Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 9
Encontro




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Capítulo 8 – Encontro

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— Você precisa entender. Só você entenderia.

Ele estava ficando ainda mais agitado.

— Mas para que você entenda, preciso contar tudo. Desde o princípio.

Eu estava decidida a não interrompê-lo até que ele concluísse. Edward respirou fundo e me fitou com os olhos sofridos.

— Tudo começou sete meses atrás...

E assim ele começou a compartilhar a história que mudaria para sempre a minha vida.

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-- EPOV, sete meses antes --

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— Senhor Edward? Bom dia, senhor Edward...

O som saiu do viva-voz do aparelho em meu criado mudo, depois que apertei o botão vermelho que piscava sem parar. Podia ser uma gravação. O som saía todas as manhãs, a mesma frase.

— Senhor Edward? Bom dia... 

Só que não era uma gravação. Era a governanta, apenas cumprindo a tarefa de me acordar, com a mesma obstinação que empregava nos demais serviços para fazer daquela casa algo o mais próximo possível de um lar.

— Bom dia, Carmen. Já estou acordado. – Não era mentira. Já estava mesmo, antes de o interfone começar a saga matinal. Algo que me deixou uma estranha sensação, acordar antes da hora. Até porque era domingo.

— Doutor Cullen saiu agora há pouco e pediu que o senhor não se atrasasse. O brunch na hípica está marcado para as dez horas. São oito e quarenta. Vai querer café?

O doutorCullen a que ela se referia era meu irmão Emmett. Não possuía o título e era novo demais para ser doutor, mas era a forma como Carmen se referia a ele desde o dia em que ele deixou de ser o pequeno Emmett para se tornar o dono da casa e chefe dela. Fazia quase dez anos.

Não foi só a casa que ele assumiu nesse período. Os negócios da empresa da família, a Indústria Cullen, iam de vento em popa graças a ele. Minha criação também era em boa parte mérito dele. Depois da morte de nossos pais, ele virou minha única referência, meu exemplo. Um cara e tanto. Por isso eu nunca dizia não para ele. Mesmo quando o pedido dele era que eu acordasse cedo no domingo para dar um apoio moral num porre de reunião com investidores sei lá de onde.

— Uma salada de frutas, Carmen. Só isso. Valeu. – Respondi e apertei o botão de novo para desligar. Levantei num pulo, tomei um banho e fui de toalha para o closet decidir o que vestir. Esse tipo de encontro não era em nada o que eu estava acostumado. Meu guarda-roupa se dividia entre trajes sociais, que quase nunca saíam dali, roupas de mauricinho, que eu evitava, roupas normais, que eu vestia para ir ao cursinho e minhas duas jaquetas de couro, que seriam capazes de descer as escadas e irem à garagem sozinhas, de tanto que eu usava.

Decidi colocar as roupas de mauricinho. Calça cáqui e um suéter marfim. Roupa de domingo. Olhei no espelho e vi meu irmão, só que dez anos mais novo. Credo. Será que alguém vai se importar se eu usar jaqueta de couro na hípica? Esperava sinceramente que não. Dane-se.

Saí do closet e passei o olho pela cômoda no canto do quarto. O livro de capa azul, de Eisberg e Resnick, encarava-me com olhos de reprovação.

— Eu sei, eu sei – resmunguei. Estava empoeirando ali há uma semana e eu nem tinha tocado nele.

Não que algo em meu quarto empoeirasse. Custaria o emprego de alguma das empregadas se Carmen flagrasse algum acúmulo de poeira no cômodo branco e amplo. A cama gigantesca estava sempre impecável quando eu chegava. As cortinas combinavam com os tons claros da roupa de cama. Do lado do pedestal do violão, a escrivaninha com o notebook que eu nunca guardava era do mesmo mogno escuro dos outros móveis, quase preto. E era da cômoda do outro lado que o livro olhava pra mim.

Eu precisava ao menos dar uma olhada. Não tinha entendido nada quando o professor do cursinho falou sobre física quântica. E ele deixou bem claro que não ia se aprofundar no tema porque poucos vestibulares cobravam o conteúdo. Mas o Instituto Tecnológico de Aeronáutica tinha uma prova fodástica. E se eu queria passar, não podia zerar uma questão inteira de física de bobeira. Eu gostava da matéria. Mandava muito bem em mecânica e ótica. Quântica não podia ser assim tão difícil. Se eu queria seguir os passos dele e ser um engenheiro formado pela melhor escola do país, tinha que estudar até esse troço cabeludo. Fazer o quê?

Olhei o relógio e tomei um susto. Demorei muito no banho e na escolha da roupa. Eram quinze pras dez. Emmett ia ficar irado. Desci as escadas correndo. Ignorei a salada de fruta em cima da mesa e corri pra garagem gritando – Carmen, fui!

Subi em minha moto enquanto apertava o controle do portão. Coloquei o capacete, mal liguei e já saí acelerando. Fazia dois meses que pilotava a Hayabusa que o Emmett tinha me dado de aniversário de 18 anos – eu queria uma moto, ele achava que tinha que ser uma moto boa. Precisei jurar respeitar as regras de trânsito e os limites de velocidade. Nada fácil com uma moto que podia ultrapassar os trezentos quilômetros por hora. Mas só quando estava em cima dela que me dava conta de que ainda não tinha me acostumado com a adrenalina. Uma motaça. A única parte chata era a atenção que ela atraía na rua.

Eu seguia rápido rumo à rodovia SC 401, onde fica a hípica, pilotando pelas ruas de Jurerê Internacional. Acelerando a moto, eu sentia o vento gelado no rosto, entrando pelos vãos do capacete e pela jaqueta que, na pressa, eu não fechara completamente. Apesar de frio, o ar não era desagradável. A temperatura era gostosa. Fazia uma bela manhã de inverno, com o sol iluminando a paisagem.

Parei na entrada da hípica depois de dez minutos. O portão já estava aberto e havia algum movimento na entrada, apesar de não ser nenhum evento especial. Era só uma copa gradual, mas um assistente do Emmett descobriu que os estrangeiros gostavam de equitação e eles resolveram promover o brunch lá.

Os gringos tinham interesse em aplicar um capital na inovação tecnológica de motores e turbinas de jatos, investindo alguma cifra astronômica nos laboratórios da Cullen em Floripa. Eles já tinham comprado terras na região e começaram a construção de alguns condomínios de luxo, mas queriam ampliar os horizontes. Emmett, com o tino que tinha para negócios, não ia deixar a oportunidade passar.

E para acompanhar tudo de perto ele morava mais tempo em São Paulo do que na nossa casa. A fábrica de aviões, dos jatos particulares que a Cullen produz, fica em Araraquara, interior paulista. Mas o setor de P&D, pesquisa e desenvolvimento, é em Floripa. Meu pai havia transferido os laboratórios para cá há dez anos quando começou o papo de que a cidade era um pólo tecnológico. Ainda tem quem a chame de ilha do silício, em alusão ao vale do silício nos Estados Unidos.

Junto com os cientistas, meu pai trouxe a família. Minha mãe não contou tempo em trocar as garoas de São Paulo pelo sol da capital catarinense. Foram tempos felizes, uma parte colorida da infância. Durou pouco.

Eu lembrava enquanto caminhava devagar até a tenda montada próximo ao local em que aconteciam as provas de obstáculos. De longe, vi Emmett conversando com dois homens. Eles trajavam ternos sem gravata. Informais, até. Emmett estava, claro, de calças cáqui e um suéter de cor clara. Combinava bem com ele, que era da minha altura, só que mais forte que eu. Além da altura, só nossos olhos eram semelhantes. Azuis esverdeados. Já o cabelo dele era castanho, encaracolado, todo certinho e bem curto. O meu era sempre uma bagunça.

— Edward! E aí, irmão, você veio mesmo! – disse Emmett, me abraçando e sussurrando em meu ouvido – Cara, que demora... – Ele chamou minha atenção, mas não pareceu se importar que eu estivesse de jeans e casaco de motoqueiro. – Esses são Ahmad Hasan e Ghalib Aziz. Hasan é cônsul do Líbano e Aziz é embaixador da Arábia Saudita.

Nice to meet you – cumprimentei-os com apertos de mãos. Era o que eu devia dizer, mas não era bem o que eu sentia. Pra ser honesto os caras me davam arrepios na espinha. Tinha certa desconfiança a respeito das intenções deles com tantos investimentos na cidade e, principalmente, quanto ao súbito interesse pela empresa. Mas nunca externaria essa dúvida, porque sabia que podia confiar nas habilidades de negociante do Emmett.

— Edward é meu irmão mais novo, acionista da Cullen e futuro diretor da divisão de motores – apresentou Emmett, em inglês, com incontido entusiasmo. Os árabes sorriram. Emmett continuou a conversa que travavam antes da minha chegada, algo a respeito da curva de crescimento da companhia. Depois de alguns minutos, pedi licença e me afastei em direção à mesa do buffet. Havia umas quinze pessoas na tenda. Só reconhecia alguns rostos ali, sem associação de nomes. Avistei a esposa do Emmett. Peguei um copo de suco de laranja e sentei ao lado dela.

Rosalie usava um vestido que lembrava um dos filmes que mamãe adorava... acho que era Bonequinha de Luxo. Um corte reto e chique no corpo magro e sem graça dela.

— E aí, Rose, achando tudo muito divertido?

— Sabe que estou? Não me olhe com essa cara – ela reprovou – até que é legal acompanhar seu irmão nesses eventos de trabalho...

Eu gostava de Rose porque ela tratava bem meu irmão e parecia fazê-lo feliz. E ela estava mesmo entretida. Olhava os cavalos saltando os obstáculos e sorria. Uma expressão leve, os traços aparentando ainda menos que seus 30 anos. Rose e Emmett se conheceram em São Paulo meses após a morte dos nossos pais. Namoraram por dois anos e casaram-se em seguida. Emmett tinha só 21. Ela é dois anos mais velha. Desistiu de uma carreira como advogada principiante para acompanhá-lo. Eles tinham um relacionamento tranquilo. Gostavam das mesmas coisas e brigavam pouco.

Enquanto pensava em como os dois tinham sorte e minha mente vacilava para uma triste neblina que eu conhecia tão bem, olhei para o lado e reconheci um rosto vermelho que se aproximava. Jasper parecia desengonçado com as roupas mais formais que eu já tinha visto nele. No lugar de bermuda, camiseta e tenisão de surfista, ele usava calça social, sapatos e uma camisa branca de mangas compridas, que destacava a pele queimada do sol e o cabelo parafinado, quase branco na ponta e com a raiz escura.

— Caaara, você veio... – Joguei minha mão aberta na palma dele assim que ele chegou a meu lado. O estalo do cumprimento fez Rose e Emmett olharem para nós. Os árabes pareceram não notar.

— Você convidou, não convidou?

— É, mas achei que você fosse surfar hoje...

— Sem ondas... Só marolas na Joaca – Egoísta, fiquei contente que o mar estivesse flat. Era bom ter um amigo para conversar. – E aí, algum cavaleiro com talento nessa parada? – perguntou ele.

— Acabei de chegar também. Por enquanto só tem esses pirralhos aí... – apontei para o circuito onde a garotada disputava as categorias pré-mirim e mirim.

— Pirralhas, você quer dizer... – ele corrigiu. Só então vi que a maioria era menina. – Muitas eu conheço... São patricinhas da cidade. Aquela ali estuda no mesmo colégio que a gente. Tá no primeiro ano. – Ele apontou, mas eram tantas que não consegui ver a qual delas ele se referia.

Ficamos conversando sobre o cursinho, sobre surfe, as baladas que Jasper tinha ido na sexta e no sábado. Quando ele se afastou para se servir no buffet, cheguei mais perto do Emmett, que ainda conversava com os árabes. Agora eles falavam em português, mas era difícil entender o sotaque carregado. Fiquei por ali, com minha melhor cara de sério e dei o apoio moral que ele havia pedido no dia anterior.

O locutor anunciou uma nova disputa, em outra categoria. Entravam na pista os atletas da categoria juvenil. Olhei de relance para Jasper e ele encarava as amazonas com olhar de cobiça. Viu que eu percebi e deu um sorrisinho, apontando com a cabeça, para que eu olhasse também.

Estreitei os olhos balançando a cabeça em negativa, mas não me furtei a espiar. As garotas eram muito parecidas entre si. Semelhantes às que eu estava acostumado a encontrar no cursinho, na praia, nas festas. Quase todas loiras, magras, rostos angulosos e expressões de “que nojo”... Olhares vazios. Deviam estar ali por obrigação, para agradar os pais, avós ou algo assim. Não demonstravam interesse no que faziam. Também não me interessavam.

Resolvi prestar atenção nos animais. Os cavalos que já tinham disputado a prova eram alinhados na lateral da pista. Algumas amazonas escovavam a pelagem deles. Os cavalos aparentavam ser bem tratados. Pêlos brilhantes, crinas penteadas, postura imponente. Eu sabia que manter animais daquele tipo era caro e dava o maior trabalho. Mas se você é uma garota fútil, é só mais um hobby mantido com dinheiro do papai.

Alguém ao lado de um típico cavalo brasileiro de hipismo, castanho, prendeu minha atenção. Era loira, magra, tinha rosto anguloso, mas no lugar da expressão de “que nojo”, estampava um sorriso branco impecável. Fiquei concentrado enquanto ela escovava a crina do bicho. O jeito que ela movia os braços e as mãos... Era como se estivesse dançando. Ela parecia conversar com o cavalo.

Então tomei um susto que me deixou tenso. O bicho de repente deu uma tremida da cabeça ao lombo e soprou forte fazendo um barulho com os lábios em um relincho. Tranquei a respiração. Mas foi à toa.

No instante seguinte a garota dava uma gargalhada solta, gostosa, levando a mão que estava com a escova até o joelho, dobrando o corpo e voltando. Soltei o ar num jato intenso, rindo também, sem me conter.

Claro que ela não ouviu minha risada, mas Emmett, Rose e Jasper viraram os rostos para mim e se voltaram à pista. Pelas caras que fizeram, não notaram o que tinha sido tão engraçado. Prolonguei aquela sensação boa, levei a mão ao rosto para disfarçar o sorriso e... Congelei.

Há quanto tempo eu não sorria? Não conseguia nem lembrar. O que essa garota tinha feito de tão engraçado, de tão divertido para me trazer isso de volta?

Só de olhar pra ela, eu me sentia diferente. Fisicamente diferente. Como se os dedos das mãos formigassem. No estômago, a sensação de ter engolido um copo de gelo triturado. Coisa, no mínimo, estranha.

Voltei a sentar ao lado do Jasper, sem tirar os olhos da garota, que agora subia no cavalo.

— Cara, quem é aquela garota? – perguntei.

— Qual delas?

— A última, à esquerda. – Ela estava prestes a começar o circuito de obstáculos.

— Ah, a BellaSwan. É filha do dono da Swan Construção e Incorporação... – Jasper falou, tentando imitar a voz do locutor da rádio que fazia a propaganda. Sem sucesso.

Mas eu imediatamente me lembrei das propagandas dos jornais e, principalmente, dos outdoors em frente a cada novo empreendimento que saía nessa ilha que parecia já não ter mais para onde crescer.

— A mãe dela, Renée Swan, é socialite. Já vi fotos dela até naquelas revistas de famosos do Rio e de São Paulo. Ela vive promovendo festas de arromba.

— Arram, às vezes recebemos os convites. Mas nunca fomos. – Agora me lembrava bem da mãe dela. Uma companhia que Rose evitava com diplomacia.

— É, mas a Bella é diferente da mãe, pelo visto. Nem nas festas da galera ela vai... – Enquanto Jasper falava, ela conduzia o cavalo com muita destreza e atenção, fazendo o bicho protagonizar saltos graciosos e pousando de forma precisa. Os dois pareciam ser um só. – Ela mora lá em Jurerê também, sabia? – Jasper continuou, dando mais um sorriso malandro e inclinando o corpo para me cutucar com o cotovelo.

Jurerê Internacional era um condomínio de quinhentos hectares, aberto, onde se concentravam as mais belas mansões da cidade. Não era de estranhar que uma das famílias mais ricas de Floripa morasse lá.

— Sério? – mostrei-me mais entusiasmado do que gostaria.

— Ih... – brincou Jasper, a voz subindo uma oitava – boa sorte com essa. Ela vive dentro de uma redoma de vidro vedada pelo pai dela. O coroa é bem mais velho que a mulher e parece tratar a filha como um bibelô. Já viu, né? – Olhava para ela, dominando o cavalo e tentava imaginar o que ele dizia. Ela era tão segura, mas ao mesmo tempo parecia ser tão delicada que eu mesmo construiria uma redoma de vidro para protegê-la, se o pai dela não o fizesse.

Em vez de me impelir a recuar, o alerta de Jasper me deixou ainda mais curioso.

Então ela não era mesmo como as garotas que eu conhecia.

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Notas finais do capítulo

a/n: Quem será essa Bella?
Lu, valeu por betar com tanto carinho e Leili, você é um anjo por topar ler antes e compartilhar suas teorias.
Obrigada por ler essa história. Se quiser receber um teaser do próximo capítulo, deixe uma review avisando. Aguardo seus comentários e até domingo que vem!



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