Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 11
Rotina


Notas iniciais do capítulo

"O homem é um pedaço do universo feito vida." - Ralph Waldo Emerson.



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Capítulo 10 – Rotina

Naquela manhã de segunda-feira, eu estava apanhando. Literalmente. Vi o chão mais vezes naquela última hora do que nos cinco anos em que treinava Kung Fu. E o cara que lutava comigo nem era tão bom. Usava faixa verde, uma graduação intermediária. Mas ele podia até ser faixa branca e me ganharia mesmo assim. Eu tinha a concentração mais porosa que a de um peixe dourado de aquário.

Eu sabia a ordem dos golpes que deveria aplicar. Bastava me defender com o antebraço e dar uma série de Sao Quan que ele nem veria de onde vinham os socos. Ou então começar com um Heng Sao Tui e continuar depois de desequilibrá-lo com esse chute lateral.

Mas, no lugar de golpes, minha mente vagava por outra sequência. Vi você ali na tenda... cabelos ao vento... prazer te conhecer, Edward Cullen... os lábios dela no meu rosto. E lá ia minha cara de novo para o tatame.

Mestre Sam me fitava com o canto dos olhos, a cara de reprovação. Depois que me tirou da luta, passou-me um treino intenso de flexões e abdominais enquanto os outros ainda lutavam. Aquilo me deixaria irado em qualquer outro dia. Hoje não. Eu teria mais tempo para remoer meus pensamentos nela se não precisasse fazer de conta que prestava atenção em alguma coisa.

No fim da aula, ele não perdeu tempo.

— Edward, posso conversar com você um minuto? – perguntou, aproximando-se quando eu terminava o relaxamento e os outros garotos já iam para o vestiário.

— Sim, mestre.

— Edward, qual a principal lição que você aprendeu aqui mesmo nessa sala, cinco anos atrás?

— Um lutador deve praticar sem interrupção, precisa ter disciplina, concentração... – eu ia desfiar toda a lista, mas ele me interrompeu.

— Con-cen-tra-ção! – disse, sílaba por sílaba. – E o que você demonstrou aqui nesta manhã?

Achei que era uma pergunta retórica. Pelo visto não era, porque ele ficou esperando minha resposta.

— Bem... Eu estava mesmo distraído – e agora, muito constrangido por isso.

— Sim, eu percebi. Mas não me preocupo com você. – ele pausou por um segundo, dando ênfase – Havia pelo menos outros dez garotos aqui. Mais da metade em graduações inferiores à sua. Eles olham para você como exemplo. E você usa essa estrela azul, tem status de monitor. Aja como tal. – ele me repreendeu com veemência, recostando a palma da mão no desenho da estrela no meu peito.

— Desculpe, mestre. Não vai voltar a acontecer.

— Tudo bem. – Ele olhou para mim por dois segundos e desfez a expressão de autoridade. – Você está passando por algum problema? É alguma coisa em que eu possa ajudar?

— Não é nada não, mestre. Não se preocupe. Apenas uma matéria em que estou tendo dificuldade e que está me perseguindo. – desconversei.

Eu não podia contar para ele que, na verdade, era a fixação por uma garota que me distraía. Entre os dez mandamentos do Kung Fu estava não se permitir esse tipo de desejo, que atrapalharia o rendimento do lutador. Pode ser um desafio simples para um monge chinês. Não tanto para quem vive no mundo aqui fora.

— Ok, então. Até quarta-feira. Quero você 100% até lá.

A história da matéria era conversa fiada naquele contexto, mas não deixava de ser verdade. Saí do treino, tomei um rápido banho e fiz meus planos. Depois do almoço iria me mandar mais cedo para o cursinho.

Talvez eu pudesse entender melhor se assistisse de novo à aula de física quântica nos arquivos em vídeo da biblioteca do colégio. E então aquele livro que estava em meu quarto – e que eu tinha realmente aberto na noite passada, sem nenhum avanço – não pareceria repleto de hieróglifos e passaria a fazer algum sentido.

Hoje, como fazia normalmente em dias de sol, eu tinha ido para o Kung Fu correndo. A academia ficava no final da longa avenida em que eu morava. Na volta, aproveitava para dar uma caminhada na praia. Se o dia estivesse quente o suficiente, dava um mergulho no mar. Não era o caso de hoje. O pálido sol de fim de junho não era suficiente para esquentar o corpo, ainda mais com aquela brisa gelada que vinha do oceano.

Ao contrário dos dias de verão, a praia estava vazia, com exceção de alguns moradores que, como eu, caminhavam à beira-mar. Eu preferia assim. No inverno, a luz menos intensa também conferia outro aspecto à paisagem. Mais aconchegante. Andar pela areia fofa, respirando aquele ar puro quase me fez esquecer o contratempo no treino.

Vinte minutos depois de sair da academia, estava em casa. A mesa já estava posta com o almoço. Ao lado do meu prato, a revista semanal que eu gostava de folhear às segundas-feiras. Para variar, faria a refeição sozinho. Mas já estava acostumado.

Depois do almoço, fui para o quarto, deitei na cama e zapeei alguns canais na tevê. Mas não conseguia me concentrar. Desci as escadas, peguei as chaves do carro de Emmett, que eu usava durante a semana quando ele não estava, e disparei para o cursinho.

Início da tarde de segunda, o trânsito estava um caos. Dirigi com calma até o centro, passando pela avenida Beira-Mar, contornando a praça XV e entrando na estreita rua onde fica o colégio. Era o segundo prédio na primeira quadra, bem na esquina, e destoava do restante das construções. A fachada era arrojada, em formato abaloado, um estilo que lembrava a arquitetura modernista. Já os prédios em frente eram casarios açorianos do século 19. O café em frente ao colégio, reformado e com o exterior todo em vidro, ainda conservava o telhado com o beiral baixo.

Contornei o prédio para deixar o carro no estacionamento. Mesmo distraído, notei a expressão do manobrista quando entreguei as chaves. Todos os alunos tinham bons carros, mas só uma minoria tinha carros importados. E aquele não era um importado qualquer. O Nissan GT-R do meu irmão passava batido em Jurerê, onde as Ferraris faziam parte da paisagem, mas no centro da cidade costumava ser bastante chamativo. É que Emmett passava a maior parte do tempo em aviões e helicópteros, mas ele gostava de dirigir – e sempre teve bons carros. E eu não sabia o que atraía mais a atenção: vir para a aula com o carro dele ou com a minha moto.

Estava pensando em opções de carro popular enquanto subia o lance de escadas que dava acesso ao prédio. Eram poucos degraus, longos e curvados para acompanhar o formato da fachada, que ficavam cheios de gente antes e depois das aulas. Cumprimentei com um aceno o pessoal que estava encostado no corrimão conversando. Três rapazes e duas garotas que eu conhecia de vista. Os caras retribuíram o aceno e uma das meninas lançou um olhar que era um pouco mais que oi. Fingi que não vi.

Entrando no prédio havia uma sala, a primeira à direita, a mais frequentada. Talvez porque não houvesse livros nela. Apenas pufes coloridos, uma tevê de tela gigantesca e um violão no canto. Nos intervalos – e às vezes no meio das aulas mesmo – alguns grupinhos se reuniam ali para jogar conversa fora. Agora três garotas estavam na sala, batendo um papo animado e rindo alto.

Segui na direção da biblioteca, que era a terceira porta à esquerda no grande hall do térreo. Abri a porta e uma garota novinha, que parecia ser aluna, e não bibliotecária, cumprimentou-me.

— Boa tarde, em que posso ajudar? – ela disse em voz baixa, para não atrapalhar os alunos que liam e estudavam.

Eu acompanhei o tom de voz dela.

— Oi, eu quero assistir a gravação de uma aula do professor Jerry, sobre física quântica.

— Ah, ok. Vou procurar o arquivo. – ela levantou da cadeira e saiu detrás da mesa, apontando com a mão um espaço cercado de vidro. – Pode ir sentando em uma daquelas máquinas ali no aquário que eu levo para você.

— Obrigado.

Fui em direção à salinha que ela indicou. Sentei, liguei a tela, o aparelho e coloquei o fone de ouvidos. Ela demorou uns dois minutos.

— Aqui está. – disse, colocando à minha frente uma pequena pilha com quatro discos. – Em todas essas aulas há citações sobre física quântica. Não há uma aula inteira só sobre esse assunto. É isso mesmo que você quer?

— Arram, é sim. – respondi, já encaixando um dos DVDs no compartimento – Obrigado, mais uma vez.

— Sem problemas. Se precisar de mais alguma coisa, é só chamar.

Dei play no aparelho e em seguida fast forward para buscar o ponto da aula que eu precisava. Ouvi com atenção todos os trechos, fazendo anotações e resolvendo os exercícios que o professor propunha.

Duas horas depois, eu já estava começando a entender – ou seria decorar? Tudo começou com contraditórios estudos sobre radiação... As menores partículas do nível quântico conseguem assumir diferentes formas... Quando se observa um objeto quântico, seu comportamento é afetado... Tudo bem. Mas o que isso me dizia realmente? E havia ainda a tal da Teoria das Cordas, para dar um nó na minha cabeça. Na verdade, era tudo muito, muito confuso.

Lembrei da conversa que tive com Emmett na noite anterior, antes de ele voltar para São Paulo. Ele tinha me visto com o livro azul – minha cara devia ser de desespero enquanto eu tentava decifrar aquele enigma – e sugeriu uma conversa com um dos cientistas que trabalham no laboratório da empresa, um que é especialista em mecânica quântica. Eu dispensei, achando que rever a aula e fazer os exercícios seria esclarecedor o suficiente. Estava enganado.

Pronto para admitir meu fracasso, puxei o celular do bolso e disquei para meu irmão. Como era usual, bastou um toque para que ele atendesse. Fui conversando com ele enquanto guardava minhas coisas, devolvia o material e saía da biblioteca.

— Fala, mano. – Ele disse, com a voz calorosa de sempre.

— Emmett, você está em alguma reunião, está ocupado?

— Não, não. Pode falar.

— Sabe o que é... Estava estudando física, mas fiquei mais confuso ainda...  – ouvi a sonora risada dele do outro lado e me encolhi.

— Quem mandou querer ser engenheiro... E olha que você nem entrou na faculdade ainda! – Ele riu de novo. Emmett tinha feito graduação e MBA na área de administração, a uma distância segura das exatas.

— É, mas eu gosto de física. É essa quântica que não faz nenhum sentido! – Eu já estava ficando aborrecido, achando que tinha adquirido alguma deficiência de aprendizado. Claro que eu sei que essa disfunção não se adquire.

— Mano, pode ficar tranquilo. Vou ligar para o P&D e agendar uma visita sua ao laboratório. Mas é provável que você saia de lá com mais perguntas do que entrou.

Agradeci e me despedi. Já estava de volta ao hall, fechando o celular para devolvê-lo ao bolso, mas o que vi em seguida fez meus dedos vacilarem. O celular caiu no chão. Abaixei para pegar, sem tirar os olhos do que vinha à frente, que me deixou completamente distraído, desnorteado.

Era ela, Bella. Vinha pelo corredor conversando com outras duas garotas. Respirei fundo e caminhei para a direção que captava meus olhos.

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Notas finais do capítulo

a/n: Posto o próximo capítulo na quarta-feira. Se quiser um teaser, é só avisar por review. Boa semana!



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