Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 15
Pesadelo




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Capítulo 14 – Pesadelo

Na manhã seguinte, pulei da cama ao primeiro toque do telefone, ofegando. Ainda zonzo atendi a ligação de Carmen, retribuindo o bom dia e desligando distraidamente. Segui cambaleante para o banho e só quando a água me atingiu, vi que estava mesmo acordado. Enquanto o jato quente corria da cabeça aos pés, fechei novamente os olhos.

A tensão estava por todo o lado. Tudo era escuro ao meu redor, mas ainda assim eu consegui avistá-la. Pressentindo que havia algo errado, peguei em sua mão, quase puxando-a para que seguíssemos juntos. Eu precisava tirá-la dali. Foi quando percebi a ameaça. Não conseguia identificar o rosto. Era tão somente um par de olhos intimidantes que brilhavam na escuridão.

Larguei a mão dela para me posicionar para a luta que viria, sem, no entanto, perdê-la de vista. Curvei meu corpo e assumi uma postura de defesa. Mas o inimigo não se aproximava. Decidi que o melhor era correr e voltei-me para alcançá-la. Quando estendi a mão para ela, algo impediu nosso toque. Tentei de novo. E de novo. Dei conta de que havia surgido entre nós uma placa dura como acrílico, uma barreira transparente. Eu não conseguia sentir a pele dela.

Comecei a lutar contra o obstáculo físico, dando chutes, socos. O acrílico não cedia. Era inútil. O par de olhos reapareceu. Estava do lado dela em relação à parede e aproximava-se por trás. Eu via o perigo chegando perto, ela não. Retomei os chutes e socos com mais voracidade agora. O desespero tomando conta quando tudo desaparecia do outro lado. Ainda de frente para mim, ela ia ficando cada vez mais distante, mais e mais longe. A expressão dela era de dúvida, de quem não faz ideia do que está acontecendo. Queria gritar para ela manter a calma, dizer que eu ia consertar tudo.

Foi quando acordei. Abri os olhos, agora embaixo do chuveiro, e percebi que o banho não estava ajudando. Eu precisava parar de pensar no pesadelo se quisesse relaxar. Mas para isso eu teria que evitar piscar longamente, pois os olhos amedrontadores me seguiam quando minhas pálpebras interrompiam a luz, mesmo no mais breve momento.

Tinha sido só um sonho. A concretização subconsciente de um medo que crescia em mim naqueles últimos dias. De que uma hora algo iria acontecer. O mordomo nos delataria, haveria uma proibição por parte do pai dela ou ela simplesmente perceberia meu desproporcional interesse e revelaria que não compartilhava os mesmos sentimentos. Independente do motivo, eu seria privado da presença dela.

Não, não. Foi só um sonho. Um sonho ruim. Repetia em minha cabeça quase como um mantra enquanto me arrumava e seguia para o Kung Fu. O treino era exatamente o que eu precisava. Extravasei a energia reprimida e quebrei a cara de cada oponente. Não literalmente, é claro. Mas estava concentrado o suficiente para reconquistar a aprovação do treinador, depois do fiasco de segunda-feira.

Fui para casa assim que o treino terminou. Tomei outro banho e almocei. Quando repousei os talheres sobre o prato, percebi que minha cabeça girava. Eu estava exausto. Estiquei-me no sofá da sala de tevê e liguei em um canal de notícias, sem realmente prestar atenção.

Abri os olhos assim que o celular vibrou com o toque de uma mensagem. Eu tinha apagado completamente. Um sono pesado, sem sonhos. Ao menos pude recuperar em parte a falta de descanso da noite anterior. Alcancei o aparelho na mesinha de centro e li o texto.

O Peter chega sexta. Churras e PKR no apê dele às 19h. Eleazar e Vlad vão tb. Convida mais alguém se quiser.

GARRETT.

O convite veio em boa hora. Eu estava com saudade daquela galera. Conheci Garrett na época do colégio, assim como Vlad. O Peter era um amigo de infância que, em uma cidade pequena como Floripa, conhecia os dois por outros caminhos. Da mesma forma que Randall, primo de Garrett.

Sempre que Peter voltava da Europa – ele trabalhava como modelo – gostava de participar de nossas reuniões esporádicas em que jogávamos poker e dávamos boas risadas. Não era exatamente o clube do bolinha. A noiva de Randall e a namorada do Vlad às vezes se juntavam ao grupo.

Lembrei do detalhe que ele acrescentou na mensagem, sobre a parte do mais alguém. Minha cabeça voou longe. Será que ela toparia conhecer meus amigos? Respondi na hora.

Marcado! Talvez leve + 1.

EDWARD.

Para não matar aula na sexta, eu iria assistir as matérias à tarde. Hmm. Essa festa me dava mais uma boa desculpa para passar tempo com ela. Pensando nisso, olhei a hora e saltei do sofá. O cochilo tinha sido mais longo do que eu imaginava. Corri escada acima para escovar os dentes, me trocar e pegar o material.

Em pouco mais de meia hora eu já estava estacionando o carro no subsolo do prédio do cursinho. Faltava pouco para o fim da aula do período vespertino. Resolvi esperar no café. Entrei e sentei em uma mesa que me deixava de frente para a porta e, ao mesmo tempo, para a parede de vidro lateral que permitia ver a escada do cursinho.

Ela não me deixou esperando muito. Foi uma das primeiras a sair. Atravessou a rua graciosamente e parou à porta do café. Porque eu tinha que babar a cada movimento que ela fazia? Parecia mais fácil desvendar as equações de física quântica do que responder a essa pergunta de forma sensata.

Minha imaginação devia estar começando a variar também, porque eu juro que vi alguma reação no rosto dela quando seus olhos pararam em mim. Haveria algum significado por trás daquele sorriso tímido ou do gesto dela, quando baixou o rosto e corou? Eu estava disposto a descobrir.

Sorri enquanto ela se aproximava. Ela parou em frente à mesa e eu afastei a cadeira ao meu lado, restringindo as alternativas. Ela se sentou e apoiou o material na outra cadeira.

A garçonete chegou para anotar os pedidos.

— Dois cappuccinos, sem chantilly – falei, sem olhar para a garota de avental verde. Havia algo muito mais interessante bem ao meu lado.

Depois que a garota saiu, continuamos nos olhando sem falar. Eu estava prestes a tomar a iniciativa quando ela me surpreendeu.

— Temi que você não viesse.

— E por que eu faria isso?

Ela escapou de meu olhar e deixou o rosto cair, fitando as mãos.

— Ah, por causa de ontem. Desculpe sair correndo daquele jeito.

Ontem? Eu não estava chateado. Aliás, só do que me lembrava era a sensação eletrizante do contato dos lábios dela em meu rosto, na despedida. Mas estava curioso.

— Bem, o que houve, afinal?

— É que eu não gosto muito da sensação de estar sendo vigiada, só isso. Prefiro evitar certos comentários em casa.

— Acho que ninguém gosta de ser vigiado... Mas, sem querer ser inoportuno... Você me explicaria uma coisa?

— Claro.

Ela respondeu com a voz suave, sincera. Algumas barreiras pareciam ter sido rompidas entre nós nos últimos dias. Esse pensamento me encorajou.

— Por que tenho a impressão de que seu mordomo, motorista, sei lá, mais parece seu oficial de condicional?

A expressão dela expandiu, quase em assombro. Eu quis amenizar.

— Você deve se ressentir por seus pais não confiarem em você – conjecturei.

Ela então meneou a cabeça, aproximando as sobrancelhas e franzindo a testa.

— Não, não é isso. Eu entendo.

— Entende?

— É. Eu sei que essa vigilância é, de certa forma, necessária – ela inspirou o ar longamente antes de metralhar as palavras seguintes. – Claro que o fato de haver um motorista me levando de um lado a outro e controlando meus horários não é garantia de que eu esteja livre de assaltos, sequestros ou o que mais de ruim houver lá fora.

Não pude deixar de me encolher ao imaginar o que ela havia dito. Nada podia colocá-la em risco.

Ela continuou.

— Mas se esse zelo faz com que eles sintam-se mais seguros, se faz com que tenham um sono mais tranquilo, então eu entendo.

Eu, por outro lado, não entendia. Outras garotas na situação dela se revoltariam contra os pais.

— Você é muito madura para sua idade, Bella Swan – não pude deixar de observar.

— Temos a mesma idade, Edward Cullen – ela lembrou, num tom irônico.

Acontece que eu tinha fortes motivos para justificar a maturidade precoce, ao menos um episódio que me forçou a crescer depressa. Mas não queria pensar em nada triste agora, enquanto estava ao lado dela.

— Acho que eu esperava que você fosse mais como as outras garotas – na verdade, eu torcia pelo exato oposto.

Outras garotas? – a ironia deu lugar à preocupação.

— É, essas que a gente conhece no colégio, na academia, na praia...

— Você me acha diferente delas?

— Acho, não. Você é diferente.

Primeiro ela pareceu gostar da resposta. No instante seguinte apertou os lábios e virou o rosto.

— O quê? – eu não fazia ideia do que a havia chateado.

— Diferente não é necessariamente melhor – ela acentuou.

— Nesse caso é melhor, sim. Ao menos para mim.

— O que você pode saber para julgar assim?

— O que eu sei... – interrompi-me para pensar um pouco. Pelo visto, ela não deixaria essa passar. – Sei que consigo ter uma conversa com você sem me entediar com papos sobre desfiles, dietas, novidades na tevê ou baladas da moda. – Os olhos estreitos voltados para mim demonstravam que ela ainda não estava convencida. – Você não fica preenchendo silêncio com tagarelices inúteis. Tampouco fica de rodeios. – Levei os olhos às minhas mãos cruzadas sobre a mesa antes de concluir. –Sua companhia é... muito agradável.

Ergui os olhos para avaliar novamente a expressão dela. Vazia. Em minha cabeça eu continuava a lista. A princesa que se nega a ser esnobe, dona de feições de tirar o fôlego, parece ter um imã que me faz querer estar cada vez mais perto.

— Tem mais? – ela inquiriu.

Assenti desviando o rosto para a mesa outra vez, com um sorriso que não disfarçava a timidez. Será que pensei alto? Acho que não.

— Mas você não vai me dizer, vai? – ela agora parecia se divertir com meu constrangimento.

— Não hoje – respondi.

Voltamos a nos olhar em silêncio. A garçonete chegou com o pedido. Ela apanhou a xícara com ambas as mãos, aspirou o vapor e tomou um gole. Pareceu relaxar.

— As coisas que você citou antes... O fato de eu não gostar de certas coisas... Sempre me fez sentir um peixe fora d’água – ela fitava a rua pela parede de vidro. A expressão transparecia uma tristeza antiga. Identifiquei-me com aquele sentimento.

— Somos dois na areia, então.

Rimos juntos.

— Sei que você não gosta de festas... eu mesmo acabo de dizer isso. Mas eu tenho uma espécie de reunião de amigos nessa sexta. Não dá nem para chamar de festa – o nervosismo me fez perder as palavras por um segundo – Seria mais divertido se você fosse comigo.

Ela me fitou seriamente.

— Eu não sei se seria uma boa ideia... – disse com delicadeza.

Mesmo dita com toda a suavidade, a negativa me atingiu como um soco no estômago.

— É, você provavelmente tem razão – tentei disfarçar.

— Mas podemos nos encontrar aqui amanhã – ela sugeriu rapidamente.

— Na verdade, amanhã tenho um compromisso.

A expressão dela desmoronou.

— Uma espécie de aula particular – emendei. – Mas vou assistir às aulas de sexta-feira com a sua turma, à tarde. O encontro com meus amigos é no início da noite – sorri para assinalar que não estava chateado.

— Ah. Bom, então.

Tomei o alívio dela como um sinal. Minha esperança voltou a inflar.

Uma pena que o tempo, quando com ela, passasse tão rápido.

— Você realmente não gosta de preocupar seus pais?

Ela me encarou com dúvida nos olhos.

— Sua carruagem chegou – esclareci, apontando na direção da parede de vidro, para o carro preto que se aproximava.

Ela começou a remexer a bolsa e puxou de dentro a carteira.

— Não se preocupe. Já acertei na entrada – menti.

— O próximo, então, é por minha conta – falou com firmeza, erguendo o dedo indicador para enfatizar.

— Combinado.

— Nos vemos na sexta – a despedida dela tinha o selo de uma promessa. 


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Notas finais do capítulo

a/n: Obrigada por ler! Se quiser teaser do próximo capítulo, é só avisar na review. :) Boa semana!



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