Signatum escrita por MilaBravomila


Capítulo 18
Capítulo 17 - Medo


Notas iniciais do capítulo

Mtas pessoas revelam sentir medo nesse cap. E vc... tem medo de quê?


Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/153842/chapter/18

Eu estava derretendo. O calor era de rachar e a baixa umidade do ar só piorava tudo. Jules e eu estávamos misturados a multidão que visitava as ruinas de Qumran. Israel estava realmente lotada.

O lugar era de deixar qualquer um sem fôlego de tão lindo. Havia ao todo, onze cavernas incrustradas no solo irregular e não fértil das margens do Mar Morto. Foi ali, naquelas cavernas, que Enoque deixou as pistas para abrir ou fechar as portas do inferno, e cabia a nós encontrar a resposta.

Nós estávamos com um grupo grande de turistas, gente de todos os lugares do mundo. Jules, como sempre calado e concentrado, me pediu para tentar ser discreta, pois a idéia era justamente, sumir. Sim, ao cair do sol, quando as pessoas não mais estivessem nas ruinas, Jules e eu começaríamos a procurar nossas respostas. Enquanto isso, eu tinha que me contentar em ficar quieta, acolhendo as ordens dele.

Ao cair da noite, os grupos de turistas foram começando a se dispersar. Nas raras vezes que Jules falou alguma coisa, ele me contou que as ruínas eram bem frequentadas a noite, mas que devido aos acontecimentos estranhos que estavam ocorrendo, havia uma espécie de toque de recolher, ainda mais em um pais tão religioso e crente quanto aquele.

Quando não restava quase ninguém no local, nós saímos de uma das fendas que havia no relevo estranho de Qumran, e que nos tinha servido de abrigo e esconderijo.

- Ótimo, eu já não aguentava mais aquela gente toda. – falei bufando enquanto escalava uma enorme pedra – E o que fazemos agora?

Jules permaneceu calado, até que fechou os olhos e respirou fundo, como se estivesse tentando captar alguma coisa. Olhei ao redor e confesso que se não fosse a presença de Jules ao meu lado, estaria um pouco assustada. Durante a noite, as cavernas pareciam casas ou tocas, e a meia luz dos refletores alaranjados apenas contribuía para o cenário fantasmagórico. O mar ficava a menos de um quilômetro de distância, mas eu podia sentir o cheiro peculiar das águas mais salgadas do mundo. De repente, senti um calafrio. O cheiro do sal me lembrou o cheiro azedo e pútrido dos demônios com os quais passei a esbarrar frequentemente.

- É aqui. – falei baixinho, quase que de maneira inconsciente.

- O que sentiu? – Jules me perguntou, já postado ao meu lado, em posição de alerta.

Eu o encarei sem saber o que dizer. Na verdade, eu não sabia o que estava sentindo, só sabia que não era nada bom.

 - Medo. – respondi, encarando-o francamente.

Era isso. Essa era a palavra que resumia tudo. O silêncio, o cheiro de sal e morte... aquele lugar de algum jeito, em algum nível, me deu medo.

...

Guiei Miguel de volta pro quarto e o deixei sentar na cama, estava determinada a cuidar dele, como ele cuidou de mim.

- Vou ver o que posso fazer com essa ferida. Já volto.

Nem dei tempo pra uma resposta, fui até o banheiro e fechei a porta. Havia um armário pequeno e vi que tinha várias toalhas brancas bem dobradas e vários tipos de sabão pra banho, daqueles que fazem espuma na água. Havia também uma pequena caixinha branca com uma cruz vermelha. Ali tinha o que eu necessitava.

Tirei as flores artificiais do pequeno vaso no canto da pia e o lavei, enchendo-o de água quente da torneira depois. De posse de meus objetos, retornei ao encontro de Miguel. Ele estava sentado na beirada da cama, vestindo suas calças pretas. Estava visivelmente arrependido de ter aceitado minha oferta.

Eu fingi que não reparei e depositei as coisas na mesinha próxima a cama grande em que ele estava sentado. Com cuidado, molhei um pedacinho da toalha branca na água morna e torci o excesso.

- Deite-se. – falei de frente pra ele.

- Melanie...

- Miguel, deita... por favor.

Minha voz foi tão suave e tranquila que nem uma criança acharia que foi uma ordem, e não foi. Era um pedido, apenas isso.

Miguel me olhou de um jeito estranho. Era como se quisesse recusar, mas que não soubesse como, ou não tivesse coragem. Bom, com certeza era a primeira opção. Coragem era o que menos faltava em Miguel.

Empurrei seu peito delicadamente e ele cedeu, deitando sobre o travesseiro. Devagar, ajoelhei no chão e fiquei em uma posição melhor para cuidar do ferimento em seu peito. De fato, não estava nada bem. O que quer que o tenha atingido tinha sido certeiro.

- Se você sentir dor, me fala. – eu disse antes de começar a limpar o ferimento com a toalha. Ele apenas acenou.

Eu sabia que ele tinha acabado de sair do banho, mas queria fazer as coisas como deviam ser feitas. Então eu limpei o ferimento da maneira mais delicada que consegui, sempre voltando a molhar a tolha na água morna para depois voltar a limpá-lo. Eu sentia que ele relaxava a cada vez que eu fazia aquilo, até que fechou os olhos.

Ficamos em silêncio, enquanto eu terminava de limpar o ferimento e examinava o hematoma em suas costelas. Era inevitável, entretanto, não admirá-lo. Por um segundo eu reparei em Miguel mais atentamente e me surpreendi. Sua pele, tão quente e linda, era coberta por milhares de cicatrizes. Eram tão finas, que chegavam a ser praticamente invisíveis, mas um olhar de perto mais atento, podia perceber.

Instintivamente deixei minha mão percorre seu peito esquerdo, tocando de leve uma das quase imperceptíveis marcas.

- Eu poderia te dizer onde consegui cada uma delas.

Sua voz repentina não me assustou, pois estava suave e controlada. Ele ainda estava com os olhos fechados.

- São incríveis... – foi tudo o que consegui dizer. E realmente eram. Cada marca nova que eu reparava surgia como um novo adorno, e servia apenas para torna-lo mais belo.

- Não é fácil, às vezes, fazer o que faço. – ele disse, abrindo finalmente os olhos dourados e maravilhosos – Algumas vezes eu me pergunto se sou a escolha certa pra isso.

- Bom... eu sempre ouvi história a seu respeito – eu disse, voltando minha atenção ao curativo – Aliás, não existe anjo ou demônio que não o conheça e não o tema. Eu sempre tive a certeza de que nosso Pai não poderia ter escolhido melhor o chefe de Seus exércitos e depois que conheci você...  apenas confirmei o que já sabia.

Dentro da pequena caixinha havia algumas bandagens e alguns líquidos. Comecei com um incolor de cheiro forte, álcool eu acho, que vi um dos padres utilizar certa vez. Ele se manteve inalterado com o líquido, que eu passava suavemente sobre a ferida.

- Você tinha medo de mim? – Miguel perguntou com um tom de curiosidade e diversão na voz.

Eu sorri, sentindo o rosto corar levemente ao lembrar de quando o conheci pela primeira vez.

- Medo? Acho que pavor seria mais apropriado. – respondi ainda sorrindo – Lembro de ouvir alguns irmão dizerem que correram apenas com seu olhar.

Ainda sorrindo ele me disse:

- Engraçado... eu pensei que nunca temeria ser algum. Nas batalhas, em tudo o que fiz até hoje, sempre carreguei a fé no Criador como meu maior escudo, por isso nunca pensei que um dia alguém pudesse me atingir.

Eu confesso que estranhei suas palavras e perguntei:

- Existe alguém que te põe medo, Miguel?

Ele não respondeu de imediato, apenas me olhou de uma forma estranha, mais uma vez. Era estranho porque era profundo demais. Naquele momento, eu senti, ouvi, claramente sua resposta, mas ela não fazia o menor sentido. Se eu tinha entendido bem, ele temia... a mim?

O silêncio ficou um pouco incômodo e tratei de voltar a me concentrar no curativo. Retirei um pedaço de bandagem e com ajuda de uma fita o prendi no centro de seu peito, cobrindo o machucado. Havia ficado bom, não muito grande e firme. Mas aquele olhar penetrante, ainda estava sobre mim.

Mais uma vez minha mão alcançou seu peito, tocando levemente uma das cicatrizes que havia ali. Era um risco grande e me pareceu uma ferida profunda na época que ele a recebeu. Segui com o dedo toda a extensão da marca quase invisível e ela parava a milímetros da região arroxeada em sua costela.

Quando dei por mim, reparei que Miguel, mais uma vez, estava de olhos fechados. Sua expressão era serena, mas confusa pra mim.

- Sabe... – comecei – eu sempre fui capaz de ler os outros a minha volta. Era fácil pra mim... sentir o que os outros sentiam e entender o motivo. Minha missão antes de cair em Abyssi era cuidar dos irmãos que vinham necessitados. Minha cura nunca foi física e agora eu entendo o motivo. Acho que ser uma sensitiva alfa fazia com que eu tivesse essa facilidade em ajudar e sentir o que tinha a minha volta.

Miguel apenas ouvia e meus dedos continuavam a percorrer a perfeição de suas marcas, subindo e descendo levemente de acordo com o ritmo da respiração dele. Então eu continuei, fazendo a pergunta que eu não tive coragem antes, perguntei porque simplesmente, eu não conseguia ler nada em Miguel, nada que fizesse sentido pra mim.

- Você, por acaso... teme a mim, Miguel?

Ele abriu os olhos e me encarou. Era sempre tão profundo seu olhar, que eu quase sempre me perdia.

- E você não temeria a única pessoa que foi capaz de fazer você sentir medo? – ele me perguntou.

Franzi a sobrancelha.

- Mas... eu fiz você ter medo de quê? – perguntei já sentindo um pequeno desespero no peito. Eu não entendia o que tinha feito pra isso.

- Você me fez sentir medo de perder você. – ele disse direta e simplesmente.

Eu não sei o que me deu, mas por um instante, não consegui respirar direito. Eu só não sabia se o motivo eram aqueles olhos infinitamente penetrantes, se era minha mão sentindo a perfeição de seu corpo quente ou se eram as palavras que ele falou.

Miguel sentou na beira da cama tão rapidamente que nem percebi. Estávamos de frente um pro outro e seu rosto sempre tão austero, me encarava com dúvida e suavidade. Senti meus joelhos bambearem sobre o chão e piorou quando o rosto dele foi se aproximando.

Ele levou ambas as mãos ao meu rosto e senti um calafrio contrastante com o calor de sua pele. Sem dizer nada, suas mãos sempre tão violentas e fortes faziam carinho impossivelmente suave em meu rosto. Ele me afagou os cabelos e deixou os dedos percorrerem meus traços devagar. Era como se estivesse memorizando tudo em mim.

Meu coração acelerado batia descompassado e deixei os braços caírem ao lado do corpo, sem ação. Aos poucos percebi o significado de suas palavras e essa percepção me encheu de alegria. Uma alegria diferente, repentina, intensa, mas que vinha recheada de dúvidas e incertezas.

- Eu não sei o que faria se te perdesse. – Miguel falou num sussurro, olhando diretamente em meus olhos, sem deixar de carinhar meu rosto suavemente – Eu seria capaz de qualquer coisa pra proteger você.

Minha boca se abriu, mas não saiu som nenhum. Eu estava sem palavras. Jamais sonhei eu viver um momento desses e, ao mesmo tempo, era como se toda minha existência tivesse sido uma preparação para o que eu vivia agora. Mas o bom senso foi capaz de me atingir, mesmo que parcialmente, e eu disse, também num sussurro:

- Mas você não pode me ter como prioridade... eles são mais importantes do que eu...

- Então diz isso pro meu coração, porque por ele, você é o que mais importa pra mim.

Dizendo isso, Miguel lentamente selou o espaço entre nós e tocou meus lábios com os seus, e nada que eu tenha vivido se comparou com aquilo. Suas palavras estavam correndo vivamente em minhas veias, tão rápido quanto o sangue que corria nelas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews????