Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, estou de volta com mais um capítulo de Coração Satélite!
Agradeço pela paciência de aguardar até que os capítulos estivessem iguais aqui no Nyah! e no ROBsessed Brasil. A partir de agora a fic será atualizada sempre no mesmo dia em ambos os sites.

Espero que curtam esse presentinho de Natal que eu trouxe para vocês!

Beijos,

Alê

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Trilha Sonora:
Burguesinha (Seu Jorge)
Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=A6RkZkWOekI
Beautiful Day (U2)
Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=co6WMzDOh1o
Communication (The Cardigans)
Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=PTpaZf9xqGg&feature=related

Boa leitura!



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O dia amanheceu suave, com um clima agradável como se fosse uma manhã de junho. Vento fresco e sol ameno, nem um pouco característico do mês de novembro.

Eu também amanheci atipicamente cedo – eram sete e meia da manhã – e me sentindo estranhamente leve, feliz sem nenhum motivo aparente. Como se fosse meu primeiro dia em uma nova escola.

Alonguei-me preguiçosamente ainda na cama sentindo cada músculo do meu corpo estendendo e depois relaxando, e apreciei toda a tensão indo embora.

De olhos ainda fechados, analisei as possibilidades do que fazer em plena manhã de um belo dia de domingo. Ocorreu-me que minha amiga Daisy tem uns hábitos de idoso e costuma acordar quase que para acender o Sol todos os dias, para se exercitar ao ar livre antes de sair para trabalhar. “Como hoje ela não tem essa obrigação, pode ser que se disponha a sair comigo para um passeio matinal.” Me animei.

Liguei para seu celular sem nenhum receio de acordá-la:

- Fala criatura! E aí, tá melhor? Que bicho te derrubou da cama a essa hora? – Acho que ela tomou vitamina de guaraná com amendoim no café da manhã. Já estava a mil por hora.

- Bom dia Day! – Sorri para o telefone – Eu sabia que você estava acordada, mas não que já estava na quinta marcha! – Ela gargalhou alto.

- Ah minha filha eu sou assim, não perco tempo na vida. Que é que você manda?

- Eu estou bem – suspirei meio aliviada – Também acordei cedo cheia de energia e fiquei pensando o que poderíamos fazer para aproveitar esse dia gostoso.

- Praia né! Domingo, aloww... Estou pronta para sair, sozinha mesmo, sabe como é, o Luciano é um urso hibernante dia de domingo... Aí eu vou só, fazer o quê? Não vou perder meu solzinho da beleza por causa daquele preguiçoso.

- Quero ir com você, aceita companhia?

- Claro sua ridícula! Em vinte minutos passo aí, esteja pronta. Tchau mesmo.

Desliguei o telefone e saltei da cama em direção ao meu closet para procurar um biquíni. “Aliás será que ainda tenho biquíni?” Há meses não vejo a cor do mar – mau hábito de quem mora em cidade litorânea.

Procurei apressadamente entre minhas gavetas e nada. Arrisquei na outra parte do closet, onde tinha uns cestos com roupas lavadas. Não obtive sucesso. Comecei a ficar afobada com medo de me atrasar – e levar uns gritos de minha amiga mandona – saí abrindo todas as portas do armário, procurando em cada prateleira e caixa que aparecia na minha frente. Ao puxar bruscamente uma mochila que estava nas prateleiras mais altas, uma caixa de papelão que estava ao lado acabou sendo arrastada junto despejando todo seu conteúdo sobre mim.

Era minha caixinha de recordações de Londres.

Em segundos eu assisti minhas lembranças se espalharem pelo chão enquanto meus olhos percorriam cada mapa, cada ticket de metrô, trazendo à tona os sentimentos que eu tanto havia mantido na escuridão do meu inconsciente, até minha visão focalizar naquele cartão meio escondido embaixo da pilha de outros papéis. “Aqui vou eu de novo...” suspirei me abaixando para arrumar a bagunça que acabara de se instalar no chão do meu quarto. Sentindo-me embaraçada como se estivesse cometendo alguma infração, tateei a pilha de papéis e retirei o cartãozinho de visitas da livraria no qual Roger Peterson escreveu o misterioso endereço.

Suspirei alto e profundamente enquanto uma idéia maluca se formava em minha imaginação, restabelecendo meu astral positivo. Então tudo ficou claro na minha cabeça. Aquele agradável início de dia, meu ótimo estado de espírito, disposição e, principalmente: otimismo.

Tudo tinha uma razão de ser. “Depois da tempestade o sol sempre brilha” é o que dizem. Lembrei daquela música do U2, “Beautiful Day” que diz “...Após a enchente todas as cores apareceram...”

É verdade, estou enxergando tudo com um brilho mais intenso. Leve, sem mágoas.

Precisei interromper meu devaneio para dar continuidade à busca alucinada por um biquíni. De repente, como em um insight, tive o impulso de procurar dentro da tal mochila e eis que lá estava o bendito biquíni, filho único de mãe solteira.

Corri para o banheiro para tomar uma breve ducha – é, eu tomo banho para ir à praia sim – escovei os dentes, apliquei protetor, rímel transparente e um pouco de blush – eu também me maqueio para ir à praia... Tenho meus motivos: não gosto de pegar sol, nem de pisar na areia, muito menos de tomar banho de mar, então vou à praia só para exibir minha figura e apreciar o ambiente e as pessoas. Mas é lógico que não vou chegar na praia com minha cara verde de quem nunca pegou sol na vida.

Por último apliquei um gloss cor de boca e vesti um camisão como se fosse entrada de banho, bem a tempo de ouvir o interfone chamando. Pedi para minha mãe avisar que eu já estava descendo, enquanto eu percorria alegremente, de dois em dois, os degraus das escadas do meu prédio. Vantagem de morar nos primeiros andares: não precisar esperar o elevador.

Reconheci o carro da Daisy mais pela música do Seu Jorge que tocava no volume máximo, mesmo não podendo vê-la através dos vidros espelhados do carro, eu sabia que era minha amiga saicow.

- Bom dia amiga! – A cumprimentei ao entrar no carro enquanto ela dava partida e seguia pela minha rua que, indo de carro, ficava a uns dez minutos da Praia do Futuro.

- Milagre você ter se aprontado a tempo... pensei que eu teria que ficar esperando alguns minutos lá fora. – Daisy comentou distraída.

- É, mas eu conheço a amiga que tenho, fiz tudo rapidinho, não queria ouvir você reclamando. – Respondi com bom humor.

Lembrei do cartãozinho e da minha idéia... Prefiro não pensar muito nisso, estou decidida do que vou fazer, se eu ficar refletindo muito sobre o assunto, acabo desistindo do meu plano, como sempre faço quando perco muito tempo ponderando prós e contras.

Por alguns instantes me distraí e não prestei atenção na conversa de Daisy.

- Alooow minha filha, em que planeta você está? – Perguntou impacientemente.

- Ah, desculpa, eu estava lembrando da bagunça que fiz procurando meu biquíni antigo. – Mentir pela metade não faz mal, eu acho? Eu não entraria em detalhes sobre o que estava pensando, prometi para mim mesma manter Roger Peterson em segredo.

As únicas que sabiam de nosso encontro desastrado eram Anita e Helena, mas eu tinha certeza que podia confiar em sua discrição, apesar de Anita ser uma tremenda boca-grande.

Procurei mudar de assunto rápido e então lembrei do que ela havia me dito pelo telefone no dia anterior, sobre “fazer uma intervenção”, em relação à minha situação insustentável com o Davi. Isso me deixou curiosa, eu estava de espírito leve, me sentia à vontade para discutir sobre ele sem me chatear ou me sentir incomodada. Então, com cautela, introduzi o assunto:

- Quando nos falamos no telefone ontem... você disse que teria que “fazer uma intervenção”, o que você quis dizer com isso?

Ela ficou alguns segundos em silêncio, reduzindo a velocidade do carro para parar em um semáforo que se aproximava.

- Você tem certeza que quer falar sobre isso? – Olhou séria para mim indagando.

- Porquê não?

- Bem, nós estamos em um astral ótimo, não quero estragar nosso passeio falando sobre esse assunto que pode lhe deixar desconfortável...

- Desconfortável como? – Eu entendi a preocupação da minha amiga, ela não queria que eu me sentisse mal lembrando das grosserias que seu irmão havia lançado contra mim durante nosso encontro em sua casa.

- Estou vendo que, de alguma forma, não sei como, você está superando esse seu mal-entendido com meu irmão muito bem. Eu diria até que de uma forma surpreendente. Está acontecendo alguma coisa que você não quer me contar?

“Hã, como ela sabe sobre o Roger? Sexto sentido de amiga? Estou chocada!”

- Co- como assim? O que poderia ter acontecido de ontem para hoje? Quero dizer, além da minha discussão com o Davi. – Me atrapalhei toda tentando parecer natural e ao mesmo tempo intrigada, será que as meninas abriram o bico sobre o Roger?

- Não sei, é como se você estivesse tentando fingir que não se magoou e que não está sofrendo com tudo o que o Davi disse pra você.

- Na verdade, eu não sei como explicar isso – Eu sei sim, mas não posso... – Mas é como se tudo que eu tivesse que sofrer por causa do Davi, eu tenha sofrido na sua casa enquanto ele falava aquelas coisas horríveis. Desculpa, não quero falar assim do seu irmão, mas é a verdade.

- Tudo bem, ele estava errado, merece que você esteja realmente magoada com ele. O fato de ele ser meu irmão não significa que eu vá defendê-lo quando sei que cometeu um erro grave, uma injustiça. E justo com você, a última pessoa que ele poderia tratar daquela maneira.

- Obrigada...- Continuei - ...de repente, depois de chorar tudo o que eu podia, e não haver mais lágrimas para derramar, senti um vazio, mas um vazio bom, como se todo o sentimento que eu nutria por ele tivesse ido embora junto com as lágrimas. Acho que é por isso que hoje estou me sentindo tão bem.

Daisy refletiu por um momento e falou em um tom de hesitação:

- Dá para perceber no seu olhar e na sua postura. Você está parecendo outra pessoa... Quando eu disse que teria que fazer uma intervenção, é porque... você sabe, nunca quis me meter nessa situação estranha entre vocês, mas dessa vez foi diferente. Meu irmão foi muito estúpido com você, mas em seguida eu presenciei uma coisa que nunca tinha visto que, tendo vindo do Davi, é no mínimo admirável: ele percebeu que tinha cometido uma grande besteira. E o mais incrível é que ele admitiu que estava errado.

“O quê? Davi admitindo que estava errado? Isso ao menos é possível? Não é da natureza dele este tipo de atitude humilde...”

Olhei para Daisy encorajando-a a seguir sua explicação – que agora estava ficando interessante – sobre esse momento iluminado de seu irmão. Mas naquela hora havíamos acabado de chegar ao estacionamento da barraca de praia, então tive que esperar Daisy parar o carro, pegar sua bolsa, descer do carro e se ajeitar toda antes de continuar seu testemunho.

Esperei um pouco impacientemente que ela terminasse seu ritual e continuasse o assunto. Caminhamos em direção à barraca e Daisy prosseguiu em sua linha de raciocínio.

- Então, Ally... o que eu quero dizer é que, você pode não acreditar, mas o Davi ficou muito chateado, muito arrependido por ter agido com tanta imaturidade. A ponto de confessar isso até diante das meninas. Eu nunca vi meu irmão tão constrangido como ele estava, mortificado. Depois que você foi embora, ele me pediu que ligasse para saber como você estava, se você tinha chegado bem em casa...

Caminhamos entre os guarda-sóis da barraca e, por sorte encontramos uma mesa disponível em minha parte favorita, a área gramada. Não é quente, e nem tem areia. Perfeito. Sentamos-nos e Daisy solicitou ao garçom que trouxesse um menu.

Tudo aquilo que ela estava me contando não fazia o menor sentido, não parecia que estávamos falando da mesma pessoa. Mesmo assim, de alguma forma me agradava saber que essa discussão tenha afetado tanto o Davi quanto me afetou. Por sorte, o resultado em mim foi positivo. Eu ainda não tinha elementos suficientes para julgar se o resultado havia sido positivo para Davi também. Até quando duraria esse “arrependimento” até que ele encontrasse uma nova oportunidade de partir meu coração? Desta vez estarei preparada, ele não me afeta mais.

- Desculpa, mas eu não acredito que o Davi tenha pedido isso. Não é do feitio dele. Aliás, você tem que concordar comigo que tudo o que você está me contando agora é um bocado absurdo. Não o seria, se a pessoa em questão não fosse o Davi.

- Eu sei, também fiquei chocada com a reação dele... e foi aí que um pensamento passou pela minha cabeça... Eu acho que, ao contrário do que você acredita e ele tenta transparecer, Davi gosta de você. Gosta de verdade, a ponto de sentir ciúmes.

“Não vou perder o equilíbrio. Não vou me deixar dominar por sentimentos negativos. Comecei o dia muito bem e quero terminá-lo assim.” Eu discutia comigo mesma tentando exercitar o autocontrole.

- O quê?? Daisy, não seja ridícula! O que você está tentando fazer? Depois de tudo o que passei por causa dele, e logo agora que estou superando isso, você quer insinuar que ele estava com ciúmes de mim? Definitivamente você não sabe o que está falando!

Percebi que estava me exaltando, então me ajeitei em minha cadeira, expirei pesadamente e pedi ao garçom que me trouxesse uma água de côco gelada.

- Está vendo! Era por isso que eu não queria tocar nesse assunto. Você já está se chateando, eu não queria estragar nosso passeio, que droga!

- Tudo bem, não vamos estragar o dia por causa disso, mas você vai ter que me explicar de onde tirou essa teoria descabida.

- Muito simples: enquanto o Davi se explicava atordoado, tentando justificar de forma redundante as coisas que tinha falado para você, pude perceber que se tratava nada mais, nada menos de ciúmes. Ele não suportou ouvir você falando de outros caras como você falou. Ele gosta de você, Ally. Admira você e lhe tem como um referencial de “garota ideal”, então quando você disse que queria “se aproveitar” dos gringos, ele perdeu a cabeça. Com certeza não estava nos planos dele dar aquele show, mas acho que ele não conseguiu controlar as próprias reações, vendo você tão feliz, decidida e realizada, e não ser ele a razão dos seus sorrisos.

Acho que Daisy percebeu minha cara estupefata depois dessas revelações inesperadas, pois ela imediatamente mudou de assunto, começou a falar amenidades e fazer comentários bobos sobre a música ambiente. Ela estava decidida a não arruinar nossa saída.

E eu a agradeço por isso, apesar de ter ficado bastante curiosa para descobrir mais detalhes dessa teoria da conspiração que ela elaborou. Agora eu tinha material suficiente para refletir por um bom tempo... e decidir o que fazer diante dessa possibilidade.

Não fazia sentido. Davi sabia dos meus sentimentos por ele, por que ficaria feito bobo desperdiçando nosso tempo, arriscando me perder, quando poderia simplesmente tomar uma iniciativa para ficarmos juntos? Timidez? Improvável, em todas as vezes que saímos em grupo, Davi nunca titubeou em abordar as garotas pelas quais se interessava. De preferência, ele dava o melhor de si para garantir que eu visse tudo.

Procurei desviar meus pensamentos desse assunto. Já estava começando a me afetar, e a última coisa que eu queria era voltar para o abismo para o qual fui arremessada ontem depois de nossa discussão.

Entrei na onda da Daisy e me deixei distrair por sua conversa descontraída. Eu tinha que admitir que minha amiga possuía um talento nato para o entretenimento. E eu a amo por isso. Por fazer tudo parecer mais leve quando ela está por perto. Tudo fica mais divertido e menos complicado.      

Então a ouvi enquanto ela discorria detalhadamente – como acho que uma investigadora da polícia faz – sobre um de seus clientes que resolveu presenteá-la toda semana com buquês de flores amarelas, e como ela estava tentando manter isso em segredo para que o Luciano não descobrisse. Poderia ser uma coisa entediante ficar ouvindo Daisy contar suas histórias minuciosamente, mas para mim era um prazer de vez em quando ocupar minha cabeça com assuntos que não eram os meus próprios.

O restante da manhã passou rápido, me permiti esquecer nossa conversa indigesta para que pudéssemos apreciar o clima agradável da praia. Mas à medida que o tempo passava outro pensamento brincava em minha cabeça, dessa vez algo que estava me animando cada vez mais. Estava começando a ficar inquieta desejando voltar logo para casa para colocar em prática meu plano fantástico.

Sorri discretamente em contentamento, olhando para o lado, disfarçando para que Daisy não percebesse minha excitação.

Até que finalmente minha amiga decidiu que a hora já estava muito avançada e que não faria bem à sua pele de bebê se expor tanto tempo ao sol e calor, e deveríamos ir embora. Concordei prontamente sem me queixar, estava animada como uma criança quando faz trabalhos de arte na escola.

(...)

Como sempre, não havia ninguém em casa quando cheguei, à vezes conseguia ficar dois dias sem ver meu irmão e minha mãe. Que coisa mais absurda, é como se nossa casa fosse uma pensão e nós fôssemos hóspedes compartilhando os mesmos ambientes em um estabelecimento que não nos pertencia.

Balancei a cabeça em desaprovação. Eu definitivamente deveria tentar me aproximar mais da minha família. Ultimamente andava muito ligada aos meus amigos e meu trabalho, nunca mais havia dedicado um tempo para apreciar a companhia das pessoas que mais amo. Vou resolver isso depois.

Adentrei no quarto ultra excitada. Corri para o closet e retirei a caixinha de lembranças de Londres, coloquei-a sobre a cama e procurei o cartão de visitas com pressa entre os papéis e bugigangas, espalhando tudo sobre a colcha azul celeste da minha cama.

Peguei o cartãozinho com cuidado, fitei-o com a visão desfocada, como se estivesse enxergando além dele, revivendo em um flashback os rápidos momentos que tive contato com o Roger. A sensação era de uma doce lembrança, não me sentia mais envergonhada, apenas ria da minha reação impetuosa e do jeito sem graça do Roger. Ele foi tão fofo,coitado, devo ter deixado uma tremenda impressão nele.

“Ele precisa saber que não fiquei com raiva dele,” Pensei, “Especialmente agora que sei o motivo pelo qual ele entrou tão afobado na livraria naquele dia.”

Coloquei o cartão sobre a mesa de estudos, ao lado de meu notebook, mas antes de pôr meu plano em prática, fui tomar um rápido banho para refrescar e tirar o sal da praia de minha pele e do meu cabelo.

De cabeça e corpo refrescados após um delicioso banho frio, coloquei minha playlist de The Cardigans para tocar no notebook, peguei minha Nikon semi-profissional e me pus a observar meus objetos pessoais dentro do quarto. Estava à procura de algo que retratasse bem quem eu sou sem ser necessário mostrar meu rosto.

Parada em pé no meio do quarto, fixei o olhar na cabeceira da cama e no criado-mudo. Em cima da cama estava o travesseirinho de viagem com a bandeira da Inglaterra e na mesinha ao lado, ficava uma luminária vintage branca de ferro retorcido, um porta-retratos com uma foto da minha família, meu relógio de pulso e um volumoso dicionário de sonhos que eu costumava consultar toda manhã, quando lembrava o que havia sonhado na noite anterior.

“Acho que não... Mostrar uma cama com um travesseiro da Inglaterra fica muito sugestivo e de mau gosto. Além disso, demonstra falta de imaginação.”

Continuei percorrendo o ambiente com o olhar, girando 360° em meu próprio eixo.

“Hum, interessante...” comentei para mim mesma observando atentamente as prateleiras de vidro sobre minha mesa de estudo, repletas de livros, DVDs, CDs, três miniaturas de guitarras e alguns objetos decorativos, lembranças das minhas viagens.

Os objetos reunidos naquelas prateleiras eram uma autêntica representação de quem eu era. Continha os DVDs dos meus filmes e concertos favoritos, alguns livros acadêmicos, mas especialmente minha adorada edição atualizada com a coleção de poemas de Shakespeare que voou pelos ares dentro da Barnes & Noble quando trombei desastrosamente com Roger. “Bem significativo!” Vibrei me sentindo a rainha da criatividade. As miniaturas de guitarras eram, cada uma, referências aos meus músicos favoritos.

Ajustei o foco da câmera procurando os melhores ângulos que deixassem em evidência as peças mais importantes daquela composição. Tirei várias fotos testando a iluminação ideal, descartei as que não ficaram boas e as menos interessantes e então passei as imagens restantes para o notebook, para poder checar os detalhes e finalmente selecionar qual seria a imagem que atravessaria o oceano conduzindo minha mensagem para Roger.

“Não acredito que você está fazendo isso, Ally Curtis!” Seja lá qual foi o bicho adormecido que Davi despertou em mim, este bicho está invadindo e dominando todos os meus atos. Eu não tinha certeza se aquilo me incomodava. Na verdade a sensação era incrivelmente boa. Agir sem pensar às vezes faz bem e pode render os resultados mais surpreendentes.

Após uma criteriosa avaliação escolhi a foto, imprimi-a em papel fotográfico e a cortei em tamanho de cartão postal.

Agora eu só precisava pensar o que escreveria. Tarefa difícil. Por mais que minha idéia parecesse boba e inocente, eu queria causar uma impressão, isso se o cartão chegasse de fato às mãos de Roger.

“Será que isso é normal? Digo, quantas pessoas ficam elaborando planos mirabolantes de como mandar uma carta para um astro do cinema? Ally, você é estranha...” Pensei sobre mim mesma com humor.

Mas cometer uma pequena travessura estava me causando mais excitação do que culpa. Afinal, não estaria fazendo mal a ninguém além de mim mesma, se por acaso o plano não saísse como o esperado.

Fitei a foto em minhas mãos concentrada, lembrando daquele dia em Londres, dos olhos lindos do Roger repousando sobre mim. Sua carinha embaraçada tentando se desculpar.

“Primeiro de tudo, não vou ficar me derretendo em elogios que ele ouve o tempo inteiro de todo mundo. Mas eu queria tanto saber porque ele me deu esse endereço... E ele também precisa saber que não sou louca como pareceu quando dei meu pequeno espetáculo na frente dele na livraria....”

“Sei que não posso esperar muito disso, então também não vou me prender a formalidades. Escreverei como se estivesse falando diretamente com ele.”

Definido o enredo da carta, me pus a escrever nas costas da foto, como se fosse um cartão postal. Ao final, a mensagem ficou mais ou menos assim:

“Não sei por que estou fazendo isso. Também não faço idéia de por que você me deu este endereço. Aquele foi o pedido de desculpas mais estranho que já recebi. Se foi este o caso, bem, está desculpado. Espero que meu pequeno monólogo não o tenha assustado a ponto de tirar-lhe a noite de sono...

 Não espero que lembre-se de mim nem do acontecido. Mas acredito que você merecia uma resposta. Seguindo seu padrão enigmático, se quiser saber quem eu sou, basta observar o que está retratado nesta foto. Tudo diz um pouco sobre mim. Se é que você se importa...

Seja feliz,

A.C. “

Meu cartão estava pronto. Coloquei-o dentro de um envelope azul e escrevi o endereço de Roger no verso com letras caprichadas.

“Vou postar logo antes que desista da idéia,” pensei, levantando-me calcei meu Converse branco, peguei minha bolsa e desci animada com o envelope na mão.

Havia um posto dos Correios no final de minha rua, a umas quatro quadras da praia. Decidi ir caminhando e observando o ir-e-vir das pessoas naquele final de manhã incomum, com sol brando e vento úmido. Por mais que eu adorasse viajar e desfrutar das maravilhas modernas dos países do hemisfério Norte, tudo o que eu via em Fortaleza fazia parte de minha identidade. Eu podia, de certo modo, me ver um pouquinho naqueles prédios altos, nos ipês coloridos ao longo da avenida, no concreto que dominava a paisagem naquela parte da cidade.

Segui em direção à beira-mar até avistar o posto dos Correios do outro lado da rua, para só então perceber que estava fechado. “Fechado?!?”

No embalo da empolgação esqueci completamente que hoje era domingo, obviamente a maioria dos estabelecimentos estava fechado. “Mas que tonta que eu sou,” pensei desapontada. “Será que isso é um sinal? Será que é um aviso que eu não deveria estar fazendo isso?” A insegurança bateu forte no meu consciente, e eu não sabia o que fazer com a inesperada frustração que aquilo estava me causando.

Eu sentia que de algum modo essa iniciativa estava me ajudando a passar pelo turbilhão de sentimento dos últimos dias. A excitação e decepção eram como se tivesse comprado ingresso para um show muito esperado, mas no último minuto, o show fosse adiado para o dia seguinte.

Hesitei um momento tentando decidir o que fazer em seguida e cheguei à conclusão que a melhor coisa seria continuar minha caminhada e descer até o calçadão da beira-mar para tomar um gostoso sorvete de pistache assistindo o pôr-do-sol de camarote, para aplacar a ansiedade.

Amanhã parecia tão distante...


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Notas finais do capítulo

Finalmente Ally decidiu tentar descobrir de onde é aquele endereço misterioso que Roger escreveu no cartão de visitas! Onde será que ele vai parar? Será que ela receberá alguma resposta?
Veremos no próximo capítulo! Tenho uma surpresinha para vocês, esperem e verão!

Um grande beijo, Feliz Natal e meus melhores desejos para o Ano que está chegando. Comemorem bastante, compartilhem o amor com suas famílias, amigos e com os seus amores!

Até a próxima semana! Quero muitos Reviews de presente de Natal, viu? *-* Alê