Após muito correrem,Angela e Tulio chegaram a parte mais deserta da cidade que também era a mais antiga. Ninguém ousava ir para aquela parte da cidade a noite. Havia muitas lendas sobre fantasmas e monstros e para os céticos existiam relatos de sequestros e desaparecimentos naquela região.

O lugar era completamente desolado, estava abandonado a anos. A prefeitura da cidade nem se importava em tentar revitalizar aquele lugar. Ninguém morava ali fazia anos. Várias casas antigas abandonadas, ruas com postes quebrados, muitas ruas eram feitas de barro e algumas ainda eram de paralelepípedo, que com os passos dos 2, estava causando o único barulho naquela região além dos uivos. Era como se eles tivessem entrado num cenário de algum filme de terror. Mas em vez de estarem correndo dos monstros, estavam indo em direção a eles.

Ainda corriam, cada vez mais chegando a fonte dos uivos que estavam cada vez mais altos. Mas para o desespero deles estavam cada vez mais curtos. Estavam chegando a um armazém abandonado onde era possível ver uma uma luz, provavelmente de alguma fogueira. Assim que adentraram o armazém, puderam ver toda sua decadência. As janelas estavam todas quebradas, o lugar nem mais teto tinha o que fazia o lugar ficar iluminado pela lua cheia daquela noite. Rachaduras estavam por todo lugar, era uma surpresa aquilo ainda não ter desabado. Mas eles não estavam ali para ver o estado do lugar. E sim pelo chamado que os tinha amedrontado tanto quando estava cessando. Ao olharem ao redor puderam ver varias pessoas reunidas todas olhando fixamente para um lobisomem branco que havia acabado de cessar os uivos.

A maioria das pessoas ali tinham entre 14 a 30 anos. Todos usavam roupas rasgadas e muitos usavam roupas remendadas, não que as roupas de Tulio e Angela estivessem em melhor estado. Quem os visse na rua achariam que eram mendigos, mas na verdade eram andarilhos. Não se importavam com o estado das roupas, tinham preocupações maiores. Aquelas pessoas não tinham outra escolha a não ser seguir esse estilo de vida. Mudando constantemente, se escondendo. Párias como eles nunca seriam aceitos pela sociedade. Para pessoas normais eles eram apenas monstros,lendas.

A verdade era que todos presentes eram o que uma pessoa normal chamaria de lobisomens, porém eles não se chamavam assim. Lobos,lycans,garous esses eram os nomes mais comuns que eles usavam para se referir a especie deles. Uma alcateia de mais ou menos 26 pessoas. Não era fácil estipular um número correto já que alguns sumiam e se encontravam com a alcateia depois ou morriam. Mas pelo menos naquela hora era um grupo de 26 pessoas contando com Tulio e Angela. Cada um tinha seus motivos para estar com os andarilhos. Que, diferente de outras alcateias, não tinham um território próprio. Eles vagavam por cidades e florestas o que algumas vezes causava conflitos quando entravam no território de outros. Mas normalmente eram deixados em paz.

Tulio e Angela se juntaram ao resto do grupo que os olhou estranho. Era muita coragem chegar em cima da hora para uma reunião. O lobisomem branco se aproximou deles. Ele era quase todo branco com exceção das patas que eram pretas e o focinho também preto. A medida que o lobo se aproximava os dois começaram a ficar apreensivos. Não sabiam que tipo de punição podiam receber por chegar em cima da hora.

“ Tulio e Angela, essa não é a primeira vez que vocês se atrasam desde que chegamos nessa cidade.” O garou disse numa voz calma porém autoritária que fez os dois tremerem.

“O que os está mantendo tão ocupados que faz vocês chegarem aqui em cima da hora ao ouvir o chamado do seu líder?” os 2 gelaram na hora. Não podiam dizer a verdade porém mentir para o líder era algo fora de questão. Há algum tempo atrás um lobo novato no grupo tinha feito isso, quando o líder descobriu o expulsou da alcateia. Não sem antes assustá-lo ao ponto dele sair correndo com o rabo entre as pernas. Isso era algo que nenhum deles queria. A alcateia embora rígida era a única família deles. E a ultima coisa que queriam era deixar para trás os únicos que um dia os aceitaram.

Mas ao mesmo tempo não podiam falar a verdade. Dizer que se atrasaram pois foram ver um humano era como falar que eles não se importavam com a alcateia. A alcateia é a coisa mais importante para um lobo, é sua família. Aqueles que não acham isso não merecem ficar numa. Se o líder os chamar é porque é importante, então venham o mais rápido possível. Não interessa o que estejam fazendo, devem vir antes dos uivos cessarem. Isso era o que todos ali tinham ouvido quando se juntaram aos andarilhos. E era o que estava ecoando nas mentes de Tulio e Angela. Estavam entre a cruz e a espada, qualquer uma das duas levaria a expulsão deles mais cedo ou mais tarde. A pergunta agora era quem teria a coragem para escolher o caminho que seguiriam.

“ Eu senti uma energia estranha...ai chamei o Tulio para investigar comigo.” Foi Angela que tomou coragem para decidir o futuro dos dois. Tinha sido ela que tinha envolvido Tulio nessa confusão, não podia deixar ele levar a culpa para protegê-la. Mas escolhendo esse caminho,sabia que se o líder descobrisse ela nunca mais faria parte da alcateia. Mas isso não importava agora, não mais.

“ E descobriram algo?”

“ não...”

“ainda bem que não. Acredite é melhor manter a distância. Essa reunião é para alertar a todos sobre isso. Se vocês demoraram por causa disso esta tudo bem.” Angela e Tulio respiraram aliviados, isso não era uma total mentira. Eles realmente estavam procurando a energia estranha até que se depararam com Sandro e Angela insistiu em segui-lo.

“ Como vocês devem ter percebido, há uma energia estranha nessa cidade. Como se os chamasse não é? Fiquem longe ! Não sabia que havia uma Peeira aqui se não nunca teríamos vindo. Nós só vamos ficar aqui até todos se recuperarem para continuarmos andando.” Muitos o olharam estranho. Nunca tinham ouvido falar numa Peeira. Mas ninguém tinha coragem de perguntar o que era. Até que Tulio tomou a frente e perguntou.

“Lúcio, o que seria uma Peeira e porque temos que tomar cuidado?”

O garou branco se virou, Lúcio era o o líder da alcateia. Era o mais experiente de todos. Havia passado sua infância e adolescência com uma alcateia do interior. Além disso sua família inteira eram de garous. Tinha aprendido bastante com eles. Mas não quis seguir aquele caminho, escolheu vagar sozinho pelo resto de seus dias. Porém outros foram se juntando a ele e assim a alcateia dos andarilhos foi criada. Diferente dos outros, Lúcio não conseguia assumir forma humana a não ser em noites de lua nova. Isso era algo muito raro entre os garous. Mas as alcateias tradicionais viam isso como uma bênção, pois significava que a pessoa tinha muito mais afinidade com seu lado lobo do que os outros. Lúcio via isso como uma maldição, ele nunca teria uma vida normal assim. Tendo que se esconder constantemente, ele odiava isso. Preferia ser um garou normal do que ter esse 'dom'.

“ Uma Peeira é uma mulher que consegue controlar e falar com lobos. Porém para nós elas são como sereias cantando para os marinheiros. Vocês não podem se deixar enganar por elas. E não são só os homens que devem ter cuidado. Eu já ouvi histórias delas enganando mulheres da nossa espécie .”

Mesmo com essa explicação Tulio ainda não havia entendido porque devia ter medo. Afinal o que ele queria dizer com aquilo? Ele se virou para perguntar à Angela mas se assustou ao ver que ela tremia e se abraçava como se estivesse tentando se proteger de algo.

“ Angela? Tá tudo bem?” ele estava realmente preocupado com ela, nunca a tinha visto daquele jeito. Ela não se importava em demonstrar o que realmente sentia , a não ser que fosse medo. Essa era uma emoção que ela fazia questão de esconder. Não importava a situação, ela nunca demonstrava medo. Por isso que vê-la daquele jeito o abalou tanto. Lúcio se virou para os 2, sem demonstrar qualquer compaixão ou qualquer outra emoção. Esse era outro que escondia alguns sentimentos. Tulio se perguntava se isso era entre todos os lobos ou só os daquela alcateia. Ele ainda era novato, imaginava se algum dia também esconderia os sentimentos como os outros.

“ Ela sabe melhor do que ninguém o terror que uma Peeira é. Mas se quer mesmo saber Tulio, uma Peeira pode te controlar como uma marionete e obrigar você a fazer coisas horríveis. Depois pergunte a sua amiga depois que ela se acalmar.”

Lúcio saiu andando mas Tulio nem viu para onde ele foi, pois na mesma hora Angela saiu correndo para fora do armazém. Ele a seguiu sem nem pensar. Mesmo saindo logo depois dela, Tulio ainda a perdeu de vista. Ela era muito mais rápida que ele. Mas mesmo assim ele ainda queria achá-la, ela tinha ajudado-o bastante desde que ele se unira aos andarilhos. Não queria deixá-la sozinha, não quando ela estava tão abalada. Ele então assumiu sua forma de lycan. Ele nessa forma era uma mistura entre preto e cinza com algumas partes rajadas de branco. Tulio começou a correr na direção do cheiro de Angela. Ele não estava preocupado que o vissem, desde que chegaram naquela parte da cidade não viram uma viva alma sequer. E estava tão concentrado em procurar Angela que nem perceberia se alguém o visse.

Após ter corrido uns 3 minutos chegou a uma praça a muito abandonada. Havia várias partes com capim alto, os brinquedos estavam muito enferrujados e o balanço nem tinha mais bancos, as árvores estavam cheias de trepadeiras. Em meio a esse cenário de cidade fantasma estava Angela no alto do escorrega olhando o céu, que estava muito escuro já que era tarde da noite e a lua era a única coisa que iluminava aquele lugar. Tulio então se aproximou, se Angela tinha percebido ela não demonstrou. Tulio parou na frente dela sem dizer uma palavra. Ela continuou olhando para o céu, até que ela se irritou.

“ O que você veio fazer aqui? Se não vai dizer nada vá embora, eu não sou nenhuma aberração de circo pra ficar sendo observada” a voz dela era até calma para alguém que estava irritada mas Tulio conhecia aquele tom e não era nada bom.

“ Muitos descordariam disso. Mas estou aqui porque nunca te vi daquele jeito e fiquei preocupado” ele ouviu um rosnar vindo dela e teve que conter um riso.

“ Não te interessa e eu não quero falar sobre isso.” ela pulou do escorrega e se sentou num dos bancos da praça. Tulio a seguiu e continuou na frente dela.

“ Não vim aqui querendo que você me falasse. Deve ter sido algo muito doloroso. Se você quiser que eu vá embora eu vou, mas você vai ter que falar como se realmente quisesse que eu fosse” ele então se sentou do lado dela e começou a olhar o céu. Ela deu um suspiro derrotada.

“ Já te disse que você é um lobo teimoso?”

“Já, muitas vezes.”

“Bem mas agora fico feliz de você ser tão teimoso assim, obrigada Tulio.” Angela apoiou a cabeça no ombro de Tulio, que ainda estava na outra forma, e deixou o sono a vencer. Estava exausta com aquilo, tudo que queria era esquecer o que tinha acabado de lembrar.