2.

Perto da hora do almoço, Vickie se encontrava ainda dentro de sua suíte. Procurava o vestido certo que deixasse a marca do biquíni à mostra, mas sem parecer vulgar ou exagerado. Por fim, encontrou um de alça finas que prendia no pescoço. Estava penas passando hidratante nas pernas quando Rachel invadiu seu quarto.

— Como vai amiguinha, como vai?  - Rachel bateu palmas, cantarolando a musiquinha infantil. — A nossa amizade nunca sai! TCHAN, TCHAN! Como vai, amiguinha? Como vai, amiguinha? Como vai, amiguinha, como VAI? TCHAN, TCHA!

Vickie riu e teve que parar para tomar fôlego enquanto a amiga se balançava no colchão macio da cama.

— Tomou chá de Infantilomania, foi? – Perguntou.

Rachel estava realmente bem engraçada de marias-chiquinhas e maquiagem leve e rosada.

— Por quê? Pareço infantil? – Perguntou fazendo beicinho.

— NÃOOO! Imagine! – Zombou.

— Uhul! Tá gatinha, heim Vickie! Quem tá querendo agarrar hoje? – Rachel se debruçou na cama da amiga, balançando os pés alegremente no ar.

— Ninguém! Para sua informação, eu sou sempre gatinha, ok amore? – Mandou um beijo no ar para si mesma no espelho.

— Certo. Não está mais aqui quem falou, mas...

— Ah! Você e seus “mas”!

— MAS... Por acaso isso não tem nada a ver nem de longe com o Stark, tem? – Rachel provocou vendo a amiga demorar uns segundos antes de replicar:

— Óbvio que não, Raquete! Agora, quer, por favor, não tocar no assunto “garotos” comigo agora? – Vickie parecia mesmo chateada. Rachel só não se abalou mais pela amiga por que sabia que ela frequentemente tinha crises de “odeio-os-garotos!”.

— I-i-i-i-i... O que foi agora? Stark falou alguma besteira? NÃO! Espera aí: ele FEZ alguma besteira? Bem... Vindo dele, pode se esperar qualquer coisa! Ou talvez não. Bem, isso depende. Se estiver envolvendo você, ele é bem capaz de...

— Calada! – Vickie berrou para a amiga. Ela estancou na hora com os olhos arregalados. Depois, desatou a rir.

— Desculpa. Acho que me excedi. Mas, ok. Por que a bravura contra os garotos desta vez?

Vickie bufou exausta, mas parecia mais como um “ufa! Ainda bem que posso desabafar!”. Assim, ela foi até sua cama e se deitou ao lado de Rachel.

— É que... Bem... – Ela começou. Rachel se apoiou nos cotovelos para poder olhar para a amiga que encarava o teto. — Estou com um nó na boca do estômago...

— Uhg... Amiga! Por que não veio falar disso comigo antes? Eu sou expert em nós! Sério: desato todos! – Rachel disse complacente, não parecia ter brincado.

— Bem, a história é basicamente a seguinte: antes de eu vim pra cá, me encontrar com vocês, meu pai e eu estávamos, você sabe, em outra cidade e, acontece que lá eu conheci... Bem... Uma pessoa...

— E essa pessoa era linda e musculosa e tinha um charme encantador e irresistível. – Rachel adivinhou. Vickie apenas apertou os olhos e corou, percebendo que ela era totalmente transparente para sua amiga. — E se eu posso ser um pouco mais específica, aposto que ele deveria ter olhos claros e um cabelo maravilhoso...

— OK. OK. OK. Rae! Já decorei todo esse garoto na minha cabeça, tudo bem? Credo! Assim até parece que você o viu! Exceto pelos olhos. Eram castanhos...

— Claros?

— Sim!

— Foi o que eu pensei...

Vickie olhou incrédula para Rachel, que sorriu convencidamente.

— Certo. O caso é que eu estou morrendo de ódio agora! – Vickie rugiu e tacou um soco no travesseiro ao lado.

— Mas por quê? Ele te fez alguma coisa?

— Ele foi... Foi...

— O que? Um cretino? Um canalha? Um vagabundo? Um nojento? Um inescrupuloso? Um imoral? Um vil? Um vira-lata? Um...

— Rachel! – Vickie exclamou. Rachel já se empolgara e estava parecendo mais brava do que a própria dona do problema.

— Desculpa. – Rachel corou.

— Não, não. Ele não foi nada disso. Ele foi... Perfeito! – Vickie suspirou.

A expressão de Rachel não poderia ter sido de maior desentendimento:

— Como é que é?

— É o que eu digo: ele era perfeito! Ele era francês... Jan. Era...

— Exatamente o seu tipo? – Rachel adivinhou mais uma vez, e Vickie concordou apenas. — Sei da sua paixão pela França. Pão francês, perfume francês, vestido francês...

— Garoto francês... – Vickie suspirou de novo.

— Oh, minha amiga! Mas o que houve? Por que está com raiva se ele era assim tão bom? – Rachel começou a passar a mão no cabelo da amiga, arrumando suas madeixas louras. Estava visível que desta vez Vickie estava pondo a raiva para encobrir a tristeza.

— Por que, na última semana, eu disse a ele que estaria voltando para a cidade, para encontrar meus amigos e terminar as férias com eles e tudo mais... Aí ele disse que seria bom se testássemos como seria o afastamento. Ficamos uns três dias sem se ver...

— E?

— E foi horrível, por que não conseguíamos... Ele me ligava e mandava mensagens... Foi assim o tempo todo. Então, decidimos que não os afastaríamos. Só que então, eu vim pra cá pra essa pousada e, desde que entrei no avião e pousei aqui, até agora, ele não entrou em contato nenhuma vez! ARGH! QUE ÓDIO!

O rugido de Vickie foi tão forte que Rachel se assustou, mas depois, percebeu os olhos da amiga começar a avermelhar, efeito que sempre surte quando ela está contendo o choro. Encarecida, Rachel abraçou Vickie.

— Ah, Vic... Isso é foda, eu sei... Já me senti assim, muitas vezes até!

— Sério?

— Aham... Foi péssimo! Mas dei a volta por cima... Eu acho... – Rachel sussurrou o final de modo que Vickie não ouvira.

—Mas e agora, quer saber? Eu não vou ficar aqui me lamentado! Ele que volte pros quintos dos infernos da França! Fume-se! Sou inteligente e bonita demais pra ficar chorando por um estrangeiro qualquer que acha que pode me ter como um romance de férias! Ah, rapaz, mas está muito enganado! Quem eu sou? Vicktoria Santiago! E não ficarei choramingando por um francesinho. Por mais lindo que ele fosse! Foi um idiota! Ele foi uma cabeça oca, foi um...

— Vickie! – Rachel estancou a falação. — Relaxa amiga! Olha... Você tem certeza de que vai ficar bem, que vai conseguir passar por cima assim?

Vickie balançou a cabeça afirmativamente como se fosse um poodle obediente. Rachel sabia que ela respondera rápido demais para ter sido de verdade. Mas, por hora, preferiu achar que realmente Vic sabia o que estava fazendo. As duas se abraçaram forte e ficaram abraçadas por alguns segundos quando, de repente, a porta do quarto foi escancarada:

— AI MEU DEUS! – Stark gritou exageradamente.

— AAAAH!!!! – As duas gritaram em seguida. Quando o reconheceram, se separaram e se sentaram na cama.

— Pô, Stark, por que o berro? – Rachel perguntou arrumando o cabelo.

— Eu não acredito! – Stark levou as mãos à boca dramaticamente como se estivesse vendo duas alienígenas.

— Ah, qual é garoto? Por que essa cara de leso? – Vic disse. — Não que você nunca tenha sido, é claro! Mas desembucha logo! – Tacou uma almofada que, por sorte, bateu direto na parede.

— Eu não pensei... Eu nunca tinha notado... Eu nunca... Eu nunca percebi...

— Que você é feio? – Vic disse ironicamente apontando para o espelho de parede que estava na direção de Stark. — ARH! Fala logo seu tonto!

— Vocês são lésbicas! – Stark esganiçou.

— O QUE? – Vic e Rachel disseram juntas. — Não!

— UFA! – O garoto suspirou pondo a mão no peito. — Por um momento pensei que estivesse atrapalhando o pega-pega de vocês! ARGH! Que horror! As duas amigas! Não quero nem visualizar!

— Você é retardado, garoto? – Rachel ralhou. — Como você pensa uma besteira dessas? Por acaso nunca viu duas amigas se abraçando?

— Acho que ele tem titica de galinha no lugar de cérebro, Rae! – Vic contribuiu.

— Ah, sei lá! Tipo assim: isso é tão normal hoje em dia que eu não duvido mais de nada... – Stark se defendeu. —Em outras circunstâncias, outras ocasiões, eu acho que nem me importaria de vocês duas estarem juntas, mas não nas nossas férias, não é? Por favor! Não na pousada do pai do Dondoca, please! E se vão fazer alguma coisa, devem ter to mínimo a decência de fechar a porta não é?

— Ô idiota! Estava fechada! Além do mais, Vic e eu somos totalmente do time tradicional, ok? – Rachel disse.

— E por que você veio entrando assim? Quem te deu autorização para isso? - Vic ralhou.

— Ah, quando eu digo fechada, a porta deve estar trancada. Isto é, se você quiser privacidade! Além do mais, o que de mal vocês duas poderiam ficar fazendo para não querer que ninguém interrompesse? Heim, heim? – Stark ergueu uma sobrancelha apontando para elas.

— Poderíamos estar fazendo uma festinha do pijama com três ou quatro prostitutos! - Rachel respondeu ironicamente. Vic se desatou em riso.

— Ahgr! Garota! Você está inspirada hoje, não é? – Stark fingiu moralmente ofendido, como se não estivesse acostumado com esse tipo de doidice.

— O caso é, cabeça de estrela-do-mar, que este é o meu quarto, ok? MEU! E é um QUARTO! Minha privacidade tem de ser respeitada! Já pensou que eu poderia estar me vestindo ou qualquer coisa do tipo? – Vic indagou.

(Detalhando: Stark possui o apelido “Estrelinha”, por que seu nome lembra star, então, sendo visto como um “desmiolado”, o apelido cabeça-de-estrela-do-mar nasceu, inclusive criado pela própria Vickoria).

Os três ficaram calados e as garotas perceberam o sorrisinho malicioso que despontou inconscientemente no rosto do garoto. Rachel rolou os olhos.

— Ah, mas sim, por que veio aqui? – Perguntou inquiridora.

Stark se desconectou de seus pensamentos impróprios e balançou a cabeça, fazendo suas madeixas castanhas se arrepiarem charmosamente.

— Ah, sim, o recado... – Lembrou-se. — Vim dizer que estamos todos no salão de almoço. Pediram para eu vim buscar vocês. Qual é? Vamos?

As suas se olharam e concordaram. Saltaram da cama e seguiram com Stark pela pousada até chegar a um grande salão bem decorado que ficava no térreo. O local todo pertencia à família de Danilo, então isso significava que o garoto tinha muito dinheiro. Vickie também tinha. Rachel era mais modesta, e sua família era trabalhadora, mas não chegava a ser endinheirada. Stark estava na mesma situação em que Rae, porém, ganhava um dinheiro a mais que vinha se deu trabalho temporário arrumando computadores, isto quando não está muito atarefado na escola.

Já no salão, os três entraram chamando um pouco de atenção. As duas garotas de braços dados a Stark, pareciam até sérios. Logo, Rachel avistou Alan.

Alan era seu amigo de longa data, mas que passou certo tempo distante, até que se reencontraram há uns dois anos, e desde então reativaram sua amizade forte e íntima. Ele vinha de uma família simples, que cresceu no ramo comercial e agora usufruíam certo dinheiro. A carreira de modelo do rapaz não era muita coisa, mas já lhe contava como uma renda a mais.

Vickie, por sua vez, notou os demais à extensa mesa, e encontrou Danilo com o rosto apoiado nos punhos, os cotovelos sobre a mesa. Parecia entediado ao brincar com o cabo da colher até que avistou seus amigos.

— Ah, já estava na hora! – Exclamou parecendo reascender.

— Ora, estávamos tendo uma conversa, por quê? Não podemos? – Rachel falou fazendo charminho com seu vestido rodado.

—Bem, se essa conversa era sobre como ficar linda, então acho que ela surtiu efeito! – Alan falou fazendo a amiga corar levemente.

— Obrigada, mesmo que para isso não seja preciso muita coisa! – Ela respondeu convencidamente mandando um beijo para o amigo. Sentou-se no lugar vago ao lado de Danilo, em frente ao Alan.

— Ah, eu quero esse beijo, literalmente! – Danilo replicou.

Rachel riu e arrumou o cabelo para um lado do ombro. Os demais se acomodavam em seus lugares.

— Eu até poderia lhe dar, mas você não gosta do meu beijo! – Ela falou fingindo uma voz fininha.

Os amigos se entreolharam surpresos, já entendendo mal o comentário.

— Você veio estalando na minha orelha, quer o que? Eu estava concentrado. Quase me ensurdeceu! Ainda ouço o zumbido!

— Ah, não seja exagerado!

Danilo sorriu para ela, na verdade estava mesmo brincando.

— Tudo bem, da próxima vez eu me previno... – Ele plantou um beijo de leve na bochecha de Rachel, que ficou sem jeito por um momento.

— Ah, vocês são um vômito sabia? – Vic disse de forma fingida. — Ficam nessa de beijinho... Eca! Trocando bactérias! Que nojo!

— Ué? É tão massa! Você nunca experimentou? – Stark falou gaiato.

— DÃH! – Vic disse simplesmente enquanto Rachel e Danilo ignoravam as baboseiras deles.

— Eu até que poderia te apresentar o que é uma troca de bactérias bem legal, se você não fosse tão arisca! – Stark disse.

— Ah, que nojo! – Vic e Alan disseram juntos. Alan que estava do lado de Stark.

— Ah, qual é? Todos vocês são puritanos agora? – Stark falou um pouco alto exatamente no momento em que o garçom se aproximou com seu bloquinho.

O homem olhou para os garotos com estranheza. Rachel corou, mas não deixou de rir. Ela não sabia por que, mas sempre se metiam em situações um pouco constrangedoras. Quando não, muito constrangedoras.

Eles pediram o almoço, que era por conta da casa.

— Nossa! Esse camarão tá ótimo! – Vic falou mergulhando um deles no molho picante.

— Nossa digo eu! Como você aguenta toda essa pimenta? – Danilo perguntou surpreso.

— Hum... Você ainda se assusta? Pimenta nenhuma é páreo pra mim!

Rachel riu da amiga. Ela a conhecia de muitos carnavais, sabia disso muito melhor que qualquer um.

— Vickie já é uma pimenta, meninos. Nunca perceberam?

— Obrigada! – Vic piscou para a amiga.

— Eu tinha notado que ela é meio intragável... Em excesso faz mal! – Stark disse com dois rabos de camarões aparecendo na boca. Os demais riram.

— O que faz mal é olhar pra essa sua gulodice! – Vic replicou. — Fecha a boca, garoto!

— Se eu fechar, como é que eu vou falar?

—Isso mesmo: não fale! – Vic sorriu se dando por vencedora e mergulhando outro camarão na pimenta. Stark rolou os olhos para ela e ela lhe mostrou a língua.

— Sinceramente, vocês não têm o menor jeito! – Alan falou.

Vic e Stark se entreolharam e viraram para Alan com uma expressão de absurdo.

— Não temos jeito? – Perguntaram os dois ao mesmo tempo, indignados. Stark de boca cheia, claro.

— Querido, eu tenho todo o jeito do mundo! – Vic se gabou.

— E eu também! – Stark reivindicou. — Tenho mais jeito que analgésico com a dor! Que sambista com o pandeiro! Que político com um palanque! Que cigano com dinheiro!

— Nossa! Essa foi profunda! – Danilo brincou.

— Com certeza! – Disse Rachel.

— Eu sei. Eu sou foda! – Stark disse.

— É, você tem mais jeito que Debi com Loide! – Vic zoou.

— É! Mas pelo menos nós temos jeito!

— É! Nós temos! – Bradaram juntos.

— Mas... Jeito de que? – Stark questionou fazendo todos rolarem os olhos...

Ninguém se dignou a responder.

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