Signatum escrita por MilaBravomila


Capítulo 20
Capítulo 19 - Batalha às escuras


Notas iniciais do capítulo

Pessoas, mais um cap fresquinho :)
Boa leitura!



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Não deu tempo de pegar minhas adagas. Senti um empurrão forte vindo de trás e meu rosto bateu contra a parede da caverna. A dor foi absurda e senti o sangue escorrer pelo rosto devido ao impacto. Os sons dos grunhidos emitidos pelas criaturas se misturaram ao cheiro de enxofre e podridão e não havia um feixe de luz sequer.

Eu sentia uma pressão muito forte em minhas costas e demorei pra assimilar o que era. Foram os sons da espada dele e os ruídos da batalha que me fizeram entender. Jules estava me pressionando contra a parede e lutava contra os demônios, tentando me manter afastada da luta e em segurança, já que eu não podia enxergar.

Foi tudo tão rápido que eu mal tive tempo pra reagir. Mesmo com a pressão do corpo dele eu consegui agarrar um dos punhais que trazia na cintura, o outro se perdeu. Assim que senti o cabo da adaga em minha mão, algo me empurrou para o lado, fazendo meu rosto e braço arrastar ainda mais na parede.

- Harper! – ouvi Jules gritar. A mão dele segurou meu braço, impedindo que eu caísse no chão.

A criatura que me empurrou agarrou meu pé e eu sentia uma força tremenda me puxar para baixo, tentando me afastar de Jules, que lutava e me segurava ao mesmo tempo. As mãos da criatura agarraram meu tornozelo fortemente, esmagando, comprimindo, me fazendo gritar de dor.

Ainda assim, com o punhal, tentei acertar o ser inferior, mas não o alcancei. Estava desesperada, sem enxergar nada e sentindo cada vez mais o demônio me puxar para longe de Jules, que teve que forçar ainda mais seu aperto contra meu pulso, para evitar que eu escorregasse. Gritei.

Nessa hora senti o corpo de Jules ser atingido com um baque firme e por um milésimo de segundo, sua mão escorregou de meu pulso. Foi o que o demônio precisou para me puxar.

- Jules!! – eu berrei, no meio da confusão negra de grunhidos e do metal atingindo os corpos e as paredes.

O ser inferior me arrastou velozmente pela caverna e senti que estava perdida. Jules jamais chegaria a tempo e era uma questão de segundos até a criatura me matar. Então, eu fiz a única coisa que podia e me debati ao máximo, tentando, ao mesmo tempo, atingir o demônio com minha adaga benta. Milagrosamente, consegui me curvar o suficiente para atingir a mão que me segurava pelo tornozelo e me arrastava caverna adentro pela escuridão. Foi um corte superficial, mas suficiente para ele parar de me arrastar. Ouvi seu grunhido de dor e o hálito azedo me atingiu com força.

Tentei me virar para levantar, mas não deu tempo pra isso. Senti o peso do demônio amorfo sobre mim, sua respiração no meu pescoço. Seu corpo era frio e quente, leve e pesado, e prendia o meu de forma eficaz. Minhas forças já estavam se esgotando, tanto pelo esforço físico quanto pelo desespero. Tentei outra investida com a adaga e, neste momento, ouvi um barulho altíssimo vindo do outro lado da caverna, onde Jules devia estar. Era como se uma parte do lugar tivesse ruído, de tão alto foi o som.

- Jul...

Não consegui gritar, a mão gosmenta estava mais uma vez sobre mim, tapando minha garganta, me deixando sufocada. A mão que segurava a adaga foi enfraquecendo. O peso da criatura era enorme agora e o cheiro me trazia uma náusea cambaleante. Com um movimento simples, a criatura se livrou de minha única chance de sobrevivência e ouvi minha adaga cair em algum lugar incerto da escuridão. Era isso, tudo estaria acabado em breve.

- Putrescat in inferno anima tua cum ceteris. * - o demônio sussurrou em meu ouvido com o hálito de morte.

Meus sentidos já estavam apagando, todas as esperanças estavam indo embora. Ainda tentei me mover no instinto desesperado pela sobrevivência, mas não consegui. Naquele último instante, eu pensei em tantas coisas de uma vez, que não pensei em nada especificamente, apenas senti um calor ínfimo na ponta dos dedos da mão que Jules havia tentado me segurar. Era como se ainda pudesse sentir o calor dele comigo, e sorri. Eu deveria morrer feliz, afinal, quantos humanos tiveram o privilégio de serem tocados por um anjo?

Aguardei o último golpe da criatura, durante aqueles poucos instantes que me restavam. Ouvi seu grunhido como um escárnio em minha direção e depois... nada.

Não havia mais criatura, não havia mais peso, não havia barulho.

Meu corpo perecia ter esquecido de como respirar. Senti um par de braços me envolverem na escuridão e me erguer, gentis. Esses não eram da criatura. Talvez, apenas talvez, Deus realmente existisse e tivesse vindo me buscar.

- Resistendum. Donec a me nusquam discedere. ** -

A voz doce, porém aflita, disse, pouco antes de eu me deixar levar para o calmo e indolor mundo da inconsciência.

...

Eu estava relaxada, deitada ao lado de Miguel, que me carinhava o ombro. Estávamos a um bom tempo assim, apenas perto um do outro. Eu me sentia bem, tranquila e segura, mesmo com tudo acontecendo rápido demais a nossa volta, mesmo com tudo contra nós.

Ouvi um barulho esquisito e ritmado, que começou baixo e foi aumentando gradativamente, quebrando o silêncio.

- O que é isso? – perguntei curiosa, encarando o rosto perfeito de Miguel.

Ele se desvencilhou de mim, tomando o cuidado de me manter aconchegada sobre os travesseiros, e foi em direção ao sobretudo negro, que estava sobre uma cadeira.

- É um celular. Calabriel comprou um pra cada um de nós e Jules me passou este com o dinheiro. Serve pra comunicação à distância. – ele disse pouco antes de retirar um pequeno aparelho do bolso, de onde saía a musica.

- Sim? – Miguel falou assim que colocou o aparelhinho no ouvido.

Eu me ajeitei e sentei na enorme cama, abraçando o travesseiro com o cheiro dele, enquanto assistia Miguel andar de um lado para o outro, com um semblante um tanto quanto preocupado. Os músculos perfeitos, ainda expostos, se tensionaram levemente. A ferida em seu peito, ainda envolta pelo curativo que fiz, não deixava eu esquecer do que se passou.

Miguel fechou o aparelho e o devolveu para o bolso do sobretudo.

- Aconteceu algo? – perguntei.

- Era Jules. Eles encontraram algo que pode ser importante, mas foram atacados em Qunram, antes de saírem das cavernas. Ele disse que muitos demônios os encurralaram, como se já esperassem que nós fossemos aparecer.

- E Harper, está bem? – perguntei ficando de pé, meu pressentimento não era bom.

- Ela foi gravemente ferida. Jules tentou protege-la, mas eram muitos. Parece que ela vai ter uma noite difícil.

Fiquei aflita. Queria estar perto dela para ajuda-la.

- Quando vamos até eles? – perguntei me aproximando dele.

- Agora. – Miguel respondeu, vestindo o sobretudo de uma vez.

...

O frio infernal congelava meus ossos e eu podia sentir a agonia das incontáveis almas que ardiam no fogo gelado do submundo. Mesmo num estado de semiconsciência, a dor era lacerante.

Melanie não havia me destruído, mas em compensação, eu tinha voltado pra casa e agora teria que recobrar minhas forças antes de poder sair daqui e voltar para o plano físico dos humanos. A dor não me incomodava mais. Já estava habituado a sentir o corpo sofrer a cada inspiração, sentir a agonia das almas das criaturas que habitavam o lugar.

Lentamente, levantei, Encarando o tão familiar ambiente. Vi os demônios atormentados tentarem exterminar uns aos outros, mas isso era o encanto do lugar: um poço de sofrimento eterno do qual se quer sair a cada segundo, no qual as almas dos impuros estão presas ao sofrimento infinito. A morte, para algumas almas, era apenas o princípio do fim.

Rastejando, avistei o palácio longínquo, a residência da realeza do Inferno e onde o sofrimento maior me esperava. Durante o tortuoso trajeto eu ponderei sobre os acontecimentos e quase sorri, quase, pois o sorriso era uma das coisas impossíveis de ocorrer no Inferno. Pensando melhor, eu não teria que ter pressa pra voltar, pois logo Melanie estaria aqui comigo, e eu nem precisaria ir busca-la.


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Notas finais do capítulo

* que sua alma humana apodreça no inferno junto com as outras
** Resista. Por favor, não me deixe.
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