A Bruxa De Liveway. escrita por belle_epoque


Capítulo 15
Capítulo 15 - Thanatos.


Notas iniciais do capítulo

O capítulo que todos esperaram e me perguntaram... Espero que gostem.
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Sinto muito por não ter postado ontem. Fui jantar num lugar afastado chamado Terra do Meio e a viagem me cansou muito, então quando cheguei em casa não tive cabeça para muita coisa que não fosse dormir.
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Agradeço aos reviews de:
> FranHyuuga
> Isissalvatore
> miss yuuki
> Lilith
> Stefany_Zanoni
E Elizabeth Marke, que está deixando reviews em cada capítulo O.O
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Não estranhem que o nome de Anabelle tenha virado Isabelle. Resolvi adotar o segundo nome de vez, já que meu amigo não tem dado mais review, decidi que vai ser ISABELLE e ponto.
...
Beijos,
EUQOPÉ-ELLE3



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Capítulo XV – Thanatos.

Era estranho, para mim, estar ali novamente. Faziam mais ou menos três dias que eu não pisava no cemitério, porém, ele parecia terrivelmente diferente sob o meu olhar. Parecia que as flores coloridas e vibrantes não brilhavam mais como antes e as cores como arco-íris já estivessem se mudando para um fosco, e sem graça, preto. A tinta do portão estava um pouco desgastada, e alguns arbustos realmente estavam precisando de cuidados.

Parece até que eles sofreram com o meu sumiço” pensei tristemente tocando em uma folha verde escura.

Até parece que o mundo gira ao seu redor, Isabelle” minha consciência respondeu com ceticismo.

Revirei os olhos, pois, afinal de contas, meus diálogos comigo mesma até que eram engraçados. Foi então que eu senti a sua presença.

- Nós poderíamos te demitir por abandono de emprego, sabia? - indagou com petulância, observando-me de cima do obelisco onde se encontrava a estátua do anjo Miguel. - Porém, acho que Alice não o faria por três motivos: um: você é a protegida sobrinha dela, dois: ela é boazinha demais, e três: não teve tempo suficiente para fazê-lo.

Em momentos retrógrados, eu teria surtado ao vê-lo em uma altura tão alta, mas naquele momento eu apenas sorri concordando com a observação feita por Alexander. Ele tinha razão, afinal.

- Sim. É verdade – concordei. - Desça aqui, por favor, quero conversar com você.

Ele se levantou de onde estava sentado: em cima de Lúcifer, com a costa apoiada na espada do Arcanjo Miguel e pulou. A altura teria matado qualquer humano, talvez – até mesmo – Roman, mas ele não. Seus ossos apenas estalaram, mas ao estalarem de novo, parecia estar tudo bem.

- Ao que devo à honra? - indagou-me com ironia, se aproximando.

- Queria... hm... Primeiramente pedir desculpas por ter desmaiado. Deve ter sido muita grosseria da minha parte. Você fazendo a maior revelação da sua existência e eu simplesmente caindo de dura no chão – eu ri para descontrair, mas ele arqueou a sobrancelha sem senso de humor. - E... Segundo, não sei se em algum momento eu encontrei forças para te agradecer ao que você fez. Obrigada por ter me salvado àquela hora, como você, muitas vezes, faz.

Ele ergueu as sobrancelhas, desconfiado.

- Eu aceito as suas desculpas e de nada... Eu acho – ele respondeu. Então cruzou os braços e pigarreou. Desviou o olhar ao dizer: - Eu também peço desculpas... Naquela hora, no Eletric Chapel, eu não fui compreensivo com você. Eu só fiquei furioso por que... Bem, Alice ficou arrasada com a sua reação negativa. Mas, também, esqueci-me de que, para vocês, nós não passamos de livros e fantasias de Halloween.

Eu sorri. Talvez, eu nunca o tivesse visto pedir desculpas antes.

- Eu aceito suas desculpas – concordei e estendi a mão. - Então estamos de pazes feitas? - ele olhou para a minha mão, pensativamente. - Sem amizade – eu completei.

Ele, pela primeira vez, a apertou. Seu toque era frio, sua mão absurdamente grande, porém, era macia e gentil. Seu aperto foi fraco e eu me perguntei se era porque ele não saberia medir a sua força.

- Infelizmente, eu vou ter que me conformar que... Já como você é sobrinha de Alice, é normal que você tenha mais importância para ela do que eu. Então acho que, o máximo que podemos fazer, é nos aturar... Por ela – ele disse soltando minha mão.

Eu sorri e senti que ia chorar de novo. Ele havia falado como gente comigo!

- Desculpe-me, ultimamente eu tenho andado uma manteiga derretida – pedi levando minha mão ao rosto e tentando evitar o acúmulo das minhas lágrimas. - Agora eu preciso falar com Alice Franklin. Pedir desculpas a ela.

- Eu te levo até ela – ele disse pondo-se à minha frente. - Ela já está te esperando.

- Como... ? - indaguei-me.

- Eu já te respondi a essa pergunta, Isabelle. No dia da sua entrevista – ele disse pacientemente.

Eu sorri ao me lembrar.

Alice sabe de tudo”

Eu não duvidava que ela realmente soubesse de tudo. Afinal... Ela era uma bruxa.

Ajeitei a bolsa em meu ombro.

Quando entramos naquela estrutura gótica que eu gostaria de passar a chamar “Miniatura da casa do Conde Drácula” eu percebi que não tinha nada ali. Nem uma pista sequer de Roman. Por um lado fiquei feliz. Ainda não sabia em que “estágio” nós estávamos. Eu não sabia se ele estava apenas brincando comigo, ou se ele realmente estava me levando a sério. E, sinceramente, eu tinha medo da resposta.

Alexander abriu a porta da capela e eu passei.

Alice estava sentada na mesa coberta com uma branca toalha localizada debaixo da cruz do altar. Seu olhar doce e bondoso estava direcionado a mim. Sim, eu percebi, ela já me esperava. Tanto que deu um meio sorriso para minha presença ali e isso fez com que eu me sentisse a pior das pessoas.

Acusei-a de ser louca e mentirosa.

A minha única e própria tia. E ela continuava ali. Esperando pacientemente até que eu me tocasse da verdade e viesse até ela. Muitos teriam me pressionado, ou me visitado, ou insistido na verdade, mas ela não. Talvez ela soubesse que eu era como ela: odiasse pressões psicológicas.

- Isabelle – cumprimentou-me sorrindo.

Eu me aproximei e senti a vontade de chorar.

- Titia – eu disse sem me conter.

Rompi em lágrimas quando o disse. Ela sorriu e vi que estava emocionada também.  Ela pulou da mesa como uma criança e me abraçou. Foi o abraço mais emocionante de minha vida. Talvez, quem sabe, perdesse para minha mãe se ela estivesse viva.

- Me desculpe – pedi, sentindo minhas pernas fraquejarem levemente.

- Eu te desculpo. É normal – ela sussurrou contra os meus cabelos.

Alisou as minhas costas, dando-me conforto. Senti quando os lábios dela se abriram ao sussurrar alguma coisa para Alexander. Acho que era “Obrigada”.

- Você e a minha mãe eram bruxas – eu disse me afastando brevemente, para lhe olhar.

- Você é a cópia da sua mãe, sabia? - murmurou para mim. - São quase os mesmos cabelos, os mesmos olhos, a mesma pele... Parece que estou com Jane Marie de novo em meus braços.

- Eu sempre quis saber como minha mãe era – admiti.

- Para tal, basta apenas se olhar no espelho – ela admitiu sorrindo indicando o fundo da capela, com uma parte quadrada revestida de prata polida.

Eu recuei.

- Tenho medo... - admiti. - Da última vez que vi o meu reflexo em um espelho que não eram os meus ou o retrovisor do carro de Roman, vi algo assustador.

Ela franziu o cenho.

- Algo assustador? - perguntou.

Eu abaixei a cabeça e admiti:

- Creio ter sido aquilo o que a senhora chamou de Guardião Sombrio. Eu ouvi a senhora conversando com Roman a respeito e pesquisei na internet. Depois eu perguntei ao meu pai também e...

- Shh – ela pediu meu silêncio e olhou para Alexander. - Por favor, Alex, arrume a minha sala do jeito que combinamos hoje? – ela pediu ao meu... primo adotivo? Futuro tio? Quem sabe?

Ele concordou com a cabeça e entrou na sala de Alice.

- Prometo que vamos dar um jeito nisso – ela murmurou para mim.

- Alice... O que você vai fazer? - indaguei.

Ela sorriu gentilmente e apontou para que nos sentássemos no banco de madeira nobre e assento aveludado vermelho.

- Creio que você deva ter feito o seu dever de casa sobre Guardiões Sombrios – ela comentou. - O que eles são?

Eu pensei, lembrando-me que eu havia lido sobre isso no site.

- São... hm... Almas torturadas? - respondi, porém, soou como uma pergunta.

Ela sorriu em aprovação e concordou com a cabeça.

- Isso mesmo. Sua existência provém do mesmo tipo das maldições. Porém, os Guardiões Sombrios geralmente são almas que morreram pela traição de alguém que lhes era próximo, ou por lutarem por uma coisa das qual acreditava. Eles são chamados de almas torturadas porque, com a sua experiência de vida terrena, se tornaram almas amargas, com sede de liberdade e desconfiadas. Não obedecem à ninguém que não sejam à eles mesmos – explicou-me.

- E como domamos esse meu Guardião Sombrio? - indaguei.

Ela suspirou.

- É difícil, na maioria das vezes, a bruxa que os selou é a mesma que os domestica, já que eles devem obediência a ela. Porém, como sua mãe morreu... Creio que você mesma deva fazer isso.

Eu franzi o cenho, sentindo o medo deslizar-se por minha espinha como a escama molhada e gélida de uma cobra.

- Mas como eu o farei?

- Você precisará escolher bem as suas palavras. Os Guardiões Sombrios são capazes de pensar que até mesmo você está contra eles, por isso poderão querer te matar. É difícil encontrar um Guardião que seja passivo. Todos são agressivos. O seu maior desafio vai ser mostrar que não são eles quem manda em você, e sim, você quem manda neles.

Ela pegou a minha mão e me puxou para a sua sala.

Era a primeira vez que eu entrava em uma sala de bruxaria, a sua sala de bruxaria, e fiquei com medo. Porém, para o meu alívio e desapontamento, não havia muitas coisas lá. Havia uma mesa de química em um canto, um espelho grande no meio, com um pentagrama desenhado à sua frente, Alexander acendia cinco velas brancas em cada ponta da estrela do pentagrama.

- O que é isso? – indaguei vendo tudo.

- É assim que pegaremos o seu guardião sombrio – Alice respondeu sorrindo para mim, passando um braço em torno de mim. – Geralmente, os Guardiões Sombrios habitam em nossos reflexos e sombras, apenas observando para que, quando abaixemos a guarda a ponto de não percebermos, ataquem aqueles que nos magoaram ou provocaram. Então, você vai se posicionar na frente daquele espelho e tentar fazer com que o seu reflexo, o seu Guardião, se ponha para o lado de fora dele. Para o pentagrama. Então, quando ele por o pé para fora...

- O pentagrama vai prendê-lo à essa dimensão – Alexander completou soprando o fósforo e saindo da frente do espelho.

Alice fez sinal para que eu me postasse ali, porém, bastou que eu desse um passo, para que eu congelasse.

- Eu não consigo. Não gostei de quando eu me pus na frente de outro espelho de novo – eu disse não conseguindo.

Alexander revirou os olhos, provavelmente pensando que eu estava de frescura, e me empurrou para frente do espelho. Contra a minha vontade. Quase me queimei com uma vela, mas no fim fiquei de frente ao espelho.

Eu vi a minha imagem novamente. Dessa vez, nada de anormal apareceu. Era a mesma expressão que eu deveria estar usando. Um misto de receio, e medo. No entanto, minha imagem enfrente ao espelho foi se alterando aos poucos. Ao estender a minha mão em um aceno, vi novamente aquelas manchas de sangue, e aos poucos meu olhar foi mudando. Um olhar mais sarcástico e macabro formou-se em meu semblante.

Eu senti o pânico estampar-se em meu semblante.

- Você o está vendo? – indagou-me Alice.

Eu ainda não o via. Até que ele apareceu. O mesmo ser envolto na capa negra e com aquela máscara prata e preta em estilo veneziano. Cobria totalmente o seu rosto, em torno de seus olhos, via-se um preto com glitter prateado, com pedras em forma de cruzes, e um “batom” preto.

Assenti com a cabeça, sentindo-me com medo. Não sabia o que fazer.

- Provoque-o – sussurrou Alexander.

Como se provoca um ser espectral e assustador quando ele sabe que mete mais medo em você do que você mete medo nele?

Tentei soar convincente quando eu gritei:

- Ei! O que você pensa que está fazendo?!

O ser inclinou a cabeça do outro lado.

- É! Eu estou falando contigo mesmo! E nem me venha com essa cara de cachorrinho molhado que caiu do caminhão de mudanças! – cruzei os braços. – Você se diverte às minhas custas, não é?! Gosta de ficar rindo do meu sofrimento?! É tão engraçado assim?!

Ele se aproximou da moldura do espelho com a cabeça inclinada. Novamente, senti a mão gelada do medo tocar meu coração.

- Está me desafiado Isabelle? – indagou.

Engoli em seco. Ai caramba... O bixo falava!

- Estou! – respondi com petulância, cruzando o braço. – Por que diabos você fica matando as pessoas?! Sabia que isso é coisa de Serial Killer? Isso é coisa de assassino?!

Seus dedos compridos e pálidos seguraram a moldura do espelho, mas seu pé continuava daquele outro lado. Ele pôs apenas os seus dedos da mão e a máscara para fora da moldura. Eu suspirei frustrada. Tanto trabalho para quase nada.

- Estou cumprindo ordens de te deixar segura – respondeu com sua voz rouca e profunda, inclinando a máscara sem expressão e assustadora. – Meu trabalho não te agrada?

- Não! Não quando você ameaça matar as pessoas que não mostraram risco nenhum a mim! – desafiei. – Nem tudo se resolve na base da violência, sabia?!

- Não demonstraram risco a você? – perguntou-me com ceticismo. – Vamos falar de David então. Aquele idiota mulherengo que despedaçou seu coração. Eu disse que ele só queria brincar com você, não disse? Mas você me ouviu? Não... Isabelle é tão cabeça dura... Se você escutasse ao menos metade das coisas que eu lhe disse, você certamente não estaria aqui... Você acredita tanto que as pessoas têm um lado bom que se torna incapaz de ver que elas também têm um lado ruim...

- Mas algumas pessoas têm um lado bom! – eu argumentei.

- Sim, mas o seu problema é que você vê um lado bom em todo mundo! – gritou. – Você estava crente que no fundo David realmente gostava tanto de você quanto dizia. Mas no fim, ele só queria transar com você e conseguir uma gravadora para a bandinha retardada dele.

- David foi um erro em minha escolha – eu respondi.

- David foi um dos erros nas suas escolhas! – ele contestou enraivecido. – Tudo bem que eu possa ter errado ao matar aquela criancinha de olhos verdes, mas vamos falar então de Rudolph. Você realmente acha que ele não merecia morrer?

- Mas é claro que eu nã... – eu comecei.

- Não minta para mim Isabelle. Posso ver o que se passa em seu coração – alertou-me acidamente.

Acho que, se em sua máscara ele pudesse representar algum sentimento, eu encontraria um sorriso de escárnio. Um sorriso de quem acreditava que havia me pego. Um sorriso que me faria engolir em seco. A verdade era que eu não achava que Rudolph merecia morrer. A verdade, é que eu achava que ele realmente mereceu o que teve, mas que ele não merecia morrer.

- Eu acho que ele não merecia morrer – eu respondi, mesmo que houvesse um pouco de contradição em meus pensamentos. – Acho que ele mereceu o que ele teve, mas que ele não merecia acabar morto. Ele não era uma ameaça para mim. Era apenas a escória que um dia desistiria...

- Você diz isso agora... mas você sabe muito bem que esse tipo de garoto não desiste tão fácil assim. Era apenas uma questão de tempo até que ele tomasse um porre e te estuprasse como aconteceu com a sua amiga em Nova York! Lembra-se? Foi exatamente assim que começou!

Senti um aperto no coração ao me lembrar de Eleonora. Fiquei cabisbaixa. O pior é que eu me lembrava, já que fui eu quem a encontrou.

- Isabelle! Não se abale para o que ele está dizendo. Ele está apenas querer te deixar sem ação por meio da chantagem emocional – Alice avisou vindo para o meu lado.

- Estou Isabelle? Então eu vou falar sobre a cabeça do cara que o seu amiguinho vampiro não teve coragem de matar! Você não ficou com raiva pelo Van Cruce não ter matado o desgraçado que tinha tentado de estuprar há três dias? Eu apenas fiz o que ele deveria ter feito.

Vi, pelo canto do olho, que Alexander ficou tenso.

- Eu não pedi para você “cuidar” de mim – eu sussurrei de cabeça baixa. – Eu nunca pedi para que você pudesse mandar essas partes de corpos mutiladas para pesar na mente e me deixar com remorso! Que irônico, e ainda tem a coragem de me mandar dentro de caixas de presentes?!

- Você gosta que eu sei – ele gargalhou. – É apenas um jeito que eu tenho para lhe demonstrar a minha lealdade. Que pena... pensei que você ficava mais do que satisfeita ou aliviada quando via que ao menos alguém na sua vida é verdadeiramente leal à você. Pensei que você ficava O-R-G-U-L-H-O-S-A.

- Como eu posso ter orgulho de algo tão brutal? – perguntei com nojo evidente.

- Do mesmo modo que você gostou quando abriu aquela caixa e encontrou o coração de David lá dentro – ele riu. – Não sejamos hipócritas, por favor. Não se faça se santinha. Você gosta sim quando eu lhe mando os presentes, afinal, você pode ver que ao menos alguém realmente se importa com você.

- Do que você está falando? Eu sei que há pessoas que se importam comigo – eu disse.

- Tem certeza é?  - perguntou negando com a cabeça. – Então vamos falar do seu pai. Então um belo dia, quando você tem seis anos, ele desperta e vê que tem uma filha? Estranho, não? Você não acredita naquela lealdade dele. Você não confia mais nele Isabelle. Porque desde que a sua mãe morreu e ele passou seis anos sem lhe olhar ou perceber que você existia. Ele obviamente queria alguma coisa de você. Alguma coisa... E sabe qual foi o único motivo para ele te olhar? – a criatura riu. – Foi por minha causa. Eu tomei a forma da sua mãe e fiz uma visitinha a ele. Ele não está cuidando de você porque ele te ama, ele está cuidando de você porque ele ama e venera a sua mamãezinha morta.

- Não, o meu pai me ama! – eu gritei tapando meus ouvidos. – Ele passou a me amar, eu tenho certeza disso!

- Ele te ama? – a criatura riu. – E noites e mais noites em que ele ficara bêbado e te amaldiçoava com palavras enquanto as empregadas cuidavam das ressacas dele? Ele ainda não se lembra muito bem daqueles tempos, não é? Se não ele se lembraria que você sempre esteve lá, ouvindo-o te xingar de tudo quanto é nome.

- Ele apenas estava sofrendo pela morte da mamãe...

- Você não passa de um lixo humano para ele! E você sabe disso.

- Cala a boca! – eu gritei, e a criatura recuou. – Cala a boca! Você não tem o direito de se meter na minha vida! Muito menos de opinar sobre ela! Quem você pensa que é para falar assim de mim?! Como se me conhecesse?! Eu só quero que você suma da minha vida! Eu quero que você evapore para fora de mim!

Agora foi a vez dele de se enraivecer.

- Então é assim que você me trata? Depois de tudo o que eu fiz por você?! – gritou irado. – Você é uma mal agradecida Isabelle Malback! Eu cuido de você desde que você tinha um dia de vida! Eu cuidei mais de você do que o bêbado do seu pai na sua “pior fase”! Eu não vou sumir da sua vida Isabelle! É você quem vai sumir da minha vida, porque a sua vida me pertence!

Algo em seu tom de voz fez com que até os últimos de meus pelos do corpo se eriçassem. Principalmente quando ele avançou para fora do espelho, quebrando-o em pedaços, e cobrindo grande parte do escritório como uma ventania de poeira negra que deixou Alice e Alexander desorientados.

Por algum motivo, o pentagrama não o segurou e ele avançou sobre mim.

Eu pude sentir. Cada partícula do ser dele se unindo e adentrando em meus poros. Era como se grãos de areias tentassem entrar em mim. Era dolorido e agonizante. Eu pude sentir seu ser se fundindo ao meu. Devorando-me até nada restar de mim. Consumindo-me até eu me encontrar em outro lugar.

Um lugar escuro, sombrio e mórbido.

Um lugar triste.

Eu parecia estar sozinha e isso pareceu mais triste ainda. Pensar que eu estava em um salão escuro, frio e sombrio. Sim, era um salão. Não um salão de festa. Não um salão de baile. Mas um salão vazio e sombrio como o ser que entrara em mim. Minha última memória consciente.

Era triste estar sozinha, então, gritei por alguém. Pensei que talvez fosse um truque em minha mente, e que eu ainda estivesse no escritório de Alice com Alexander. Gritei mais uma vez pelos dois, mas tudo o que eu obtive de resposta foi o silêncio fúnebre e o frio.

- É chato, não é? – uma voz desconhecida soou não muito longe.

Olhei ao redor e não vi muito. Apenas uma sombra escura na penumbra do salão vazio revestido de mármore preto. Eu podia ver uma forma simples. Parecendo um tecido negro derramando pelo chão.

- O que seria chato? – perguntei, mas sabia ao que ele se referia.

 - Gritar e não ser ouvida. E perceber que, no fundo, está sozinha – ele respondeu dando de ombros.

- Sim, eu sei como é “gritar e não ser ouvida”. Também sei como é “estar sozinha”. Afinal, se você me acompanha desde o dia em que nasci, deve saber que meu pai não foi o mais carinhoso do mundo nos meus primeiros anos – respondi chateada. – Oh, certo, de acordo com o que você disse, você o “induziu” a me amar.

- Você sempre me teve por perto para te ajudar com tudo. Quando sua mãe me trancou no seu corpo miúdo, ela só me pediu duas coisas: proteger-te de todo o mal e nunca matar Henry, mesmo que eu quisesse muito... – ele comentou. – Mas nada te agrada... Você é realmente uma garota muito ingrata, sabia?

- Eu sou ingrata?! – perguntei ultrajada.

- Sim, pois faço de tudo para te proteger e você simplesmente... – Ele me agarrou pelo pescoço, sufocando-me. -... Quer me destruir.

- E-eu não quero te destruir – respondi sem ar. – Eu só quero que você... Pare.

Ele me soltou levemente, mesmo assim, eu caí no chão com falta de ar.

- Então porque você se empenha tanto para se livrar de mim? – perguntou com rancor, pondo um pé em cima de meu abdome e a mão ameaçando me matar.

– Eu não me importo de você continuar me protegendo, desde que não mate mais ninguém... quer dizer, ao menos que se mostre necessário. Você se importa de me perguntar ao menos uma vez o que eu quero e o que eu não quero?

- Então é só isso? – ele perguntou me liberando de seu pé. – Você não quer se livrar de mim?

- Isso nunca passou pela minha mente – respondi.

- E porque eu deveria acreditar em você? – ele perguntou com cautela e relutância.

- Você pode ler a minha mente, pode saber o que se passa no meu coração... Então me diga se estou mentindo – respondi segura.

Ele abaixou a cabeça, mais uma vez, desta vez, ponderando.

- Acho que eu não tenho escolha. A sua astúcia superou a minha.

- Isso significa que...?

- Eu vivo para lhe proteger Isabelle. E assim permanecerei.

Eu sorri, por algum motivo, mais aliviada.

Então despertei.

Não estava no salão... Estava nos braços de Alice e ao lado de Alexander. Meu corpo estava jogado no chão e eu tremia de frio. Mas ambos não olhavam para mim. Eles olhavam para além de mim. Onde o homem de capa nos observava.

- O que você fez com ela? – Alice rosnou.

Ele não respondeu, mas acho que eu já esperava por isso.

Dei uma tossida e tremi de frio. Foi o suficiente para Alice olhar para mim, visivelmente, mais aliviada e me envolver ainda mais aconchegante em seus braços.

Olhei para o Guardião Sombrio.

Ele ergueu o rosto para cima. Pode parecer loucura, mas um raio estonteante partiu do céu – sem quebrar as telhas da saleta – e cobriu o corpo dele. Alexander abraçou a mim e a Alice para enterrar nossos rostos no seu grosso casaco de feltro, enquanto fechava os seus olhos que sem dúvida deveriam ser bem mais sensíveis à luz do que os de nós duas.

Alice e eu percebemos quando acabou, porque o barulho ensurdecedor de relâmpago caindo parou e a luminosidade local ficou mais fosca e amena. Mesmo assim, Alexander não nos soltou.

- Alex, me solte! – Alice pediu tentando se livrar do colega.

- N-não veja isso Alice! – pediu Alexander. E ele parecia estranha e incrivelmente envergonhado. – E você deveria pensar em por a sua capa de volta!

- Alex, deixa de criancice – Alice pediu se soltando e deu uma risadinha que me deu medo do que eu poderia ver.

Temerosa, virei a cabeça lentamente para ver a figura que um dia foi o meu Guardião Sombrio.

Vi seus cabelos desregulares, com mechas grandes na frente, e corte curto e repicado atrás, seus olhos estreitos e azuis, as sobrancelhas grossas e arqueadas, o nariz afilado e imponente, os lábios cheios, as maçãs altas... O pescoço grosso com o pomo de adão saliente, os ombros largos, os braços fortes, o peitoral definido, as cicatrizes distribuídas por seu corpo, barriga de tanquinho e...

Oh céus! Escondi meu rosto com minhas mãos.

- Por que ninguém me disse que ele estava nu?! – eu exclamei ficando vermelha.

- Ele veio de dentro de você! Imaginávamos que você soubesse em que estado ele estaria! – gritou Alexander, constrangido.

- Alexander, você tem ideia de o quanto essa sua frase soou pervertida?! – briguei.

- Por favor, querido, cubra-se com isto – Alice pediu.

Esperei alguns segundos ouvindo sons de tecidos e mais tecidos sendo postos e sobrepostos, até que perguntei:

- Já posso abrir meus olhos?

Eles esperaram alguns segundos para responder.

- Já. Agora já – Alexander respondeu mais aliviado, enquanto Alice ria.

Primeiro vi entre as brechas dos meus dedos e suspirei feliz da vida.

Agora, o Guardião Sombrio, estava coberto com um manto grande, longo e negro. Ele me encarava, e eu o encarava. Havia algo de muito familiar em sua imagem. Ficamos um de frente para o outro, mais uma vez, agora ele me olhava de cima a baixo, e eu o olhava de cima a baixo também.

- Ei... Ele não parece como a Isabelle seria se fosse homem? – perguntou Alice curiosamente e nós dois olhamos para ela. – Ai! Dá até medo com a semelhança.

Eu fiquei olhando a mulher por alguns segundos a mais, mas ele voltou a me olhar e eu o encarei de volta. Ele parecia ter dezesseis anos também. Eu congelei. Realmente, ele se parecia muito comigo, até no tom de pele.

Então ele se ajoelhou como um cavaleiro sombrio que faz um juramento.

- Eu sou Thanatos e estou aqui para servi-la, Senhorita Isabelle Malback Rêveur – e então ele ergueu o olhar para me fitar, mas havia um brilho brincalhão ali. – Mas não pense que eu gosto disso.

- Isso nunca passou por minha mente, Thanatos – eu disse sorrindo levemente.

Tentei pegar leve com ele, afinal, de acordo com Alice me disse, ele havia sofrido em sua vida terrena.

Mas uma coisa me preocupava: onde ele ficaria?


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Notas finais do capítulo

ESTE É O PENÚLTIMO CAPÍTULO DE A BRUXA DE LIVEWAY
não sei se alguns de vocês sabem, mas isso é uma série então vai ter uma sequência de outras histórias também que serão continuação.
Na sequência:
2 - O Lobisomem de Liveway (Que será postado no dia 02.04.12)