Meu Malvado Favorito escrita por mulleriana, Nina Guglielmelli


Capítulo 9
E não é que a pirralha conseguiu?




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Crianças são como funcionários do demônio, mandados à Terra para que ele possa assistir e garantir um pouco de diversão. Carlie é seu braço-direito, com uma ligação direta e artimanhas especiais, que usa para seu único trabalho por aqui: Fuder com a minha paciência.

- Vamos começar com o básico. – Ela disse, erguendo o nariz como uma esnobe sabe-tudo.

Paramos a frente da minúscula mesa de chá. Eu dei um passo, fazendo menção de me sentar, quando ela pigarreou. Virei o rosto, confuso.

- Um verdadeiro cavalheiro sempre presta atenção em sua dama, e torna tudo confortável para ela. – Disse. Ainda assim, não entendi, então ela completou pacientemente. – Puxe a cadeira para eu me sentar.

Revirei os olhos e obedeci. Quando ela sentou, empurrei a cadeira um pouco pra frente, com uma força desnecessária. Ela quase caiu em cima da mesa, o que a fez gritar. Quanta frescura.

- Muito bem. – Voltou a dizer enquanto eu sentava de frente para ela. – Primeiro de tudo, e muito, muito, muito importante mesmo, é parar de falar palavrão.

- Pra que? – Rebati.

- Porque é feio!

- Deixa eu adivinhar: Esme que disse isso? Ou alguma de suas amiguinhas do orfanato? – Perguntei, irônico.

- Ninguem precisou me dizer nada. Eu vejo por mim mesma que são palavras muito feias de se falar por aí. E eu duvido que Bella goste!

- Tá, tá, tá. Vou tentar me segurar. – Bufei.

Sem tirar os olhos de mim, Carlie esticou a mão até um guardanapo de pano na mesa e o trouxe para seu colo. Indicou que eu fizesse o mesmo.

- Em um restaurante refinado... – Continuou com um sotaque estranho. – Onde eu ao menos espero que você a leve, não é?

- Não acho que Bella goste desse tipo de coisa. – Refleti quase comigo mesmo.

- A-HÁ! – Carlie apontou um dedo na minha cara. – É exatamente aí que você se engana! Toda mulher gosta desse tipo de frescura. Menos Esme, mas ela é diferente, sabe?

- Ah... – Revirei os olhos e escorreguei pelo pouco espaço na cadeira.

- E eu também não vou ficar assim quando for grande! Espero. SENTA DIREITO!

Obedeci num salto. Ela pigarreou, pronta para continuar. - Toda mulher, por mais que negue, gosta de coisas caras. Toda mulher gosta de ser mimada. Você tem onde anotar isso? Anote.

- Anoto depois. – Resmunguei.

- Você é um péssimo aluno!

- E você é uma péssima professora! – Rebati. – Não estou recebendo nenhuma informação relevante aqui.

- Como não? Eu estou dizendo coisas importantes! Tanto que mandei anotar.

- Pelo amor de Deus, Carlie, vamos logo com essa palhaçada!

- Sua pressa é um sinal clássico de quem pensa saber demais sobre o sexo oposto, quando na verdade é um completo leigo no assunto. – Carlie disse pacientemente.

Eu paralisei, tentando compreender as palavras. Onde diabos ela aprendia essas coisas? Vendo que estava em silêncio, ela se adiantou a explicar.

- Leigo. Quer dizer que não sabe de nada. – Deu os ombros.

- O QUÊ? – Fiquei em pé. - Não sei nada? Sei muito mais do que você!

- Ah, é? – Rebateu, cerrando os olhos. – Por que veio me implorar por aulas, então?

- Eu não impl... AH, CARLIE! – Dei um tapa na mesa. – Quer saber? O trato acabou.

- NÃO! – Ela ficou em pé também, pulando na minha frente. – Eu quero um cachorro!

- E eu quero ganhar a apos... O coração da Bella! – É, a frase soou realmente ridícula.

- Eu sei que quer, e é por isso que eu vou te ajudar! – Ela cruzou os braços magrelos. – Escuta só. Se você acha as aulas desnecessárias... Podemos ir direto ao que interessa.

- Estou ouvindo.

Abaixei meu corpo, apoiando as mãos nos joelhos para que ficassemos quase da mesma altura. Ela apontou novamente o dedo para meu rosto, quase tocando meu nariz.

- Você vai marcar um jantar com ela, e eu vou junto. Vou ficar escondida, é claro. Falo com você pelo celular. Colocamos um fone de ouvido bem pequenininho atrás da sua orelha, perto o suficiente pra você ouvir, e longe o suficiente pra ela não perceber!

Sorri quando ela terminou de falar, ainda bem atento a seu rosto. - Pirralha... Você é genial!


                                                               (...)


Alice e Emmett não queriam me deixar sair antes de resolvermos o problema com Rosalie. Mandei-os à merda. Havia assuntos mais urgentes naquele momento. Emmett, por fim, concordou em participar do plano; já que Bella não poderia saber que Carlie estava lá, ele levaria a menina para o restaurante e sentariam numa mesa afastada o suficiente. A pirralha insistiu em levar aquela maldita boneca de pano, dizendo que ela “também queria ajudar.” O que mais eu poderia fazer? Meu futuro estava nas mãos de uma menina de 5 anos. Ou 8, não importa.

Pisei no restaurante com Bella e, no mesmo segundo, meu olhar captou a mesa ao fundo onde o grandalhão e minha “filha” estavam. Fomos guiados até nosso lugar já reservado, há pelo menos duas mesas de distância de Emmett e Carlie. O primeiro passo foi exatamente como a menina me ensinara; puxei a cadeira para que minha acompanhante sentasse, e a empurrei delicadamente, deixando-a confortável e de costas para meus cúmplices. Sentei a sua frente, vendo por cima do ombro de Bella os dois idiotas acenando.

- Prometo que desta vez o jantar irá durar mais. – A florista disse com um sorriso cínico.

- Realmente espero que sim. – Meu sorriso foi tão falso quanto o dela.

O garçom se aproximou e deixou um cardápio para cada um de nós. Enquanto ela lia, fingi fazer o mesmo para prestar atenção no que vestia. Nada mudara – o que é bom; ao menos não piorara. Eu só conseguia pensar no que havia por baixo de tantas roupas horríveis...

 “Fale com ela”, Carlie disse em meu ouvido após o que devia ter sido muito tempo de silêncio.

- Noite bonita, não? – Perguntei. Bella me olhou por cima do cardápio.

 “Não sobre o tempo, idiota!” Ela completou. Porra, não era minha culpa! Nunca precisei ter assunto com mulheres; elas simplesmente caem em meus braços e pronto. “Pergunte sobre o pai dela.”

-
Então... E o seu pai? Está melhor?Sorri um pouco.

- Está, sim. – Ela suspirou, e pela primeira vez um sentimento absurdamente verdadeiro em seus olhos. – É normal ele ter alguma fraqueza de vez em quando por conta da idade. Estou tentando dar conta disso, cuidar dele, da nossa casa, e trabalhar... Eu ganho bem com as flores, e ainda tem sua aposentadoria, mas não sei se é suficiente... Eu queria que ele tivesse mais conforto nessa época de sua vida.

Encarei seus olhos em silêncio, com os lábios entreabertos e a cabeça confusa. O que ela achava que eu era? Seu psicólogo? “Diz alguma coisa! Consola ela!” Mais uma vez Carlie falou, como se fosse minha consciência. O que eu faria? O que as pessoas faziam numa hora dessas?

- E... Como você se sente sobre isso? – Soltei a pergunta que já vira em diversos filmes.

Bella franziu a testa e apoiou o cardápio na mesa. - O quê?

- O quê? – Repeti, aflito.

 “Não!” Olhei por cima do ombro de Bella, e vi Carlie já quase em pé na cadeira. “Não, não, alguma coisa da vida real, pelo amor de Deus!”

- Er... Quero dizer, como você está se sentindo... Sobre nós? – Eu consegui piorar a situação.

Carlie e Emmett deram um tapa em suas próprias testas ao mesmo tempo. A menina abaixou o celular que usava para falar e deitou a cabeça na mesa.

- Estão prontos para pedir? – O garçom se aproximou.

Bella, que me olhava completamente sem reação, deu um pigarro e olhou para o rapaz. - Quero uma salada grega. – Disse, e entregou o cardápio a ele.

Fiz uma careta, que sumiu antes que ela percebesse. Seu gosto para comida estava piorando a cada encontro. Olhei para a lista de pratos e pedi a primeira coisa que li. - Fettuccine aos quatro queijos. – Disse, devolvendo meu cardápio também.

Acho que iria impressioná-la se deixasse a carne de lado, ao menos por uma noite. Novamente, pedi pelo “melhor vinho”. A garota cerrou os olhos.

- Gosta mesmo de bebidas alcoólicas, não é? – Perguntou quando o garçom se afastou.

- Particularmente, sim. A não ser que você também seja contra o modo que as pobres uvas são tratadas no vinhedo.

A florista simplesmente ergueu uma sobrancelha, me encarando em silêncio. “Não use esse tom irônico com ela. Mulheres não gostam disso. Tenho que ensinar tudo?” Carlie bufou ao telefone. “Diga que aprecia o vegetarianismo.”

-
Não vou dizer isso. – Murmurei devagar para que ela pudesse ler meus lábios, olhando de canto para sua mesa.

- O quê? – Bella perguntou, confusa.

- Nada. – Ajeitei meu corpo na cadeira com um pigarro, retribuindo seu olhar.

- A quantidade de carne consumida pelas pessoas é desnecessária. E, para sua informação, poucas pessoas são completamente vegetarianas. O vegetarianismo não inclui derivados como laticínios e ovos; eu, por exemplo, gosto muito de queijo.

- Somos dois. Não trocaria uma boa peça de picanha por algumas fatias de mussarela, mas ambos combinados... Hm!

E, provavelmente pela primeira vez, eu fiz Bella rir. Sorri ao constatar isso. Olhei para Emmett e Carlie, que me mostraram seus dedões em sinal de aprovação.

- Não posso dizer o mesmo! Nunca fui acostumada a comer carne.

- É uma pena. Que tal começar agora? Não é tarde demais. – Eu sorria cada vez mais.

- Acredite, senhor Cullen, eu me tornar onívora seria bem mais difícil do que convertê-lo ao vegetarianismo. – Ela entortou a cabeça ao falar, o que foi um gesto realmente... Charmoso.

- Duvido muito. – Rebati. – Levando em conta meu poder de argumentação...

- Vá em frente, então. Estou ouvindo.

Minhas sobrancelhas se ergueram. Bella soltou uma risada alta, apoiando os cotovelos na mesa e se inclinando para frente. Fiz o mesmo.

Uma pequena pausa será necessária aqui. Serão necessárias em vários pontos desta narrativa, para ser sincero, devido as mudanças que me ocorreram. O homem que lhes conta essa história não é o mesmo que vivenciou tais lembranças. Me orgulho em afirmar isso.

Inteligência, para mim, nunca foi um pré-requisito numa garota. Você não espera, é claro, que eu tenha mudado minha opinião em apenas um jantar. A questão é que... Foi naquele momento em particular que comecei a admirá-la, mesmo sem me dar conta disso.

Acabamos de comer, esvaziamos a garrafa de vinho e pedimos duas taças enormes de sorvete; o assunto não tinha fim. Ela não tagarelava besteiras como várias garotas que conheço. Era um pouco falante, sim, mas seus pensamentos eram admiráveis, e ela dividia tais idéias com absoluta paixão.

Eu não entendia nada de amor para saber que naquela noite comecei a andar por um caminho sem volta. Nenhum homem apaixonado consegue afirmar com clareza quando exatamente o sentimento lhe atingiu. Mas eu me lembro agora, revivendo tudo, que aquela noite foi o início de meus maiores problemas. Não, não estou arrependido. Como poderia?

Pude conhecer a fundo sua mente naquele jantar, e ainda havia muito para descobrir. Talvez seja isto o mais fascinante sobre o amor. Falamos sobre os mais variados assuntos; os animais de estimação que ambos tivemos na infância, primeira paixão, notas na escola (as dela eram incomparavelmente melhores que as minhas), primeiro emprego, pessoas burras, pessoas inteligentes, animais burros, animais feios, lojas com péssimos atendimentos, programas de TV favoritos, filmes ruins, lugares para se conhecer, assuntos para se estudar.

Falamos como ambos adorávamos chocolate. Ela desaprovou quando deixei escapar que fumava, apesar de assumir que já sabia por causa do cheiro forte demais. Eu não tinha nada para desaprovar sobre ela.

- O que, acha que estou filosofando demais, não é? – Ela riu alto, brincando com a taça de vinho vazia nas mãos. – Você tem que concordar comigo!

- Eu nunca disse que discordava! – Rebati, também com uma risada.

- Nós somos o que fizeram de nós, não é? Não é isso que vários homens afirmaram? Cada ser humano só se tornou o que é por causa de onde está. E a que isso nos leva?

- Não sei. Conte-me, e talvez eu concorde. – Abri um sorriso torto, desta vez involuntário.

- Não somos nada! Somos marionetes. Não existe uma essência! – Seus olhos quase brilhavam; como eu disse antes, ela falava com paixão. – É tudo um grande palco, não vê? Fomos levados a ser o que somos. Eu cresci no meu país, na minha família, e seria alguém totalmente diferente se estivesse em outra cultura. Eu não sou nada! Sou somente o produto de uma sociedade inteira, me levando a ser o que querem que eu seja. A Bella não existe. A Bella é uma pequena parte de um quebra-cabeça muito bem elaborado.

- O que está dizendo, então? Que é descartável? – Franzi a testa.

- Não ouviu o que acabei de dizer? – Ela riu. – É um quebra-cabeça. Nenhuma peça é descartável. Gandhi disse isso uma vez. Cada mínima atitude que fazemos muda tudo. Como um efeito borboleta. Quero dizer, quem somos nós? Quem é você? O Edward é realmente o Edward, ou você acabou se tornando isso? – Ela balançou a cabeça, divertida. – Você planejava ser assim quando tinha 8 anos de idade?

Sua pergunta despertou flashs em minha mente, alguns nostálgicos, outros realmente desagradáveis. Todo o meu passado, todos os meus erros, a culpa pelo caminho que acabara trilhando, tudo desabou em minhas costas naquele segundo. - Não. – Murmurei.

Ela riu, sem perceber o quão desconcertado eu estava. - Eu sempre penso nessas coisas de vez em quando. Às vezes acho que penso demais. A questão é... Somos parte de um grande sistema que não tem nada a ver conosco mas, ao mesmo tempo, se sairmos dele, tudo irá desandar. Estranho, não é? Eu passei muito tempo tentando descobrir quem sou, para então saber que não sou nada! Triste, triste... É algo para se pensar.

Bella riu enquanto levantava. A conta já estava paga fazia tempo; deveríamos ter ido embora, mas não conseguíamos terminar aquela conversa. Eu a imitei, olhando Emmett e Carlie na outra mesa, mal conseguindo respirar depois de tanta comida. Fiquei de pé, a frente de Bella, ainda impedindo que ela olhasse para trás.

 “Ofereça seu paletó a ela!” Carlie disse em meu ouvido. Coloquei uma mão na lombar de Bella, guiando-a para a saída. Assim que chegamos à porta, um vento frio bateu em nós, me fazendo obedecer a menina.

- É melhor vestir. – Sorri, tirando meu casaco e oferecendo a ela. Bella sorriu, vestindo a peça e abraçando seu próprio corpo.

Disse ao manobrista o modelo e a placa do meu carro. Ele se apressou para buscá-lo.

- Me diga uma coisa, então. – Sorri. - Se você não é nada, o que gostaria de ser?

Ela encarou o chão por algum tempo, e então me olhou.

- Eu gostaria de ser eu. Mas ser de verdade.

- Deve ser bom.

- É. Só pra variar. – Ela completou, dando os ombros.

Nosso carro se aproximou, parando exatamente a nossa frente. “Abra a porta para ela.” Carlie disse; olhei para trás e a vi ali perto com Emmett. O manobrista mal saiu do lado do motorista e eu já havia obedecido. Bella sorriu com meu gesto. Assim que ela se ajeitou, fechei a porta.

Virei o corpo, apenas o suficiente para encontrar o olhar de Carlie, e pisquei para ela. A menina cruzou os dedos, me mostrou, e então os escondeu atrás de seu corpo. Sua outra mão carregava a boneca de pano. Eu dei a volta no carro com um sorriso no rosto e ocupei o antigo lugar do manobrista. “Missão cumprida!” A menina comemorou em meu ouvido. “Eu não disse que ela iria ajudar?” Perguntou, referindo-se a boneca.

Pisei no acelerador. Meu olhar encontrou o de Bella por um segundo, e ambos sorrimos. “Eu lhe avisei, Emmett!” Pensei, manobrando o carro pela rua deserta. “Eu nunca perco uma aposta.” 


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Notas finais do capítulo

Carol aqui! E, hm... Nada a declarar. Esse capítulo é o início de algumas mudanças, como podem ver. Boas e ruins! A fic está chegando na parte que eu estou mais ansiosa pra escrever e, como eu tenho lido nas reviews, a que vocês mais querem ler tambem... Quanto mais o coração do Edward vai demorar pra amolecer? UHAUAUHA Não vou prometer quando será o próximo, porque sei que vou quebrar a promessa /: Espero não demorar, mesmo. Beijos!