Meu Malvado Favorito escrita por mulleriana, Nina Guglielmelli


Capítulo 11
Mas que diabos está acontecendo comigo?




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Até quando a obsessão por uma pessoa continua sendo normal? Até que ponto eu poderia me aproximar de Bella e verificar o que fazia em sua banca de flores sem ser preso ou receber um mandato para ficar a pelo menos 200 metros dela?

Não havia nada de errado naquilo. Eu só... Não sei. Só gostava de olhar para ela. Eu não tinha o dia todo livre, é claro. Mas passava pela praça sempre que podia, somente para verificar de longe se ela continuava ali. Nada além do completamente normal.

Já fazia pelo menos uma semana que não nos falávamos, o que não era nada bom para mim, que tinha uma aposta para ganhar muito em breve. Além disso, não queria que ela pensasse que eu estava me fazendo de “difícil”, assim como ela.

Uma garota tão estranha não tem muitas opções, mas Bella parecia rejeitar a melhor delas. Eu não teria problemas em me aproximar – nosso último jantar, com a ajuda da pirralha, fora um sucesso. O que me impedia de investir ainda mais nisso era que tinha problemas maiores para resolver.

Ao contrário do que você deve estar esperando, Rosalie não me incomodava em nada. Ela era mais uma samambaia no canto da sala. Não tentou fugir, nos dedurar, e não reclamava de (quase) nada. Acho que seus seqüestradores gostavam mais dela do que seus colegas de trabalho.

Caius começou a reclamar um pouco da demora em nosso trabalho, mas Emmett sempre o acalmava. Alice estava se saindo muito bem, colocando lenha na fogueira aos poucos, para que a imprensa começasse a especular a respeito do sumiço da modelo no tempo certo.

A razão das minhas constantes dores de cabeça se resumia em uma única palavra: Vira-lata.
Aquele cachorro era infernal. Se eu achava que Carlie já era um presente do demônio, o que Jacob seria? Eu não podia chutá-lo para fora de casa porque os dois nunca se desgrudavam. Cheguei a cogitar expulsá-los juntos, mas eu não era tão horrível assim. Ainda não. Eu estava por um fio.

Aquele dia, aquele fatídico dia, provavelmente já estava escrito em algum lugar – isto é, se eu acreditasse nesse tipo de coisa. Sabe aquela sensação estranha quando você tem a certeza de que algo grandioso está por vir? Ou o exato contrário, quando sabe que não deve sair da cama e evitar maiores problemas? Aquela noite era um misto de ambos.

Tudo começou a se tornar uma grande merda quando recebi uma ligação de Tanya. Estava voltando pra casa pouco depois das 11 da noite – confesso que bebera mais do que o necessário, embora não suficiente para ficar bêbado. Não planejava voltar tão cedo, mas agora tinha que tomar conta daquela pirralha mal agradecida, o que acabava com minhas noites em Seattle. De qualquer forma, do que falávamos? Ah, sim. Tanya. Já fazia algum tempo que não nos víamos, e ela, como já lhes disse, era sexo garantido.

 “Ainda não conheço sua nova casa.” Falou ao telefone.

Suspirei, guiando o volante com minha mão livre.

- Já disse, ainda estou arrumando tudo. – Rebati, bastante alheio a conversa.

Edward, você se mudou há uns 2 meses!” Mas que porra de mulher insuportável. Pra que conhecer a droga da minha casa? O que ela pensava que era, minha namorada?

- Sei disso, mas não é tão simples como parece, eu trouxe muita coisa... – Comecei a dizer, estacionando o carro exatamente a frente da porta. Desci, guardei a chave do carro trancado no bolso de trás, e fui tranquilamente em direção a casa, sem dar atenção ao que a garota tagarelava. – Vamos, princesa, qual é o problema? O lugar que ficamos da última vez era ótimo.

Mantive o celular no ouvido, preso entre meu rosto e meu ombro, enquanto minhas mãos vasculhavam os bolsos atrás da chave de casa. Tanya continuou falando o tempo todo. Quando finalmente encontrei o que procurava, encaixei-a na fechadura e abri a porta tranquilamente.

 “Você pode vir até minha casa sempre que quiser, qual é o problema de eu visitar a sua? Você anda estranho comigo, Edward, está acontecendo alguma coisa!”

Aquela foi a última coisa que ouvi com clareza antes da voz da garota se tornar apenas um blá blá blá incessante na minha cabeça. A visão que tive quando acendi a luz me anestesiou completamente. Não me deixou surpreso ou confuso, mas sim nervoso como nunca até aquele momento.

- Nos falamos depois, Tanya. – Consegui soltar, entredentes, antes de finalizar a ligação e jogar o celular num dos bolsos da frente da calça. Eu mal piscava.

Aquela não era a sala que eu deixei para trás quando saí de casa, na mesma noite. Ou, melhor dizendo, aquela não era uma sala. O ambiente era completamente inabitável. A estante do canto estava vazia, já que todos os livros e enfeites estavam no chão – em sua maioria quebrados. O resto de comida que fora deixado na mesinha de centro estava espalhado pelo tapete. O sofá fora completamente destruído; o que antes eram assentos, agora mal passavam de buracos. Pedaços gigantes do estofado estavam espalhados pelo chão, o que tornava impossível enxergar o piso. Coberto por um pouco de cada sujeira que espalhou, estava Jacob, deitado no sofá menor enquanto mastigava tranquilamente um pedaço de espuma.

Bati a porta atrás de mim com uma força desnecessária. O cachorro ergueu a cabeça e girou as orelhas na minha direção, atento. Nos encaramos por alguns segundos. Minha expressão devia estar péssima porque, ao invés de rosnar, ele desceu do sofá e correu para a porta entreaberta do quarto de sua dona.

- CARLIE CULLEN! – Esbravejei, parado entre o sofá destruído e a mesa de centro imunda.

Não demorou muito para ela sair de seu quarto  - com sua boneca no colo, cambaleando e esfregando os olhos cansados. Seu cachorro veio na sua cola, é claro. Ela abriu a boca para dizer algo, mas parou, olhando em volta da sala com uma expressão indecifrável.

- Mas o quê... – Começou.

- EU É QUE PERGUNTO! MAS QUE PORRA É ESSA? – Gritei ainda mais alto, socando o encosto do sofá menor enquanto andava até ela. – VOCÊ VIU O QUE ESSA DROGA DE CACHORRO FEZ?

Quando cheguei perto demais, Carlie e Jacob tentaram proteger um ao outro, se encostando e indo para trás. Eu continuei a avançar.

- Esse saco de pulgas vai embora da minha casa. Eu avisei, Carlie, ou você tomava conta dele, ou ia me livrar dessa coisa! – Apontei um dedo para ele que, é claro, rosnou em retorno.

-VOCÊ NÃO VAI ENCOSTAR NELE! – A menina berrou, ficando a frente de seu cachorro.

- NÃO ME PROVOCA, PIRRALHA. VOCÊ NÃO SABE COM QUEM ESTÁ LIDANDO. SAI DA MINHA FRENTE!

Duas portas se abriram quase ao mesmo tempo. Não precisei olhar para Rosalie e Alice para saber o que estava se passando por seus rostos. Emmett saiu sozinho de nosso quarto, com sono demais para entender completamente o que estava havendo. Carlie começou a chorar compulsivamente, apertando a boneca contra o peito.

- NÃO É CULPA DELE! ELE NÃO SABE O QUE FAZ! – Gritou em meio a vários soluços.

Empurrei a garota para o lado, quase a derrubando no chão. - Não, pai, por favor! – Ela pediu enquanto eu avançava para seu cachorro.

Eu agarrei os pelos de sua nuca, puxando-o comigo em direção a porta. Mesmo relutando o máximo que podia, a força do animal não foi o suficiente. Acho que seus dentes alcançaram minha mão, mas eu não senti dor alguma – estava vendo tudo vermelho.

Carlie continuava a gritar, pedindo que eu parasse, enquanto seus tios tentavam acalmar nossa briga com gritos ainda mais altos. Só parei quando já estava com a porta aberta. Empurrei Jacob para fora; seu dorso bateu em um dos poucos degraus, o que o fez gemer baixinho. O animal caiu deitado na grama. Nossos olhares se encontraram por um segundo, antes que eu batesse a porta e a trancasse por dentro.

Respirei fundo, encarando a porta fechada como se me obrigasse a ficar mais calmo. Comecei a girar o corpo, mas Carlie já estava ali, distribuindo fracos socos em minhas costelas. Eu podia ver que estava fazendo o máximo de força que podia.

- Por que fez isso? Por que? – Ela gritava, ainda chorando.

Eu agachei e agarrei seus pulsos com firmeza. A garota parou, provavelmente sentindo dor no local em que eu a segurava, me encarando com o rosto encharcado.

- Você não me ouviu, não é? – Perguntei calmamente, cerrando os olhos. – Achou que eu estava brincando? Foi isso? Eu disse para você tomar conta daquele vira-lata. Esse era o mínimo que deveria fazer, e você falhou.

- A PORTA FICOU ABERTA SEM QUERER! – Ela berrou, voltando a chorar ainda mais.

- CALA A BOCA! – Rebati, sério. – CALA A BOCA, EU ESTOU FALANDO COM VOCÊ, FIQUE QUIETA E ME ESCUTE!

Atrás dela, Emmett deu um passo a frente, mas Alice segurou seu braço, em sinal de que não deveria se intrometer. Ele devia estar me odiando por tratar uma criança daquela maneira.

- Ele deve estar com frio lá fora... – Carlie choramingou.

- Eu to pouco me fodendo para o seu cachorro demoníaco! – Soltei seus braços finos e fiquei em pé, ainda olhando seus olhos marejados. – Eu avisei. Foi você que não ouviu. Volta pra porra do seu quarto enquanto eu arrumo isso aqui, se não quer que eu mande você mesma limpar.

A menina mal me olhava. Colou a boneca ao peito, gritando suas últimas palavras antes de sair correndo.

- Você é um monstro! Você é um monstro malvado, e eu odeio você!

Assim que entrou no quarto e fechou a porta, pude ouvir seu choro recomeçar. Dos três pares de olhos que me encaravam, o mais reprovador era o de Rosalie. Ela com certeza mal conseguia acreditar no que acabara de ver.

- Eu sabia que aquele bicho ia dar nos problemas. – Alice murmurou quase para si mesma.

- Isso não é desculpa! Olha o que fez com a menina! – Rosalie me reprovou.

Eu olhei para a modelo, ainda sério.

- Cale a boca, e limpe isso. – Disse a ela, me virando para meu quarto.

- O que? – Ouvi a pergunta quase divertida vindo atrás de mim.

Virei o rosto devagar, me aproximando dela no mesmo ritmo. Emmett deu um passo estratégico, pronto para proteger a loira caso eu tentasse algo.

- O que está achando, linda? Que é minha amiguinha agora? Que vai ficar vivendo aqui sem nenhum problema? – Franzi a testa. – É bom mostrar alguma utilidade nessa casa ou, caso contrário, eu te mato facilmente quando estiver a fim.

Suas sobrancelhas se ergueram como se me desafiasse a algo, mas eu podia ver o medo em seus olhos. Eu passei muito tempo em meu limite, e finalmente explodira.

                                                                               (...)

Dormir foi absolutamente impossível naquela noite. Tudo parecia estar contra mim. Carlie não parava de chorar – ou talvez fosse somente minha mente me martirizando. Emmett roncava como um porco, e Jacob só parou de latir na porta quando passava das 2 da manhã. “Você é um monstro.” Perdi as contas de quantas vezes aquela maldita frase passara pela minha cabeça. Um monstro. Não havia outra definição para o que eu me tornara.

Levantei da cama. Precisava distrair minha mente com qualquer coisa que fosse. Não entendia porque a ideia de Carlie me odiar estava incomodando tanto, já que isso provavelmente a faria se afastar de mim – algo que eu esperava desde que a conheci.

Andei sem pressa até a cozinha. Meus movimentos eram robóticos, porque minha mente estava a mil. Peguei uma garrafa com água e fechei a porta da geladeira com o pé; mal olhei para a mesa enquanto pegava um copo e o enchia. Finalmente, virei. Rosalie estava perto dali, sentada na cadeira, me encarando. Seu rosto era tranqüilo e pesaroso ao mesmo tempo. Ela afastou a caneca que estava a sua frente sem tirar os olhos de mim.

Eu desviei um pouco o olhar, constrangido ao lembrar de nossa ultima conversa. Guardei a garrafa novamente na geladeira, fazendo menção de sair da cozinha – o que logo desisti. Virei para a garota, pressionando os lábios um no outro sem saber o que dizer.

- Eu não consegui dormir. – Soltei a primeira frase que me veio a mente.

Rosalie riu baixinho, balançando a perna que estava cruzada por cima da outra. - Percebi. – Rebateu.

Ela deu os ombros e mostrou outra cadeira com um movimento de cabeça; obedeci sua ordem silenciosa e me sentei a sua frente. Houve um momento incômodo de silêncio – mesmo com os olhos na água que bebia, eu sabia que ela estava me encarando.

- Eu falei com Carlie. – Ela disse, ainda imóvel.

Demorei um pouco para responder. - Faz pouco tempo que ela parou de chorar. – Murmurei, apoiando meu copo cheio pela metade na mesa.

- E então? – Perguntou. Nossos olhos finalmente se encontraram.

- O que? – Franzi a testa.

- Quem é essa menina?

Demorei ainda mais, questionando-me se deveria dizer a verdade. Ela pareceu perceber minha duvida interna.

- Me diga a verdade. Pode confiar. – Franziu a testa. – Já não lhe dei motivos para isso?

Eu simplesmente ri; um som nervoso e abafado.

- Depois de algum tempo nesse ramo, você tira “confiança” de seu vocabulário. – Meu sorriso diminuiu aos poucos enquanto eu encarava a mesa, pensativo. – Ela faz parte do plano. Camuflagem.  – Analisei sua reação por alguns segundos, mas ela não demonstrou nada. – Foi adotada.

- Adotada? – Ela só mudou seu semblante quando soltei essa palavra. – E o que pretendiam fazer com ela depois?

- Não foi idéia minha. – Rebati, entredentes. – Eu não mando em nada. Eles me apareceram com essa menina. Estão preocupados demais em ganhar dinheiro, pouco se importam com o que vai acontecer com Carlie no final de tudo.

- Eles quem? – Ela perguntou, interessada, jogando o corpo um pouco pra frente.

Eu bati uma mão na mesa de leve ao me apoiar para levantar, levando meu copo na mão livre.

- Acho que já respondi o suficiente. – Murmurei, levando o copo até a pia.

- Acha que depois de terem poupado minha vida, eu ainda fugiria daqui para lhes entregar?

Eu esperei um pouco, de costas para ela. Franzi a testa e me virei, encontrando seus olhos outra vez.

- Deve haver um motivo para ninguém estar procurando você. – Disse.

Ela enrijeceu em seu lugar por um tempo, e então soltou um longo suspiro, desviando o olhar.

- Não precisam mais de mim. – Ela explicou.

Eu voltei para a mesa, sentando no mesmo lugar e encarando seu rosto; esperei, até que ela finalmente continuou a falar.

- Eu não tenho família. Não mais. Perdi todos muito jovem. A agência… Prefere mulheres jovens. E eu já tenho quase 24 anos. – Deu os ombros tranquilamente. – Não sou mais uma adolescente.

Eu parei um pouco, processando tudo o que me dizia. - Você é linda. – Observei.

Ela sorriu, mas de um jeito triste. - Mas não sou o que procuram. E Royce... Bem, ele tem mais com o que se preocupar. Mesmo que eu volte, não vou continuar dando dinheiro por muito tempo.

- Isso... Não está certo… - Murmurei.

Rosalie parou um pouco e sorriu consigo mesma. - Eu tinha pessoas que se importavam comigo. Sabe? Que fariam de tudo para me resgatar caso isso acontecesse. Mas eu segui meu sonho. – Suspirou, dando os ombros. – E na Agência... Não somos bem uma família. Eu tenho um nome... Uma fama. E não precisarei me preocupar com dinheiro por algum tempo. Mas... E daí?

- Não precisava ter continuado. – Eu quase cortei o que dizia. – Poderia ter saído. Voltado pra sua verdadeira família.

Ela riu, um pouco mais alegre dessa vez. - Depois de algum tempo nesse ramo, você tira “escolha” de seu vocabulário.

Sorrimos um para o outro. Ela ficou em pé, pegando sua caneca vazia e colocando ao lado do meu copo.

- Rosalie, eu... – Mordi o lábio, falando devagar e escolhendo bem as palavras. – Se dependesse de mim, eu daria um jeito. Minha obrigação é lhes entregar o dinheiro, então... Faríamos um trato. Se dependesse de mim, você pagaria sua própria liberdade. Mas eu só recebo ordens. Eles não ficarão satisfeitos só com o dinheiro, há muito mais do que...

- Eu sei. – Ela cortou o que eu dizia, sorrindo. – Obrigada.

Ela desapareceu num piscar de olhos, exatamente como havia chegado.

Saí da cozinha e apaguei a luz outra vez. Não estava na completa escuridão, porque a sala estava sendo iluminada pela luz que vinha do lado de fora. Quando passei pela porta fechada do meu quarto, meus pés não pararam. Meus olhos se prenderam na outra porta a minha frente e eu fui direto até lá; até hoje me pergunto a razão disso. Não é algo do qual me arrependa.

Girei a maçaneta muito devagar, tentando ser silencioso o suficiente, caso estivesse dormindo. Infelizmente, não. Carlie estava sentada com as costas apoiadas na cabeceira da cama. Sob as coxas, estava um caderno no qual desenhava, bastante atenta – mas não o suficiente para ignorar minha presença.

Eu entrei e fechei a porta atrás de mim, encostando nela. Suspirei, um pouco sem jeito. A menina continuou a me encarar, tristonha.

- Já deveria estar dormindo. – Falei, mas não no tom firme de sempre. Mal passou de um murmúrio.

Ela desviou o olhar para o chão por alguns segundos antes de voltar a focalizar no papel.

- Só estou terminando este aqui. – Disse ainda mais baixo do que eu.

Hesitei um pouco antes de finalmente tomar coragem e andar até perto de sua cama.

- Importa-se? – Perguntei com a mão estendida para o caderno, longe o suficiente para que ela tivesse a alternativa de negar. Para minha surpresa, a garota se encolheu perto da parede, me dando espaço para sentar ao lado dela na cama.

Eu apoiei minhas costas na cabeceira, assim como ela fazia, e estiquei as pernas. Meu braço esquerdo não tinha espaço suficiente, e eu fui obrigado a esticá-lo e envolver seus ombros. De fora, a visão seria comovente, mas eu sentia que ambos estávamos desconfortáveis com tal aproximação inédita.

Peguei o caderno de suas mãozinhas devagar e o apoiei em meu colo, analisando o desenho inacabado. Aqueles traços firmes e precisos não poderiam ter sido desenhados por uma menina de 8 anos. A figura, aos poucos, formava o rosto de um homem já bastante velho, sorrindo pacificamente.

- Você é muito boa nisso. – Murmurei ao virar a folha, analisando o próximo desenho. Desta vez era um mulher de meia-idade (pude ver pela perfeição de suas rugas) carregando um bebê risonho nos braços. Mais uma vez, troquei de desenho, e mais e mais vezes; cada folha mostrava uma pessoa diferente. A maneira que retratava as personagens mostrava que conhecia muito bem cada uma delas. – Carlie, quem são essas pessoas? – Perguntei, curioso.

 (In my place – Coldplay
http://www.youtube.com/watch?v=PMpoxC9swCo&feature=related )

Ela não respondeu. Enquanto eu encarava seu rosto, a menina analisava seu próprio desenho, como um artista procurando uma explicação mais elaborada para impressionar críticos. Ela estendeu sua minúscula mão e virou a folha para trás, até antes do desenho que fazia, mostrando uma garota adolescente.

- Essa é minha irmã. Eu sempre quis ter uma irmã mais velha. – Sua voz era muito carregada, mas totalmente sem emoção. Voltou a fazer o caminho original, então, mostrando a primeira figura inacabada que eu vi, do homem idoso. – Este é o vovô, pai da mamãe. Ele faz brinquedos de madeira.  – Carlie sorriu consigo mesma, ajeitando-se mais perto de mim, entretida com o que explicava. – Essa é minha tia, irmã da mamãe. Essa sou eu no colo dela, bem pequenininha. Ela não teve filhos. Mas o irmão da mamãe teve! Eu tenho uma foto dele bem aqui...

Carlie começou a mudar as folhas, procurando o retrato do homem de sua imaginação. Quando percebi o que se passava em sua cabeça, meu coração afundou no peito, como se pudesse ser comprimido aos outros órgãos. Não consegui dizer mais nada. Ela finalmente encontrou o que procurava e continuou tagarelando, animada, mas eu não distinguia as palavras que ela soltava. Isso perdurou por muito tempo. Quando ela abriu o caderno na última página, eu finalmente tive que acordar.

Era meu rosto ali. Seus desenhos não eram perfeitos, é claro, mas eram detalhados o suficiente para eu me reconhecer. Ao contrário de todas as outras pessoas que ela desenhara, eu não sorria, ou demonstrava qualquer tipo de emoção.

- E esse é você, papai. – Carlie disse, finalmente olhando em meus olhos. Eu retribuí seu olhar, sem saber o que pensar ou dizer.

Apesar de não ter desenhado sua “mãe”, todos os parentes eram desse lado da família. Ela não imaginou nada sobre meus pais, irmãos ou sobrinhos. Talvez tivesse esperança de conhecê-los, ou de ao menos ouvir falar sobre eles. Toda a família que Carlie nunca teve estava ali, em sua mente e em seus desenhos, e aquilo era o bastante para ela.

- Acho que você está me superestimando. Não devo ser assim tão bonito pessoalmente. – Comentei sobre o desenho que fizera de mim, divertido.

Ela abaixou o rosto e analisou a figura mais uma vez.

- Eu estava esperando como seria conhecer meu pai e minha mãe. – Carlie dizia, baixinho. - E quando soube que seria adotada, a Claire ficou muito feliz por mim. Eu tinha deixado essa página em branco, pra desenhar só quando visse seu rosto bem de pertinho! E a Esme dizia que meu futuro papai seria o melhor cara do mundo.

Uma lágrima silenciosa desceu por sua bochecha. Nenhuma palavra no mundo pode explicar o que senti.

- Ela disse que íamos brincar o dia todo. Até de boneca; ele ia fazer esse sacrifício, porque ele ia me amar... E, bom, seria normal se ele brigasse comigo às vezes, porque é isso que os pais fazem. Mas ele não ficaria bravo por muito tempo. Ele só queria que eu me tornasse uma boa pessoa.

Ela enxugou o rosto e voltou a me olhar, sorrindo um pouco.

- Por isso, papai, eu não ligo quando a gente briga, sabe? Eu não te odeio. Eu sei que você faz isso porque me ama.

Engoli em seco, a saliva quase rasgando minha garganta com o nervosismo que sentia.

- Eu... Obrigada, Carlie. – Soltei um pigarro e cuidadosamente me desvencilhei dela para levantar da cama. – Acho melhor você dormir e terminar seu desenho amanhã.

- Não, espera! – Ela estendeu a mãozinha pra mim, abaixando um pouco o corpo para pegar um livro que estava no chão, ao lado dos meus pés. – Você... Poderia ler pra mim?

Carlie mostrou um exemplar de A Pequena Sereia, com os olhos brilhando pra mim. Eu sabia que ela estava receosa, lembrando da minha reação na primeira vez que fizera o pedido.

- Tudo bem, eu... Só... Preciso fazer uma coisa. Guarde o caderno de desenhos, eu já volto.

Deixei o quarto e encostei a porta ao sair, fazendo o mínimo de barulho possível. Fui direto para a porta da frente. Quando a abri, Jacob estava lá, deitado na soleira se sentindo o dono do lugar. Vira-lata nojento. - Entra logo, seu saco de pulgas. – Resmunguei. Ele passou como um foguete por mim, um pouco molhado, indo direto para o quarto de Carlie.

Eu o segui. Droga. Não acredito que estava amolecendo por causa daquela peste. Quando a menina me viu outra vez, abriu um sorriso de orelha a orelha, já arrumada na cama com o livro no colo. Voltei a mesma posição de antes, deixando que ela apoiasse a cabeça em meu braço.

- Chegou o dia mais esperado por todo o reino do fundo do mar. – Eu li, forçando uma entonação doce que por um segundo lembrou de minha mãe lendo para mim.

Carlie mantinha os olhos focados nas figuras. Sorri sozinho antes de continuar. O cão se ajeitou aos seus pés, e eu precisei dividir o espaço com eles. E, por Deus, como eu estava confortável.


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Notas finais do capítulo

Oie gente, Nina aqui! (Não eu não morri AHUHUAHUAHUAHUA) Enfim...muito tempo que eu não postava aqui né? É a vida e a preguiça, e eu não me orgulho muito disso, por isso que dessa vez a Carol me intimou a postar aqui. Eu estava com saudades de postar aqui...de verdade. Eu vejo que estão bem empolgados com essa fic né? Eu também e ela ta melhorando.
Eu achei lindo esses desenhos da Carlie, de mais! É uma menina encantadora mesmo.
Enfim...por hoje é só.
Beijos e espero que gostem *-*
Até mais ;)