Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 3
Susto




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Capítulo 2 – Susto

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Horas depois, eu vagava pelos corredores do shopping repassando a lista em minha cabeça.

Contas de luz e telefone; pagas.

Prestação da loja de roupas; paga.

Depósito no banco; feito.

Extrato da conta; impresso.

Todas eram tarefas de casa, que eu assumia para livrar minha tia ao máximo de tais preocupações. Ficavam pendentes apenas o supermercado e a feira.

Ainda faltava uma hora para eu ter que voltar ao trabalho. Fui até a estação de café na praça de alimentação e pedi uma média. Enquanto ia com a xícara para a mesa, pensei na ironia. Bem, tomar café fora do trabalho tinha outro sabor, afinal de contas. Sentei para descansar um minuto e inspirei o perfume do vapor da bebida antes de tomar o primeiro gole.

Olhei em volta por um instante, com uma impressão esquisita de estar sendo observada. Dois rapazes e uma garota conversavam fitando, absortos, o laptop à frente deles. Um grupo de garotos reunia-se em torno de outras mesas mais adiante, dando risadas e falando alto. Uma criança, três cadeiras atrás de mim, chorava e era consolada pelos pais. Nenhuma dessas pessoas olhava para mim. Relaxei.

Terminei o café e fui até a livraria, no primeiro andar. Assim que entrei, a sensação de conforto me envolveu. Eu poderia morar ali. Naquele lugar, cercada por livros, eu me sentia em casa.

Adorava que nenhum vendedor viesse me importunar enquanto eu lia todas as capas, contracapas e alguns trechos dos títulos mais interessantes na seção de lançamentos. Ah, se livros não fossem algo tão caro, eu compraria e leria vários, todos os dias. Lembrei-me imediatamente da estreita prateleira na sala de tia Charlotte. Eu precisaria me mudar primeiro, depois ficar rica e, só então, poderia pensar em todos os livros que queria ler.

Enquanto ria da ideia, meus olhos dispararam do livro em minhas mãos para o relógio na parede acima do balcão do caixa. O tempo aqui passava muito rápido. Se eu ia fechar a cafeteria, precisava voar.

Foi quando me dei conta. O tempo ali passava rápido. Talvez houvesse uma alternativa a mofar na cafeteria o ano todo. Eu delineava como iria apresentar meu curto currículo ao gerente da livraria enquanto atravessava os corredores para alcançar a escada rolante. Batia as pontas dos dedos no corrimão até que o degrau atingiu o térreo e retomei a caminhada – que agora estava mais para um cooper.

Saí do shopping e fui para o lado oposto ao mar, subindo a avenida. Eu podia ir de balsa, mas o tempo que eu teria que esperar, mais a caminhada do ponto final até a cafeteria... E com a rua apinhada de carros, o ônibus também não era a melhor opção. Andando eu chegaria mais rápido.

O sol já tinha se posto há algumas horas e o vento sul me dava arrepios. A calça jeans e a blusa meia-manga de algodão não eram suficientes para me proteger nessa noite atípica de verão. O ar gelado entrava doído pelas narinas.

Contornando a praça ao lado do teatro, tomei a direção oposta à catedral e entrei na rua da cafeteria. Todas as lojas estavam fechadas, porque o comércio só funcionava até as sete da noite. O café ficava aberto até mais tarde para atender os estudantes dos cursinhos, que estavam em férias nessa época. As ruas estavam completamente vazias.

Entrei na cafeteria enquanto Jessica terminava de passar um pano sobre o balcão. Parecia menos entediada ao me ver.

— Que bom que você chegou! – Essa é nova, pensei. – O Mike disse que você vinha fechar, mas não falou a hora. Falta só quinze minutos para o meu horário. Você se importa se eu for andando? – Imediatamente compreendi que a alegria dela pouco tinha a ver comigo.  Ela queria sair mais cedo.

Olhei em volta antes de responder. Ela já tinha conseguido limpar e organizar todo o lugar.

— Claro, sem problemas. Parece que falta só fechar o caixa...?

— É, como não entra ninguém aqui há mais de uma hora, fui adiantando o serviço. Detesto época de férias! Fica tudo tão parado... – ela foi resmungando enquanto tirava o avental e soltava o cabelo preto como tinta. Contornou o balcão e foi colocando a alça da bolsa no ombro enquanto saía.

— Bella, te devo uma! – ela gritou por sobre o ombro ao alcançar a porta.

Tive que rir com essa.

Abri o caixa e fui retirando o conteúdo aos poucos. Contei primeiro as notas e depois as moedas. Separei os valores nos envelopes correspondentes. Anotei a soma parcial e a total na planilha e levei para a sala do Mike, que ficava na parte de trás. Coloquei tudo dentro do malote já lotado – ele tinha deixado acumular de novo –, guardei na primeira gaveta da mesa dele e a tranquei.

Alcancei o molho de chaves atrás da porta do escritório. Estava acompanhado de um bilhete. Logo reconheci a caligrafia confusa.

Não vou precisar dessa cópia antes de segunda-feira.

Não se preocupe.

Bom fim de semana!

Mike

PS: Se você não lembrar a combinação do alarme, me liga.

Ele podia ser um chato às vezes. Mas no fundo era um cara legal.

Dei uma última olhada para ter certeza de que não me esquecera de nada e desliguei as luzes. Acionei o alarme ao lado da saída e fechei a porta. Passei a primeira tranca na trava do alto. Eu procurava as outras duas chaves quando ouvi um barulho que me fez pular de susto.

Logo identifiquei o estilhaço como sendo o som do vidro da lâmpada do poste sendo quebrado. A luz da esquina apagou. Na penumbra percebi três homens rindo. Todos usavam bermudões e casacos de agasalho largos, com capuzes cobrindo a cabeça. Eles se aproximavam.

Apressei-me em chavear a segunda fechadura. Já cogitava em deixar a outra aberta e sair correndo quando senti algo pontudo sendo pressionado em minhas costas, contra minhas costelas. No susto, deixei o chaveiro cair. Minhas mãos tremiam. Não olhei para trás.

— A-a... chave está no chão. – Minha voz era um fio fino e instável, prestes a romper. – Pode pegar. A bolsa também. Sómedeixeir – implorei, numa única lufada de ar. Não sabia onde tinha encontrado a força para mover os lábios e falar.

— Tu acha que a gente é idiota? Aí tem alarme, meu bem. E tu tem o código. Tu também sabe onde fica a grana. – O bafo quente e fedido cortou meu rosto e eu senti o gosto amargo da bile em minha boca. Quase vomitei de nojo. Segurei o choro e minha garganta queimou ainda mais. O esforço fez minhas pernas vacilarem. Resisti em ficar de pé.

— Eu vou alcançar as chaves – avisei, sem ter certeza de que conseguiria me levantar depois.

— Manda abrir logo essa merda – gritou um deles. O som grave mais parecia um urro.

Por reflexo me virei para ver de onde vinha a voz. Era de um homem, o mais baixo, parado entre o que me segurava e o terceiro, mais alto e magricelo, com um rosto magro como uma caveira. Tremi e notei que bem mais atrás, do outro lado da rua, vinha ainda um quarto rapaz, também de agasalho preto, o capuz na cabeça e as mãos no bolso.

Ah, ótimo. Como se três deles não fossem o suficiente para acabar comigo.

— Olha pra frente, porra – rugiu o homem que me segurava, apertando mais o objeto pontiagudo nas minhas costelas.

Foi então que minha cabeça deu um looping. Eu custei a entender o que aconteceu em seguida. Eles estavam brigando entre si?

O rapaz que tinha acabado de chegar distribuía socos e chutes. Devia querer eliminar os concorrentes para ficar com o dinheiro do roubo só para ele. E se empenhava na tarefa. Era como um lutador de arte marcial, desses dos filmes da década de setenta que reprisavam na tevê. Os outros tentavam atacar de volta, mas ele parecia estar em todos os lugares. Eles não tinham chance.

Eu quis aproveitar a confusão para fugir, mas minhas pernas não obedeciam. Liguei o comando cerebral para correr, mas elas não captaram. Amoleceram e eu caí sentada. Estatelei no chão, que nem uma idiota, com as costas encostadas na porta do café. Que bela reação. E também uma péssima hora para ficar me recriminando.

Eu precisava agir e rápido.

Vi quando o último rapaz, o lutador, vinha na minha direção. Os outros três estavam caídos, inconscientes. Alcancei as chaves e segurei bem firme a maior delas, apontando para frente, como se fosse uma arma.

Claro, porque o cara que abateu três mal-encarados ia mesmo se deixar intimidar por uma garota sentada no canto com uma chave tetra. Mas por piores que fossem minhas chances, eu não ia me entregar facilmente. Eu devia mais a mim mesma.

Ele chegou bem perto e estendeu a mão.

— Vem cá – ordenou. Ele estava ofegante, mas ainda assim a voz era suave. Diferente dos outros.

Hesitei. Ele me machucaria mais se eu cedesse ou se tentasse lutar?

— Vem, Bella, levanta. A gente tem que sair daqui – ele insistiu, baixando o capuz da cabeça.

Na escuridão da noite sem lua, eu reconheci o rosto dele.

A minha miragem. Ele tinha voltado para me salvar.

Aceitei a mão que ele me estendia e meu corpo todo tremeu. Ele me puxou, ajudando-me a reconquistar o domínio sobre minhas próprias pernas.

— Vamos rápido. Você consegue caminhar? – perguntou, ainda segurando minha mão e passando o outro braço pela minha cintura.

— Arram – foi só o que pude articular.

Ele andou comigo assim, apoiando boa parte de meu peso, até que dobramos a esquina.

Já estávamos na minha rua, a poucos metros do meu apartamento. Eu ainda tremia. Ele se desvencilhou de mim suavemente, tirando o casaco e o pousando nos meus ombros. O cheiro era tão bom que me fez amolecer. Ele deve ter notado, porque logo colocou de novo os braços em volta de mim. Parei depois de mais alguns passos.

— Eu fico aqui – avisei, quando estávamos em frente ao prédio.

— Você está bem? – ele perguntou, com uma preocupação genuína nos olhos.

— Agora estou bem, sim. Nem sei como agradecer...

— Você ainda está tremendo – ele observou.

Você ainda está segurando minha mão, pensei.

— Não consigo conter – respondi, em vez do real motivo.

— Tem alguém aí para ficar com você? Quer dizer... Você não vai ficar sozinha, não é? – ele falava baixo, a feição combinando com a voz quase estrangulada.

— Minha tia vem para casa esta noite.

— Mas ela ainda não chegou – ele deduziu.

— Não. Não a essa hora.

Ele olhou a nossa volta, como se quisesse se certificar de algo. Soltou um suspiro antes de falar.

— Quem sabe eu devesse lhe fazer companhia até ela chegar. – Ele parecia intranquilo.

—Não quero que se preocupe, já o incomodei demais.

Ele suavizou a expressão dando um leve sorriso.

— Você acaba de ser vítima de uma tentativa de assalto e tem medo de me deixar preocupado?

Mesmo sabendo que ele estava sendo irônico, retribuí o sorriso e fomos andando, passando pelo portão em direção ao interior do edifício.

— Ainda acho que não o agradeci o suficiente. Obrigada...

— Edward – ele completou, com certa relutância. – Meu nome é Edward.

— E você já sabe que eu me chamo Bella.

Ele me olhou surpreso.

— Você me chamou quando me tirou de lá – esclareci.

— Ah, é mesmo.

Ele parecia constrangido.

— Leu no broche do meu avental hoje à tarde...?

Ele pigarreou.

— É... isso.

Agora estávamos nos últimos degraus da escada, alcançando o corredor do segundo andar.

Eu tinha que falar sobre o que havia acontecido mais cedo naquele dia, mas como começar? Destravei a porta, virei a maçaneta e tomei coragem de olhar para ele.

— E então, hoje à tarde... O que foi aquilo? – disparei, forçando um sorriso.

Entrei e ele parou.

— Entra, vai.

— Obrigado.

Ele parecia estar completamente sem jeito. Eu não sabia se era por estar ali comigo ou se pela minha curiosidade.

Apontei para a mesa da cozinha, logo ao lado da entrada.

— Por que não se senta enquanto eu preparo um chá? – eu realmente precisava de uma bebida quente para me acalmar.

— Posso usar seu telefone? É melhor ligar para a polícia. Quando aqueles caras acordarem podem querer insistir no roubo ou até mesmo procurar outro lugar para assaltar.

Eu não acreditava que eles ainda teriam tanta energia para tentar qualquer esquema naquela noite. Não do jeito que tinham apanhado. Mas mesmo assim alcancei o telefone para ele. Ele anda por aí sem celular?

Enquanto ele discava o número, me virei para abrir a tampa do fogão, encher a chaleira de água e colocá-la no fogo. Minha nuca queimou o tempo todo e eu podia sentir que ele me olhava.

Ele explicava para a pessoa do outro lado da linha a localização da cafeteria, sem dar detalhes do que havia ocorrido. Disse que era uma testemunha anônima de uma tentativa de assalto. A forma com que ele se expressava me impressionou. Qualquer um que tivesse passado pela mesma experiência sairia com um relato exacerbado e confuso. Se eu estivesse ao telefone seria um desastre. Mas ele era extremamente calmo e educado.

No final, agradeceu, desligou e me entregou o telefone. Eu tomei a cadeira em frente à dele.

— Disseram que estão enviando uma viatura ao local e que eles serão encaminhados à delegacia. Isso se ainda estiverem lá...

Eu assenti e ficamos em silêncio. A tensão no ar era quase tangível. Mas estava longe de ser desagradável. Sentia que a mão que ele havia segurado no caminho ainda formigava. Perguntei-me se a sensação aumentaria ou cessaria se eu voltasse a tocá-lo. Foi quando percebi.

— Minha nossa, a sua mão! – Só então ele pareceu ter notado os arranhões e o sangue que coagulava nos nós dos seus dedos.

— Isso? Não foi nada... – Ele deu um meio sorriso e sacudiu a mão no ar.

— Como não foi nada? Vai doer muito depois se você não limpar e colocar gelo... Espera aí. – Falei, já a caminho do banheiro.

Voltei com um improvisado kit de primeiros socorros.

— Você não vai querer me enfaixar, não é? – Brincou Edward, enquanto eu tirava um pouco de gaze e de antisséptico da pequena maleta.

— Talvez eu devesse! – Ameacei, também de brincadeira, ganhando um sorriso dele em troca. – Vamos, me dê a sua mão.

— Sério, que besteira... Não precisa.

— Para alguém que lutou com uma meia dúzia de bandidos, você não deveria ter medo de um remedinho... – Provoquei, puxando a cadeira para mais perto dele.

Ele riu e parou de resistir. Quando puxei a mão dele de leve, percebi o mesmo tremor da outra vez. Eu podia sentir meu rosto esquentar e todo o ar de brincadeira entre a gente se evaporou em um instante. Olhei para ele, que estava sério, observando o trabalho que eu fazia com os pequenos ferimentos.

— Dói? – Perguntei. Eu tentava ser o mais delicada possível, mas o antisséptico podia arder um pouco.

— Não. Você é... boa nisso.

— Sério mesmo, não está doendo?

— Eu não minto.

Respirei fundo o mais silenciosamente que pude. Procurei manter a cabeça baixa para evitar que ele percebesse meu rubor.

— O que você quis dizer? – ele perguntou, assim que eu comecei a guardar os medicamentos na caixa.

— Como assim? – tínhamos ficado em silêncio por alguns instantes e eu estava perdida. – Eu não disse nada.

Ou disse? Só o que faltava era eu ter pensado em voz alta...

— Não,  o que você quis dizer quando se referiu ao que houve essa tarde. – A expressão dele era séria, mas a voz estava ainda mais baixa e suave.

O barulho da água borbulhando preencheu o vazio momentâneo. Levantei-me e alcancei as xícaras e o chá. Torci para que ele gostasse de maçã com canela. Era o único que tinha. Coloquei os sachês e depois a água quente nas xícaras.

Aproveitei o tempo da infusão para servir um mix de sementes e frutas secas como petisco. Outro filho único na despensa. Eu realmente precisava fazer compras.

Pus o chá dele na mesa e alcancei o meu.

— Não temos açúcar comum, só mascavo. Pode ser ou você prefere adoçante?

— Me acostumei a beber puro – ele disse, encarando a mesa, com um sorriso triste nos lábios.

— Ah. Eu também prefiro sem nada. Só assim a gente sente mesmo o gosto do chá...

— Exato – ele concordou, o sorriso agora se espalhando pelo rosto. A expressão era tão linda que me deixou tonta. Para minha sorte, a cadeira estava bem ao meu alcance. Sentei e olhei para ele, aproveitando mais alguns instantes. Ele voltou a ficar sério, ainda olhando para baixo, fitando a xícara.

— Eu me referia ao jeito que você me olhou.

Ele levantou o rosto, encarando-me surpreso. Continuei:

— Hoje à tarde. Eu tive a impressão de que nos conhecíamos de algum lugar.

— Acho que você não me conhece – ele disse, numa voz baixa.

— É, eu sei. Como falei, foi só uma impressão. Mas foi estranho. Como... como um déjà vu, sabe? – ao mesmo tempo em que temia parecer ridícula, sentia a necessidade de compartilhar isso com ele.

—Vai ver você se lembrou de alguém. Meu rosto é bem comum, – ele brincou, voltando a me olhar e soltando uma risada baixa. Era tão contagiante que não pude fazer nada a não ser rir de volta.

Mas uma droga que ele era comum. Só se fosse entre os atores de filmes e de novelas. Também era isso que me fazia garantir que eu realmente não o conhecia. Eu jamais esqueceria aquele rosto.

Então uma ficha caiu.

— Você disse que eu não o conheço... – Será que ele me conhecia? Aquilo não fazia sentido algum – e não que não nos conhecíamos. – Agora sim eu estava soando ridícula.

Ele pareceu desconfortável, mas deixou essa passar.

Baixei os olhos para o chá e puxei o saquinho, envolvendo a erva com a ajuda da colher e espremendo o conteúdo com a cordinha. As gotas de um rosa mais concentrado pingaram sobre o restante da bebida. Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios quando percebi que ele espelhava meus gestos.

— Seus cabelos sempre foram dessa cor? – a dúvida dele me surpreendeu. Ele queria saber se eu tingia o cabelo? Sério? Eu vacilava entre tomar como ofensa ou elogio.

Olhei bem para ele e o que vi foi uma curiosidade genuína. Ele não estava só preenchendo o silêncio com perguntas bobas.

— Não. Quando eu era criança eles eram mais claros. Depois escureceram e ficaram nesse tom, sei lá... Castanho? – A cor mudava de acordo com a incidência da luz, não dava para dizer ao certo. E estava meio queimado e mais claro nas pontas. Definitivamente não era um tom que se encontrava em uma caixinha à venda na farmácia. – Mas por que você quer saber?

— Por nada. Eu gosto. É como chocolate. Contrasta com seus olhos.

— E você por um acaso sabe de que cor eles são? – desafiei, abaixando o rosto e cerrando as pálpebras. Não contive o sorriso brincalhão.

— Castanho-claros – ele sussurrou. Era o que a maioria das pessoas achava. – Mas, dependendo da luz, variam de um tom de mel até um verde escuro.

Mantive os olhos fechados por mais tempo, respirando lentamente pra me acalmar. Como ele poderia saber? Sim, ele tinha me encontrado de dia, depois de noite. Houve a tal variação de luz que ele citou. Mas aposto que se eu perguntasse para alguns amigos qual a cor dos meus olhos ninguém lembraria. O próprio Mike, com quem eu convivia há anos, talvez nem soubesse.

Em minha cabeça eu ainda ouvia o eco da voz macia dele em meio aos rodopios de pensamentos desencontrados. Abri os olhos, ainda de cabeça baixa. Percebi que minhas mãos tremiam. Alcancei a xícara. Um gole de chá ajudaria a acalmar.

Mas a xícara escapou dos meus dedos, o chá se espalhou pela mesa e o atingiu em cheio.

— Ai, meu Deus. Queimei você! – saltei em direção à pia e alcancei o pano de prato. Ele se levantou também.

— Calma. Não foi nada – tranquilizou, a voz baixa e calma, em contraste com a minha. Eu pressionava o pano contra a mancha rosada que havia se formado na camiseta branca.

— Edward, esse corante vai impregnar no tecido... É melhor você me deixar aplicar um tira-manchas – falei, exasperada. Como eu podia ser tão atrapalhada? Mas normalmente eu não era atrapalhada. Era a presença dele que me deixava nervosa.

Puxando o tecido pelas costas, ele tirou a camiseta em um só gesto e me entregou.

Tudo que pude fazer foi me segurar para não cair. Eu podia me perder naquela visão, no meio da pequena e bagunçada cozinha da minha tia, usando nada além de calças jeans. Tentei controlar minhas pernas, que falharam de novo enquanto eu percebia as linhas do corpo dele. O peito e o abdome esculpidos, os músculos dos braços pouco volumosos e perfeitamente definidos.

— Você está bem?

— Ahn? – Ai, Senhor, eu o estava encarando. Que vergonha. Continuava em pé, com uma mão apoiada nas costas da cadeira e a outra segurando a camiseta dele. Fiquei ali parada por quanto tempo? – Ah, sim, estou bem. Só fiquei nervosa. Estava checando para ter certeza de que não tinha queimado você – tentei disfarçar.

— Eu falei que não foi nada – ele deu um sorriso muito de leve, e aquilo me assegurou que ele estava bem.

Recuperei o ar e fui para a área de serviço. Alcancei o pote na prateleira e, antes de passar o produto, trouxe a gola da camisa ao rosto e aspirei fundo. O cheiro delicioso do agasalho dele, que eu ainda vestia, estava ainda mais concentrado naquele ponto da camiseta. Uma fragrância que preenchia o ar e deturpava meus sentidos.

Foi então que ouvi um grito vindo da cozinha.

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Notas finais do capítulo

a/n: Só tenho a agradecer à talentosa LucianaM por gentilmente aceitar betar essa história. Linelins e Bee, valeu pela força. G, você mora no meu coração.
Que tal escrever uma review e me contar o que você está achando? Obrigada por ler.



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