“Minha vó era o que você chama de Peeira. Assim como minha mãe e eu.” Sandro não acreditava no que tinha acabado de ouvir. Fay era uma Peeira. Mas ele ainda não sabia exatamente o que isso significava.

“ O que é um Peeira exatamente?”

“ É basicamente o que você leu no Wikipédia. Uma mulher que consegue se comunicar com os lobos. Embora isso seja apenas o básico.”

“Como assim?”

“ Uma Peeira tem outros dons além desse. Se bem que para muitas isso é uma maldição, assim como sua mãe achava.”

“ Então minha mãe era mesmo uma Peeira?”

“ Pela descrição que você deu, acho que sim. Duvido muito que seu sonho tenha sido um normal, ainda mais depois que você disse que não se lembra de muita coisa antes da morte de sua mãe. Deve ter sido algum trauma que fez você reprimir suas memórias.”

“ Você agora é médica também?” Sandro se irritou um pouco com o jeito que ela falava. Parecia que ela sabia exatamente o que ele tinha passado. E ela não fazia ideia.

“Meu pai é neurologista em Londres. Eu acho que sei alguma coisa.” Sandro agora ficou sem ter o que responder. Ficou com a cara um pouco emburrada até que Fay se virou para ele ficando apenas a alguns centímetros

“ Por acaso se irritou com algo que eu disse?” Sandro foi um pouco para trás. Ela estava muito perto.

“ Não foi nada. Mas não faça mais isso.”

“Isso o que?” Ela falava numa voz totalmente inocente. Ela não tinha a mínima ideia de que a proximidade repentina tinha assustado Sandro.

“ Chegar perto assim do nada.”

“ Tá bom, desculpa. Mas sua cara foi ótima.” Fay disse rindo um pouco enquanto Sandro a olhava ainda um pouco irritado.

“ Bem zoações a parte, você agora pode me explicar o que é uma Peeira, que não seja a explicação do Wikipédia?”

“Está bem.” A voz dela mudou de um tom brincalhão para um sério.

“De modo geral, Peeiras são humanos que tem sangue de lobo.”

“ Quando você diz sangue de lobo, quer dizer os descendentes de lobisomens que por algum motivo não podem se transformar, não é?”

“Eu nunca disse isso. Ser descendente de um lobo é o jeito mais normal mas não o único.”

“Então qual o outro?”

“Transfusão de sangue. E até a mistura de sangues como através de cortes. Mas isso não funciona se a pessoa beber o sangue de um. Isso é idiotice.”

“Mas a pessoa não devia se transformar num lobisomem também?”

“Não, isso é apenas para vampiros. Não confunda, para uma pessoa se tornar um lobisomem, a saliva deve entrar em contato com o sangue. E mesmo assim se o dano for muito extenso a pessoa morreria antes de se transformar.”

“Entendi... Mas então qualquer pessoa pode se tornar uma Peeira?”

“ Na teoria sim. Por exemplo, na teoria, você seria uma Peeira mas homens não são considerados uma. E nem todas as garotas com sangue de lobo são Peeiras também.”

“Isso tá ficando confuso.”

“Hum, vou tentar explicar melhor. O que define uma Peeira é a habilidade de se comunicar e controlar lobos. E quando eu digo lobos quero dizer lobos e lobisomens.”

“Afinal porque você chama lobisomens de lobos?”

“Porque é mais curto.” Sandro estava esperando uma explicação mais mística ou algo do tipo. E acabou ganhando a mais óbvia possível. Ele não conseguia esconder sua cara de desapontamento, o que fez Fay rir.

“Voltando ao assunto, quer dizer que você consegue controlar lobisomens?”

“Você não acredita, não é?”

“Desculpa, mas é difícil acreditar em algo assim” Fay pareceu ignorar a última frase e continuou da onde tinha parado em sua explicação.

“Animais temem as Peeiras, porém a sua gata não estava com medo.”

“Não estava, nunca vi a Noite ter medo de alguma coisa. Ela parecia mais com raiva de você. Mas porque os animais temem as Peeiras?”

“Porque eles sabem que se nós quisermos podemos mandar um dos predadores mais fortes atrás deles. Para um animal não ter medo de uma Peeira, ele tem que ser criado desde filhote por ela.”

“Mas você não faz ideia porque ela tava com raiva de você? Tipo através dos rosnados dela?

“Hey, eu não sou nenhum Dr. Dolittle. Eu entendo meus cachorros e só, e mesmo assim não é como se eu entendesse o que eles falam.”

“Ah tá, entendi” Isso foi tudo que Sandro conseguiu dizer entre risos.

“Você tem que parar de acreditar em tudo que lê por aí.”

“É verdade. Mas além disso tem mais alguma diferença entre Peeiras e os com sangue de lobisomem?”

“Hum, isso depende muito da pessoa, mas em ambos os casos, a pessoa tende a ser reclusa. Mas no geral são humanos normais sem nenhuma daquelas habilidades típicas de filme. Tipo olfato aguçado e coisas assim.”

“Que chato.”

“A vida real não é sempre como queremos. Somos diferentes dos outros, e ao mesmo tempo, iguais. Realmente é uma droga.”

“Uma droga também é boiar nesses seus paradoxos.”

“Não tente entender. A maioria das coisas que eu digo assim não fazem sentido.”

“Então porque diz?”

“Porque elas soam bem legais.”

“É oficial agora, desisto de te entender.” Fay deu uma risada.

“Bem resumindo é isso. Tem mais alguma coisa que você queira saber?”

“ Porque você sendo descendente de um lobisomem não é um também?

“Porque minha mãe é uma Peeira e meu pai humano. Não tinha como eu ser uma loba. E minha mãe tinha que ser uma Peeira por minha vó ser uma.”

“Explique melhor”

“Uma filha entre uma Peeira e um lobisomem será uma Peeira também. Porém um filho tem 50% de chance de ser um lobo ou um humano com sangue de lobo.”

“Entendi. E os que tem sangue de lobisomem tem alguma habilidade ou algo assim?

"Mais o menos, você entender sua gata poderia ser considerado uma habilidade. A mesma coisa eu e meus cachorros, embora isso não seja muita coisa. Mas eu ouvi que os com sangue de lobo conseguem sentir se uma pessoa é um lobo através do toque. Além disse há uma lenda de que alguns com sangue de lobo conseguem parar o ataque de fúria de um lobisomem e até parar o controle de uma Peeira. Mas eu acho isso é apenas uma lenda.”

“Que maneiro!”

“Hey, não faça nenhuma loucura por causa do que eu disse.”

“Ahn? Como assim?”

“Se você vir um lobisomem com um ataque de fúria não tente pará-lo. Você pode morrer tentando.”

“Pode deixar Fay, não vou tentar algo assim aliais o lobisomem de outro dia já nem deve estar mais aqui.”

“Outra habilidade de uma Peeira é sentir que há lobos por perto. E nesse momento, eu posso dizer com certeza há vários nessa cidade.”

“Como é?!” Sandro estava assustado. Aquele o havia salvado mas será que todos eram tão bonzinhos assim?

“ Eu sinto que há muitos nessa cidade mas não sei o número exato.”

“E como você pode estar tão calma e se eles começarem a atacar as pessoas?”

“Eles não são tão idiotas. Não vão se expor assim, não um grupo tão grande.”

“Como pode ter tanta certeza?”

“Não sei, eu somente sinto isso e também sinto que eles estão com medo de mim.”

“Mas as Peeiras não são aliadas dos lobos porque eles teriam medo?”

“Nada é tao simples quanto parece...veja bem...” Mas antes que Fay pudesse terminar a porta da frente foi aberta por um homem que aparentava ter uns 37 anos. Mas que na verdade tinha 42 anos. Ele era bem parecido com Sandro ambos tinham cabelo castanho escuro, e tinham feições parecidas, a diferença estava nos olhos. O homem usava óculos e tinha olhos verdes, enquanto Sandro tinha olhos castanhos e visão perfeita. Ele entrou e parecia surpreso de ver Fay ali.

“Ahn. Filho, quem é sua amiga?”

“ Ah, pai, essa é a Fay, ela se mudou a pouco tempo.”

“Entendi. Prazer em conhecê-la Fay. Eu sou o pai do Sandro, meu nome é Marcos.”

“Prazer, eu sou a Fay.”

“Fay, quer ficar pro jantar?”

“Obrigada seu Marcos, mas eu tenho que ir agora. Eu fiquei mais do que devia.”

“Nada de seu Marcos, me chama de tio Marcos.”

“Ok então tio Marcos até.” Fay não pode conter uma risada enquanto andava na direção da porta acompanhada por Sandro.

“O seu pai é bem legal.”

“Sim, ele é um pouco louco mas é legal”

“Ah você pode passar o número do seu celular?”

“Pra que?”

“Pra gente marcar um dia para terminar nossa conversa. Você ainda está curioso não é?”

“Sim. Tá bom então”

Depois de trocarem os números de celular, Fay saiu andando enquanto Sandro fechava a porta. Sandro então foi abrir a porta do quarto para Noite sair mas ela não estava em lugar nenhum. Foi quando percebeu a janela aberta. Ela deve ter se cansado de ficar no quarto e saiu. Nada de anormal, as poucas vezes que Noite ficou presa ela saiu pela janela e depois de um tempo voltou. Sandro então se sentou a mesa para jantar.

“Fico feliz que tenha arranjado uma amiga.”

“É, ela é legal.”

“Sobre o que vocês tavam conversando quando eu cheguei?”

“Lendas.”

“Então ela gosta das mesmas coisas que você?”

“Sim. Ela sabe bastante coisa.” Depois disso o resto do jantar foi em silêncio.

Já era de noite, Fay tinha ficado tempo demais na casa de Sandro. Mas pela primeira vez, depois da morte de seu avô, ela tinha conseguido falar com alguém sobre esse assunto. Sua mãe não queria nem tocar nesse assunto, e seu pai não acreditava nesse tipo de história. Já Sandro, acreditou nela e não a chamou de mentirosa nem esquisita. Talvez tivesse sido por isso que ela tinha falado tanta coisa.

A rua estava completamente deserta, a casa de Fay ficava num lugar pouco movimentado. Mas era bem iluminado. Era bem difícil alguém se esconder para assaltar alguém. Do outro lado da rua ficava o parque da cidade, mas as grades eram bem altas seria bem difícil para alguém pular. Depois de algum tempo andando, ela sentiu que estava sendo seguida mas em vez de correr, ela se virou sem demonstrar medo nenhum.

“O que você quer comigo?” Fay disse se virando para o lado onde ficava o parque. Nisso um lobisomem branco e preto pulou com facilidade pela grade. Parando na frente dela.

“Nada mal garota, então é verdade, que Peeiras conseguem sentir nossa presença.” O lobo não demonstrava nenhum sinal de hostilidade. Mas mesmo assim ela ficou alerta.

“Fale logo, o que você quer?” Ela falava numa voz firme.

“Calma garota, eu estou aqui só para saber se você é uma ameaça a minha alcateia ou não.” Aquele parecia só querer conversar. E ela não estava sentindo nenhum outro por perto.

“Se vocês não forem causar problemas então não.” Ela ainda estava desconfiada. Porém como não havia sinal de perigo, ela relaxou um pouco

“Fico feliz em ouvir isso. Só Mais uma pergunta, você está junto da outra alcateia que esta na cidade?” Essa pegou Fay de surpresa, ela tinha sentido vários lobos mas não sabia que eram duas alcateias. Se eles decidissem lutar por território isso seria um problema.

“Não.” Embora ela estivesse surpresa, conseguiu se manter calma para responder a pergunta.

“Obrigado então garota. Não se preocupe, nós não queremos arrumar confusão, mas não mexa com nenhum dos nossos. Se você me entende.” Aquilo era uma ameaça, mas não era uma intimidadora. Aquele lobo não queria provocá-la muito. Talvez ele soubesse o perigo que era uma Peeira.

“Por qual nome vocês atendem e o nome do seu líder?” Ela decidiu concordar. Não fazia sentido arrumar briga agora. E também ela não pretendia usar os poderes dela sem um bom motivo.

“Meu nome é Lúcio líder dos andarilhos.” Ele disse numa voz calma. Para um líder, ele tinha bastante coragem. Ficar frente a frente com uma Peeira não era uma coisa que muitos líderes fariam.

“Está bem então” Ela acenou com a cabeça, o qual Lúcio retribuiu. Ele então pulou de volta para o parque e foi embora. Fay deu as costas e foi embora para casa, sem nenhum medo.