A cafetaria era rodeada por janelas que permitiam uma vista chuvosa do exterior, exceptuando uma das paredes que ia dar para a cozinha onde Ren tinha entrado, deixando-a sozinha com Sousuke numa das mesas com topo de vidro extremamente riscado, talvez por anteriores alunos.

Ela continuava com uma toalha pela cabeça e agora um lenço de papel na mão que Sousuke lhe tinha emprestado para assoar o nariz. A sua maior preocupação no momento, não era a presença de Sousuke mesmo à sua frente, mas sim o facto de estar quase na hora do almoço.

- Esta chuva não está a favor de ninguém. – comentou Sousuke a tentar fazer conversa – Parece que ficaste doente.

- Um ator nunca fica doente! – exclamou Kyoko quase ofendida com a afirmação.

- Ah, claro que não. – disse Sousuke em forma de desculpas – Em todo o caso, gostava de agradecer por terem vindo filmar aqui. É uma grande honra para os alunos de artes.

- Honra? – Kyoko teve que se impedir de rir porque ele parecia estar a falar a sério – Nesse caso tem que agradecer ao diretor e ao realizador.

- E assim o farei quando tiver oportunidade. – disse Sousuke continuando com a conversa formal – E, já que está aqui, podia dar-me um autografo?

Kyoko abriu a boca mas só conseguiu responder alguns segundos depois. – Lamento imenso, mas vai ter de esperar pela sessão de autógrafos depois do almoço.

- Ah! Oh, se é assim… - por momentos, Sousuke olhou para o outro lado onde a chuva caía – Queria pedir desculpa pelo beijo que te roubei em Quioto.

- Desculpa, mas acho que estás a confundir-me por outra pessoa. – disse Kyoko desviando os olhos. Perguntava-se porque é que Ren estava a demorar tanto tempo.

A reação dela foi mais do que suficiente para a resposta que ele pretendia. Agora tinha a certeza que ela e a Marisa eram a mesma pessoa. O que queria dizer que ele estava apaixonado pela Kyoko…?

- Sousuke!

Sousuke virou-se e rangeu os dentes ao ver Kyou. A última aula da manhã já tinha começado e ele estava obviamente a faltar.

- Posso saber porque é que saíste da sala? Eu não disse para… - Kyou parou de falar quando viu Kyoko sentada em frente a Sousuke – Ah, menina Kyoko. Peço desculpa pelo meu aluno. – o professor aproximou-se mais e fez uma vénia – Espero que ele não a tenha incomodado.

- De todo. – Kyoko levantou-se e retribuiu a vénia – Eu é que peço desculpa por incomodar os alunos e os professores em tempo de preparação para os exames preliminares.

Sousuke sorriu ao ver os dois vergados durante bastante tempo sem dizer nada.

- Bem… - finalmente, Kyou endireitou-se – Eu vim aqui para levar o meu aluno de volta para a aula mas, pergunto-me se gostaria de me acompanhar. – sugeriu o professor – Estamos na aula de representação e era ótimo ter uma convidada como a menina.

- Eu… - Kyoko olhou para a porta da cozinha à espera de ser salva por Ren, mas não aconteceu – Estávamos no meio das filmagens e…

- Seria só um minuto. – reforçou Kyou.

- Mas, o Ren está…

- Eu aviso-o. – ofereceu-se Sousuke, surpreendendo Kyoko e Kyou – O que é que foi? Eu consigo ser o bom da fita, às vezes.

Kyou encolheu os ombros e virou-se outra vez para Kyoko que continuava indecisa. – Se depois quiser sair, ninguém a impede.

Kyoko suspirou. Dois minutos numa sala de aula com os seus colegas não a iam magoar e, logo que Sousuke fizesse o que prometera, não iria haver problemas

- Está bem. – concordou Kyoko finalmente – Logo que não demore muito…

- Não vai demorar nada. – prometeu Kyou guiando-a para fora da cafetaria.

Deixado para trás, Sousuke espreguiçou-se.

Estava na hora de falar com o namorado ciumento.

…

Com um sorriso na cara, Ren pegou num pouco de pó de chocolate e espalhou-o por cima do marshmallow que flutuava no liquido castanho.

Não tinha sido agradável deixá-la com o Sousuke mas, por aquela hora, ela já o tinha enxotado como uma mosca intrometida que ele era.

Pegou na caneca branca, saiu e quase deixou-a cair quando viu Sousuke à sua espera e nenhum traço da sua namorada à vista.

- Onde é que está a Kyoko? – perguntou Ren olhando em volta, ainda com a caneca na mão.

- Ela foi com o Morita-sensei visitar a turma de atuação. – informou Sousuke sorrindo amavelmente – Mas, para dizer a verdade, eu também queria falar consigo a sós.

- Ai, sim? – Ren estava ansioso para ver onde é que aquilo ia dar – O que é que se passa?

- Eu queria pedir desculpa. – revelou Sousuke – Não devia ter beijado a sua namorada à força.

Ao contrário de Kyoko, o sorriso brilhante que Ren lhe apontava não lhe mostrava nada. No entanto, quando ele se aproximou, Sousuke imaginou-se a levar um murro.

Em vez disso, Ren parou em frente dele e deu-lhe uma palmada “amigável” no ombro que quase lhe deslocou o braço. Aquela era uma reação que o avisava para não ir por aquele caminho.

- Acho que está a confundi-la com outra rapariga. – disse Ren mantendo o sorriso brilhante e que apenas Yashiro e Kyoko conseguiam identificar como extremamente falso – No entanto, isso é uma coisa desagradável de se dizer e agradecia que não o fizesse mais.

- O-Ok. – gaguejou Sousuke reconhecendo a ameaça. Nunca adivinharia que Ren poderia ser capaz de tal coisa.

- Agora, pode levar-me até à minha namorada antes que o chocolate quente arrefeça? – pediu Ren salientando a palavra “minha” de propósito – Se ela não o beber não vai conseguir cantar, amanhã.

- Por aqui, então. – disse Sousuke saindo da cantina, seguido de Ren.

Não seria inteligente irritar aquele homem.

Mas nada o impedia de brincar com Kyoko.

…

Kyoko olhou para a turma com um sorriso constrangido.

Eles olhavam para ela como se ela fosse algum tipo de ídolo, com olhos brilhantes e bocas abertas. O que ela não compreendia porque só era uma pessoa normal.

No entanto, duas ou três raparigas olhavam para ela com desdém e dois pares de rapazes não detinham interesse suficiente para prestar atenção.

- Meninos, por favor, façam pouco barulho. – pediu o professor – Encontrei a Kyoko-san na cantina e pedi-lhe para vir dar alguns conselhos já que ela já é uma atriz profissional.

Kyoko suspirou e tirou a toalha da cabeça para deixar o cabelo húmido apanhar algum ar, conseguindo assim a atenção dos restantes com o ar de “acabada de sair do banho”.

- Bom dia, eu chamo-me Kyoko. – disse Kyoko desnecessariamente enquanto fazia uma vénia – Desculpem a intrusão.

- Se tiverem alguma pergunta para a Kyoko-san, façam-no agora. – avisou Kyou – Ela não tem muito tempo para vos aturar.

- Oh, não faz mal. – disse Kyoko com uma mão no ar – Em todo o caso, acho que as filmagens acabaram, por agora já que de caminho está na hora do almoço.

- Agradeçam à Kyoko-san! – exclamou Kyou.

- Não é necessário. – disse Kyoko, embaraçada quando todos se levantaram e fizeram uma vénia. Sem saber o que fazer, ela correspondeu à vénia – Eu é que agradeço por nos terem recebido e por serem tão compreensivos.

- Bem, se têm perguntas, levantem a mão e esperam que eu dê autorização para falarem, percebido? – perguntou Kyou rigidamente. Segundos depois, praticamente todos os alunos levantaram o braço. O professor apontou para um rapaz na última fila com ar de intelectual – Sim.

- Qual seria o primeiro conselho que daria a um aspirante a ator que esteja a tentar conseguir um contrato com uma agência? – perguntou o rapaz.

Kyoko teve de pensar um bocado antes de responder.

- A primeira coisa que diria era para não desistirem. – começou Kyoko – Quando entrei pela primeira vez na LME não tinha qualquer talento e até fui expulsa. Depois de insistir muito, eles concordaram em deixar-me entrar num concurso de recrutamento de novos talentos. Afinal, eu era só uma rapariga aborrecida que não tinha interesse por música, atuação ou qualquer outro tipo de entretenimento.

Os murmúrios começaram. Kyoko nunca tivera jeito para fazer discursos e estava extremamente nervosa mas decidiu aguentar mais um pouco.

- Senhores, senhoras, calados! – disse o professor novamente – Mais alguém tem perguntas?

- Sim professor. – disse uma das raparigas que a olhava com desdém – Ajudou muito ter a ajuda do Tsuruga-san e do Sho-kun para subir na vida?

- Rya! – protestou Kyou.

- Não faz mal. – disse Kyoko com um sorriso – Ter o Tsuruga-san como Senpai foi bom, mas no principio não foi assim. Para dizer a verdade, eu não morria de amores por ele, por assim dizer e, mesmo depois de entrar para a LME não era oficialmente uma atriz. Entrei para uma secção chamada Love Me até conseguir ter competências suficientes para entrar para este mundo. Aliás, quando interpretei a Mio, ainda estava na Secção. Quanto ao Sho-kun…continuo a não morrer de amores por ele, ainda hoje. Mesmo ele sendo meu amigo de infância e ele, definitivamente, não me ajudou com a carreira musical de todo. – esclareceu ela – Se alguma coisa, foram os Beagles que me deram um empurrão.

- Só mais uma pergunta. – prenunciou Kyou vendo Uri (o melhor amigo de Sousuke) levantar o braço – Sim?

- Queria saber se podia cantar uma pequena canção para nós. – disse Uri com olhos suplicantes.

- Oh, peço imensa desculpa, mas hoje não posso. – disse Kyoko sinceramente. A voz dela não aguentaria no dia seguinte se ela o fizesse – Mas já devem saber que vou fazer um concerto com entrada gratuita aqui e espero encontrar-vos, lá.

- E que tal uma atuação? – sugeriu Uri de novo.

- Não incomodes a Kyoko-san. – lembrou o professor.

- Não, na verdade, não me importava. – disse Kyoko pondo um sorriso no rosto de Uri – Logo que seja breve.

- Muito bem, então. – concordou Kyou – Que tal se nos
 dirigirmos até ao auditório então? Todos vão ter uma oportunidade de contracenar com a Kyoko-san se quiserem.

Com ordem, a classe levantou-se e seguiu Kyou e Kyoko que os guiavam pelo corredor. Ao ver Ren com Sousuke, no entanto, teve de parar. Os gritinhos pela parte das raparigas começaram e o professor teve que impedir algumas de se aproximarem.

- Onde é que vais? – perguntou Ren num tom baixo depois de se aproximar de Kyoko – Estava à tua procura. Porque é que não me avisaste onde ias?

- Eh? – o tom de voz de Ren indicava-lhe que ele estava chateado – Mas o Morita-sensei pediu-me para vir e o Sousuke disse que te avisava.

- Kyoko… - Ren inclinou-se para a frente para conseguir sussurrar-lhe ao ouvido, fazendo algumas raparigas corar – Tu não és a Marisa, aqui. Não tens de fazer o que o professor te diz. – endireitou-se e suspirou – E agora, onde é que vais?

Ren falava com ela com um à vontade incrível, como se só estivessem os dois ali, sem a turma toda a assistir.

- Eu ofereci-me para representar um pouco. – respondeu Kyoko agora achando que tinha sido uma má ideia – São só alguns minutos.

- Temos que ir almoçar. – protestou Ren – E o Tora anda à tua procura. Parece que tens outra proposta de trabalho.

- EH!? Mas…tanto trabalho! – exclamou Kyoko em choque.

- Tem calma. – pediu Sousuke afagando-lhe os cabelos – Parece ser uma coisa simples. Mesmo assim, devias processar melhor o teu tempo.

- Mas, agora…

- Agora que prometeste, não há nada a fazer. – disse Ren abanando a cabeça lentamente – Que tal eu ir contigo, também?

- Quantos mais melhor. – disse Kyou com um sorriso satisfeito – Bem, então sigam-me.

- Não é preciso. – assegurou Kyoko mas ele já ia ao lado dela com o braço por cima dos seus ombros.

…

Enquanto os alunos se posicionavam nas cadeiras da primeira fila e Ren preparava tudo no palco, Kyoko atendia o telefonema de Tora nos bastidores.

“Era só para ser um anúncio publicitário para uma marca de roupa” explicou Tora do outro lado da linha “Mas depois veio outra proposta que acho que vais gostar. Já agora, onde é que estás? Eu estou na cafetaria com o resto do grupo e não te vejo em lado nenhum.

- Que tipo de trabalho? – perguntou Kyoko ignorando a última pergunta.

“É uma série de BL” revelou Tora.

- Bem… - Kyoko não via qual era o problema de fazer o papel de melhor amiga de uma personagem de BL – Está bem. Vai ser divertido.

“Ótimo! Acabei de mandar um e-mail ao presidente a confirmar a tua presença no casting!” exclamou Tora entusiasmado “Tu vais ser o uke”.

- O quê!?