Consequências escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 3
Uma Nova Vida + Succubus


Notas iniciais do capítulo

A história está apenas (re)começando!!



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SUCCUBUS - Plural succubi, do latim succubare ("deitar-se embaixo de"). Demônio com aparência feminina que invade o sonho dos homens a fim de ter relações sexuais com eles e assim roubar-lhes a energia vital de que se nutre. Sua contraparte masculina é chamada de incubus, do latim incubare ("deitar-se por cima"). Tanto succubi quanto incubi podem sugar a energia sexual de homens e mulheres para se alimentar, e, na maior parte das vezes, deixam suas vítimas mortas, ou, se vivas, em precárias condições. Em lendas da Europa medieval cristã, as succubi tomam a forma de mulheres lindíssimas, de seios imensos, mas com cauda, asas de morcego e orelhas pontudas; às vezes exibem chifres e cascos. A sua expectativa de vida é de 750 a 800 anos. Quando invadem o sonho de alguém elas tomam a aparência do desejo sexual desse alguém, sugando a vitalidade proveniente do prazer da pessoa assediada. A mulher-demônio atrai e escraviza os machos, que "apaixonam-se" por ela e, mesmo fora do sonho, são incapazes de retirar sua imagem da mente. Segundo o Malleus Maleficarum, "Código Penal das Bruxas", o incubus poderia engravidar uma mulher humana usando o sêmen dos homens obtido no ataque sexual das succubi. Crianças assim nascidas eram mais suscetíveis à influência demoníaca, podendo vir a ser bruxos e bruxas.

Lilith (a 1ª mulher de Adão, de acordo com a Cabala) é sua deusa e rainha. Ela alcançou a imortalidade ao casar-se com o Anjo da Morte Samael; igualmente, é uma das cinco amantes de Lúcifer, se formos dar crédito a certas tradições hebraicas e gnósticas.

Enciclopédia de Monstros Sobrenaturais

Dezoito meses atrás, na Academia Youkai.

– Mas como?! Como eu vim parar nesta escola terrível...!?

Tsukune Aono estava mortalmente apavorado. E não faltavam motivos para tanto. Ele, um jovem rapaz humano de quinze anos, absolutamente normal, olhos castanho-médios amendoados e cabelos castanho-escuros, nascido e criado nos arredores de Tóquio, havia ingressado - por engano - numa academia exclusiva para monstros e demônios! Coisas saídas de antigos mitos e lendas, que apenas fingiam ser pessoas comuns, visando aprender a sobreviver incógnitas no mundo dos humanos, e que, para preservar seu segredo, pautavam-se por regulamento radical e xenófobo, ou seja, MATAVAM todo e qualquer humano legítimo que tivesse o infortúnio de colocar os pés naquele lugar medonho protegido por uma barreira mística invisível - ainda que o infeliz humano houvesse ido parar lá por acidente ou um equívoco, tal como acontecera com ele.

Fazia apenas poucas horas que estava lá, mas já tinha visto e ouvido o bastante.

"Deus do Céu! Como é que eu não desconfiei?! Tava tudo errado desde o início! Primeiro aquele motorista esquisitão do ônibus escolar, com os olhos brilhando feito duas lanternas, que me falou: 'A Academia Youkai é um lugar muuuuuuuuito horripilante!!' Depois o jeitão desse lugar, com o céu quase todo fechado, o cemitério em volta, o casarão, os raios, relâmpagos e trovões... Um mundo totalmente diferente de onde eu vim... E aquela professora, como é que se chamava, Shizuka Nekonome, tinha rabo e orelhas de gato! E o brutamontes com piercing no lábio e na língua, falando de COMER todos os humanos!"

Andando pelos corredores, dominado pelo pânico, Tsukune se perguntava de quem era a culpa por tamanha situação desesperadora. De seu pai e sua mãe, que, eivados de boas intenções, o pressionaram a aceitar o folheto de inscrição para a tal da "Academia Youkai" que um misterioso "monge" deixara cair e que seu pai havia providencialmente encontrado ao caminhar pela mesma calçada? Ou do próprio Tsukune, um estudante tão medíocre que falhara em todos os exames prestados para ingressar no ensino médio, não lhe restando opção senão entrar para aquele desconhecido internato particular ou parar de estudar? "Não importa de quem é a culpa. Importa mesmo é que eu tô aqui, nesta escola de pesadelo, sozinho, indefeso, sem nenhum amigo... nenhum ser humano como eu. Se eles descobrirem quem e o que eu sou, vão me matar... talvez até me comer... Tenho que dar um jeito de sair deste inferno! Urgentemente!"

Ele escreveria uma carta de desistência para o diretor, e a entregaria pessoalmente. Depois poderia embarcar de novo no ônibus, atravessar o túnel interdimensional que ligava a bizarra escola dos demônios ao mundo dos humanos, e então retomar sua vida medíocre, totalmente comum. Ir, afinal, para um colégio humano, fazer amigos normais, e quem sabe, esquecer de uma vez para sempre aquela experiência aterrorizante demais para ser verdade. "Isso mesmo! Um sonho mau, um delírio, nada mais."

Saindo do prédio principal da escola, um vetusto casarão gótico de quatro andares com ar de mal-assombrado, Tsukune passou apressado pelo jardim externo, de um verde fenecido, semimorto, mas paradoxalmente bonito e bem cuidado, e encaminhou-se a passos largos na direção do prédio dos dormitórios, que, a seus olhos, não passava de um pardieiro decrépito, cercado de velhas lápides tumulares e troncos secos de árvores mortas. Pelo menos, na privacidade de seu quarto, seu segredo estaria seguro. Na Academia Youkai, todos os alojamentos eram individuais a fim de preservar as identidades dos estudantes. E estes estavam terminantemente proibidos de expôr suas verdadeiras formas aos colegas.

"Afinal, não tenho nada nem ninguém que me prenda nesse covil de monstros."

Foi quando ele ouviu uma voz feminina gemer: - Oh... Ohhh...

Tsukune estacou, perplexo. Estaria alucinando?

– Por favor... Al... Alguém... me ajude! - A voz feminina gemeu novamente.

Desta vez era inequívoco. Tsukune notou que a voz provinha de um bosquete de árvores desfolhadas à sua direita. Pavorosos e grotescos carvalhos mortos se entrelaçavam e contorciam, com os galhos secos eriçados onde se empoleiravam funestos corvos negros qual noite sem lua e sem estrelas, grasnando aziagos que nem psicopompos à espreita das almas dos falecidos. Sem pensar duas vezes, Tsukune embrenhou-se no pequeno bosquete caducifólio morto, por entre grossas raízes retorcidas, pardacentas, como escuras serpentes correndo parcialmente enterradas no solo crestado de onde emergia, aqui e ali, um ou outro crânio amarelento de ALGO que já fora humano, ou, pelo menos, humanoide - com ofídios e aracnídeos de aspecto repugnante entrando e saindo pelas órbitas vazias. Finalmente, bem perto de um curioso relicário que lembrava vagamente uma stupa do período budista tardio, e tendo ao fundo um muro baixo revestido de hera venenosa, Tsukune avistou uma garota de joelhos, que parecia estar sofrendo. Estava vestida com a saia pregueada xadrez ocre e a camisa social branca do uniforme escolar, mas com um laçarote vermelho ao estilo gravata borboleta e, no lugar do tradicional blazer verde-garrafa, um suéter amarelo sem mangas.

E que garota! Tsukune não cabia em si de espanto. A primeira coisa que ele reparou foi o cabelo azul-claro, exótico, de rara beleza, amarrado com uma fita roxa. Seria sua cor natural? Contudo, o que mais lhe chamava a atenção (como não poderia deixar de ser) era o volume dos seios imensos, generosos, que a camisa do uniforme, coberta pelo suéter, não conseguia esconder. Boquiaberto, Tsukune não tirava os olhos da garota. Sua figura meiga e sensual parecia um tanto deslocada no meio daquele sítio tão tétrico.

(Não sendo clarividente, o bom Tsukune era incapaz de ver a forte aura sedutora, cor-de-rosa, que reluzia em torno da moça, no plano astral. Sedução holochacral, chuu!)

– Dá licença... - ele balbuciou, tímido, porém tomado das melhores intenções.

– Por favor... Ajude-me... - disse ela, ao ver o estudante se aproximando. Seus olhos estavam semicerrados, sua cabeça pendia para o chão, sua respiração era pesada e ofegante. - Estou tão... fraca... - Ela premiu o busto enorme com a mão direita, dando ao rosto bonito uma expressão de dor, de quem sente uma sensação de sufocamento, ou "peito apertado".

– Por favor, me dê sua mão...

Tsukune apressou-se para socorrê-la, sem se importar que fosse youkai ou humana, pois, a seus olhos, ela era apenas uma garota em dificuldades. E ele era o proverbial "bom moço", dotado de um grande senso de cavalheirismo que o induzia a querer proteger toda e qualquer mulher em apuros. Sua mais bela (para não dizer única) qualidade!

– Deixe-me ajudar você a ficar de pé - disse ele, prestativo, e, segurando-a pelos ombros delicados, fê-la levantar-se o mais gentilmente possível sobre os próprios pés, amparando-a em seus braços. Estimou-lhe a altura em 1,53m ou 1,54m. A pele clara e lisa exibia um belo tom de pêssego rosado. - Eu vou te levar para a enfermaria...A carta fica pra depois.

Um rosto mongólico, de maçãs salientes coradas, levantou os olhos para ele. Olhos futae amendoados, de cor violeta, lembrando um par de ametistas (extremamente raros nos verdadeiros humanos). E então ela falou, e sua voz era harmoniosa. - Muito obrigada... Ai! Eu sempre tive problemas de saúde, sabe... Meu corpo é tão frágil...

Ela praticamente grudou seu corpo flexível ao dele. Disse: - É... É o meu peito. Começou a doer de repente...

Tsukune nunca tivera uma namorada, nem estava acostumado a ter contato físico mais íntimo com alguém do sexo oposto. Por isso, foi mais perturbado do que satisfeito que sentiu a maciez dos seios da garota pressionando contra seu tórax. "Uau! Ela é pequena mas tem uns peitões enormes, tão macios... como pode ser?", ele ponderou com seus botões. Sentiu as mamas enormes dela espremidas contra seu peito, roçando nele como se tivessem vida própria! Os globos oculares de Tsukune se arregalaram, parecendo saltar das órbitas, e sua boca se abriu numa exclamação muda. Ahh...!!

– Alguma coisa errada? - perguntou a garota, fingindo uma inocência que não tinha.

– N-não... N-nada... - tartamudeou Tsukune, esforçando-se por manter o controle. Não podia dar bandeira de que estava excitado. Que pensaria dele a pobre moça?

– Desculpe por te incomodar, Tsukune-kun - ela disse baixinho, quase implorando.

– Ah, não foi nada... - ele começou a falar, mas logo em seguida se interrompeu, estupefato. - Peraí, como é que você sabe o meu nome? A gente se conhece?

Tendo percebido que pisara na bola, a garota se calou. Por um instante ela pareceu refletir e, sorrindo amarelo, respondeu:

– Ora, ora, somos colegas de classe. Estamos na mesma sala, 1-3, certo?

– Mesmo você dizendo... - Tsukune não se recordava de tê-la visto entre os alunos.

– Nekonome-sensei falou de você. Lembra?

(Que desculpa mais esfarrapada essa da "garota-bazuca", chu!)

Recordando-se do fato de estar em uma escola para youkais, Tsukune preferiu não fazer mais perguntas. Uma suspeita horrível brotou em sua mente. "E se ela for telepata? E se leu meus pensamentos e descobriu que sou um humano? Mesmo sendo linda desse jeito, ela também é um youkai, né? E eles matam gente que nem eu!"

– Me segura mais forte - disse ela com voz doce, apertando-se ainda mais contra ele. Tsukune sentiu os seios imensos "pulando", propositalmente roçando-se no seu tórax. - Eu tenho estes espasmos, sabe... E me dá um aperto muito grande no peito, e uma queimação, como se fosse explodir. - Enquanto falava, uma portentosa aura astral azul-índigo formou-se ao redor de ambos, entremeada de raios, relâmpagos e chumaços lampejantes. - Fica comigo, por favor, Tsukune-kun!

"Ah... Aaaah... Kami-Sama! Deus do Céu! Esses... esses melões... hã, peitões... Tão GRANDES e MACIOS!!" Agora era o peito de Tsukune que parecia querer explodir e queimar intensamente, premido pelo busto superdimensionado da misteriosa garota de cabelos azuis que nele se esfregava sem cessar. "Calma! O que eu tô pensando?! Eu tô perdendo a razão!" Sentia suas forças esvaírem-se, como que drenadas, sugadas por aquele prodigioso par de seios voluptuosos friccionando-se contra si, apesar das camadas de roupa interpostas entre seus corpos. Sua cabeça pendeu entre as mãos alvas e delicadas da youkai. Foi quando ouviu a voz dela, que sussurrava suavemente:

– Olha nos meus olhos, Tsukune-kun... Seja bonzinho comigo, OK?

"Que olhos lindos", ele pensou extasiado. "Eu nunca vi nada igual." O rapaz deixou passivamente seu olhar afundar na imensidade cristalina azul-violeta-escura daquelas íris de uma beleza transterrena, inumana, daqueles olhos magnéticos a hipnotizá-lo, atraindo-o para as ignotas profundezas abismais de puríssima ametista. "Mas que vontade louca é essa de abraçar a menina? Que é que está acontecendo comigo, meu Deus?"

Ato contínuo, Tsukune abraçou-a com força, apertou-a junto de si sofreguidamente. Ele beijava sem parar os olhos, a testa, os cabelos da "estranha conhecida" como se fosse a mulher da sua vida, nada menos que isso. O campo áurico que os rodeava faiscava em um vermelho-púrpura e laranja intenso, ígneo, perceptível à distância por qualquer ser dotado de faculdades transcendentais. Era puro psicossoma em chamas.

"O que eu tô fazendo... Uaahh!"

Tsukune Aono já não era senhor de si. Estava perdendo a sua alma.

Kyaaah! Não... Tsukune! Ai, ai!!! Pare!!!

O gritinho estridente da moçoila de cabelos azuis arrancou o jovem Tsukune do frenesi passional em que se achava mergulhado. Perplexo e envergonhado, ele começou a se desculpar, gaguejando, sem saber onde enfiar a cara. Naquele momento, Tsukune Aono se odiava, considerando-se o mais desprezível, o mais miserável dos homens. Um patife.

– Olha... Me-me perdoa... Não sei o que me fez te agarrar assim, feito doido... Eu... Eu nunca tomei liberdades com uma garota, muito menos passando mal!

– Não, não. Tudo bem - disse ela, tentando confortá-lo. - Foi tudo culpa minha. Isso sempre acontece quando me aproximo de um homem. É da raça, sabe... Minha raça.

– Sua raça?

– É, sou uma succubus. - Sorriu meio sem graça. - Oh! Mas é proibido revelar quem e o que somos, né?

– Deixa pra lá. Nem sequer sei o que é um succubus.

– Melhor assim. - Ela torceu os lábios rosados num sorriso mínimo. Pensou: "Não, eu não vou usar allure pra seduzir o Tsukune. Não desta vez."

– Meu nome é Kurumu Kurono. Vamos ser amigos?

– Amigos? - repetiu Tsukune, surpreso. Justo quando pretendia escrever seu aviso de saída, entregá-lo e fugir o quanto antes daquele colégio maluco... Pela primeira vez sentiu-se indeciso sobre se realmente deveria ficar ou sair.

– Por favor, Tsukune-kun, seja meu amigo - insistiu Kurumu, amparando-se nele. - Eu nunca tive um amigo... Não neste mundo. Tudo o que os homens veem, quando olham pra mim, é um corpinho gostoso, seios, bunda, coxas... Mas, embora eles me tratem como uma princesa, no fundo eu sei que só pensam "naquilo". Nenhum é meu amigo de verdade.

– É uma história triste - disse Tsukune comovido, balançando a cabeça. O jovem humano começava a sentir uma forte empatia por aquela youkai de cabelos azul-claros. O contraste entre a estonteante e intoxicante beleza da menina e sua confissão de solidão era tocante. - E a tontura, o mal-estar? Você tá bem?

– Eu tô bem melhor agora - respondeu Kurumu. - Graças a você. A sua bioenergia me salvou. Como fazia tempo que não me alimentava, acabei ficando fraca e doente.

– Bioenergia? Se alimentar? - Tsukune olhou-a de soslaio. - Me explica isso direito!

Kurumu suspirou. - Em outras palavras, a sua energia vital. Aquilo que te dá vida. É do que uma succubus se alimenta. Podemos fazer isso por meio de carícias, beijos e roçar de corpos, ou...

– Ou o quê?

– Deixa pra lá - ela fez um gesto de pouco caso. Pelo menos por enquanto preferiu não comentar sobre como succubi e incubi podiam drenar a energia vital sexual de homens e mulheres copulando com eles. E das consequências mortalmente sérias para as vítimas.

– Espera, então quando os seus... hã... - Tsukune pigarreou, um tanto constrangido - cê sabe... - quando roçaram em mim, então você... - Ele corou.

– Eu dei uma beliscadinha na sua energia vital, o suficiente pra ficar de pé e andar.

– De qualquer jeito, eu tenho que te levar para a enfermaria.

Domo arigato, Tsukune-kun. Você é muito bom e gentil.

– Vamos - disse ele. E a levou para a enfermaria escolar.

************

– Desculpe por te incomodar tanto, Tsukune-kun.

– Ah, deixa disso, Kurumu-san. Você está bem agora?

– Eu tô legal. Obrigada por me ajudar, viu?

– Não foi nada. Pra falar a verdade, fiquei impressionado com a enfermaria daqui, toda aparelhada e cheia de recursos. Até parecia que eu tinha voltado pro mundo humano.

– A ideia é essa, né? Ensinar aos youkais como sobreviver na sociedade humana sem despertar suspeitas, como se fossem verdadeiros humanos. Daí que tudo tem de ser igual.

Tsukune Aono e Kurumu Kurono estavam no pátio exterior da academia, um lugar aprazível em contraste com o aspecto tétrico e sinistro da paisagem circunvizinha ao prédio. Havia alguns bancos de praça, em madeira, para os alunos descansarem ao ar livre, além de uma máquina de refrigerantes que dava cem opções diferentes de bebidas. Um jardim verde e florido de bom tamanho estendia-se por trás dos bancos. Era intervalo das aulas e viam-se muitos estudantes andando a esmo pelo pátio ou sentados nos bancos, rindo, conversando, paquerando, ouvindo música nos walkmen e fones de ouvido. Não havia tanta diferença assim de uma típica escola humana do Japão no início do século XXI.

– Minha mãe diz que sou fraca assim desde que nasci - disse Kurumu. - Se você não tivesse me encontrado e me socorrido a tempo, sei não... (A verdade é que Al-Lahab, o Ifrit, sugou toda sua energia quando a enviou no passado e alterou a linha temporal, chu!)

– Sério? - ele indagou, fazendo cara de bobo. Pensou, indeciso e inseguro de si: "Kurumu-san é uma menina tão graciosa, fofa... ela mexe comigo... mas é uma 'demônia'! Ela é muito diferente de mim!" E assim mesmo, parecia tão humana, a despeito dos cabelos azuis e dos grandes olhos cor de violeta. Pela aparência externa, poderia ser confundida com alguma harajuku girl que tinge os cabelos e usa lentes de contato coloridas do tipo Anime Eyes. "Ah, e com um desenvolvimento mamário exagerado", Tsukune não pôde deixar de pensar. "Assim mesmo, ela é um youkai... Mas será que isso importa?"

Kurumu tomou-lhe rapidamente a mão, puxando-o. - Vamos fazer algo divertido.

– Kurumu-san - Tsukune principiou devagar e acentuando as palavras. - Antes de te encontrar lá fora eu já tinha resolvido ir embora da academia... pra uma escola humana.

A succubus mirou-o com carinho. - Tsukune-kun, deve ser solitário e assustador pra você, sendo o que é, numa escola de youkais...

Ele franziu o cenho, desconfiado. - Sendo o que eu sou? O que você quer dizer?

Kurumu chegou bem perto do ouvido dele e sussurrou: - Humano!

O rosto de Tsukune ficou branco feito uma vela de parafina. - Eu sabia! Eu sabia! Você lê pensamentos!

– Tsukune, por favor! - Ela tomou o rosto dele entre suas mãos e o encarou gentilmente. Pensou: "Droga, dei outro fora!" Então mergulhou seus orbes violeta nos dele, castanhos, para tranquilizá-lo. Disse, em voz baixa, apenas para ele ouvir: - Primeiro, eu NÃO sei ler pensamentos. Segundo, eu ADORO humanos, em particular rapazes humanos. Não precisa ter medo de mim, que não pretendo te fazer nenhum mal. Confie em mim, sou sua amiga. Sua nova amiga.

Enquanto falava, irradiava um campo vibratório que foi envolvendo a si mesma e ao Tsukune em uma aura cor-de-rosa e dourada de amor puro. Charm! Como toda succubus, Kurumu possuía a habilidade mágica de sedução conhecida como charm, ou allure. "Mas eu não quero fazer de você meu escravo, Tsukune, porque eu te amo... só você."

– De-desculpe, Kurumu-san – ele gaguejou, sorrindo encabulado para ela. - Você é tão legal, tão gente fina, e eu sou um bobalhão... um cara que nunca soube falar com uma garota. Mas como foi que você descobriu... hã, a minha verdadeira forma?

– Primeiro, pelo seu cheiro.

– Cheiro?

Ela voltou a sussurrar ao pé do seu ouvido. - Você tem cheiro de humano. Muito bom, aliás. Meu olfato de succubus é excelente. Depois tem também a energia espiritual da sua aura; posso sentir que você não tem youki, que é a energia espiritual dos youkais. Você tem reiki, que é a energia espiritual que os humanos possuem. Humanos têm reiki, youkais têm youki. - Deu de ombros. - Se bem que, no fundo, o ki, a energia vital universal, é igual pra todo mundo, seja youkai ou humano. Mais do que isso eu não sei.

Tsukune franziu o cenho, coçou a cabeça e murmurou: - Leva a mal não, mas esse lance de "energia espiritual" é complicado. Não entendi foi chongas!

Kurumu soltou uma gargalhadinha. - Nem pense que eu sei lá grande coisa! Mas, se eu descobri o que você é, outros também podem descobrir, ou pelo menos, desconfiar. Você não pode dar mole pros monstros, Tsukune-kun.

– Não "dar mole"? - ele repetiu, começando a tremer de tão nervoso. A conversa com Kurumu quase o fizera esquecer, por pouco, a verdadeira natureza daquele lugar. - E como é que eu não dou mole? Me diga, por favor!

– Bobinho, é só ficar perto de mim e não entrar em pânico - ela retrucou, sorrindo e fazendo carinho no rosto dele. - Sou uma succubus poderosa. Fique sempre junto de mim e eles farejarão o meu cheiro e rastrearão o meu youki, nada mais.

"E eu voltarei a ser a garota mais popular da escola", cogitou maliciosamente a lili, evocando a memória dos "bons velhos tempos" pré-Moka Akashiya (uma jovem succubus podia armazenar toda a energia consciencial de que necessitava para subsistir desfilando de minissaia esvoaçante mostrando a calcinha e blusa justa que realçava os seios em um colégio repleto de monstros adolescentes com hormônios à flor da pele!). Claro que nada disso lhe importava mais, agora que tinha o "seu" Tsukune Aono só para si. Suas pupilas se dilataram ligeiramente para indicar interesse e atração quando deixou seu olhar deslizar pelo rosto moreno e pelo corpo magro e não muito alto do moço nipônico de quinze anos, envergando o blazer verde-garrafa com o brasão da Academia Youkai, gravata vermelha, camisa branca e calça social amarelo-ocre. Aquilo lhe dava prazer. "É maravilhoso ver que Tsukune voltou a ser completamente humano. Inocente. Do jeito que sempre deveria ser. Só o cabelo tá um pouco menos escuro, nada mais. Eu até perdoo aquele safado do Amani-san por ter me jogado pra trás no tempo, vinte minutos depois do término da aula, em vez de vinte minutos antes do começo. E quase morta de fome de energia! Mas, tudo OK. Importa mesmo é eu e o Tsukune estamos aqui, juntinhos de novo, só que melhor que da primeira vez. Muito melhor, yahoo!"

– Venha - disse ela subitamente, puxando Tsukune pela manga. - Quero te mostrar uma coisa que tenho certeza que você nunca viu em toda sua vida.

Os dois foram caminhando pelo pátio e pararam em frente ao jardim.

– Rosas verdes e azuis! - exclamou Tsukune estupefato.

– Olhe aquela ali - falou Kurumu, apontando para uma grande rosa que se destacava das demais por suas vinte e duas pétalas de uma esplêndida cor azul-cobalto salpicada de pingos vermelhos como miríades de gotas de sangue. - É a "flor de Lethe".

– Eu nunca vi nada igual - Tsukune murmurou embevecido.

Tinha ouvido falar, é verdade, que cientistas japoneses e australianos trabalharam para produzir uma variedade de rosa de um tom violeta-azulado, chamado de murasaki, pela combinação de técnicas de DNA a partir do pigmento extraído de outras espécies de flores azuis. Mas nada que se comparasse à beleza etérea e transcendental daquela flor exótica que qualquer botânico do mundo humano louvaria como a quintessência evolutiva da família das Rosaceae.

– A flor de Lethe tem um ciclo de vida de vinte e quatro horas - explicou Kurumu. - Quer dizer, ela só dura um dia. E quem aspira o pólen e o perfume dela perde a memória, se esquece da vida passada, sua história de vida, tudo enfim. É igual a zerar o HD de um computador... eu acho.

– Eeeeh... Sai pra lá com essa flor! - Tsukune riu. - Como é que você sabe tanto?

– Uma bruxinha me contou - Kurumu respondeu com uma expressão maliciosa.

– Bruxa...? - balbuciou Tsukune, amofinado, sua imaginação apressada pelo pânico já evocando a imagem de uma mulher velha e feia, com as costas encurvadas, pele brunida, nariz comprido e queixo enrugado, cberta de trapos, trajada de negro, enfim, o estereótipo da yamamba, ou yama-uba, a temida bruxa da montanha do folclore japonês.

– Duas lindas bruxinhas do bem, de olhos lilases - disse Kurumu em voz baixa, pensando em Ruby Toujyou e Yukari Sendo. Ruby, com toda certeza, inda estaria morando com sua velha mestra, Oyakata, na Colina da Bruxa, e ainda odiaria os humanos que tão cruelmente perseguiram e mataram seus ancestrais. E quanto a Yukari?

Agachou-se para aspirar o aroma de uma belíssima rosa verde de treze pétalas, de um verde-claro luminescente, e, não resistindo à tentação, colheu a linda flor e ofereceu-a a Tsukune, que, maravilhado e um pouco relutante, aceitou-a.

– Mas não é contra as regras pegar flores do jardim? - ele indagou, preocupado, olhando de um lado para outro, com a rosa na mão. E se fossem apanhados em flagrante?

Kurumu riu. - Vai se admirar de saber quantas regras não são seguidas por aqui.

Tsukune sorriu discretamente, agradeceu e guardou a rosa no bolso do blazer.

– Por mais inacreditável que pareça, fico esperando encontrar a vampira patricinha de cabelo rosa-algodão-doce a qualquer momento - falou Kurumu, como se monologasse, observando atentamente os estudantes que iam e vinham do pátio externo.

– Vampira?! - repetiu Tsukune, perplexo, e passou a mão pelos cabelos castanho-escuros. - Tem vampiros nessa escola?! Monstros que bebem sangue e odeiam luz solar, alho, água benta, crucifixos e rosários que nem naqueles filmes de terror ocidentais?!!

– É, mais ou menos isso - confirmou Kurumu, rindo. - Exceto pelo detalhe da luz solar. Os vampiros que eu conheço, pelo menos, têm mais problemas com a água do que com o sol. Mas não precisa entrar em pânico, não. Eu te protejo. Se algum sanguessuga metido a besta tentar chegar perto do Tsukune, boto pra correr com uma bazuca d'água!

Tsukune viu-se obrigado a rir também. Kurumu fazia o terror parecer engraçado. Talvez houvesse uma lição para se aprender nisso. "Ela é tão bem humorada... e linda!", pensou o garoto, sentindo uma ligeira taquicardia. Afinal de contas, apesar de tímido, não deixava de ser um macho humano adolescente normal, cheio de hormônios em ebulição. Ele ainda se lembrava perfeitamente do busto volumoso roçando contra seu próprio peito, da sensação de calor, deliciosa e ao mesmo tempo amedrontadora, pelo corpo todo, que aquilo lhe provocara. E que o fazia se sentir bem. "Pervertido!", gritou mentalmente para si.

Por um instante ele se permitiu imaginar o que poderia ser sua vida escolar em uma Academia de Monstros, tendo ao seu lado uma amiga como Kurumu Kurono, tão bela e sempre de bom humor. Até que não é má ideia.

E aí, Tsukune-kun, ainda tá pensando em ir embora?

A pergunta de Kurumu, formulada de supetão, tirou Tsukune de suas elucubrações. De qualquer modo, a pequena batalha mental que travara consigo mesmo estava terminada. Ele havia tomado uma decisão.

– Kurumu-san... - disse, com um certo cuidado. Mas foi interrompido pela garota:

– Olha, Tsukune-kun, eu gostaria muito que você ficasse, mas, se quiser sair da escola, voltar pro mundo humano, tudo bem, eu compreendo. E vou junto.

– Kurumu-san... no mundo humano?!

– E por que não? Eu já estive lá.

Tsukune sorriu e meneou a cabeça. - Não precisa, Kurumu-san. Eu resolvi ficar.

A fisionomia da succubus se iluminou. - Jura?

Tsukune balançou a cabeça afirmativamente. - É, eu vou ficar. Dar uma chance à Academia Youkai. Minha mãe e meu pai são meio "avoados", sabe, mas eles me ensinaram a não julgar os outros só por serem diferentes da gente. Então, eu quero conhecer o mundo de vocês. E quem sabe, fazer novas e boas amizades. Começando com você, Kurumu-san... - O sorriso tímido se alargou um pouco mais.

Yahoo! - A garota-demônio abraçou efusivamente o garoto humano, pressionando o rosto dele contra seu busto avantajado com tamanho entusiasmo e sofreguidão que por pouco não o sufocou. - Nós dois vamos ser muuiito felizes nessa academia, Tsukune-kun!

(A sua aura astral era um torvelinho de mandalas rodopiantes rebrilhando em tons de vermelho vivo e rosa, chu!)

"Ai, meu Deus do Céu! De novo essa maciez quente e gostosaaaaaaaaa...", pensou Tsukune, quase asfixiado e a despeito do suéter, camisa e sutiã de Kurumu interpostos entre seu rosto e as glândulas mamárias dela. "Será que ela faz isso com todo mundo?"

Oh! Gomenasai - ela desculpou-se, levemente encabulada, liberando o garoto. - É que fiquei tão emocionada... Não pude me conter... Nós, succubi, somos assim.

– Le-legal - tartamudeou Tsukune, respirando fundo, seus cabelos despenteados, sua fisionomia afogueada, uma vez livre do amplexo avassalador da succubus. Ele se questionou se ter o sangue sugado por um vampiro mordendo seu pescoço poderia ser pior.

Kurumu tomou-lhe a mão rapidamente, puxando-o. - Vamos, Tsukune-kun - ela disse alegremente. - A próxima aula está pra começar.

E lá foi ela, explodindo de contentamento, com Tsukune a reboque, de volta ao interior da Academia. Por onde passava atraía os olhares cobiçosos de membros do corpo discente masculino para seus seios generosos, balouçantes, apertados contra a camisa do uniforme e o suéter, bem como para suas pernas lindíssimas (e coletando a energia sexual extravasada pelos desejos e luxúria dos rapazes que não desgrudavam os olhos dela).

Seria tão fácil empregar seu poder de sedução holochacral - chamado de allure, charm ou glamour - para mesmerizar Tsukune e então selar sua conquista com o beijo que pode escravizar a alma de um homem, tal qual tentara fazer com ele da primeira vez, antes de reconhecê-lo como seu "destinado". Agora, porém, que conhecia profundamente a alma de Tsukune (tendo descido ao seu âmago, às profundezas do subconsciente, para resgatá-lo), era-lhe inconcebível agir como um "demônio do sonho" em relação ao jovem nipônico.

Tsukune, eu não vou usar charm e allure, ou qualquer encanto de succubus em você. Mesmo porque nossa regra mais sagrada me proíbe de usar o charm no meu "destinado", e esse é você. Não, eu hei de conquistar o seu coração do jeitinho mais convencional... Que nem uma mulher humana, leve o tempo que levar. Sim, Tsukune, Kurumu vai te fazer feliz.

Entrementes, Tsukune, enquanto caminhava de mãos dadas com Kurumu, percebia os olhares escancarados, eivados de inveja ou ódio, endereçados a si próprio, tanto quanto de cobiça e desejo em relação à sua nova amiga. Podia ouvir os sussurros dos outros rapazes, juntamente com toda sorte de impropérios e maldições que lançavam contra ele. Os cães ladram, mas a caravana passa. Abrahams-sensei, um gaijin do Brasil que fora seu professor de Geografia no ensino secundário, lhe ensinara este ditado árabe, muito sábio, aliás. "E que se mordam", acrescentou em silêncio. Ele, um humano entre youkais, ainda se sentia inseguro e temia por sua integridade. "Mas eu vou ficar bem. Porque encontrei alguém especial nessa academia de monstros que eu não encontraria em nenhum outro lugar. Uma amiga preciosa!" Apesar de conhecê-la há pouco menos de uma hora, Tsukune afeiçoara-se à linda youkai de cabelos azuis e olhos cor de ametista, com seu jeito extrovertido e "alto astral", seu sorriso meigo e sensual. "Será que um dia... eu e a Kurumu-san podemos vir a ser... sei lá, mais que amigos?", ele ousou cogitar com seus botões. (Risada mental.) "Não. Sem chance que uma menina linda, popular, interessante e divertida feito a Kurumu-san me queira... Nem em cem mil anos isso ocorreria", ponderou o japonês, meneando a cabeça.

– Tsukune-kun - disse ela, em tom discreto e carinhoso.

– Sim, Kurumu-san.

– Por favor, me chame de Kurumu-chan.

– Tá legal... Kurumu-chan. E pode me chamar só de Tsukune.

– É o seguinte, Tsukune - disse ela, segurando firme na mão do rapaz humano, enquanto percorriam os corredores de paredes pintadas num cinza-azulado claríssimo de volta à sala de aula. - Não se meta com aquele marginal do Saizou... cê sabe, o grandalhão cabeludo cheio de brincos e piercing no beiço; ele te quebra ao meio com uma patada. É um vagabundo molestador de meninas que causou tanto problema no Ningenkai que acabou ficando sem opção e veio pra cá. Depois, se você vir a cauda de gato da Nekonome-sensei aparecendo, fique na sua, nunca chame a atenção dela; ou você pode acabar com a cara toda lanhada a unha de gato. E vê se fica longe das garotas do Clube de Natação, que elas te comem vivo, e eu tô falando muito sério!

– Ui, que medo! - Tsukune replicou baixinho, meio a sério e meio de brincadeira. A verdade é que segurar a mão de Kurumu o fazia se sentir bem. - Mudando de assunto, cê não achou o dormitório daqui um terror?


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Notas finais do capítulo

OBS.: "Lili", singular de "lilin" (em aramaico), cada um dos filhos e filhas demoníacos de Lilith, ou seja, íncubos e súcubos. Segundo o "Alfa Beta", do Rabino Ben Shira, Lilith, acasalando-se com os demônios, gerava uma centena de filhos-demônios por dia!!
"Harajuku girls" são garotas "otakumaníacas" que pintam os cabelos (de azul, verde, roxo, rosa-choque, cor-de-abóbora etc) e botam lentes de contato que "aumentam" o tamanho dos olhos, pra se parecerem com as personagens de anime/mangá que idolatram.
Meus agradecimentos especiais às minhas duas amigas e leitoras fiéis, Losferato e Dezauchihayasha, por acompanharem esta e outras modestas obras minhas. Hazak uvaruch!!



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