O Semideus escrita por Dreamer


Capítulo 9
Correr, roubar, amar




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Ver aqueles dois juntos me dava nojo. Isso me perturbou a noite inteira, me impedindo de dormir. Mesmo que eu conhecia Lynn há muito pouco tempo, ela era simplesmente a coisa mais importante para mim naquele momento. E quando Matt, meu melhor amigo, tirou ela do meu alcance, me deu algo até superior ao ódio, algo que nunca senti por ninguém, um sentimento tão amargo e tão negativo que eu mesmo estava assustado.

No hotel, dormimos no mesmo quarto. Havia uma cama de casal e uma de solteiro, uma do lado da outra, em frente a uma grande estante que suportava o telefone e uma televisão antiga. Na parede, acima, havia um relógio que marcava, naquela hora, quatro e meia da manhã. O chão era feito de madeira e as paredes eram de uma cor amarela desbotada. A porta do banheiro estava à direita da minha cama.

Matt me pediu para dormir na cama de casal com Lynn. Dormiram abraçados, felizes. Lynn chorou a noite inteira, e o meu ex-melhor amigo a consolava com carinhos e beijos. Aquilo me dava ânsia de vômito. Se as luzes estivessem acesas, as grandes olheiras poderiam ser visualizadas abaixo dos meus olhos, pois a noite inteira fiquei olhando aquela cena. Parecia que raios ricocheteavam dentro de mim – literalmente. E todo aquele turbilhão de sentimentos me fazia sentir um idiota rejeitado ao lado daquele casal perfeito.

O dia amanheceu e os dois levantaram, se cumprimentando com um beijo. Mal olharam para mim e deram bom dia, e já trocavam de roupa e saíam do quarto para tomar café. Levantei quase como um zumbi, e de pijama mesmo eu os segui. Pigarreei, limpando a garganta quando chegamos ao grande restaurante. Sentamos-nos em uma mesa e tomamos o café. Eu não tinha dito nada até agora, e aquilo parecia perturbar ambos.

-Josh, você parece cansado, não dormiu? – Matt perguntou. – Eu acordei pela madrugada algumas vezes e vi você acordado com minha visão noturna. O que foi?

-Nada. – era a primeira palavra que eu tinha dito naquele dia. Se aquilo fosse uma palavra. Parecia mais um murmuro, uma reclamação.

Lynn olhou preocupada para mim. Ela logo retirou um papel velho do bolso. Era o mapa dos deuses. Ela o desenrolou e o abriu, tentando mantê-lo abaixado para os mortais não verem, e examinou-o, procurando o deus mais próximo.

-Hermes. – ela disse. – Em Bakersfield.

-É perto. – seu novo namorado disse. – Chegamos lá rapidamente.

-É. – concordei, e mais uma vez não pude distinguir se aquilo era uma palavra ou um murmuro.

Terminamos o café e subimos de volta ao nosso quarto, organizando nossas coisas para podermos procurar Hermes, o próximo deus. Depois disso, descemos até a recepção, pagamos pela noite e saímos, indo até o carro alugado e entrando nele. Lynn deu a partida e Matt foi na frente, sorrindo assustadoramente. E eu, o rejeitado fui atrás, e aproveitei para tirar um cochilo para não ser obrigado a ver aquela cena idiota.

[...]

-Josh, chegamos.

Lynn me sacudiu, e eu acordei, assustado. Olhei à minha volta. Era de tardinha, o sol já se punha no horizonte e o céu passava de uma coloração azul clara para um azul escuro, além de alguns trechos laranja nos cantos. Eu me encontrava em uma cidade calma, tranquila, de ruas largas. O silêncio preenchia o local, somente cortado por algumas tosses de Matt.

-Esse tempo seco... droga.

Eu saí do carro, colocando a bainha com Megaraio e a Lâmina dos Deuses. Lynn se afastou um pouco. Ela tornou a abrir o mapa dos deuses e examiná-lo, procurando Hermes dentro de Bakersfield. Não teve muita dificuldade, logo dobrou o papel velho e o colocou no bolso denovo.

-Vamos.

Começamos a andar para longe do carro, alcançando a calçada e seguindo Lynn pela rua. Ela não sabia exatamente aonde ir, e ás vezes recorria ao mapa para verificar onde estávamos indo. Ela parou em frente a um correio fechado e abandonado, virando-se para os portões lacrados com vários pedaços de madeira. A pintura externa era totalmente amarela com uma placa cujo as letras estavam apagadas e confusas.

-Irônico. – ela disse.

-Uhum. – concordou o namorado dela. – Como vamos entr...

-Afastem-se. – murmurei.

Desembainhei Megaraio e a apontei para a porta. Concentrei minhas energias e as liberei bruscamente, provocando uma alteração nos raios que relampejavam dentro da minha espada, fazendo com que um forte relâmpago ribombasse da ponta dela estourando as portas do estabelecimento abandonado. Lynn e Matt se assustaram, se afastando um pouco, mas logo quando a fumaça parou de subir da porta caída, nós três entramos.

Não tinha completamente nada lá dentro. Os móveis haviam sido retirados e só a estrutura (e olhe lá) estava intacta. Papéis cobriam o chão e havia uma sala com uma porta de vidro nos fundos. Eu estava com um mau pressentimento. E acredite, quando um semideus tem um mau presságio, alguma coisa realmente estava para acontecer.

-Vocês dois ficam aqui, eu vou procurar mais naquela sala.

Lynn tirou o belo tridente das costas e destampou o cantil em seu cinto. Começou a caminhar vagarosamente para a porta de vidro e a abriu cuidadosamente, entrando na sala desconhecida, deixando eu e o meu ex-melhor amigo a sós.

-Você está diferente. – ele começou. – O que foi?

-Não sei, eu estou confuso. – eu disse, nervoso. – Agora, vamos procurar por Her...

-Não, Josh, não... – Matt se aproximou. – Eu sei que tem alguma coisa, diga... por favor...

-Se você quer saber, então saiba que você roubou a garota que roubou meu coração...!

Ele abriu uma expressão nada boa. Parecia que havia levado uma facada no coração.

-O que foi? Sou eu quem deveria estar em choque! – bati o pé.

-Josh, eu não queria... eu...

-Suma! Depois dessa maldita missão, voltarei para minha maldita casa, e continuarei minha maldita escola!

-Você não pode...

-Posso!

Sem querer, eu dei um passo para frente e meu corpo se irrompeu em raios. Eram visíveis faíscas azuis ao redor do meu corpo. O filho de Hades se afastou. Tive o impulso de apontar minhas mãos na direção dele. Ele levantou os braços, preparado para se defender, mas meu instinto semideus mandou eu me virar e jogar aquela carga elétrica para cima. Não sei por que, mas segui os instintos. Os raios acertaram uma criatura voadora estranha, que parecia metade águia, metade mulher. Além disso, a eletricidade produziu luz suficiente para observar centenas dessas apoiadas na sustentação do teto.

-Harpias!

E as criaturas começaram a atacar. Peguei Megaraio e cortei uma harpia que veio me atacar, desacordando-a imediatamente. Matt começou a retirar pedaços do chão e atirar nelas. Com minha espada, fui atirando relâmpagos nas que se aproximavam, impactando-as para longe.

-São muitas! – gritei.

Saltei e me pus a voar. Contornando as criaturas, fui acertando-as com Megaraio, jogando-as no chão. Derrotei a maioria, mais ainda faltavam algumas. Matt, sem energia, já tinha sacado sua espada negra e ao seu redor havia uma montanha de pó de harpia.

-Você está bem? – pousei ao seu lado.

-Estou. – ele disse ofegante. – Mas você não estava com raiva de mim?

-! – não tive tempo de responder. Eu e Matt corremos na direção da porta de vidro, e no desespero, nós a quebramos.

Havia logo após a porta uma salinha toda revirada, ainda tinha seus móveis. Mais nenhum sinal de Lynn. Corremos para a próxima sala e não gostamos do que vimos. Não gostamos mesmo.

Ali era uma espécie de garagem onde os caminhões de correio eram abastecidos com entregas. As esteiras e até alguns desses veículos estavam ali, se não fosse uma quimera enorme que estava os esmagando. A criatura rugiu e lançou fogo pelo nariz, incendiando um pedaço do correio.

Lynn avançou e usou seu tridente para fazer alguns ferimentos superficiais na grossa pele da criatura. Defendia as rajadas de fogo com giros de sua arma. Ás vezes manipulava sua água para fazer outros ferimentos.

Matt golpeava a criatura com sua espada negra, porém os golpes não surtiam muito efeito. Arrancava pedras do chão com seu poder e atirava nos olhos da quimera, usando as pedras também para defender-se do fogo. Quando as pedras estavam fervendo, ele as jogava na pele da enorme besta, enfraquecendo-a um pouco.

Eu comecei a voar e a golpear a fera com relâmpagos e cortes em várias partes de seu corpo escamoso, desviando de seus ataques com agilidade. Aparentemente, estávamos ganhando, até a fera dar uma patada forte em Matt, jogando-o para um abismo que havia atrás do correio.

-MATT! – usei toda minha velocidade para ir até o abismo e descer, indo buscar meu amigo. Ele estava desacordado, caindo para a sua morte.

Impulsionei meus pés para trás e o abracei, colocando suas mãos atrás do meu pescoço. Estávamos bem perto do chão. Freei bruscamente e impulsionei para cima, voltando ao correio, observando que a fera havia desaparecido. Lynn estava deitada, com seu tridente do seu lado, com um homem de cabelos esbranquiçados ajoelhado ao lado dela. Ele me olhou e não tirou os olhos de mim até eu pousar ao seu lado. Ele usava uma roupa leve e um all star branco, e tinha um estranho celular na mão.

-Josh... Matt está bem? – Lynn disse, sussurrando.

-Ele não tá respirando, a quimera bateu muito forte nele... – comecei a bater em seu rosto e apertar seu peito. – Vamos, cara, respira...

Levantei as mãos e concentrei meus poderes nas mãos, criando uma carga elétrica fraca. Aquilo chamou a atenção do homem grisalho misterioso, que não havia falado nada. Aproximei minhas mãos do peito do meu amigo, mas o homem finalmente falou.

-Não. – era uma voz poética, mesmo para um simples não. Não era igual a de Apolo, uma voz musical, porém mais diplomática. – O problema é com a respiração. Faça respiração boca a boca...

Que nojo. Eu beijar meu melhor amigo? Esse negócio não funciona. E eu não sou homossexual nem nada.

-Anda logo! – gritou o homem.

Tudo para salvar aquele que você ama. Tampei o nariz dele e aproximei meu rosto do dele. Encostei minha boca na dele com muito custo e fiz a respiração boca a boca. Eu sentia ele voltar a respirar independentemente, e ele logo abriu os olhos vagarosamente, e quase teve um treco quando viu nossos lábios colados.

-AAAAAAAAAAAAAAAAAA QUE NOOOOOOOOOJO!

Ele me empurrou, mas ainda parecia fraco. Tossiu algumas vezes e se sentou no chão. Viu a cena que o rodeava e se assustou um pouco.

-Josh, você me beijou? Você é gay ou algo assim? Porque eu não sou e...

-Cale a boca, idiota. – Lynn disse, um pouco mais revigorada. – Ele salvou sua vida.

Matt tirou os olhos de mim um instante e fitou Lynn. Ele abriu um sorriso bobo e olhou para mim denovo.

-É verdade, eu salvei sua vida. – eu disse, um pouco sem graça.

Eu pensei que ele ia me socar após termos meio que nos beijado, mas ele me abraçou. Retribuí o abraço.

-Não vamos deixar uma garota ficar assim entre nós... – Matt disse.

-Sim, não vamos. – retruquei. – Eu te amo cara, e você sempre será meu melhor amigo.

-Cena tocante, mas vocês têm que ir. – o homem grisalho falou. – Eu sou Hermes, vocês vieram me procurar, certo? O que vocês querem?

-Queremos que abençoe essa espada. – desembainhei a Lâmina e mostrei ao deus. – É para lutar contra Cronos.

Hermes arregalou os olhos, mas colocou logo sua mão sobre o seu símbolo na espada. Murmurou algumas palavras em grego e o símbolo tornou-se prata.

-Agora vão. Cumpram sua missão!

Embainhei a Lâmina e corremos como nunca. Enquanto íamos para o carro, contamos para Lynn o episódio das harpias. Saímos do correio e entramos no veículo alugado, e a filha de Poseidon logo fitou o Mapa dos Deus, após retirá-lo do bolso.

-Tenho uma boa e uma má notícia...

-Qual é a boa? – perguntei.

-Faltam só quatro deuses.

-E a má? – meu melhor amigo perguntou.

-Os quatro são: o Sr. D e os nossos queridos pais.

-EI, ESPERA, CADÊ OS 50 DÓLARES QUE ESTAVAM NO MEU BOLSO?

Lynn deu a partida e Matt abafou uma risadinha.


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