A Bruxa De Liveway. escrita por belle_epoque


Capítulo 13
Capítulo 13 - Meu Reflexo Espelhado.


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde a todo mundo ^ ^
Caramba, eu estou quebrada hein. Festa A LOKA ontem, passei mal hoje, e agora percebo que cochilos fazem milagres xD
...S2...
Agradeço aos reviews de:
> Thalia
> Lilith
> Lucy1997
> Hina
> Stefany_Zanoni
> Nathalia S
> Emanuelle
> LuLerman
...
Eu, particularmente, adoro esse capítulo. Mesmo que ele seja meio depressivo.
Beijos,
EUQOPÉ-ELLE3



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Capítulo Treze – Minha Imagem Espelhada.


Acho que pela primeira vez, eu fugi do mundo em que vivia. Pela primeira vez, eu fugi com medo dele. Eu estava na minha cama, em plena segunda de manhã, abraçando as minhas pernas depois de ter inventado uma desculpa sobre cólica para o meu pai – para ele não ficar me enchendo a cabeça com perguntas e remédios que ele deveria usar.

Eu ainda duvidava que meu pai soubesse de alguma coisa sobre a minha tia ou sobre o fato de minha mãe supostamente ter sido uma bruxa. Ele me deixou sozinha em casa enquanto Meredith Nightray resolveu se lembrar que tinha uma casa e voltar para ela. Mesmo assim, ainda fitava o casaco de Alexander, estendido sobre a minha cadeira da escrivaninha.

Sozinha. Solitária. Abandonada como aquele casaco.

Eu queria estar assim agora.

Meu quarto estava sombrio. Meu pai tentou abrir as cortinas do meu quarto, mas eu não deixei. Eu não queria a luz agora. Eu queria ficar submersa na escuridão por um tempo. Eu fiquei assim durante o fim de semana inteiro, e agora eu estava ali. Dizem que na escuridão a inteligência não se move. E eu não queria pensar em nada agora.

Eu não sabia que horas eram.

Meu celular tocara tantas vezes que eu o desligara, minhas cortinas continuavam fechadas, meu computador também e eu não possuía relógio de pulso. Era apenas eu, o tempo eterno e a solidão.

Eu tinha medo do mundo. Se aqueles que eu deixei se aproximarem tanto, eram monstros, então me restava à dúvida se meus amigos eram adolescentes normais. Será que Anabeth e Elizabeth eram garotas normais ou eram monstros também? E Daniel? E Josh? E Érika?! E a Meredith Nightray?!!

A desconfiança era tanta!

O medo era mais do que meu coração podia suportar!

Sim, Anabelle, só podemos confiar em nós mesmos” minha consciência disse. “Um dia você está aqui com seus amigos, no outro os seus amigos são seus inimigos. Por isso confie somente em mim e em você, Anabelle. Somos tudo o que temos uns aos outros”.

- Anabelle! Anabelle! – acordei e eu nem havia percebido que tinha dormido.

Érika estava em cima de mim, quase pronta para me dar uma tapa na minha cara, sua mão ao menos estava ameaçando fazê-lo. E eu pisquei sem saber o que se passava.

- Ela está viva! – exclamou a minha amiga quase como se fosse um milagre.

Franzi o cenho e Anabeth e Elizabeth pulavam de alegria, enquanto Josh e Daniel soltava um suspiro aliviado,  e Érika quase chorava de felicidade ao me ver viva.

- O que está havendo aqui? – perguntei confusa.

- Você parecia morta! Chamamos-te inúmeras vezes e você não acordava! Ficamos preocupadas. Seu pai disse que fazia três dias que você não saía do seu quarto nem para comer. Pensamos que você estava morrendo! – ela exclamou elétrica, puxando-me e me abraçando feito uma criança que não via a mãe. – Ficamos tão assustados!

- Oh, desculpem-me – eu pedi com os olhos marejados.

Como eu pude duvidar dessas pessoas? Eles que são os meus melhores amigos...” pensei sentindo uma culpa em meu coração.

Não confie demais nas pessoas Anabelle. Nem tudo é o que parece” minha consciência me alertou sabiamente.

Mas se eu não me aproximar daquilo que é estranho, como eu vou ter alguma chance de saber o que realmente está escondido ali?” indaguei-a.

Minha consciência ficou muda e eu sabia que a havia pego em seu jogo.

- Passei por alguns problemas ultimamente... sinto muito se preocupei vocês – eu pedi. – Cadê Roman? – perguntei com receio.

Eles trocaram olhares tensos.

- Ele disse que você estava chateada com ele e resolveu não vir – Elizabeth respondeu. – Agora chega de baixo astral com você! Vamos dar uma volta, tomar um sorvete!

Eu rejeitei a ideia, não queria sair de casa. O mundo lá fora não era seguro para mim. Era perigoso. Era doloroso. Mas nenhum deles quis aceitar o meu não. Disseram que meu pai mandou que eles me tirassem de casa porque não acreditou na minha desculpa da cólica e eles me forçaram a sair.

As garotas reclamaram que eu tinha apenas roupas pretas e decidiram que sairíamos para comprar mais roupas coloridas para mim. Elizabeth ordenou que eu passasse maquiagem e que não prendesse o cabelo. Ela disse que a sensualidade de uma mulher também estava no cabelo (e, claro, ela também gostava do modo com que os meus cachos emolduravam meu rosto).

Acabou que me dei por vencida.

- Bem vinda de volta, filha – meu pai disse quando me viu passando por ele, junto com os meus amigos, com ironia. – Eles conseguiram te tirar do seu quarto.

- Sim. Eu não tive como dizer não – respondi dando de ombros.

- Nós vamos sair, senhor Malback. Talvez fiquemos a tarde toda fora – avisou Érika. – Vamos comprar um sorvetinho para ela, e depois convencê-la a comprar roupas mais coloridas e que a valorize.

Meu pai fez uma expressão estranha. Entre a vontade de rir e o orgulho.

- Por que eu não te trouxe para cá, antes hein? – perguntou emocionado.

Eu tinha uma ideia do porque, mas não quis responder.

- Isso pede uma comemoração – ele disse abrindo a carteira.

Meus olhos quase soltaram das órbitas. Meu pai quase nunca pagava nada para mim. E quando eu digo “nada” geralmente é nada! A mesada que recebo, é só se eu limpar a casa e lavar roupa como uma escrava!

- Pai, não precisa. Eu tenho o salário que eu ganho no Cemitério Montecristo e também a minha mesada. Dá para comprar muitas roupas...

- Não. É um presente – ele pediu colocando o seu cartão de crédito em minhas mãos. – Demore o tempo que precisar. Recupere-se de... seja lá o que aconteceu com você, porque quando voltar precisamos ter uma conversa.

Eu sabia que ele queria mais alguma coisa.

Abri a boca para dizer que ele não precisava me “comprar” para ter uma conversa à sério comigo porque eu queria ter uma conversa séria com ele. Eu duvidava que meu pai soubesse de alguma coisa (tanto de minha tia quanto da suposta bruxa que a minha mãe era), mas eu tinha que ter certeza. Porém, meus amigos estavam apressados e me empurraram para fora de casa.

- Prometemos trazê-la de volta inteira, senhor Malback – gritaram as gêmeas.

Elizabeth e Anabeth tinham um carro importado, acho que era Citröen. Foi nele que entramos para ir à rua comercial de Liveway. Elizabeth sentou-se no banco do motorista e eu me sentei no passageiro, Érika sentou-se ao lado de Josh e Anabeth se sentou no colo de Daniel (era gratificante para meu ego de cupido vê-los juntos).

- É, Anabelle, é a nossa vez de conseguir um namorado para não passarmos o Halloween sozinhas – comentou Elizabeth.

- Eu não preciso – respondi.

Arrependi-me ao sentir olhares me questionando, espetando-me por todos os lugares. Reformulei:

- Eu não preciso de homem nenhum. Eu estou bem como estou: sozinha.

Elizabeth estacionou o carro fazendo sons de reprovação e tirou a chave da ignição.

- Não, você não está bem como está. Você está conformada com a sua vida, e, não. Não é a mesma coisa – brigou-me colocando as chaves na bolsa enquanto os outros saíam. – Vamos dar um jeito nisso.

Ela saiu do carro e eu segui, mesmo que contrariada.

Era a primeira vez que eu ia à rua comercial.

Para a minha surpresa era uma rua estreita, onde carros não passavam, de caminho formado por pedras rústicas e de aspecto soltas, a calçada era mais firme e ocupadas por restaurantes, cafeterias, confeitarias, lojas de roupas, cabeleireiros...

Até que não era ruim para uma cidade pequena.

Vi o Eletric Chapel no fim da rua. Com a placa neon apagada e aspecto de estar fechado.

- Sorvete! Sorvete! – Érika cantarolava. – Ah, você vai adorar o sorvete daqui Anabelle! É simplesmente o melhor!

Entramos em uma sorveteria branca de largas janelas e portas duplas de ferro, com um colorido letreiro rosado escrito: Cindy’s. O estabelecimento estava quase vazio, com apenas uma família tomando sorvete com seus filhos.

Sentamo-nos em uma mesa grande e vazia. Uma garçonete loira de olhos azuis, de blusa baby look cor de creme e shorts jeans róseos nos atendeu. Eu diria que ela sim tinha cara de ser a “Cindy’s” daquele lugar, mas não era.

- Por favor, seis Dry Ice Scream – Érika pediu sem consultar ninguém e todos a fuzilaram com o olhar. – Que foi? É para entramos no clima de Halloween.

Todo mundo revirou os olhos cansativamente e começaram a conversar sobre aquilo que eu e Elizabeth nos excluímos: Namorados. Parecia até que era dia dos namorados ao invés de Halloween. Daniel estava com os braços em volta de Anabeth murmurando que a protegeria dos monstros do Halloween enquanto ela choramingava dizendo que odiava monstros. Érika e Josh, por outro lado, estavam quase se comendo ao invés de comer o sorvete que viria.

Elizabeth e eu estávamos sozinhas, pois nenhuma de nós duas tínhamos namorados. Agora eu percebia que ela tinha razão. Eu não tinha namorado, e dizia a mim mesma que não precisava de ninguém, porque eu havia me acostumado assim. Porém, mesmo assim, ao falar de Roman, todos pareceram me olhar.

- Então... Roman te roubou um beijo, foi? – Elizabeth indagou-me querendo que até os mares inexistentes de Liveway escutassem.

Meu rosto tingiu-se de vermelho e eu me encolhi. Provavelmente Roman havia contado à eles. Só não havia contado que ele... Era um lobisomem!

- Ele contou para vocês foi? – indaguei.

- Contou – Anabeth respondeu com malícia, esquecendo-se instantaneamente de Daniel. – E ele parecia bem culpado quando viu que você não foi para a escola. Ele pensou que fosse culpa dele.

- Egocêntrico – resmunguei.

Tudo bem que em parte era culpa dele, ou melhor, por culpa do que ele é, mas não era só por culpa de Roman. Agora cada frase solta dele tinha sentido. Frases como: “aqueles dias” ou “Bem, digamos que nem sempre eu as devolvo... inteiras”.

Também tinha a culpa de Alexander, que – oh! – é um vampiro! Um vampiro! O que será que ele fez com a ruivinha da festa? O que será que tinha no porta-malas de seu carro? Por que ele não matou o homem que tentou abusar de mim? Será que ele já pensou em me matar para sugar meu sangue?

Novamente, eu senti medo.

Novamente, eu quis me esconder no meu quarto.

- Quero voltar para casa – eu disse me levantando.

As gêmeas sentadas uma de frente para a outra ao lado da cabeceira, em que eu estava sentada, seguraram os meus braços com sincronia.

- Não, nós prometemos uma mudança para o seu pai e vamos cumpri-la – disseram. – Apenas relaxe, Anabelle. Você está muito ansiosa.

Sentei-me à contra gosto e a garçonete trouxe os nossos pedidos.

Surpreendi-me com tamanha criatividade.

Haviam três tipos diferentes de pratos. Um era sorvete de creme coberto com calda de laranja com um gosto forte da fruta, com calda de chocolate formando um nariz triangular, olhos e um sorriso medonho. Era uma lanterna de abóbora. Este foi destinado à Érika e Josh. Os outros eram menos elaborados. Um tinham duas bolas de sorvete de creme decorados com calda de chocolate como se fossem teias de aranhas, e as aranhas eram M&Ms coloridos. Este foi para Anabeth e Daniel. E, para mim e Elizabeth, era Jack, o rei da abóbora, daquele longa-metragem que consagrou Tim Burtton (O Estranho Mundo de Jack). Era apenas uma bola grande de sorvete de creme decorado com calda de chocolate, chocolate em pó e M&Ms.

- Isso não é justo – reclamou Elizabeth.

- Por quê? – perguntou a sua mãe.

- Porque, um, as duas solteiras receberam por último, e, dois, o seu parece melhor que o meu – reclamou. – Eu não gosto desse bicho feio.

- Para de criancice Eliza... É a mesma coisa – a gêmea com mecha respondeu.

Como uma criança birrenta inconformada, a gêmea sem mecha comeu.

Ao acabarmos, fomos para uma loja de roupa e os garotos foram dar uma volta na loja de CDs.

- Oh, menina Malback! – Evelyn me cumprimentou quando passei pela porta. – Veio para ver algumas roupas?

- Sim, as minhas amigas me trouxeram à força – respondi com um sorriso falso.

- Espero que minhas roupas te... er... – ela me olhou de cima a baixo com uma sobrancelha erguida. E eu não gostei disso. -... Te agradem.

- As suas certamente não me agradarão – respondi com um sorriso duro. – Mas talvez as da sua loja sim.

Anabeth escondeu o riso junto com Érika, já quanto à Elizabeth, ela conversava com alguém no celular. Eu soube que era Roman quando a ouvi falar:

- Não. É sério Roman. Ela está bem... Não, você não precisa vir até aqui para vê-la... Roman!

- Venha comigo, vamos encontrar roupas bonitas para você – uma atendente ofereceu me puxando pela loja.

Ela era bonita. Com cabelos ondulados na cor vermelho, mostrando a sua atitude um tanto roqueira na roupa em que usava, a pele corada e os olhos verdes. Era magra e alta, parecia uma modelo da Vogue.

- Você tem estilo próprio? Preferências? – perguntou-me.

- Hm... Eu não sei. Eu sempre me considerei em algo entre o... roqueira e o romântica – eu disse confusa.

A atendente quis rir com a minha indecisão, mas então agiu profissionalmente e começou a me mostrar algumas roupas, perguntando se me agradava. Ela estava chegando perto.

- Você tem alguma preferência por cor? – indagou-me.

Anabeth e Érika disseram:

- Qualquer uma, menos preto!

A mulher até se assustou.

- Mas preto fica bem na sua pele... – a atendente disse.

- Ela já tem preto de mais – Respondeu Elizabeth se juntando ao grupo.

- Eu gosto de azul... – eu comentei, enrubescendo ao ver os olhares delas caindo sobre mim. – Também gosto de vermelho e de branco.

Érika e Anabeth suspiraram aliviadas. A atendente sorriu para mim e começou a pegar roupas nas cores que eu havia lhe dito. Quando pegou umas cinco peças, levou-me até o provador Um espaço reservado com cortina verde musgo.

As garotas ficaram me esperando do lado de fora, pois não dava para todo mundo entrar no provador comigo – sem contar que seria bem embaraçoso para mim. Coloquei as roupas arrumadas em cima de um pequeno banquinho que tinha ali e peguei a primeira peça. Porém, quando o meu olhar recaiu no espelho, deixei a blusa cair de minhas mãos.

 “Bem, meus amigos(as), então sugiro que você peça um espelho que não seja seu; um espelho com o qual você não esteja familiarizado. Diga-me então, o que você vê?”.

Senti lágrimas de pânico se acumular em meus olhos enquanto via.

O que eu via?

Eu via a mim mesma...

... Mas eu mesma não era eu mesma.

Eram os mesmos cabelos negros e cacheados, eram os mesmos olhos azuis claros, era os mesmos lábios pequenos e cheios, a mesma pele como porcelana... No entanto, aquele olhar assassino não era meu. Aquele olhar provocativo que me encarava com ironia não era meu. E minhas mãos não eram as minhas.

Minhas mãos refletidas estavam sujas com sangue.

Levei-as, assustada, ao meu rosto. O reflexo fez o mesmo. Tingindo o meu rosto branco com vermelho sangrento. O pavor ficou travado como um nó em minha voz. Vi o pavor nem refletir nos meus olhos azuis ali. O pavor, era uma provocação.

- Essa não sou eu – eu sussurrei para mim mesma.

Foi então que uma enorme sombra apareceu em meu reflexo. Uma capa negra cobriu meu corpo refletido de forma protetora, como o abraço de um homem, e uma máscara veneziana nariguda apareceu ao lado de meu rosto. Era um homem quem me encarava de volta.

Suas mãos pálidas e brancas pegaram as minhas sujas e levaram ao seu rosto. Lambendo do sangue nelas. Lambendo e se deliciando do sangue de pessoas inocentes. De pessoas que tiveram o infortúnio de serem vítimas de meu ódio, de minha raiva e de minhas mágoas.

Porém, minha negação não era visível no reflexo. Pelo contrário, o reflexo observou o homem e sorriu ao vê-lo fazendo aquilo. Sorriu largamente ao vê-lo aceitando os seus pecados como seus também. E, como um troféu, ele ergueu uma cabeça decapitada ao lado da minha. Era um homem de meia idade. Pelo seu bigode, percebi que era ele... Era ele quem havia tentado me estuprar antes que Alexander me defendesse mordendo-lhe o pescoço.

Eu via as marcas da mordida de Alexander em seu pescoço.

- Não – eu sussurrei apavorada, negando. – Quem são vocês?

- Eu sou você – meu reflexo respondeu e atravessou, de modo que ficasse tridimensional, a moldura do espelho. Agarrou meu braço com suas mãos sangrentas e me puxou para com ela: - e você... sou eu!

- Não! Eu não sou você! Largue-me! – mandei debatendo-me e soltei um grito agudo e estridente involuntariamente.

- Anabelle, o que diabos está havendo-...

O meu reflexo me soltou, voltando para o seu lugar nos meus reflexos em um solavanco que quebrou o espelho em incontáveis pedaços. E eu caí para trás, em cima de alguém.

Era Roman.

De repente, a ideia de ele ser um Lobisomem não era mais tão ruim quanto antes. Ele poderia me proteger, não poderia? Por que Roman tinha que ser um pálido, magrelo, com razoáveis músculos e cabelos curtos enquanto Jacob Black era um moreno, alto, forte e bonitão?

Encolhi-me nos braços de meu amigo. Trêmula, apontei para o espelho como uma criança que acusa o irmão que lhe provocou primeiro.

- Eu vi... – eu murmurei sem compreender.

- Você viu o quê? – perguntou Anabeth se aproximando com preocupação.

- Eu vi... – eu olhei para os meus amigos.

Até os garotos já estavam ali.

Eu não sabia se deveria contar a eles a verdade. Eles pensariam que eu sou louca e que precisava de internação. E o que eu diria? Que vi a mim mesma com as mãos ensanguentadas, abraçada à um homem que decapitou uma cabeça? Isso parece conto de histórias de terror. Eles não acreditariam. Talvez nem Roman, que era um lobisomem, acreditasse.

- Eu vi... – pensei em algo para dizer -... uma aranha.

Todo mundo pareceu decepcionado com a minha “frescura”. Eu, por outro lado, escondi meu rosto com os cabelos, tentando criar uma cortina que os impediria de ver o rubor que tomava conta de meu rosto. Olhei para o espelho. Mas lá só estava a moldura e o fundo de madeira. Normal. Será que foi alguma espécie de visão? Ou será que era um... urgh.

- Isso no seu pulso... é sangue? – indagou Josh olhando para o meu braço.

Olhei para o meu pulso direito, o mesmo que o meu reflexo agarrara com suas mãos sujas de sangue. Sim, havia sangue ali. Em marca da minha mão que me agarrara. Olhei para aquilo sem acreditar, e senti o ardente acúmulo de lágrimas em meus olhos.

Derramaram como lagoas salgadas. Deslizavam por meu rosto como cristais reluzentes e espessos. Pareciam, as lágrimas, não acabar nunca. Eu chorava compulsivamente. Os soluços rasgavam meu tórax e minha garganta, meus amigos ficaram assustados e sem saber o que fazer. Acho que eu nunca chorei na frente deles.

- O que aconteceu Belle? Não chora não – pediu Érika sem saber o que fazer para me acalmar. – O que aconteceu? Machucou-se quando o espelho quebrou? Está doendo?

Concordei com a cabeça. Não sei o que doía. Mas doía.

- O que aconteceu aqui? – perguntou Evelyn, com a atendente em seu encalço, me fitando com preocupação.

- Parece que Anabelle caiu e se machucou – Roman respondeu. – Espero que não se importem, mas acho que ela deveria ver roupa em outro dia, tudo bem garotas?

- Claro – responderam em uníssono. – A Belle realmente não está bem hoje.

Roman se levantou do chão, só então eu percebi que estávamos jogados sobre o carpete cor de creme, como dois idiotas. Ele estendeu a mão para me ajudar a levantar, mas eu não a peguei sem antes olhar para o espelho. Já não havia mais nada ali, nem mesmo o próprio espelho, e isso me fez sentir melhor. No entanto, com mais receio.

Ele pegou o meu braço, com certa impaciência, e me pôs em pé.

- Voltaremos outro dia então – ele concordou. – Vou levá-la para casa.

Meu rosto tingiu-se novamente de vermelho. Eu não sabia o porquê. Roman sempre me dava carona, era quase que o meu motorista particular, no entanto, eu não sabia se era porque eu sabia que ele gostava ao menos um pouco de mim, ou se era porque eu sabia que ele era um lobisomem, ou, quem sabe, por me lembrar de ele ter rosnado para mim quando viu o Van Cruce jogado em cima de mim.

Todo mundo nos olhava, eu senti isso.

- Acho que eu posso ir com as garotas, Roman – eu pedi baixinho, mas ele ouviu.

- Não. Eu preciso conversar com você, Anabelle – ele disse com seriedade, pegando a minha mão que não estava suja de sangue. – É importante.

Novamente senti aquele receio que eu sempre sentia quando alguém queria falar seriamente comigo. Eu não fazia ideia do que ele queria me dizer, se era sobre o seu “outro lado de lobisomem” ou se era sobre... Bem, nós. Isto é, se tiver um “nós”.

As garotas não disseram mais nada, provavelmente porque eu não questionei nada, e, mesmo que eu dissesse algo, eu sabia que elas inventariam uma desculpa para eu ir com Roman. Elas “torciam” por nós.

Por isso, ele saiu praticamente me puxando porta afora. Ele andava me arrastando pela rua, como se estivesse com medo de que eu saísse correndo para longe se ele me soltasse. Mas eu não iria correr. Eu não tinha mais medo, ou melhor, eu não tinha mais medo dele.

- Roman, - chamei a sua atenção – pare de me arrastar, por favor.

Ele parou de andar e se virou para mim.

Vi pesar em seus olhos marinhos.

- O que você viu naquele espelho? – perguntou-me.

- Já disse que foi uma aranh...

- Não minta para mim. E esse sangue no seu braço? – ele levou o meu pulso sujo ao seu nariz, inspirando levemente o odor. – Não é seu. São de várias pessoas.

Retirei meu braço de suas mãos e recuei. Eu não tinha medo de Roman, mas, quando ele agiu assim, lembrou-me que nem ele, nem eu e nem o Van Cruce, éramos “normais”.

- Você me assusta falando assim – eu disse.

- Desculpe – ele pediu de cabeça baixa.

Então eu explodi em revolta.

- Pelo quê? Por ter me roubado um beijo? Por ser um lobisomem? Por ter rosnado para mim? Ou por ter me feito pensar que ao menos uma vez na vida eu poderia ter uma vida normal com amigos normais?!

Ele franziu o cenho, levemente irritado, e se aproximou de mim.

- Eu sinto muito, por muitas coisas, mas não me sinto culpado por ter te beijado, pois sei que você gostou. Também não me sinto culpado por ser o que sou, pois eu não tive culpa. Assim como você, eu sou apenas uma vitima. Desculpe por eu não me lembrar de ter rosnado para você, mas se eu o tiver feito, peço desculpas por não saber rosnar diferente para quando estou com ciúmes. E sinto por ter te iludido, mas em nenhum momento eu aleguei ser alguém normal! Até onde eu sei, eu também nunca menti para você!

Eu nunca havia visto Roman tão chateado quanto naquele momento. Ele chegou até a gritar comigo. Foi então que eu pensei ter cutucado a sua ferida. Ele era como eu: Queria ser normal, mas a sua natureza não deixava.

- Desculpe-me Roman – eu pedi chorando.

Meus nervos estavam corroídos. Eu já não conseguia mais controlar os meus sentimentos. Eu não sabia se chorava por ele ter brigado e gritado comigo ou por ainda estar abalada com os acontecimentos. Talvez os dois.

- Anabelle, eu... – ele ficou desconcertado quando me viu chorando.

- Você tem sorte Roman! Comparado a mim a sua sorte é incrível! Porque, mesmo se você matar alguém, não precisa ficar com remorso depois! Você nem iria se lembrar mesmo! – gritei.

Então eu lhe dei as costas e comecei a andar.

- Anabelle! – ele me chamou.

Fiz-me de forte e orgulhosa e não me virei.

Ele correu até mim e segurou o meu braço. Puxou-me para si e eu bati contra o seu peito. Ele me abraçou fortemente. Seu coração batia vigorosamente em seu tórax, seu corpo era quente e confortável. Parecia que as gélidas brisas de outono não existiam.

- Desculpe ter gritado com você – ele me pediu acariciando os meus cabelos. – É claro que você não esta em condições de discutir comigo. Sinto-me um covarde. Acho melhor eu te levar até Alice...

- Não – eu o interrompi. – Ainda não quero vê-la. Primeiro preciso ir para casa. Preciso conversar com o meu pai.

Ele não questionou, apenas concordou com a cabeça. Então ele passou um braço em torno de mim e me levou para o seu carro.

O clima era tenso, entre nós dois. O caminho todo o evitei. Tentei não olhar para ele, pois, sempre que o fazia, enrubescia. Para esconder o deplorável silêncio, ele ligou o seu rádio, onde tocava alguma música do Deep Purple. Roman gostava de rocks clássicos.

Eu fechei os olhos por um breve momento e acabei adormecendo. Parece que três dias de depressão não foram bastante.

- Anabelle... Anabelle – ele me chamou.

Abri os olhos e o vi me encarando.

- Chegamos – ele disse desligando o carro.

Olhei para a minha casa escura e estranhei. Eram por volta das seis da tarde. Peguei o meu celular para ligar para o meu pai, mas ele já havia se adiantado: mandou-me uma mensagem de texto.

[Saí para ir ao supermercado. Volto em quinze minutos.]

- Ele saiu, mas já deve estar voltando – eu disse desligando o aparelho em minhas mãos. – Então... obrigada pela carona.

Abri a porta do carro, mas Roman me segurou pelo braço.

- Por que você não me agradece com um beijo? – pediu.

Eu suspirei, cansada.

- Roman...

Ele não quis ouvir o que eu tinha a dizer e me beijou. Sua mão puxou-me pela nuca e nossos lábios se encontraram. Eu não encontrei forças para empurrá-lo. Por algum motivo, eu sentia que precisava de carinho naquele momento. Era bom saber que tinha alguém que me amava e que se importava comigo. Independente do que eu fosse.

Eu poderia encontrar carinho em abundância em Roman.

Seus lábios eram uma leve carícia sobre os meus, sua língua aveludada e doce provocava a minha, seu fôlego falho e desesperado o ajudavam a fazer uma leve sucção. Abracei-o sobre seus ombros e minhas unhas agarraram-se ao tecido de suas roupas como uma pecadora se agarra à salvação.

E que salvação, hein?” minha consciência sumida provocou. “É apenas coincidência que seja o garoto mais gostoso de Liveway? Por que não abre suas pernas e da a sua virgindade à ele também?... Anabelle, à que nível você está se rebaixando? Você não gosta dele e sabe disso.

Sim, eu sabia. Porque, se eu realmente gostasse dele, seria doloroso - para mim - saber que as histórias românticas que eu lia me enganaram. Quer dizer, não existia magia, não existiam choques elétricos... Apenas prazer e excitação.

Mas Roman me fazia bem.

Tinha como eu rejeitar algo que me fazia bem? Algo que me fazia sentir menos monstro do que eu realmente sou. Uma garota amaldiçoada por alguém para ter um monstro lhe protegendo. Um “Guardião Sombrio”. Era a única resposta que eu tinha.

Em um momento de humanidade, separamo-nos e ele encostou sua testa na minha. Arfante. Seus olhos azuis escuros ficaram compenetrados nos meus claros.

- Eu sabia que você ainda ia ser minha, Malback – ele murmurou com petulância.

- Acho que você tem que deixar de ser convencido, Langerark – sussurrei.

Ele me deu mais um beijo sôfrego e eu perdi a linha do meu raciocínio.

Eu acho que já conheço essa história...” apitou minha consciência com alerta.


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