça, triste e humilhado. Depois, olhou para mim, apontando-me Lynn com os olhos e com uma expressão de "Estraga-prazeres" no rosto. Abafei uma risadinha.

Matt então pegou o Mapa dos Deuses, abrindo-o e tentando entender a localidade de Ares e Afrodite no mapa de Las Vegas. Por cima dos ombros dele, pude ver no papel dois símbolos, um em cima do outro, o que estava por cima era marrom e tinha uma lança no meio e o que estava por baixo era rosa e tinha um arco com uma flecha com a ponta de coração.

-Já sei onde estão. – ele fechou o grande papel velho, colocando-o dentro da mochila. – É ao norte, num cassino com neon rosa... eu já vim nesse lugar antes em missão...

-Já sei onde é. – Lynn interrompeu-o. – Vamos.

Ela girou o volante bruscamente, fazendo o carro dar uma curva acentuada, que me jogou contra a porta do carro. Matt também foi jogado contra a porta, e logo se virou para Lynn, raivoso. Começamos a seguir por uma rua estreita.

-Ai... – resmungou meu melhor amigo.

-Deixe de ser fresco. – Lynn o repreendeu, como sempre. – Chegamos.

Ela estacionou o carro bem na porta de um enorme cassino. Foi difícil ler com meu TDAH, mas logo identifiquei escrito no neon rosa: Cassino Love&War. Peguei a Lâmina Dourada e Megaraio, colocando-as no cinto.

-Irônico, não? – eu relacionei.

Lynn e Matt assentiram, olhando o cassino como se lembrassem de memórias passadas. Logo, a filha de Poseidon tomou a dianteira, e eu e Matt a seguimos, entrando no cassino. Infelizmente, estava lotado, e não seria fácil encontrar duas pessoas – ou melhor, dois deuses – ali dentro.

O cassino não era um local simples. Era moderno, com máquinas de jogos a cada milímetro, tornando o ambiente barulhento e pesado. O chão era feito de mármore, e as paredes pareciam ser feitas do mesmo material. Pilares sustentavam o teto a cada 15 metros. Bem á nossa frente, havia uma grande escadaria, que provavelmente levava ao segundo andar. Um homem uniformizado se aproximou para nos recepcionar.

-Posso ajudá-los, crianças? – ele disse, com uma voz estranha.

-Eu não sou crian... – Matt começou a resmungar.

-Sim, estamos procurando duas pessoas. Pode deixar, assim que as acharmos, nós sairemos. – Lynn forçou um sorriso.

-Certo. – o homem hesitou, mas acabou permitindo. – Qualquer coisa, ahn... me chame.

Assentimos.

Logo, começamos a buscar. Eu sabia que se visse algum deus eu iria identificá-lo rapidamente, pois todos os deuses pareciam ter um olhar penetrante, anormal, mágico. Literalmente. Olhava de um lado para o outro, enquanto meus amigos procuravam em locais diferentes. Foi quando vi uma mulher incrivelmente bela, alta e esbelta. E foi aí que eu descobri que era Afrodite.

Corri em sua direção, e ela pareceu pressentir algo. Quando já tinha chegado perto suficiente, eu chamei sua atenção, e ela virou dois orbes de cor rosa – sim, rosa – na minha direção.

-Ah, olá... eu sou...

-Eu sei quem você é, semideus. – Afrodite me interrompeu. – Mas não sei o seu objetivo. E antes de você me contá-lo, gostaria de te dar um aviso.

-Ah, sim, claro. – respondi, sem jeito.

-Josh. O amor é a força mais poderosa do mundo. É o que eu digo a todos os heróis que encontro. – a deusa começou. – Pode destruir ou tornar perfeita a vida de uma pessoa. E você é um dos que está experimentando esse sentimento.

-Eu? – pensei em dizer que ela estava errada, mas a deusa do amor concerteza saberia se eu estava apaixonado ou não. Mas por quem?

-Sim. Josh Siege, certo? Filho de Zeus.

Fiz que sim com a cabeça, atônito.

-Certo, Josh. Você conhecerá os dois lados do amor muito bem. E agora, pode dizer-me o que desejas comigo.

-Ah sim. Afrodite, eu preciso que você me dê uma benção...

-Ah, por que não disse logo! – a deusa estalou os dedos. Comecei a me sentir estranho. Olhei para mim mesmo: UAU! Eu vestia um terno preto, com sapatos bem lustrados. Senti meu cabelo bem penteado e meus dentes estavam tão brancos que poderiam cegar alguém.

-N-Nossa... mas, mas não é isso. Preciso que abençoe essa espada – eu retirei a Lâmina da bainha e mostrei-a a Afrodite. – ...para podermos usá-la na guerra contra Cronos. Por favor, sua ajuda é crucial.

Ela pareceu um pouco envergonhada.

-Ah, me desculpe. Eu ajudarei sim, jovem.

Ela colocou a mão direita sobre o símbolo de Afrodite na espada e murmurou algumas palavras em grego antigo. O símbolo tornou-se de cor prata. Além disso, a espada tornou-se mais bonita, cheia de frufrus e enfeites.

-O que foi? – Afrodite sorriu. – Essa espada estava muito feia.

Embainhei a Lâmina e fitei a deusa.

-Precisarei também da benção de Ares, madame.

Não sabia se tinha usado a palavra certa, mas ela pareceu satisfeita.

-Venha, meu caro. Mas não garanto nada.

Ela me conduziu até uma mesa de jogos, onde alguns homens adultos e musculosos apostavam. Me surpreendi em ver que Matt estava entre eles, além de um homem muito mais assustador, com roupas góticas, que devia ser Ares.

-Ganhei! – Matt festejou.

Lynn surgiu logo em seguida, apertando o braço de Matt e o retirando da mesa.

-Você roubou. – Ares murmurou.

-Não roubei não – retrucou Matt. – Por que roubaria?

-Porque vocês todos são uns inúteis. Sumam daqui.

Não entendi porque Ares se recusava a aceitar a vitória de Matt. Olhando o jogo, Matt tinha sim ganhado.

-Sumam daqui antes que os transforme em churrasco!

Relutantes, eu, Matt e Lynn saímos do cassino, indo até o carro. Comecei a informá-los:

-Eu consegui a benção de Afrod...

-Você sempre tem que estragar tudo! – gritou Lynn.

-Eu? – perguntei.

-Não – ela respondeu. - Matthew.

Notei que ela não havia chamado Matt pelo apelido.

-Eu que estrago tudo? – ele se aproximou. – Eu ganhei, de verdade! E lá no acampamento, eu sempre ganho as coisas, sou inteligente e forte. E você que fica trancada no chalé o dia todo?

-O que você acha que eu faço dentro do chalé? – ela gritou.

-Sei lá, coisas de menina!

-Não, seu idiota! Eu treino! E fico chorando por um inútil como você, que nunca me nota! –Lynn virou as costas, com a voz trêmula.

Matt pareceu abatido. Eu não estava em condições nada, mas concerteza Lynn e Matt estavam num turbilhão de emoções. Agora eu havia entendido o que Afrodite havia dito.

-M-Mas... Lynn... – Matt tentou fazer alguma coisa.

-Cale a boca! – ela deu pirraça. – CALE A BOCA!

Matt se aproximou. Chegou muito, muito perto. Eu assistia aquela cena de perto e aquele movimento foi muito preciso, como se Matt já ensaiasse aquilo há anos. O filho de Hades segurou a cintura da outra e aproximou seu rosto do dela, tomando os lábios dela com seus próprios, iniciando um beijo longo. Lynn primeiramente tentou jogar Matt longe, mas acabou cedendo ao beijo.

E aí que eu percebi o que Afrodite havia me dito mais uma vez. Mas, lá dentro, eu sentia uma espécie de angústia ao ver aqueles dois se beijando. Deu-me uma súbita vontade de separá-los, e não contive essa vontade. Aproximei-me, jogando Matt para o lado, separando-os. Os dois nem se deram ao luxo de olharem para mim. Percebi que Lynn estava chorando.

-É assim que você se sente? – Matt perguntou, leve.

-Sempre – Lynn respondeu. – Sempre.

Ele sorriu. Mas não era um sorriso normal. Era um sorriso de bobo apaixonado. Meu corpo foi literalmente tomado por uma corrente elétrica, e finalmente Lynn e Matt olharam para mim.

-Ah. Você está aí, Josh. – Matt falou, parecendo um bêbado. – Conseguiu a benção de Afrod...

-COMO VOCÊ PÔDE? – respondi, raivoso.

-Josh, o que foi? – Lynn falou.

Não consegui demonstrar o que sentia em palavras. Olhei para Lynn, e aquelas lágrimas que escorriam pelo rosto dela... eram por ele, não por mim. E aí que tudo fez sentido. Não respondi, passei direto pelos dois, e voltei para o interior do cassino. Achei um local escondido, qualquer um, e não agüentei as lágrimas.

Eu amava Lynn, não podia negar agora. Mas ver aqueles dois se beijando, foi como se alguém tivesse enfiado uma faca em seu coração. E uma mulher então envolveu seu braço em torno dele.

-Eu avisei, semideus. – reconheci a voz de Afrodite, mas não tinha coragem de olhar para ela. – O amor pode ser traiçoeiro. Mas corra atrás, não fuja.

-Não dá, Afrodite. – eu respondi, com a voz fraca. – Eu sou um idiota. Por que eu não a beijei primeiro? Por que eu não fui corajoso o suficiente para descobrir isso? Sinto meu coração... doendo, esmagaçado.

-É justamente essa a força do amor, Josh. – Afrodite disse, com uma voz doce, que até me fez acalmar. – Se você não tornar a força do amor uma coisa boa, sofrerá. E continuará sofrendo. O amor também cria a coragem, o medo. Mas você precisa lutar. O amor é uma guerra, se você não lutar, perderá.

-Exatamente! Hô hô! – escutei uma voz grossa, masculina, que reconheci como a voz de Ares. – Olhe, garoto. Eu não costumo ajudar chorões como você e...

-Amor, seja educado! – Afrodite o repreendeu.

-Tá bom, tá bom. É que não sou acostumado com isso. – Ares respondeu. – Mas garoto, eu e Afrodite não saímos por simples coincidência. Dentro dos deuses, sempre há um simbolismo. E o próprio Zeus me ordenou que o guiasse por uma jornada das mais difíceis de todas, e agora entendo. Seja forte garoto, vença a guerra. Não só o amor, mas também vença Cronos e salve o mundo.

-É muita coisa para um garoto de 14 anos... – falei, entre soluços.

Os deuses nada responderam. Ares puxou da minha bainha a Lâmina, e a abençoou, devolvendo-a a bainha logo depois.

-Boa sorte, Josh Siege. Filho de Zeus. – disseram em uníssono.

Os deuses se desfizeram em fumaça, e Matt e Lynn chegaram logo depois.

-Josh, o que foi aquilo...? – Matt perguntou.

-Nada, nada. Vamos embora. – passei a mão pelo rosto, mas ainda entristecido.

Nós três fomos até o carro e Lynn achou um pequeno hotel ali perto, barato. E foi ali que dormimos.

Eu posso ser forte.


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