Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 17
Cobaia




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Capítulo 16 – Cobaia

— Cada membrana é um possível outro universo. Pode não haver matéria estável, pode não haver vida. Mas também pode ser semelhante e bem parecido com o nosso.

— E você, acredita em que?

— Eu não acredito. Eu sei.

A certeza na voz dele me assombrou.

Mas o susto não foi nada perto do que a próxima pergunta dele faria comigo.

— Você se lembra bem de seu pai?

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A pergunta me pegou de guarda baixa. Ninguém, nem Emmett, Rose ou qualquer dos meus amigos, tocava naquele assunto comigo sem antes preparar bem o terreno. Mas não passava um dia sem que eu pensasse neles.

Conhecia muito bem a dor física que se aproximava agora. O peito latejando. As paredes da garganta se contraindo e estendendo em espasmos que antecedem o choro. Concentrei-me em minha antiga tática para evitar as lágrimas. Pressionava a língua com força contra o céu da boca, segurando também a respiração por alguns segundos. Mas duvidava que o esforço evitasse que tamanho desconforto transparecesse em minha expressão.

Por sorte, Dr. Banner agora não olhava para mim. Parou de caminhar e recostou-se na bancada. Os braços nas laterais do corpo. As mãos contraídas em punhos segurando o balcão. O rosto virado para a pequena janela a oeste. Os olhos desfocados pelas lembranças. Foi ele quem quebrou o incômodo silêncio.

— Carlisle era um visionário, como poucos homens que conheci. Ele é o responsável por eu trabalhar aqui, sabia? – virou-se então para mim. O semblante agora impassível.

Assenti acenando levemente a cabeça. Ele continuou.

— Durante a década de 70 trabalhei com um bando de malucos na Universidade da Califórnia. Nos anos 90 abandonei meus estudos por lá e fui para Michigan atuar no projeto de pesquisa sobre supergravidade. Enquanto as cordas viravam o hit entre os gurus da física, nossas pesquisas perdiam lugar. Fomos desacreditados e nossas carreiras, quase destruídas. Pouco antes disso, eu havia publicado um artigo científico sobre a décima primeira dimensão. Eu trazia algumas especulações, é verdade, mas o principal eram cálculos sobre as possibilidades de interação interdimensional.

— Quer dizer... Alguém sair de uma dimensão e ir para outra? – Aquilo soava como algo impressionante, completamente impossível.

Ele abriu um amplo sorriso.

— O que parece ocorrer é que as partículas piscam. Aparecem e desaparecem o tempo todo. O que nos levou a perguntar... Aonde elas vão quando não estão aqui? E a resposta, Edward, é que elas vão para outro universo.

— Então as pessoas desse outro universo estariam se perguntando a mesma coisa sobre essas partículas quando elas vêm ao nosso universo! — Comentei, mesmo achando o pensamento um tanto ridículo. Dr. Banner riu.

— Exatamente. O átomo e seus elétrons são objetos multiversos. E esses objetos multiversos são o que a mecânica quântica descreve. Significa que a mesma teoria que diz que os átomos existem em mais de um lugar em universos diferentes diz que nós humanos também existimos em mais de um lugar – e em mais de um estado de espírito – em universos diferentes.

— Tudo estaria interconectado? E nós existimos em outro lugar também?

— É, tudo indica que sim... Pessoas que já se foram podem ainda estar vivas em outra dimensão. Nada garante que todos nós existamos, no entanto. Eu e você podemos estar espalhados como elementos no outro universo, se um dia nossos pais não se conheceram ou se simplesmente decidiram não ter filhos...

Tudo parecia uma grande loucura. Mas lembrei de uma ilustração no livro de física quântica que combinava com o exemplo que ele acabara de dar. O gato de Schrödinger.

Será que meus pais, mesmo tendo morrido aqui, podem estar vivos em uma realidade paralela?

Esse pensamento me encheu de uma esperança que há muito tempo eu não sentia. Uma alegria imensa. Custei a me desvencilhar dele para prestar atenção ao que o cientista maluco ainda falava.

— O artigo foi tema de uma reportagem em uma revista americana. Uma reportagem que criticava minhas ideias e usava os teóricos das cordas como fontes para ridicularizá-la, mas ainda assim, foi publicada. Seu pai a leu e tirou outras conclusões. Ele me procurou para saber mais sobre o projeto e me contratou em seguida. Não hesitei em sair da universidade. Hoje meus colegas continuam aquelas pesquisas.

Eu ainda não tinha entendido a ligação entre as coisas que ele relatava.

— Mas por que meu pai o procurou? – a palavra arranhou um pouco ao sair. – Que interesse ele tinha nessas pesquisas?

— Como falei, Edward, seu pai era, acima de tudo, um visionário. Ele enxergou a promessa por trás daquela minha pesquisa inicial de uma forma que nem eu mesmo havia vislumbrado. O que ele me propôs, há uma década, quando me convidou para trabalhar aqui, era desenvolver um projeto que estava além da compreensão humana para a época e que, ainda hoje, continua fazendo parte apenas de nossos sonhos.

Minha mente rodopiava, alternando curiosidade e confusão. O que tudo aquilo tinha a ver com o negócio da Cullen? Qual a relação entre outras dimensões, física quântica e a fabricação de turbinas para aviões? Lendo a dúvida que eu deixava transparecer em meu rosto, ele continuou.

— Carlisle viu, na minha pesquisa, a base para a construção de algo que tornaria os aviões e qualquer outro meio de locomoção obsoletos para sempre: o teletransporte.

Aquilo, sim, era loucura. Lembrei-me, entre as fagulhas que surgiam de uma memória infantil, de alguns relances de meu pai. O sorriso que ele abria sempre que nos contava sobre uma inovação feita na indústria – fosse o menor dos detalhes, a alteração em uma peça que aumentava o rendimento do motor, um design mais leve. O abraço satisfeito que ele trocou com minha mãe quando nos levou para conhecer a nova casa – a nave, como ele chamava. Demonstrava prazer ao descobrir e compartilhar coisas novas. Tive que repetir a mesma operação com a língua para conter as lágrimas.

O irreverente projeto transformava-se agora em uma possibilidade de me aproximar da memória de meu pai.

— Quando aconteceu o acidente, você abandonou o projeto?

Ele continuou calado e me estudou por alguns segundos.

— Não, – disse por fim – avancei muito nesse período, mas também nunca terei a oportunidade de concluí-lo.

Os olhos dele agora traziam um quê de melancolia. Assumi um tom de autoridade que eu ouvia na voz de Emmett às vezes.

— O que você precisa para levar esse projeto à diante?

— Ah, garoto... – ele suspirou – Não é nada que o conselho da empresa possa me oferecer. A Cullen me forneceu tudo que precisei em todo esse tempo. Eu colaborava com as pesquisas mais pontuais, e entediantes, devo dizer, para trazer resultados imediatos ao rendimento dos produtos; mas, no meio tempo, nunca abandonei a pesquisa que me trouxe até aqui no primeiro momento. Há três anos concluí a última etapa à qual poderia chegar. Além disso, não há nada que possamos fazer.

— Que etapa é essa? Até onde você chegou? Importa-se em me atualizar aqui? – A ansiedade me traiu.

— O projeto está pronto, Edward. Está certo que tomou um viés... diferente do pretendido por Carlisle no início. O fato é que está pronto.

Ele olhava o maquinário no laboratório com uma expressão de orgulho. Essa expressão caiu de repente e ele virou para minha direção antes de continuar. 

— Mas ele também é ilegal. Não posso publicá-lo porque posso ser preso se ele for descoberto. Não posso testá-lo porque... Oras, nem em um milhão de anos eu teria autorização para fazer os testes que o certificariam. Quem em sã consciência estaria disposto a ser cobaia em testes assim? No mais, o que alguém mal intencionado poderia fazer de posse dessas informações... Nem o conselho da empresa sabe, filho. E, desde o acidente com seus pais, seu irmão passou a ser o único a receber meus relatórios.

Algo me dizia que eram relatórios que Emmett não levava muito a sério...


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Notas finais do capítulo

a/n: Domingo chega rapidinho... Mas se quiser teaser das próximas cenas entre Edward e Bella, é só avisar. ;)