Meu Malvado Favorito escrita por mulleriana, Nina Guglielmelli


Capítulo 7
Eu, a florista e o policial moribundo


Notas iniciais do capítulo

Miiiil desculpas pela demora ): Mesmo! Explicações no final do capítulo. Em compensação, são 10 páginas do word (yay!)



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Isabella era uma garota... Peculiar. Diferente. Excêntrica.

Não.

Que tal assim: Bella era insuportável.

Eu tinha todos os motivos do mundo para desistir daquilo, mas não ia, porque a única razão para continuar era muito maior e mais importante. Ganhar aquela aposta tornou-se um motivo de orgulho, porque eu não me interessava mais por Bella. Mesmo que, a cada patada que recebia, ficasse com ainda mais vontade de tê-la. Eu nunca fui o tipo de homem que é rejeitado, e ela aprenderia isso, cedo ou tarde.

Passei uma semana naquela barraca. Uma maldita semana em que precisei comer cachorro-quente e pipoca dos vendedores ali perto, porque a desgraçada jogou meus salgadinhos fora, dizendo que não eram “saudáveis”. Seus clientes viam um sorriso simpático, mal imaginando a alma demoníaca por baixo daquelas saias ridículas.

Deixe-me pensar em como posso resumir melhor tudo o que aconteceu. Aqueles sete dias foram basicamente iguais. Eu passava o dia todo dentro da barraca, olhando o movimento e contando quantas pessoas compravam suas flores. Pior que eram muitas; ela faturava pelo menos 500 dólares a cada dia. Suas flores eram bonitas, realmente, mas eu desconfiava que o que todos tinham era dó daquela garota com os óculos maiores do que o rosto.

Mal nos falávamos, provavelmente porque ela estava cansada de sempre me ouvir insistindo no mesmo assunto. Vou contar a vocês sobre o último dia, que finalmente acabou de uma maneira diferente.

Aquele sábado começou como no dia anterior, e o anterior, e o anterior. Eu acordava com o Sol, e sentava na entrada da barraca, olhando a praça ainda vazia. Usava o banheiro do posto policial ao lado, e precisava esperar até as 8 para comer. Bella chegava as 9 horas em ponto toda manhã.

- Vai sair comigo? – Eu soltava a frase costumeira, no lugar de “bom dia”.

Nos primeiros três dias ela respondeu um “não” seco. Agora, somente ignorava. Colocou o avental, guardou a bolsa embaixo da banca de flores e, ainda em silêncio, começou a arrumá-la. Eu fiquei em pé e (após conferir se estava com mau hálito) me aproximei.

- Já está na hora de ir embora. Será que não percebeu? – Esbravejou.

- Não vou. Não adianta. Só saio daqui se aceitar jantar comigo. Já disse, um único jantar, e eu não peço mais nada.

Bella forçou para que seu suspiro saísse bastante audível. Era mais uma das suas maneiras de negar, eu sabia. Dei um passo a frente, analisando as rosas brancas amontoadas com extremo cuidado sob a bancada de madeira.

- Você sabia que, na verdade, somente as flores brancas tem perfume? – Perguntei.

- É claro que sei, idiota. Eu trabalho com elas.

Fiz uma careta e estiquei a mão para tocar as pétalas, levando um tapa. Recuei. Droga, ela era forte! A pele ficou vermelha rapidamente.

- Não chegue perto. – Ordenou.

- Você bem que podia colaborar, Bella! Minha filha está lá em casa com os tios, deve estar sentindo minha falta... – Tentei apelar, mas ela simplesmente riu.

- Era só o que me faltava. – Disse, ainda divertida. – Está aqui porque quer!

- Não! Estou aqui porque você é teimosa, e está tentando ir contra algo que tem plena noção de que também quer.

Ela virou e, com as mãos cruzadas no peito, me encarou com as sobrancelhas arqueadas.

- Quero dizer... – Pigarreei, complementando ao abrir um sorriso torto. – Nós temos química.

- Química? – Cerrou os olhos.

- Isso quer dizer que você se sente atraída por mim.

- Rá!

A garota bufou e me deu as costas. Um homem se aproximou, sorrindo para ela, que logo retribuiu a simpatia. Permaneci ali, em pé, enquanto Bella atendia seu cliente. Meus olhos varreram o local distraidamente.

Era impressionante como a praça ficava lotada todos os dias. Quero dizer, ninguém naquela cidade tinha compromissos? Mais absurdo do que o tempo livre, era a quantidade de filhos que os habitantes de Forks tinham. Era uma matemática simples; ficam entediados e fazem cada vez mais pirralhos. Cada grito ou risada infantil me dava vontade de sair correndo. Que coisa mais insuportável!

E, ah, é óbvio. Não bastavam diversas crianças desconhecidas.

- Pai! Pai!

Mas que caralho.

Girei o corpo, fazendo uma careta ao ver que era Carlie correndo em minha direção. Abraçou minhas pernas, o que me deixou em choque. Não podia empurrá-la, pois Bella estranharia. Aguentei firme. 1, 2, 3...

Ela deu um passo para trás com um enorme sorriso. Suas roupas pretas eram, certamente, obra de Alice.

- O que faz aqui? – Sussurrei com certa grosseria.

Seu sorriso desapareceu. A menina ergueu uma sobrancelha, e eu sabia que coisa boa não era.

- Vai mesmo me tratar assim? – Perguntou, sagaz. – Eu posso ter uma conversinha com Bella... Sobre nosso relacionamento e tudo mais. Vou falar como você é o melhor pai do mundo!

Que porra era aquela? Uma garota de 8 anos deveria ser tão esperta? Será que Carlie era algum tipo de anã?

- O que você quer? – Aumentei meu tom de voz, ignorando a ameaça anterior.

- Preciso de dinheiro.

- Precisa, é? Pra que diabos uma pirralha precisa de dinheiro?

- Quero fazer umas coisinhas.

Virei os olhos, espiando Bella. Ainda estava ocupada.

- Olha, eu estou ocupado. Volta pra casa e fica com a tia Alice.

- Quando você vai voltar? – Ela prolongou a ultima palavra, manhosa.

- Não sei. Já disse isso. Volta pra casa. – Esbravejei, me abaixando para falar com nossos rostos mais perto.

Carlie cerrou os olhos, séria. Abriu a boca para retrucar no exato segundo em que Bella chamou meu nome.

- EU TAMBEM ESTOU COM SAUDADES, MEU AMOR! – Gritei, pegando minha “filha” no colo. – QUE BOM QUE VOCÊ VEIO ME VISITAR!

Virei para Bella, sorrindo. Ela pareceu desconfiada por um segundo. Cutuquei Carlie, murmurei “50 dólares” o mais baixo que consegui, e ela logo entrou na farsa.

- Ah, papai... – Choramingou, abraçando meu pescoço. – Bem que você poderia voltar logo pra perto de mim!

A florista ignorou a cena, e eu praticamente joguei Carlie de volta no chão. A menina me fuzilou com os olhos enquanto eu me aproximava outra vez da banca de flores. Chamei calmamente o nome de Bella enquanto apoiava a mão na bancada, tentando mais uma vez convencê-la.

Minhas palavras não foram necessárias. Meu peso foi suficiente para a madeira tombar. Os vasos escorregaram, um em seguida do outro, na direção do chão. Bella, com os olhos pegando fogo, ficou paralisada enquanto diversas flores diferentes eram destruídas com a queda.

- SAI DAQUI! SAI DAQUI AGORA! – Ela berrou, espalmando as mãos em meu peito para me empurrar. – PEGA A PORRA DA SUA BARRACA E SAI DAQUI AGORA! EU NÃO ESTOU MAIS PARA AS SUAS BRINCADEIRAS!

Arregalei os olhos, ficando estático ao lado de Carlie enquanto ambos observávamos a florista enlouquecer.

- ESSA MALUQUICE JÁ PASSOU DOS LIMITES! – Bella gritou, chutando minha mochila, que estava ao lado da barraca. Me encarou em seguida, bufando. – EU VOU JANTAR COM VOCÊ. EU VOU JANTAR UMA DROGA DE VEZ COM VOCÊ, E ENTÃO NUNCA MAIS VENHA AQUI. VOCÊ ENTENDEU? – Apontou um dedo na minha direção. - VOCÊ ENTENDEU, SEU IDIOTA? CAI FORA DAQUI!

Pisquei algumas vezes, em silêncio. Acho que isso era uma coisa boa.


                                                                   (...)


Aquela precisava ser uma noite inesquecível, caso contrário não veria Bella outra vez. E isso estava fora de questão. Vesti um terno, o único que tinha, usando gravata e tudo o mais. Estava de frente para o espelho, tentando ajeitar meu cabelo de uma maneira mais apresentável, quando Carlie entrou. Sentou na cama e, balançando os pés, me analisou dentro do banheiro. Eu podia vê-la pelo espelho.

- Deveria usar uma gravata-borboleta.

- Tenho cara de viado? – Rebati.

- Esme diz que essa é uma palavra muito feia!

- Argh, quem diabos é Esme? – Verbalizei meu pensamento, mas não queria realmente saber.

- Ela cuidou de mim quando estava no Brasil. Ela é a melhor pessoa que eu já conheci. – Carlie fez uma pequena pausa, encarando as próprias pernas. – Pai, quem é a pessoa que você mais admira no mundo todo?

Pensei, arrumando a gravata uma última vez antes de sair do banheiro.

- Aro. – Murmurei, indo em direção ao meu paletó dobrado sobre a cama. – Ele... Trabalha comigo. E eu gostaria de ser como ele um dia.

- Aro é um nome feio. Eu conheci uma pessoa com esse mesmo nome, quando estava no Brasil. Esme não gosta dele, não, não! – Ergueu o queixo após mexer a cabeça, enfatizando.

Paralisei com o paletó ainda mal vestido, encarando a menina. Ela conheceu Aro? Filha de uma puta! Eu trabalho com ele há 10 anos e nunca nem mesmo falei com ele ao telefone, pelo amor de Deus!

- Como ele era? – Ajoelhei a frente de Carlie, interessado.

- Mal educado! – Cruzou os braços finos, marrenta.

Bufei e novamente fiquei em pé, terminando de arrumar o paletó em meu corpo.

- Você não sabe de nada. Deveria saber aproveitar mais as oportunidades que tem.

Coloquei a carteira e a chave do carro no bolso da calça, saindo do meu quarto. Carlie me seguiu até a porta, tagarelando outra vez alguma idiotice sobre Esme.

- Vá pra cama assim que seus tios mandarem. – Falei, já de saída. – Não sei que horas volto.

Com sorte só ao amanhecer, pensei.

- Onde vai? – Perguntou, ficando a minha frente.

- Não te interessa!

Seu rosto inteiro se franziu numa careta.

- CHATO! – Berrou, batendo os pés.

- Arruma outro pai, então! – Retribuí sua careta.

Ela saiu correndo para seu quarto com os olhos cheios d’água. Tranquei a porta ao sair.

(...)

Bella morava a poucas ruas de distância. Em compensação, o restaurante em que iríamos ficava em Seattle. Forks não tinha porra nenhuma. Parei na frente do endereço que me dera às 20h em ponto. Hesitei. E se a filha de uma puta tivesse me enganado?

Felizmente, assim que buzinei, ela abriu a porta. Não posso dizer que estava linda; ainda assim, mudara bastante. Não estava usando aqueles óculos horríveis, então deduzi que comprara lentes de contato. Sua saia mostrava as coxas, mas só um mísero pedaço, e as flores rosas gigantescas estampadas no tecido apagavam qualquer vestígio de que a garota por baixo era gostosa. Pela primeira ou segunda vez, suas roupas combinavam. Nunca fui de ligar para isso mas, se tratando de seu péssimo gosto, era impossível não reparar.

Fiquei dentro do carro, esperando que ela entrasse. Sentou ao meu lado, arrumando a pequena bolsa cor de rosa no colo.

- Está linda. – Menti, sorrindo. Talvez não fosse tão mentira... Até que percebi a gigantesca flor branca que usava no cabelo. Reprimi uma careta.

- Onde vamos? – Ela ignorou o elogio, colocando o cinto. Acelerei pela rua deserta.

- Como agora sei que você é vegetariana, a picanha foi vetada, não é?

- Com certeza.

- Conheço um restaurante bom em Seattle. Serve de tudo.

Silêncio. Permanecemos assim até eu entrar na estrada.

- Então... Me fale de você. – Pedi.

- Fora estar num carro com um idiota assassino de animais, nada novo.

- Que... Interessante.

- Pois é.

Ela esticou o braço e ligou o rádio, o cúmulo da folga. Colocou uma música lenta, com uma letra ridiculamente melosa. Bati o dedo para que fosse direto à minha rádio favorita. O som pesado a fez arregalar os olhos. Não conversamos mais durante o percurso. A música não a agradou nem um pouco, por isso logo mudei, deixando que ela ouvisse o que quisesse. Fiz muito esforço para tal, e esperava que valesse a pena. Iria tentar agradá-la de todas as formas.

Deixei o carro na frente do restaurante, e logo o manobrista o pegou. Guiei Bella para a entrada com uma mão apoiada em sua lombar delicadamente. Uma mesa próxima a janela já estava reservada para nós. Puxei a cadeira para ela, como um perfeito cavalheiro - atitude que só tinha com as garotas mais difíceis, que mais precisava impressionar. Era raro.

- Vai adorar a comida daqui. – Comentei, sentando de frente para ela.

Bella suspirou, acomodando-se na cadeira enquanto analisava tudo a nossa volta. O ambiente era um pouco escuro, tinha um clima perfeitamente romântico. Ela varreu tudo com os olhos mais uma vez, até que sorriu, acenando. Virei, procurando o objeto de sua atenção. Um garoto com cara de bebê acenava de volta, sorrindo como um pateta. Encarei Bella com a testa franzida. Ela deu os ombros.

- Um antigo namorado. – Disse.

Paralisei. MAS QUE PORRA ERA AQUELA?

Primeiro. Bella, pasme, já teve algum namorado na vida.

Segundo. Um pirralho ridículo ela queria, mas eu (repetindo: eu, Edward Masen) tinha que me matar por um simples encontro?

O garçom deixou dois menus em cima da mesa. Ela deu uma olhada rápida e logo fechou, apoiando as costas no encosto da cadeira para me encarar enquanto eu decidia o que pedir. Só vi os preços. Fechei também, e nossos olhares se sustentaram. O garçom voltou, parando ao nosso lado com um bloco de anotações em mãos.

- Quero um risoto de queijo. – Bella pediu, olhando de relance para o homem.

No mesmo segundo, me lembrei de como ela se referiu a mim como “assassino de animais.”

- O mesmo. – Suspirei, resistindo a tentação de pedir um belo filé mignon. – E uma garrafa do seu melhor vinho. – Particularmente, sempre adorei dizer isso.

Ele recolheu os pedidos e se afastou, dizendo algo sobre “não demorar”. Não prestei atenção; meus olhos estavam vidrados em Bella.

- Vai mesmo escapar da minha pergunta? – Ergui uma sobrancelha.

- Que pergunta? – Ela franziu a testa, cínica.

- Quero saber mais de você. Além de estar jantando com um assassino. - Eu ri sozinho do humor negro naquela frase, e ela obviamente não entendeu. – O que me diz? Você deve fazer algo da vida além de defender os seres vivos inocentes.

- Pois saiba, senhor Cullen, que as plantas tem tanta importância nesse planeta quanto os humanos. E, se está se referindo ao meu vegetarianismo, eu fui criada assim por minha mãe. Ela também não concordava com a forma que criavam os rebanhos para o abate e...

- Tá, tá, tá! Viva as vacas. – Cortei o que dizia, apoiando o rosto em minha mão. – Eu disse que queria ouvir algo mais do que isso.

- Como o quê? – Bufou.

- Informações básicas. Você é de Forks?

- Sim. Morei a vida toda na mesma casa.

- Com seus pais? – Sorri um pouco, fingindo interesse.

- Minha mãe morreu quando completei 9 anos. – Disse friamente.

- Ah... – Fui um pouco para trás, ainda olhando em seus olhos. – Hm... Sinto muito. Sei como é isso.

- Sabe? – Perguntou, franzindo a testa.

- Meus pais morreram há 10 anos. – Falei devagar. - Vim para cá com meus irmãos há pouquíssimo tempo.

- E com sua filha.

- É... É. – Soltei um pigarro, pensativo. Abri a boca, prestes a completar, quando o garçom veio com nosso pedido. Esperei que arrumasse tudo para novamente olhar para Bella, soltando a primeira historia que me veio a mente. – Foi só um caso irresponsável que tive... – A garota fez uma careta, e eu mudei totalmente o enredo. – Mas aí nos apaixonamos. Foi amor a primeira vista, ela era minha alma gêmea. Até que, depois do nascimento de Carlie, foi embora. – Ela pareceu confusa. – Porque ela morreu. – Suspirei.

Outro pigarro antes de começar a comer. Dei somente algumas garfadas enquanto ela me encarava com uma expressão indecifrável.

- Sinto muito... – Disse, começando a comer, também.

Bebi um gole do vinho antes de responder, forçando tristeza.

- Foi muito difícil para mim. Os dois primeiros anos sem minha querida... Rosalie. – Não entendi porque disse aquele nome. Foi o primeiro que me veio à mente. – Foi insuportável. Se não fosse por Carlie, eu não sei o que teria...

Meu celular vibrou. Suspirei, pedindo desculpas a Bella com um gesto da mão livre, enquanto a outra tirava o celular do bolso do paletó. Ela ficou em silêncio enquanto eu lia a mensagem de Alice.

 “Problemas com a mercadoria.”

Franzi a testa, sem nem mesmo saber o que responder. Que tipo de problema uma garota mantida em cativeiro poderia estar dando? Resolvi ignorar; o que quer que fosse precisariam consertar sozinhos.

 “Mantenha a pirralha longe dela.”

Aquela foi minha única resposta antes de guardar o celular. Suspirei, encarando Bella, que comia pacientemente.

- Desculpe. Onde estávamos? – Perguntei, comendo mais um pouco.

- Rosalie.

Meus olhos se arregalaram um pouco, até que a ficha caiu.

- Ah, sim! É... – Suspirei, voltando a expressão falsa de antes. – Rosalie...

Meu celular vibrou de novo. Bufei, impaciente, buscando outra vez o aparelho em meu bolso.

“Não querem efetuar o pagamento.”

Mas que diabos? Em que universo o preço de um seqüestro é negociável?

- Está tudo bem? – Bella perguntou, provavelmente por causa de minha expressão.

- Está... Está, sim. – Guardei o celular, me arrumando na cadeira e bebendo mais um pouco do vinho. – Prometo que não vão mais nos incomodar. Então, você... – Pensei rápido em como continuar o assunto. – Ainda mora com seu pai?

- Sim. Ele era chefe de polícia. Mas está aposentado. Problemas de saúde.

- Sinto muito. – Disse, até que sincero.

- Ele vive uma vida tranqüila agora. Gosta disso, na maior parte do tempo. Às vezes reclama que sente falta da emoção do antigo emprego, e essas coisas.

- Imagino. E você? Como entrou nesse ramo das flores? – Ri baixinho.

Ela pareceu pensar por algum tempo.

- Eu... Bem, quando meu pai adoeceu, comecei a faltar muito na escola para cuidar dele. Acabei perdendo o ano e, mesmo refazendo, vi que não seria possível entrar numa faculdade. De qualquer forma, eu nem mesmo sabia o que iria fazer. Então... Foi isso. Me tornei vendedora de flores. E ganho bem. Com a aposentadoria de meu pai, nos viramos. – Deu os ombros.

Um sentimento estranho me tomou. Talvez... Compaixão. Uma vontade de estranha de ajudá-la.

Ah, logo passou.

- O que você faz, mesmo? – Ela completou, franzindo a testa.

Não havia mais comida em seu prato. Eu mastiguei rapidamente e engoli antes de falar.

- Vendo produtos pela internet.

- Que tipo de produtos?

- Vários tipos. Qualquer coisa que você quiser. – Sorri estranhamente ao perceber que a mentira não soara muito boa. – Erm... Principalmente eletrônicos.

- Hm.

- É. Por isso temos um porão enorme. Para guardar a mercadoria. – Ri sozinho.

Bella franziu a testa e cruzou os braços, os olhos castanhos grudados em mim. Terminei de comer e então tomei o ultimo gole de vinho.

- E como entrou nesse ramo da... Internet? – Perguntou, zombeteira.

- Hm... Acho que o mesmo. Meus pais morreram quando eu tinha 18 anos. Não tinha como entrar numa faculdade ou coisa do tipo.

- Mas você está bem agora. – Observou. – Bom carro, boa casa...

- É. É... - Eu estava falando isso demais.

- Você é de onde, mesmo? – Franziu a testa, curiosa.

O garçom veio e recolheu nossos pratos.

- De repente está interessada na minha vida? – Sorri torto, inclinando o corpo para frente e apoiando os braços na mesa.

- Já estou aqui, não é? – Deu os ombros, esvaziando sua taça sem deixar de me olhar.

Era impressão minha ou ela estava flertando?

Bella recolocou a taça na mesa e mordeu o lábio inferior, sorrindo um pouco com certa diversão, interessada somente em mim.

ISSO!

Comecei o mesmo esquema conhecido. Respirei fundo e passei uma mão em meu cabelo, bagunçando-o um pouco. Arrumei meu corpo na cadeira, os braços apoiados na mesa. Nossos olhares se sustentaram, quase pegando fogo.

Fiz menção de dizer algo, quando o celular dela tocou. A garota atendeu até com certo desespero. Esperou enquanto diziam algo do outro lado da linha.

- Ah, oi... Pai? Olá! – Esperou mais um pouco. – Não acredito! Quem poderia imaginar? Meu Deus! Terei que voltar? – Sua boca se abriu em um “O” forçado, e então apontou para mim. “Ele quer te conhecer”, sussurrou e apontou para mim, animada.

Filha de uma puta.

- Ok, ok, já estamos indo! – Desligou, fazendo um muxoxo ao me olhar. Que porra de atriz ela era! – Meu pai, coitadinho! Está mal... Tenho que voltar. E ele quer ver você! Tenho certeza de que vão se dar bem.

Paralisei enquanto ela chamava o garçom e pedia a conta. Ele ofereceu sobremesa, e ela recusou. Suspirou, pegando minhas mãos por cima da mesa.

- Me perdoa por isso, não é? Quem poderia imaginar! Oh meu Deus!

Abri um sorriso amarelo, sem me importar que ela percebesse o quão forçado era. O homem trouxe a conta e eu paguei; não esperei o troco, poderia ficar como gorjeta.

Levantei, respirando pesadamente ao ir atrás dela na direção da rua. O manobrista foi buscar nosso carro no estacionamento; enquanto isso, ela começou a tagarelar.

- Foi uma ótima noite! Pena que durou tão pouco... Deveríamos fazer de novo! Ah, seria mesmo ótimo. Eu sei o que eu disse, eu sei, mas você é uma pessoa tão agradável, Edward! – Tombou um pouco a cabeça e sorriu cínica. Eu a encarei com seriedade.

O carro mal foi estacionado e ela pulou para dentro. Fiz o mesmo, do lado do motorista. Mas que grande merda. Refiz toda a droga de caminho até a casa dela ouvindo as mesmas músicas ridículas. Estacionei com um longo, profundo e significativo suspiro. Ela ignorou, descendo do carro.

- Pai! – Chamou ao abrir a porta. Tranquei o carro e fui atrás dela.

Meus olhos passaram por tudo em volta da pequena sala. Minha boca se abriu um pouco.

Mas que porra de casa era aquela?

Como posso descrever? O ambiente era uma personificação da garota. Haviam flores. Flores, flores, flores. O que não era florido, era rosa. Seu pai doente provavelmente ficava o dia todo na cama para não ter agüentar a decoração frufru. Até mesmo o cheiro me dava dificuldade para lembrar que tinha um pênis.

Fechei a porta atrás de mim, esperando sei lá o quê acontecer. Talvez um milagre. Bella deixou a bolsa em cima do sofá (florido) e encarou a porta da cozinha quando passos foram ouvidos.

- Bella? – Uma voz masculina chamou. O pai da garota se aproximou e apoiou todo o peso no batente. Estava pálido, um cobertor nas costas.

- Ah, papai! – Ela deu alguns passos apressados, segurando o homem e o guiando até o sofá. – Me desculpe se demorei! Não deveria ter saído, sabendo que estava mal...

- Está tudo bem. – Sua frase foi cortada quando tossiu. Ele arrumou o corpo no sofá e girou a cabeça para me olhar. Sua testa se franziu. – Você?

- Sou Edward. – Me apressei para me apresentar antes que Bella o fizesse.

- Charlie. – Apertamos as mãos.

- É um prazer, chefe.

- Ex, infelizmente. – Tossiu outra vez.

Dei um passo para trás e coloquei as mãos nos bolsos, sem a mínima idéia de como agir. Eu nunca realmente namorei. Ou as garotas me conheciam o suficiente para não me querer com suas famílias. Ele não era meu sogro, eu nem tinha traçado Bella! Ainda.

- Vou arrumar uma sopa pra você. Fica aqui com Edward? – A garota sorriu, e seu pai concordou somente com a cabeça. Andei timidamente para o sofá e me sentei, bem afastado dele. Um longo e constrangedor momento de silêncio se estendeu. Esfreguei os dedos uns nos outros, nervoso. Ele provavelmente ainda tinha uma arma!

Caralho, por que eu estava com medo de um policial armado? Eu já matei mais vezes do que Charlie simplesmente segurou um revólver. Virei a cabeça discretamente, analisando o velho. Seu cabelo ainda era preto, mas alguns fios brancos se destacavam, assim como em seu bigode. Cerrei os olhos, encarando o homem pelo canto dos olhos com curiosidade.

- Então. – Ele chamou, e eu olhei imediatamente para a televisão desligada a nossa frente. – O que você faz, Edward?

- Eu sou vendedor. Pela internet. Eletrônicos e afins.

- Hm.

Uma pausa.

Meus pés bateram no chão, provocando um pequeno eco.

- Interessante. – Ele completou.

- É.

Mais silêncio. Comecei a fazer uma música desconhecida com as solas de meus sapatos no piso de madeira. Ouvi um suspiro vindo de Charlie, e reprimi o mesmo.

- Bella disse que tem uma filha.

- Tenho, sim, senhor.

- Gostaria de conhecê-la. Gosto de crianças. – Pediu.

 “Grande idéia! Quer adotá-la?” Pensei com ironia.

-
Sem problemas, chefe.

- Ex.

- Ex...

Nós dois olhamos na direção da cozinha quando Bella fez um barulho mais alto. Voltamos a olhar pra frente quase numa coreografia. Outra pausa.

- Algum problema em perguntar seu sobrenome? – Charlie me olhou.

- Vai pesquisar minha ficha criminal ou o quê? – Ri. Ele não me acompanhou. Diante de seu olhar sério, soltei um pigarro e complementei. – Cullen. Edward Cullen.d

- Você não é de Forks, é?

- Não, senhor. – Forcei um sorriso simpático.

- Ah.

Respirei fundo, tamborilando os dedos no braço do sofá conforme o relógio (em forma de margarida) contava os segundos.

- Poderia me passar o controle, Edward?

Procurei em silêncio até encontrar o que pedira em cima da mesinha de centro.

- Ah... – Resmunguei para mim mesmo, fazendo uma careta preguiçosa.

- Como disse?

- É claro, senhor. – Joguei meu corpo para frente no mesmo segundo, pegando o controle e colocando diretamente em sua mão.

Ele ligou no canal de pescaria. Não sabem como foi difícil ficar quieto diante de toda aquela merda. Bella era esperta. Ah, era.

- Prontinho! – Ela veio quase pulando, com um sorriso no rosto e um prato fundo em mãos.

- É melhor eu ir. – Fiquei em pé num salto.

- Não, não! – Charlie rebateu educadamente. – Fique e coma um pouco!

- Eu acabei de jantar, senhor. Obrigado. – Quase rosnei.

- Tem certeza? – Bella complementou, cínica.

- Tenho. – A frase saiu entredentes.

Quase corri para a porta. Ela deixou o prato com seu pai e me acompanhou. Já do lado de fora, com a porta fechada, começou a se despedir.

- Foi legal.

- É. – Suspirei.

- E o restaurante é mesmo muito bom!

- Podemos repetir. – Sugeri.

- É!

- É.

- Boa noite. – Ela disse, me dando um beijo na bochecha.

Tentei virar o rosto e encontrar sua boca. Cedo demais. Bella me empurrou com uma força estranha (e desnecessária), suspirando audivelmente.

- Boa. Noite. – Repetiu, entredentes.

Entrou e bateu a porta. Eu andei até meu carro, chutando uma das rodas com vontade antes de abri-lo.


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Notas finais do capítulo

Vocês nunca iriam entender a quantidade de imprevistos que me apareceram essa semana! Quando o capítulo finalmente conseguiu ficar pronto, Nina ficou doente, e aí demoramos mais ainda.
Até que enfim tá aqui. Ela ainda tá mal, então todo mundo pensando positivo, porque sem ela essa história não vai pra frente UHAUHAHUAUH
Agora, a notícia ruim. Pra quem não sabe, eu tenho um lado nerd meio aflorado, então começo a me desesperar com provas tipo 1 mês antes. E, bom, faltam 3 semanas, preciso começar a estudar ): Mas sem desespero, logo logo to de volta. Esse é o primeiro capítulo de Setembro, mas prometo (prometo meeesmo) que não vai ser o único. Fiquem de olho, porque assim que eu der uma relaxada vou correndo escrever. E, ah, assim como vocês pediram, vai ter muita coisa Carlie/Edward ^^ Espero que tenham gostado, e desculpa de novo. Beijos!