Ele não conseguia nem se mover de tanta dor. Podia sentir o veneno se espalhando pelo seu corpo imortal. Era forte, ele pode perceber, feito especialmente para os deuses. Veneno que o mataria um pouco por dentro, já que não podia acabar com sua vida no instante mesmo.

Aconteceu tão rápido, que ele nem percebeu como e de onde Hera veio, apenas viu uma ninfa voando pela porta central, a partindo em alguns pedaços. Depois mais uma. Outra. Por fim, estavam só ele e Hera na sala, e ele sentiu suas delicadas mãos o deitarem no chão. Estava tudo mais embaçado agora. Quanto mais tempo se passava, mais forte e pior o veneno ficava.

Nem ouvir ele conseguir, mas podia ver que ela gritava. Com ele, talvez? Ou por ajuda, chamando alguém. Ou ambos.

Fora estupidez da parte dele se jogar contra a lança da ninfa, deveria ter atacado a ninfa, mas não poderia aguentar o risco de ela lançar a arma e sua tentativa de proteger Hera ser em vão. E ele não iria deixar ela se machucar. Não fisicamente, depois de toda a dor emocional que ele a proporcionara, ser envenenada era demais.

Ele havia previsto isso, que seria ruim. A ninfa não seria tão estúpida a ponto de bolar toda aquela armadilha e não ter uma arma poderosa para atacar. Elas não se uniriam só para levar uma bronca.

–Ven...Venen... - Sua voz morreu. Ele tentou avisá-la. Sem necessidade, óbvio, ela também já imaginara isso. Hera delicadamente encostou seus dedos nos lábios do marido, pedindo silêncio. Era melhor que ele não tentasse falar, estava fraco demais.

E então tudo ficou escuro à sua volta, e ele perdeu os sentidos.

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Suas mãos tremiam. Não conseguia acreditar que ele fizera aquilo por ela. Ele realmente se jogara entre ela e a lança envenenada. E agora estava de cama. "Estúpido". Ela falou, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Lágrimas que ela queria tanto disfarçar. "Besta". Ela não entendera o porquê dele. De um certo modo, era melhor que fosse ela. Era o que todos queriam. Ele era o mais importante, o rei, não era? Então por que diabos ele se enfiou na frente? "Por amor". Uma voz gritava em sua mente. Provavelmente Afrodite, que sempre se metia nas vidas dos outros, para ajudar ou não.

Agora lá estava, ele deitado no chão, pálido como a neve, seus olhos fechados e corpo relaxado. Se fosse um mortal, seria dado como morto. Mas não, estava apenas sofrendo mais e mais. O ícor escorria do local onde a lança o feriu. Ela, gritando por ajuda, tentava tapar o ferimento.

Ambos, por algum motivo, agiram como mortais. Meros mortais. Ele, com seus reflexos e seu estúpido instinto, estava agora inconsciente, no chão gelado. Ela, também por instinto, tentava estancar o sangramento, e não conseguia mais odiá-lo, era imortalmente impossível.

Por mais que ela tentasse, era amor demais para ela simplesmente jogar fora como se fosse nada. Até porque ela precisava dele. Assim como ele era nada sem ela. De um modo, tudo fora previsto para que acontecesse assim, dessa maneira trágica. Ela tinha que, de um jeito ou de outro, descobrir que realmente o amara, que não fora apenas por interesse que se casara com ele, algo que ela vinha pensando há algumas décadas.

Já estava chorando, a essa etapa. Alguém viera ajudar. Ares e Hermes pegaram Zeus. Ela se levantou rapidamente, os guiando em silêncio até seu quarto. Apolo vinha logo atrás.

Ele já estava acomodado na cama, e que Apolo o curava dos ferimentos mais básicos, já que o veneno sairia apenas com o tempo. Hera ficara de pé, os braços cruzados para esconder o tremor de suas mãos. Até Ares estava chocado, não por menos, seu pai estava com uma aparência terrível.

Hermes já havia partido. Hera o pedira para avisar Atena, já que alguém tinha que liderar o Olimpo enquanto os dois, Zeus e Hera, tinham seus momentos de mortal.

A deusa da sabedoria ficaria irrefreável. Com a adoração que ela sentia pelo pai, Hera não seria a única a espancar as ninfas. E com razão, elas mereciam ser expulsas dali.

Assim que terminou, Apolo saiu, deixando uns tipos de remédio para Hera dar para Zeus, a explicando as coisas rapidamente, com a cabeça baixa, escondendo umas lágrimas que secaram em sua face. Além do mais, Zeus também era seu pai, e ele já havia perdido uma mãe. Devia ser terrível ver o pai naquele estado, podendo fazer tão pouco para ajudar.

O Olimpo inteiro se abalaria. Ele era um rei muito amado, afinal das contas. Os deuses se mantiveram de pé por tanto tempo que todos aprenderam a amar Zeus, respeitá-lo. Só alguns esqueceram onde era seu devido lugar. Algumas, para ser mais exata.

Hera caminhou até a cama e se sentou do lado de Zeus, o observando. O veneno agira tão rápido, ele estava com os lábios rachados, sua pele muito pálida, a fraqueza o consumindo. Ela deitou-se ao seu lado, pegando em sua mão, antes tão forte e protetora, agora tão fraca. Encostou levemente sua cabeça no peito do marido, onde ele não tinha machucado, e fechou os olhos.

Adormeceu sentindo que estava aonde sempre esteve. Em seu devido lugar. Ao lado de Zeus. Sua rainha estava, como sempre, lá para apoiá-lo.