Signatum escrita por MilaBravomila


Capítulo 21
Capítulo 20 - O símbolo de Enoque


Notas iniciais do capítulo

boa leitura :)



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Meus sentidos voltaram lentamente. Ainda não tinha forças para abrir os olhos, mas podia ouvir uma música baixa e tranquilizante, totalmente diferente das que eu costumava ouvir. Senti algo macio sob meu corpo e um calor familiar ao meu lado.

Meu corpo doía. Muito. Senti um frescor no rosto, no lado direito e, aos poucos fui recordando os acontecimentos. Lembrei da caverna em Qunram, do símbolo estranho que encontramos e do ataque dos demônios. Lembrei que quase morri... ou será que eu estava morta? Bom, se eu estivesse no céu, provavelmente a música não seria tão ruim.

Senti uma mão quente trocar algo que estava sobre minha testa. Era um contraste interessante o calor da mão com a refrescância do objeto, eu não saberia dizer qual dos dois me aliviava mais a dor.

- Que bom que está de volta. - ouvi a voz de Jules bem perto de mim. Estava calmo, aliviado, e eu devo dizer que apreciei muito essas palavras, era tão raro ouvi-lo falar.

Com dificuldade, abri os olhos. Vi as coisas um pouco turvas no início, mas, aos poucos, foram tomando forma. Eu estava em um quarto bem esquisito. Era pequeno e tinha vários tapetes bregas nas paredes e alguns véus de cor neutra que pendiam do teto, formando uma espécie de decoração árabe bizarra.

- Pensei que estivéssemos em Israel... – falei com dificuldade, sem virar o rosto.

- Existem muitos tipos de lugares e hospedagens por aqui. Achei que fosse gostar desse.

- É bem brega, devo dizer. – brinquei.

Jules sorriu. Não pude ver, mas pude sentir claramente ao meu lado. Eu devo ter batido a cabeça muito forte mesmo ou devia ter sido levada para um universo paralelo pra fazê-lo sorrir.

Ele trocou mais uma vez o treco refrescante em minha testa e percebi que era um pano. Ele o banhou em uma bacia branca que continha uma solução rósea um pouco viscosa, e voltou a colocar o paninho em minha testa. Um frescor anestésico me atingiu e agradecia imensamente por isso. Conforme meus sentidos voltavam, também voltava a sensibilidade de meu corpo e as dores da batalha.

- O que aconteceu? – perguntei, finalmente virando para ele.

Jules estava sério – como sempre. Sentado numa cadeira ao lado da cama em que me encontrava. Os cabelos longos e lisos, sempre presos num rabo baixo junto as costas, estavam soltos, fazendo as madeixas compridas caírem pelos ombros. Era a primeira vez que o via assim. Era lindo. As feições finas e levemente quadradas estavam especialmente ressaltadas. Os olhos assumiam um tom acinzentado e misterioso, tal qual sua personalidade, e o corpo perfeito de guerreiro estava escondido sob a camisa preta lisa.

Ele me encarou tranquilo e deixou seus olhos percorrerem meu corpo, calados, inexpressivos. Eu sabia que ele me estudava a fim de saber se eu estava bem, mas senti meu rosto ruborizar ante seu olhar.

- Fomos atacados em Qunram. Eram muitos e quando os percebi, já era tarde. – ele falou, voltando a me olhar nos olhos. Parecia um tanto triste ou... culpado – Miguel e Melanie estão vindo.

- Melanie? Ele conseguiu resgatá-la! – falei sorrindo, feliz.

- De fato, devem estar chegando em algumas horas. Você dormiu por mais de um dia. – ele falou virando o corpo para lavar novamente o paninho que retirou de minha testa.

Antes de colocar o pano em meu rosto, Jules o direcionou para meu braço direito, fazendo movimentos suaves e pressionando devagar. Foi aí que percebi o quanto estava ferida. Todo o meu lado direito tinha sido arranhado, provavelmente quando ele me empurrou para a parede da caverna na tentativa de me salvar dos demônios, e também quando a criatura do submundo me arrastou um bom pedaço pelo chão. Senti também que meu pulso esquerdo e meu tornozelo direito estavam enfaixados, exatamente onde ele e a criatura haviam me segurado.

Jules limpava meus ferimentos delicadamente, concentrado, gentil. Eu o encarei enquanto trabalhava. Era incrível como ele podia ser tão bruto e violento durante as batalhas e tão gentil e delicado comigo. Anjos eram realmente criaturas bem diferentes de nós. Mas o que me incomodava um pouco era sua expressão de culpa disfarçada.

- Obrigada. – falei pra ele, finalmente agradecendo pelo o que fez.

Jules nada disse, continuou a limpar as feridas concentrado. Eu insisti.

- Jules, se não fosse você, eu estaria morta.

Ele continuou do mesmo jeito, direcionando sua atenção ao meu antebraço, como se eu não tivesse dito nada.  Delicadamente, segurou meu pulso e o levantou, limpando a palma de minha mão. Com esforço e incômodo, retirei minha mão de seu aperto, o que o fez me encarar. Ficamos nos encarando em silêncio e minha expressão era de raiva, incredulidade e dor, tudo junto. Ele me tirava do sério com esse jeito.

- Eu disse muito obrigada por salvar minha vida. – falei séria, ainda sem deixa-lo pegar meu pulso para continuar.

Ele entendeu meu recado, eu sabia, mas lia perfeitamente em seus olhos cinzentos e brilhantes que ele se culpava pelo meu estado. Irritada, eu tentei levantar, totalmente desajeitada.

- Se você vai agir dessa forma, então eu prefiro ir a um hospital. – falei enquanto tentava me levantar.

- Harper... – ele disse, pegando meu ombro e me impedindo de levantar – deita nessa cama.

Eu ainda fiz força para sair, mas Jules me pôs de volta a força, fazendo pra isso um esforço mínimo. Com um braço, ele me manteve deitada. Eu queria gritar pra ele que ele tinha salvado minha vida, que pouco importavam uns arranhões. Queria dizer que ele sempre me salvou, sempre me protegeu, desde a primeira vez que me encontrou. Eu estava irritada com sua atitude idiota. Mas as palavras não saíam de jeito nenhum de mim, era como se um nó estranho me impedisse de falar.

Ficamos assim, nos encarando. Ele com raiva de si mesmo, eu com raiva dele por sentir isso. Pela primeira vez, eu não disse o que sentia. Pela primeira vez, foram meus olhos quem transmitiram meus sentimentos. Era a primeira vez que eu tinha uma conversa tão silenciosa.

No fundo, eu sabia que ele só estava chateado por não ter conseguido me manter ilesa, mas era graças a ele que eu estava viva e isso ele tinha que entender. Aos poucos, nós dois fomos relaxando, aos poucos, aceitando os sentimentos um do outro.

- Obrigada. – falei novamente, sem desviar meu olhar do dele.

- De nada. – ele enfim respondeu, sem alterar sua expressão ou o tom de sua voz.

Sorrindo, me deixei relaxar por completo e fechei os olhos. Senti Jules pegar meu pulso novamente e continuar de onde parou. Agora eu sabia que o calor de sua mão era melhor que a refrescância do unguento.

...

Comecei a sentir um calor diferente. Era como o sol da manhã me aquecendo, masn muito melhor. Ouvi duas vozes masculinas ao longe, sussurrando palavras que eu não entendia. Abri os olhos e vi Melanie sentada na posição de lótus, ao meu lado, meditando, e o calor que senti vinha dela. Era como uma manta morna poderosa e iluminada, que me fortalecia a cada segundo.

- Sente-se melhor? – ela perguntou sorrindo, ainda de olhos fechados.

- Sim, muito. – respondi – Obrigada.

Olhei na direção das vozes. Miguel estava de pé, de costas pra mim, com todo o seu porte imponente. Jules estava ao seu lado, segurando um pedaço de papel. O olhar dele desviou rapidamente em minha direção e, depois, voltou para Miguel.

- Você foi muito corajosa. – Melanie falou pra mim, me fazendo encará-la.

- Bom, com o fim do mundo, eu não teria perdido muita coisa, não é? – ironizei.

- Mas seu mundo não vai acabar. – ela disse confiante, com a certeza de quem já viu o final do filme.

- Bom, então foi bom eu não ter morrido. – respondi sorrindo.

Melanie me conhecia a pouco tempo, mas acho que já tinha entendido meu senso de humor. Ela não disse nada, apenas continuou com um sorriso curto nos lábios. Eu queria perguntar o que tinha acontecido com Lucius, mas achei melhor não fazê-lo. No fim das contas, ela estava de volta... mesmo que um tanto quanto diferente.

Nessa hora, Miguel e Jules se aproximaram de nós e entendi imediatamente o motivo da mudança de Melanie. Os olhos dela brilharam como diamantes quando o Arcanjo se aproximou, e o mesmo partiu dele ao encará-la, embora ele se mantivesse firme, imperial. Ai céus, eu não merecia segurar uma vela divina...

- Como se sente? – Miguel perguntou pra mim, assim que se aproximaram.

- Pronta pra outra. – respondi confiante no alívio do unguento de Jules e na meditação de Melanie, ignorando a ardência em minha pele.

- Ótimo, porque não temos boas notícias. – ele disse.

Nossa atenção era total, minha e de Melanie, e pela cara de Jules, não vinha nada de bom por aí. Então o Arcanjo nos mostrou o papel onde Jules havia desenhado o símbolo que encontramos em uma das cavernas. Eram os triângulos inversos, um em cima e outro embaixo, cada um virado para um lado, com uma linha ligando os dois e tudo envolto por um círculo. Vi que Melanie respirou fundo, mas não soltou o ar. Eu estava perdendo alguma coisa.

- O triângulo pra cima, representa o Céu, ou a Santíssima Trindade. – Miguel começou – e, por analogia, o triângulo de baixo é a Trindade Oposta.

- Trindade Oposta? – perguntei curiosa – Nunca ouvi falar em uma Trindade Infernal.

- Bom, você nunca ouviu falar porque ela essencialmente não existe. Não no sentido da Santíssima Trindade Celestial. – Miguel respondeu – Desde quando Lúcifer foi expurgado do Paraíso e jogado ao submundo com sua horda de anjos corruptos, nunca houve uma trindade. Ele, e somente ele, é o senhor de seu domínio. Existem histórias que dizem que o poder dele aumentou tanto, que ele mesmo é o princípio, o meio e o fim em seu mundo. A energia vital de cada alma que é enviada ao Abismo de Fogo, vai diretamente pra ele.

- Então...o que significa uma Trindade Infernal, se isso realmente não existe? – indaguei.

- Para o equilíbrio ser mantido, Lúcifer também enviou seu filho à Terra dos homens para disseminar sua filosofia de caos. Esse filho foi concebido através de um ato de violência extrema e pura maldade, através do Espírito Santo, uma manifestação de sua energia maligna, exatamente oposta à do Santíssimo. Pai, Filho e Espírito Santo, são a Trindade Infernal, representada no símbolo de Enoque. Ela existe, mas não é efetiva.

Um silêncio profundo se instaurou no local. Cada um de nós absorvia de sua própria maneira os fatos a nossa volta. Até eu pude sentir a inquietação de Melanie, ao mencionar a história, o nome e o propósito de Lucius.

- Então... temos o Céu e o inferno ligados – Miguel concluiu o raciocínio – e esta linha é exatamente o que representa o portal pelo qual os infernais pretendem sair.

- Mas essa é a representação apenas do portal que nós já sabíamos que existia, Miguel, não diz nada a respeito de uma chave que o mantenha aberto... ou fechado. – Melanie recobrou a voz, sendo direta e lógica.

- Essa é a questão – Miguel continuou, encarando a figura delicada de Melanie – a resposta está bem aqui.

- O que quer dizer, Miguel? – perguntei aflita, esse Arcanjo era cheio de rodeios.

- Uma linha só pode existir a partir da existência de dois pontos, os que a delimitam. Segundo este símbolo, eu só posso concluir que a chave para abrir a porta é dual, uma parte está no céu e a outra está no inferno.

As palavras de Miguel morreram com a conclusão de sua fala e pensamento. Ao longe, nós ouvimos uma grande explosão, que abalou as estruturas do hotel nem que estávamos. Sem dúvida, o fim do mundo estava próximo.


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Notas finais do capítulo

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