Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 12
Doce




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11 – Doce

EPOV

Já estava de volta ao hall, fechando o celular para devolvê-lo ao bolso, mas o que vi em seguida fez meus dedos vacilarem. O celular caiu no chão. Abaixei para pegar, sem tirar os olhos do que vinha à frente, que me deixou completamente distraído, desnorteado.

Era ela, Bella. Vinha pelo corredor conversando com outras duas garotas. Respirei fundo e caminhei para a direção que captava meus olhos.

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Quando me viu, ela lançou um leve sorriso e pediu licença às amigas. Enquanto andava ao meu encontro, notei que os cabelos estavam diferentes de domingo. Semi-presos, jogados de lado sobre o ombro, com rastros dourados caindo pelo rosto.

Ela parou na minha frente, ainda sorrindo.

— Você está me seguindo?

— Hmmm... Você não está sendo um pouco pretensiosa? – brinquei, e ela abriu mais o sorriso angelical. – Vim rever umas gravações de aula. Estudo à noite. Mas nunca te vi por aqui... – eu certamente lembraria.

— Eu estudo à tarde. Mas não vou assistir à última aula, porque hoje vim mais cedo e já ouvi a explicação dessa matéria de manhã.

— Que matéria é?

— Química orgânica. – Ela respondeu, contorcendo a boca de leve e estreitando os olhos.

— Ninguém merece assistir duas aulas sobre cadeias de carbono no mesmo dia. – O comentário fez com que ela voltasse a sorrir. – Se você não vai assistir à aula, quem sabe queira tomar um café comigo. – Propus. – Falta mais de uma hora para minha aula começar...

— Eu ia mesmo tomar um café para esperar meu carro.

— Ah, Félix vem pegá-la... – deduzi. Ela assentiu com a cabeça, parecendo envergonhada. — Vamos, então? – Convidei, já dando um passo para ficar ao lado dela.

Enquanto caminhávamos até a porta do prédio, pensei sobre como aquilo era estranho. Ela morava no mesmo condomínio que eu, frequentávamos o mesmo cursinho, e eu fui conhecê-la justamente na hípica, o último lugar em que eu pensaria em ir naquela cidade.

Ao mesmo tempo, do jeito que Floripa era pequena, de um jeito ou de outro, acabaríamos nos encontrando. O universo parecia conspirar nesse sentido.

Atravessamos a rua e entramos no café. O ambiente era pequeno, mas aconchegante. O cheiro gostoso que saía da máquina de expresso pairava no ar. Além dos executivos engravatados, com seus laptops, celulares e tablets, havia ali grupos de estudantes como nós. Alguns eu reconheci de vista. As amigas dela estavam lá, numa mesa ao fundo. Bella acenou e baixou os olhos, um sorriso tímido nos lábios. Parecia estar corando, mas não tive certeza.

Sentamo-nos numa mesa pequena, de dois lugares e eu puxei uma terceira cadeira para ela apoiar a bolsa e a pasta com os livros.

— Obrigada – ela disse.

A garçonete se aproximou para anotar nossos pedidos. Parecia um pouco atrapalhada. Ela pediu uma média com leite, sem açúcar. Eu, um cappuccino.

— O cappuccino deles é ótimo – comentei.

— Não acha muito doce? – ela perguntou, desconfiada.

— Não, é na medida...

— Então podem ser dois cappuccinos. – ela corrigiu o pedido e sorriu, lançando um olhar desafiador. – Veremos se você tem razão.

Eu ri também. E achei que essa seria uma boa oportunidade para saber mais sobre ela.

— Você já disse que não gosta de química orgânica, imagino que esteja estudando para prestar vestibular para algum curso da área de humanas... – arrisquei.

— Errado... – ela respondeu. Ergui as sobrancelhas com surpresa e curiosidade. – Apesar de não ser fã de química orgânica, adoro biologia e outras ciências. Queria prestar vestibular para Medicina... – A última frase saiu baixinho, quase com acanhamento.

— Queria? Por quê? Não vai?

— Minha mãe acha que não é a melhor decisão...

— Porque o índice de procura é muito alto? Mas você estuda bastante, é provável que consiga passar... – Nem terminei de falar e ela já tinha baixado os olhos, constrangida.

Eu e minha boca grande, rasgando elogios de novo...

— Não é bem a dificuldade da prova... – ela agora estava mais séria, o rosto ainda virado na direção da mesa, os olhos concentrados nos dedos entrelaçados – É a profissão em si. Meus pais, especialmente minha mãe, consideram essa uma realidade muito desgastante. Um médico em geral trabalha muito, compromete a vida em família, a vida social. Não são bem os planos que eles têm para mim. – Ela então voltou o rosto para mim, os olhos tristes.

— Mas e os planos que você tem para sua vida? – A pergunta soou suave, como eu queria. É que por mais que ela parecesse doce e educada, eu podia sentir a personalidade forte dela. Duvidava que se contentasse tendo o destino traçado por terceiros. E o pesar em sua expressão não deixava dúvidas.

— Bem, sei que eles querem o melhor pra mim. Eu gosto do trabalho que faço na fundação da meu pai. Também posso escolher uma profissão que me deixe conciliar a vida familiar e a filantropia... Só não quero acabar como, como, sei lá... – e ela não terminou.

— Como sua mãe? – disse com a voz baixa, quase um sussurro, arriscando ser impertinente.

— É... Mais ou menos isso. Como todas as mulheres como ela e as amigas dela. Que abriram mão de terem as próprias vidas para controlarem as dos maridos, dos filhos e hoje se dividem entre festas beneficentes e consultórios de terapia, para tratar o chamado vazio existencial. – Ela fez uma pausa e suspirou – Mas, ao mesmo tempo, não quero virar uma workaholic, ser como outras mulheres que não casam, não têm filhos em nome de uma carreira e acabam frequentando os mesmos consultórios...

Minha risada a interrompeu e ela me fitou com olhos graves.

— Calma, não estou fazendo pouco caso do seu dilema. – Eu disse, ainda rindo.

— Pois parece! – Ela estava corada, agora eu tinha certeza. Mas não era mais vergonha. Ela estava brava. Eu precisava me explicar.

— Só acho que você está colocando muita expectativa em uma decisão que deveria ser mais simples... – falei e depois contive meu sorriso. Inclinei meu corpo pra frente, na direção dela, antes de prosseguir. – Independente da profissão que escolher, você vai poder tender para quaisquer dos lados. Mas a questão não é essa. Você também pode encontrar o equilíbrio em qualquer carreira que decida seguir.

Ela respirou e desfez a expressão rígida. Eu agradeci – não queria ser motivo de sua ira, bem pelo contrário.

— Acho que você tem razão. Mas concorde comigo que para os garotos é mais fácil...

— Sem dúvida! – Na realidade, aquela não era uma verdade tão absoluta para mim, mas eu estava disposto a ceder para reconquistar o sorriso dela.

Nisso chegou a garçonete com nosso pedido. Ela colocou a primeira xícara na frente da Bella e estava se inclinando para me entregar a segunda quando desequilibrou a bandeja. Um copo com água que ela também carregava caiu sobre o canto da mesa e eu consegui segurá-lo antes que rolasse para o chão. Mas todo o líquido foi derramado bem no sapato de um homem que estava na mesa ao lado da nossa.

Por mais engraçada que fosse a cena, segurei o riso em solidariedade à garçonete, que parecia querer chorar.

— Calma, não foi nada. – Bella disse à garota, alcançando os guardanapos para secar alguns pingos que estavam sobre nossa mesa.

— Desculpe, senhor... – pediu a garçonete para o executivo engravatado, que estava com o rosto vermelho, quase roxo de raiva.

— Suas desculpas não vão secar meus sapatos... – ele respondeu, rispidamente.

— Vou buscar um pano. – a garota disse, saindo rápido para trás do balcão.

— Senhor, ela não fez de propósito... – Bella se desculpava com o homem. Não que ele merecesse.

— Mas podia ter mais atenção, você não acha? – Ele elevou a voz de volta para ela e aquilo eu não ia aceitar.

— Bella, não desperdice suas desculpas. – Falei baixo, segurando-me para que a voz saísse calma, em contraste com a dele. – E eu sugiro que o senhor controle melhor o tom de voz que usa. – Ainda mais com a minha garota, acrescentei mentalmente.

A presença dela afastava de mim qualquer ímpeto de comprar uma discussão. Se aquele homem não tinha a capacidade de desculpar uma pobre garçonete por um incidente como aqueles, só me restava ter penadele.

O executivo abriu a boca, deixando o queixo cair. Fechou o notebook com raiva e saiu bufando, enquanto deixava um rastro úmido até a porta do café. A garçonete, ainda com o semblante triste e envergonhado, já passava pano na pequena poça d'água.

Bella me encarava com os olhos arregalados.

— Você acha que faltei com a educação? – perguntei a ela, gentilmente.

— Não, não... Só... Pobre da garçonete. E pobre mais ainda desse senhor, que não tem um pingo de paciência.

— Vamos esquecer essa besteira – propus. Queria mesmo retomar nossa conversa.

— Ok. Concordo. Mas agora quero saber de você... Que curso pretende fazer?

— Engenharia Mecânica- Aeronáutica. – respondi, em uma só expiração.

— Vai aprender a produzir peças de aviões? – Pelo brilho nos olhos dela, vi que o interesse era genuíno. Diferente de quando comentava com outras pessoas, que fugiam rapidamente do assunto que consideravam chato.

— É, meu interesse é mais em pesquisa. Quero desenvolver projetos e peças melhores. Emmett tem planos para que eu me torne diretor da divisão de motores da empresa, um dia.

— Onde você vai fazer esse curso? Nunca vi nada por aqui...

— No ITA, em São Paulo.

Ela estreitou os olhos, parecendo pensar sobre minha resposta.

— Você deve estar estudando bastante, então.

— Estou tentando... – suspirei. A lembrança do meu diminuto avanço nos estudos daquela tarde me fez querer mudar de assunto. – E o café está bom? Ou muito doce?

Ela tomou um gole.

– Muito... bom. – e então sorriu, antes de acrescentar. – Só não gosto do chantilly. Devia ter pedido sem.

— Da próxima vez, então. – Lancei, sonhando em tornar aquele café de fim de tarde uma saborosa rotina. Para meu deleite, ela devolveu mais um sorriso.

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Notas finais do capítulo

a/n: Espero que a sua semana esteja mais doce que chantilly.
A gente se vê no domingo.
Ah, quem quiser teaser do próximo capítulo já sabe... É só avisar por review/comentário. :)



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