Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 18
Incompossível




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Capítulo 17 – Incompossível

Fui para a aula naquela noite com a cabeça girando. Mal prestei atenção. Devia estar tão perdido em pensamentos que até Jasper pareceu ter largado do meu pé.

Eu tinha ido ao laboratório em busca de uma aula de física e saí de lá com uma possível conexão com meus pais, algo que nos últimos oito anos eu não me permitira sequer imaginar. Era carga de informação demais para uma tarde. Talvez demais para uma vida.

Chegando em casa, liguei o computador e comecei a pesquisar todos os termos que lembrava ter ouvido de Dr. Banner. Os artigos que encontrei em revistas científicas pareciam mais manchetes de notícias de fofoca.

...A teoria do tudo: estamos quase lá ainda?

...Teoria das cordas descreve múltiplos universos, com diferentes constantes da natureza e até mesmo diferentes leis da física.

...Hoje a física quântica é respeitada e discutida nas melhores universidades do mundo, mas nem sempre foi assim.

Bem, essa última prendeu meus olhos.

Grupo de Física Fundamental. "Sendo a Califórnia da década de 1970, seus membros também foram alimentados por drogas psicodélicas, e com elas surgiram algumas ideias doidinhas. Para-psicologia, telecinese, percepção extrassensorial e a busca por comunicação com extraterrestres, tudo ficou sob a competência desses caras (e eles eram na sua maioria rapazes), quando encararam seu trabalho com uma atitude mais aberta em relação a seus antecessores."

Por alguma razão a descrição me lembrava o cientista da Cullen. Bem, mais de uma razão para ser honesto. Tornava-se cada vez mais presente em minha mente a hipótese de que tudo aquilo que ele me falou e me mostrou podia ser simples besteira.

Resolvi tocar a vida. Ao menos por enquanto. Ou ia pirar com aquilo tudo. Jantei, dormi e fui para o treino de manhã destinado e ignorar o nó em minha cabeça.

À tarde eu teria uma distração muito melhor. Cheguei um pouco atrasado na aula da turma dela e o professor de literatura já tinha iniciado a lição. Era sobre uma poetisa brasileira contemporânea e ele lia trechos de alguns poemas.

Eu havia entrado pela porta dos fundos da sala e dirigi-me para sentar em uma das últimas fileiras, para atrapalhar o mínimo possível. Tentei avistá-la entre as mais de oitenta pessoas presentes, sem sorte.

Será que ela não veio hoje?

Quando espiei o material do garoto ao meu lado para abrir a apostila na mesma página, o professor parou de ler.

— Preciso de voluntários para declamar as próximas estrofes, alguém se habilita? – O professor encarava a turma, que parecia ter ficado em silêncio pela primeira vez.

Como ninguém se voluntariou, o que era de se esperar, ele escolheu os alunos das primeiras filas para ler. Em meio a risadinhas tímidas e achincalhadas, a atividade começou. Aquilo tudo me entediava imensamente.

Múltiplos universos, tudo está interconectado, interação interdimensional.

Eu rabiscava meus flashes de pensamento no canto da página quando uma voz chamou minha atenção.

— E se não for verdade, em nada mudará o Universo. / Se eu disser que o desejo é Eternidade / Porque o instante arde interminável / Deverias crer? E se não for verdade / Tantos o disseram que talvez possa ser.

O rosto dela tinha o mais lindo rubor e os olhos não deixaram o papel enquanto ela declamava. Mas o tom que ela empregou na leitura e a beleza da voz dela eram o suficiente para calar a todos. Ou ao menos era o que parecia para mim. Era como se a sala estivesse vazia, com exceção de nós dois.

Mal sabia ela que aqueles versos falavam a mim em mais sentidos que apenas um naquele momento.

Eu ainda ouvia os ecos da voz dela minutos depois, quando o rapaz ao lado entregou-me um bilhete que levava meu nome. Pelo visto tinha viajado desde as primeiras fileiras até chegar ali.

Meu coração pulou, só havia uma pessoa que poderia tê-lo escrito.

O convite ainda está de pé? Recebi um salvo conduto e o oficial de condicional não vem me buscar...

P.S.: Que mico. Apaga esse momento da memória, pf. Odeio esse professor!

Bella S.

Não pude deixar de rir, ainda que em silêncio. Se ela queria que eu esquecesse o momento, certamente deveria ter rasgado outra página da apostila para escrever o bilhete, porque no verso estava uma parte do poema que ela declamara.

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.

Santo Deus. Meus dedos tremiam e minha letra ficou uma droga quando escrevi a resposta.


De pé. É noite de poker. Mas não vá blefar contra mim, você não teria chances...

Edward C.

Observei o caminho que o bilhete fez na volta e só quando ele parou é que percebi porque eu não tinha conseguido vê-la antes. Tinha um cara duas fileiras atrás dela cobrindo minha visão. Ele nem era tão alto. Devia ter a minha altura – o suficiente para que ela desaparecesse de vista. Droga.

Em seguida sorri lembrando-me de Jasper, dizendo que eu a colocava em um pedestal de dez metros... Onde estava o pedestal agora que eu não conseguia enxergá-la?

O bilhete não voltou, o cara entre nós não se mexeu e eu mal prestei atenção às aulas até o intervalo.

Quando o professor de história dispensou a turma para o intervalo depois do terceiro período, fiquei sentado enquanto o pessoal saía da sala. Para disfarçar, copiei o que estava no quadro e fiz algumas anotações na apostila.

— Oi, jogador.

Sorri.

— Oi, poetisa.

Ela corou.

— Pobre da Hilda Hilst, deve estar se contorcendo no túmulo...

Ri alto.

— Podia ser pior.

— Ah é?

— Podia ser comigo.

Ela ficou séria me olhando por dois segundos que pareceram durar duas horas.

— Bella, desculpa. Eu quis brincar e...

Ela caiu na gargalhada e sentou ao meu lado ainda rindo.

— E eu aqui achando que você era um cavalheiro... – Ela limpou no canto dos olhos as lágrimas fictícias.

— Para uma princesa, você está mais pra rainha má. Você me fez achar que tinha ficado ofendida ali e eu quase...

— Princesa?

Uh oh.

— É... Um... Se eu sou um cavalheiro...

— Ah, sim. Sou tanto princesa quanto você é cavalheiro, sir Walker.

— Isso quer dizer...?

— O que você entender.

— Ouch.

Ela sacudiu a cabeça, mas ainda tinha um sorriso leve no rosto, então acho que não estávamos em maus termos. Ficamos em silêncio por algum tempo e ela começou a mexer no celular.

Antes eu estava brincando, mas aquilo me ofendeu.

— Eu vou... Você quer alguma coisa da cantina? – Ofereci, mesmo chateado.

— Sério? Fica tão lotada que você vai ter sorte se voltar na metade do próximo período...

Caramba. E eu estava com sede.

— É? À noite não é assim.

— Pois à tarde esse lugar vira um inferno. O nosso café também lota no horário do intervalo. Eu trago algumas coisas pra não precisar sair... Você quer? Chá gelado e barrinha de cereal.

Ela estendeu uma garrafinha com um líquido rosado e a barrinha. Aveia com mel.

Eu demorei a processar a oferta. Nosso café. Voltei a sorrir. Essa garota me fazia sentir no topo do mundo e como um completo idiota no instante seguinte.

Aceitei o chá e não pude deixar de imaginar que ela também bebia daquela garrafa. Os lábios dela tinham encostado naquela mesma extremidade de plástico onde os meus estavam. Aquilo me deixou nervoso. Como um completo idiota.

— Nunca pensou em estudar à noite?

— Ah, sim. Pensar, eu pensei.

— Sem sorte?

— Nem chances.

Ela falava comigo ainda mexendo no celular. Tentei relevar. Tentei.

— Droga!

— O que foi? – Eu nunca a tinha visto assim... Irritada?

— Não queria que você soubesse, mas estou pesquisando... um, regrasdepoker.

— O quê?

— Regras. De. Poker.

Ri alto. Bem alto.

— É isso que você está fazendo com esse celular até agora?

— É. E o pior. Parece que não tem a resposta que eu estava procurando. Ou melhor, tem. Mas é confuso... Ugh.

— Fala, – estiquei-me na cadeira– o que você quer saber?

Acho que nem se quisesse eu conseguiria esconder a satisfação.

— Flash ganha de sequência, certo?

— Na modalidade que a gente joga, sim.

— É aquela da TV?

— Texas hold'em.

Se ela chegasse lá falando assim, os caras não iriam sossegar enquanto não tirassem até o último centavo dela. Eu não podia deixar isso acontecer.

Bella continuou sentada ao meu lado na volta do intervalo e sempre que tínhamos uma folga entre uma explicação e outra eu dava a ela uma dica de poker. Uma jogada padrão, alguns trejeitos dos meus amigos. Não era muito honesto, mas também não era justo ela chegar como novata em meio a um pessoal que jogava junto há dois, três anos.

E não consegui passar muitas dicas. Ela realmente prestava atenção às aulas. Tomava notas não só do que era colocado no quadro, mas de cada fala dos professores. Era quase angustiante vê-la em ação. Fazia-me lembrar do quanto eu estava para trás.

Fomos direto para o estacionamento assim que a aula terminou.

— Tem certeza que não quer um café? – perguntei, destravando as portas e observando-a entrar no carro. Quase ofereci para levar o material dela quando saímos da sala, mas consegui me segurar. Não abrir a porta para ela também parecia estranho, errado. Mas eu sabia melhor. Ela não precisava de mais um chofer.

— Absoluta. O jogo começa às sete, não é?

— É, mas...

— Então, vamos logo. – Bella apressou, alegre.

Para vê-la sempre sorrindo daquele jeito, eu faria qualquer coisa.

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Notas finais do capítulo

a/n: Um dos sites que a Bella visitou tem todos os termos sobre poker desse capítulo e mais: http(:)//pt(.)partypoker(.)com(/)how_to_play(/)poker_school(/)glossary(.)html - Basta remover os parênteses.
Se quiser teaser do próximo capítulo, é só pedir. Boa semana!



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