Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 19
Capítulo 18


Notas iniciais do capítulo

Ainda é Carnaval em Coração Satélite!
Espero que gostem do capítulo. Por favor, não deixem de comentar e compartilhar.
Boa leitura!



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Senti-me um pouco melhor ao ver que o próprio amigo do Davi se importava comigo e, decidi adotar Carina como minha única amiga naquele ambiente. Ela era realmente um doce e, de certa forma, por amarmos garotos que eram como irmãos, construímos uma espécie de laço invisível de cumplicidade e compreensão. Uma se imaginava na situação da outra, por isso ela se solidarizava comigo. Por que ela poderia estar passando pela mesma situação que eu. O fato de o Léo ser muito extrovertido e comunicativo a deixava um pouco insegura às vezes.

– Você está se sentindo bem Ally? Posso te ajudar? – Perguntou preocupada.

– Não, não tenho nada. Só estou ficando com sono, acordei muito cedo. Acho que vou subir para dar um cochilo.

Senti um alívio quando fechei a porta do apartamento. Estava vazio. Agora eu podia chorar à vontade sem correr o risco de parecer boba, chata, vulnerável, ciumenta, seja lá o que pensavam de mim.

Infelizmente não conseguia me livrar do barulho daquelas músicas insuportáveis que explodiam nos alto falantes dos ‘paredões’ lá embaixo. Meu único paliativo era o fone de ouvido.

Chorei até ficar com dor de cabeça, observando secretamente toda a movimentação de Davi e das pessoas lá embaixo, através da janela do nosso quarto, no primeiro andar. Ele continuava com o mesmo ânimo de antes, perambulando para lá e para cá, ora conversando com os amigos, ora com nossos vizinhos, mas não voltou mais até onde as garotas estavam dançando.

Cansada de ser boba vigiando meu namorado pela janela, já tinha parado de chorar quando decidi me deitar. Se ao menos minhas amigas estivessem aqui comigo, elas fariam de tudo para me distrair. Ou então dariam uma lição de moral no Davi.

As pessoas – exceto aquela Natália – estavam sendo muito legais comigo. Mesmo assim não conseguia evitar de sentir-me sozinha.

Liguei o notebook para checar se alguém estava online, mas o MSN parecia um cemitério. Chequei meus emails, nenhuma novidade. Também, que outra pessoa lunática nesse país estaria perdendo tempo na internet em pleno Carnaval? Tomei um remédio para dor de cabeça e decidi adiantar meu trabalho. Nada melhor para me distrair.

Trabalhei por cerca de uma hora até adormecer, quase em cima do notebook.

Acordei sentindo um peso enorme sobre meu corpo. O barulho lá fora havia diminuído consideravelmente, parecia algo bem distante. Apertei os olhos antes de abri-los para só então constatar que o peso em cima de mim era o corpo de Davi. Já havia escurecido, eu não tinha ideia de que horas eram.

Davi sorria para mim, completamente bêbado, suado, cheirando a cerveja e cachaça. Seu cabelo estava bagunçado, alguns cachos caindo sobre sua testa. Senti um alívio por tê-lo finalmente sozinho comigo, em casa, longe daquelas garotas oferecidas, longe de festa, de bebibas, do Carnaval. Queria colocá-lo dentro do carro e levá-lo embora dali naquele momento.

Não queria imaginar essa hipótese, mas no fundo sabia que, se tivesse que escolher entre ficar ali sozinho ou ir embora comigo, ele provavelmente escolheria a primeira opção.

Que droga, nem assim ele consegue ficar feio! Não posso me deixar seduzir por sua beleza como sempre faço. Mesmo bêbado ele estava adorável.

Empurrei-o para o lado da cama, ele se deixou cair no colchão, sem fazer nenhum esforço.

– Acordou princesa! – Falou com uma voz rouca arrastada. Quase prendi a respiração.O bafo de bebida era capaz de me deixar embriagada também.

Você me acordou né? – Respondi, séria.

– Como minha gatinha linda fica dormindo em pleno Carnaval? Tá massa lá fora, o pessoal está fazendo luau na praia, vamos descer, vamos?!

Não acreditei que Davi, naquele estado estava me propondo descer com ele para continuar sua farra!

– Descer? Nesse estado que você está? Aliás, me diga primeiro como você conseguiu chegar até aqui? Duvido que tenha sido sozinho!

Virei de lado na cama e encarei-o. Ele fazia uma cara de safado. Envolveu-me com o braço, depois enrolou suas pernas nas minhas, praticamente me imobilizando. Tentou várias vezes me beijar. Virei o rosto e tentei com todas as forças me soltar de seu abraço. Não consegui.

– Me dá um beijo, amor! Tá com raiva de mim é? – Gemeu no meu pescoço.

– Não. Mas não estou afim de ficar bêbada por tabela. Você está puro a bebida. Me larga.

– Está com raiva de mim, sim! Você não quer me beijar. Não fica com raiva de mim não, gatinha, eu te adoro.

– Pára de me chamar de ‘gatinha’!!!

Empurrei sua perna e seu braço com força, me desvencilhando daquele abraço sufocante e levantei-me rapidamente.

– Que horas são? Já está escuro!

Chequei as horas no celular. Passava das nove da noite. Eu não estava mais com tanto sono, porém ainda estava cedo para dormir e eu não estava afim de aturar as idiotices de bêbado do Davi.

Fiquei parada alguns minutos, pensando no que fazer para ocupar o tempo antes de voltar para a cama. Não queria que Davi descesse para a farra novamente. Se ele fosse, era capaz de adormecer na areia e só voltar de manhã. E eu provavelmente não conseguiria dormir, preocupada.

– Vou tomar um banho! – Falei, revirando a bolsa atrás das minhas coisas de banho. Dentro da bolsa, bem no fundo toquei um tecido sedoso, friinho e lembrei das lingeries que havia comprado e dos meus planos para Davi e para o feriado.

Foram tantas chateações já no primeiro dia que havia esquecido completamente do meu objetivo. Na verdade, não tinha clima, eu ainda estava chateada e Davi estava bêbado demais. Mas eu poderia usar aquilo a meu favor.

Retirei a camisola de seda com renda preta de dentro da bolsa, coloquei-a sobre meu corpo, como se fosse me olhar no espelho e virei-me para Davi, que ainda estava deitado na cama, com as mãos atrás da cabeça.

– Amor, vou tomar uma ducha rápida, depois vou me deitar. Você acha que esta camisola é confortável para dormir? – Lancei-lhe um olhar insinuante e um sorriso de canto de boca. Davi arregalou os olhos, boquiaberto, ajeitou-se sobre a cama, sentado com as costas apoiadas na cabeceira.

– UAU! Hum, acho que... sim, deve ser confortável... Mas acho que deve ser mais confortável ainda sem ela. – Sorriu mal intencionado.

Bingo!

– Boa ideia, está calor, né? – Caminhei até ele e sussurrei em sou ouvido. – Bom, então vou tomar uma ducha, ficar cheirosa e depois cair nos braços de Morpheus. Estou cansadinha, acho que não vou descer. Se você quiser pode ir ficar com seus amigos. Não vou ficar triste, tá?

Beijei seu pescoço suado demoradamente, fazendo caminhos de pequenos beijos até alcançar seu queixo.

– Nã –não... eu nem estou mais afim de descer. Você acha que eu vou trocar minha princesa por um monte de marmanjos fedidos?

Davi envolveu minha cintura com seus braços fortes, beijando meu rosto desajeitadamente, em busca dos meus lábios. Imediatamente parei de lhe beijar e afastei-me.

– Nada disso, só quando eu voltar. Fica quietinho aí, certo?

– Faço tudo que minha gatinha mandar. Não demora, seu Morpheus está esperando!

Ignorei o “minha gatinha”, beijei sua boca rapidamente e levantei-me, juntando minhas coisas e corri para o banheiro.

Meu plano não era bem esse. Queria que nossa primeira noite juntos fosse especial, romântica, inesquecível. Do jeito que Davi estava, era capaz de no dia seguinte nem lembrar o que aconteceu.

Mas foi a primeira ideia que passou pela minha cabeça, para evitar que ele voltasse para o oba-oba que estava rolando na praia. Tive que improvisar, e parece que funcionou. Só não sei como vou fazer para controlar as investidas dele quando eu sair do banho, de camisola sexy e tudo mais.

A água estava fria, o que me despertou ainda mais. Executei cada pequena etapa do banho meticulosamente, sem pressa, ponderando sobre o que estava por acontecer. Já não tinha mais tanta certeza sobre meu plano ‘genial’. A coisa poderia facilmente se voltar contra mim. Davi estava bêbado. Às vezes eles reagia com certa violência sob efeito de álcool, especialmente quando era contrariado. Eu não queria fazer amor com ele nessas condições. Não queria que ele se entregasse aos seus instintos só para se satisfazer, esquecendo que eu estava ali com ele. Sabia que ele não seria capaz de me forçar a fazer algo que eu não quisesse, mas no fundo não tinha tanta certeza assim. Isso me incomodava. Não saber o que esperar.

Bateu arrependimento. Agora não tinha mais volta, teria que usar todas as artimanhas que eu pudesse imaginar para me esquivar das mãos insistentes e da luxúria do Davi.

Lavei o cabelo, passei um óleo de banho com cheirinho delicioso, para a pele ficar mais macia, fiz todo o ritual tentando pensar em algo que me encorajasse mais. Uma parte de mim dizia, “Relaxa, não é um estranho que está lhe esperando lá fora, é o Davi, seu Davi. Ele pode estar um pouco fora de seu estado normal, mas ainda é a mesma pessoa. E ele gosta de você, não vai te machucar.”

Saí do banho, vesti a camisola de seda preta e sequei os cabelos. Estava pronta! Abri a porta lentamente, sentindo um frio na barriga em antecipação. Estava ansiosa e preocupada, queria muito aquilo, mas não da forma como aconteceria.

Nos minutos seguintes, senti um misto de alívio e decepção. Davi adormecera na cama, do jeito que estava: suado, sujo e com a mesma bermuda que passou o dia inteiro.

Não acredito!

Caminhei até o lado da cama, observei bem o rosto de Davi, ele estava em um sono pesado, desses que o mundo poderia desabar ao redor e ele não perceberia.

Melhor assim. – Pensei conformada – Pelo menos ele não vai mais voltar para a folia, não vai ficar perto daquela Suellen oferecida.

Pensei em acordá-lo para tomar banho e trocar de roupa, mas se ele despertasse, ainda estaria bêbado, era capaz de querer descer novamente ou dar continuidade aos nossos planos de noite de amor. Fiquei em pé feito boba, ao lado dele, decidindo o que fazer. Ainda estava sem sono, precisava me entreter até o sono voltar. Peguei meu bom e velho notebook. Trabalhar sempre era a melhor solução.

Sentei ao lado de Davi na cama, com as pernas cruzadas e o notebook no colo, abri o navegador de internet enquanto abria as pastas da tradução na qual estava trabalhando.

Por força do hábito, chequei meus emails, mesmo já tendo feito isso à tarde. Havia três novas mensagens. As mesmas propagandas de sempre, pensei. Eu tinha razão. Só tinha propagandas de lojas virtuais, assinaturas de revistas e newsletters de blogs que eu costumava visitar. Na caixa de lixo eletrônico havia apenas uma mensagem. Poderia ser de algum cliente que não estava registrado nos meus contatos, por via das dúvidas, fui conferir.

O nome do remetente era “Blue Envelope”. Gelei.

A mensagem dizia:

“Hey, Garota do Envelope Azul,

Uau, essa foi rápida! Não esperava sua carta tão cedo. Pensei que tivesse ficado chateada com a demora de minha resposta. Quer dizer que estou perdoado? Obrigado por não me deixar esperando.

Escolhi esse nome “Blue Envelope” para você não sentir falta da correspondência convencional. Achei que combinaria com você.

Sinto como se a conhecesse a muito tempo, mas na verdade não sabemos quase nada um do outro. Por exemplo, você ainda não disse onde nos conhecemos. Podemos começar por aí, o que acha?

Aguardo ansioso por sua resposta.

Se cuida,

Beijos,

Peter”

Dei um sobressalto tão forte na cama que não sei como Davi não acordou. Desceu um gelo na minha barriga, aquela sensação de sempre, quando me surpreendo com alguma coisa vinda do Roger. Eu já deveria estar acostumada com essa sensação – eu acho.

Estou começando a acreditar que Roger é meu anjo da guarda, ou algo do tipo. Ele sempre aparece nos momentos mais difíceis e alegra meu dia com um punhado de palavras gentis e engraçadas, me salva do tédio. O próprio fato de ele falar comigo em si já era um milagre. Uma prova de que eu não devia nunca deixar de acreditar no impossível, pois quando algo tem de acontecer, o mundo conspira para que aconteça.

Compreender qual a motivação dele para fazer isso está além da minha capacidade. Mas era muito bem-vindo. Até agora só me fez bem, então por quê negar seu pedido?

No fundo era algo que eu queria muito. Conhecê-lo melhor. Ter o privilégio de saber o que passa em sua cabeça e seu coração. Me enchia de orgulho pensar que ele escolheu a mim para ser sua amiga.

Só com o tempo descobrirei sua motivação. Por enquanto só quero desfrutar dessas alegrias que ele está me proporcionando gratuitamente. Só Deus sabe quanto tempo isso vai durar. Tenho que aproveitar ao máximo!

Fiquei alguns minutos matutando como responderia a mensagem. Não queria parecer boba, também não queria parecer deslumbrada. Sempre tentei ser o mais natural possível, talvez isso tenha despertado sua curiosidade.

Ele queria saber quem eu era. Chegou o momento da verdade. E se ele perdesse o interesse ao saber que eu era aquela garota louca que gritou com ele em plena livraria em Londres? Um flashback da cena invadiu minha memória com toda força. Senti as bochechas esquentando de vergonha ao lembrar a cena patética:

Ai meu Deus, ele está vindo na nossa direção! Agora meu coração parecia que estava pronto para correr os 100 metros rasos nas Olimpíadas. Não tive tempo de contar para as meninas, que os anjos permitam que elas não façam o escândalo que imagino que farão. Os sentimentos que despertaram minha enxaqueca voltaram com tudo quando ele se aproximou nervoso, com uma expressão mortificada.

Dessa vez antes que ele fugisse novamente, disparei meu discurso revoltado com toda a indignação que eu consegui reunir.

– Olha só moço, só porque você é famoso e.. lindo e... maravilhoso...err, isso não lhe dá o direito de pisar nas pessoas. - as palavras saíam como um avalanche, impossível de controlar o que eu dizia naquele momento - Nem toda fã é desesperada e escandalosa e quer se jogar em cima de você, sabia? Eu só queria dizer que... que... nem lembro mais o que eu queria dizer, mas seja lá o que fosse, não podia ser nada muito importante nem nada que você fosse digno de ouvir. - Putz, peguei pesado, mas não conseguia me controlar, parecia que eu estava em catarse, colocando tudo pra fora, me liberando desses sentimentos negativos que ficaram me consumindo nesses trinta minutos intermináveis - Um pouco de humildade não mata ninguém, você ainda tem muito o que aprender. E você acabou de perder uma das poucas fãs que lhe admiravam por quem você é, e não pela sua beleza.

A boca vermelhinha dele formava um perfeito 'O' enquanto ele assistia imóvel ao meu monólogo espetacular no meio da livraria mais conhecida da Inglaterra. Cadê minhas amigas que não me seguram numa hora dessas? Tudo bem, eu não avisei que surtaria inesperadamente na frente delas e do meu ex-ídolo-amor-platônico.

Não. Eu não podia contar para ele quem eu realmente era. Não podia perder sua simpatia justo agora que ele parecia tão disposto a se aproximar de mim. Mas como conseguiria me esquivar disso? Talvez ele não queira se expor sem saber exatamente com quem está lidando. Preciso pensar em uma forma de contornar isso.

Nunca pensei que minhas correspondências inocentes chegariam tão longe ao ponto de o Roger querer manter contato comigo. Não estava preparada para isso.

Davi gemeu e se revirou na cama, mas não acordou.

Decidi responder o email no dia seguinte. Estava cansada, o sono já estava batendo e eu precisava estar com as ideias em ordem para pensar em uma forma de esconder minha identidade sem deixar Roger desconfiado ou chateado.

Eu podia sentir o início de uma grande mudança na minha vida. Parecia loucura, mas no fundo eu sentia que a insistência do destino em manter essa ligação entre mim e Roger tinha algum significado maior, que eu ainda não havia conseguido decifrar. Como um desses fenômenos passageiros que acontecem no universo e mudam para sempre o curso da história, Roger de alguma forma mudaria o curso da MINHA história.

Adormeci com esse pensamento místico em mente e, provavelmente sonhei com Roger, só que não lembro o quê. Que desperdício, sonhar com Roger Peterson e não lembrar do sonho!

A luminosidade invadiu o quarto como uma onda, inevitavelmente me acordando. O quarto estava claro, porém fresco. Aparentemente havia chovido a noite inteira, sentia o cheiro de terra e plantas molhadas no ar. Davi dormia um sono leve, me abraçando como uma conchinha. Seu braço envolvia minha cintura e eu podia sentir sua respiração rítmica sobre meus cabelos, seu rosto encaixando perfeitamente entre meu ombro e meu rosto. Eu estava confortável. Dormira maravilhosamente bem e acordara com um humor ótimo. Não havia rolado nada na noite passada, mas eu estava feliz com isso.

Davi me abraçou mais forte, entrelaçando suas pernas com as minhas e mergulhando o rosto ainda mais em meus cabelos. Oooops!

Senti um volume cutucando minhas costas, lá perto do quadril.

Ai. Meu. Deus. E se Davi lembrasse do que havíamos planejado na noite passada e resolvesse fazer agora?

Corei, sem graça. Parece que a coragem sumiu junto com a noite. Por um lado, pelo menos Davi não estava bêbado, não havia risco de esquecimento ou dele se comportar de modo inapropriado. Mesmo assim não conseguia evitar de ficar insegura. Alguma coisa dentro de mim me dizia que não era o momento certo. Aquele sentimento estranho que Helena tanto tentou tirar da minha cabeça antes de eu viajar estava voltando.

Em um impulso, levantei da cama, corri para o banheiro para escovar os dentes, lavar o rosto e trocar de roupa. Quando saí do banheiro, Davi estava sentado na cama, me observando com uma cara de ressaca e um leve sorriso nos lábios.

– Bom dia, gatinha!

Ele não esqueceu essa história de ‘gatinha’? Que nomezinho mais cafona...

– Bom dia gatão. - Respondi bem humorada.

– Você já está toda arrumada? Você não dormiu aqui comigo? Eu jurava que estava dormindo de conchinha com você. Acho que estava sonhando...

Abriu um sorriso ainda maior. Fiquei encostada no vão da porta, observando-o de longe.

– Nós dormimos juntos sim. E de conchinha. – Sorri torto e pude ver a expressão de interrogação se formando em seu rosto.

– Dormimos? Então quer dizer que...

– Pois é... – Respondi fazendo cara de mistério.

– “Pois é”...? Nós...?

– Nós dormimos juntos ué.

– Dormimos, dormimos? Tipo, literalmente dormimos? Ou rolou algo mais?

– Você não lembra?

– Errr... não... desculpa... – Esfregou o rosto com uma mão e ficou quieto esperando que eu falasse alguma coisa.

– Você chegou muito bêbado ontem...

– É, eu sei... desculpa. – Encolheu-se na cama.

– E então para tentar convencê-lo a não descer mais, sugeri que a gente, hum... você sabe... – Pigarreei tentando disfarçar meu constrangimento.

– E eu topei né? Claro, mesmo estando bêbado, não sou otário.

Apertei os olhos e o encarei, censurando seu comentário idiota.

– Eu não topei? Impossível! O que aconteceu? Então como nós dormimos juntos?

Davi ficava cada vez mais confuso, mais preocupado com o que eu estava pensando da sua possível recusa de sexo do que mesmo com como eu estaria me sentindo caso tivesse acontecido.

– Você topou sim, não se preocupe.

– Ah tá...

– Fui tomar um banho, vestir uma lingerie para ficar mais bonita para você, mas quando eu voltei, você estava no décimo sono, roncando e tudo.

Por dentro, dei uma risadinha triunfal, ele nunca se perdoaria por ter perdido essa oportunidade, mas na verdade fiquei meio decepcionada por constatar que o que eu imaginava aconteceu. Ele não lembrava de nada do que havia acontecido na noite anterior.

– E porque você não me acordou? – Ele choramingou indignado.

– Por quê? Por que mesmo hein Davi??? Por que tanto faz se tivesse rolado algo ou não, você estaria com essa mesma cara de idiota sem lembrar do que você fez. Eu poderia ter inventado a história mais absurda e você nunca saberia a verdade, por que você estava completamente embriagado!

Sentei-me pesadamente na cama, de frente para ele, encarando-o e esperando uma reação verdadeira, que não estivesse inebriada por álcool, pela primeira vez nas últimas vinte e quatro horas.

– Claro que eu teria me lembrado, Ally! Como eu não lembraria?

– Da mesma forma que não lembra de nada do que aconteceu aqui ontem à noite.

– Mas seria diferente!

– Por que seria diferente?

– Por que seria uma coisa especial, ora!

– E você acha que seria uma coisa especial fazer amor com você no estado em que você estava? Fedido, completamente fora de si? E ter que olhar para essa sua cara de ‘inocente’ no dia seguinte dizendo que não lembra o que aconteceu? Me poupe, viu? Você devia ir tomar um banho!

– Desculpa, amor. Não precisa ficar zangada. – Fez cara de pobre coitado e, disfarçadamente, deu uma cheirada embaixo do braço, para conferir se estava fedendo mesmo.

Eu estava me sentindo muito bem para me deixar chatear com aquilo. Só queria que Davi sentisse remorso pelas besteiras que fez, que percebesse que perdeu uma coisa muito boa por culpe dele próprio e de ninguém mais. Segurei minha expressão séria e respondi.

– Eu não estou zangada. Aliás, estou ótima, e não vou estragar meu dia por causa das suas mancadas.

– A gente pode compensar o tempo perdido agora. Tomo um banho, fico limpinho e cheiroso pra você. Por favor? Eu esperei tanto por esse dia!

– Ah é? Não parece. Você só está preocupado com o sexo. Claro, como eu pude pensar que estaria preocupado com meus sentimentos? Quer saber? Você está de castigo. Nada de sexo por hoje.

– O quê???

– Isso mesmo que você ouviu. Tchau, vou tomar café para ir à praia antes que fique muito quente. Banho frio resolve esse probleminha aí nas suas calças, viu?

Saí rapidamente do quarto, segurando o riso e corri para a cozinha. Chegando lá dei de cara com Carina, que preparava um lanche para ela e para seu namorado, Léo.

Carina estava tão concentrada nos sanduíches que deu um sobressalto quando cheguei de surpresa.

– Nossa, Ally! Você me deu um susto agora.

– Desculpa – Respondi ofegante, entre risadas – fugi do Davi.

Caí na risada novamente.

– Fugiu? Como assim, menina?

– Você acredita que ele dormiu do jeito que subiu ontem à noite? Nem trocou de roupa nem nada!

Carina não pareceu muito surpresa. Ela havia testemunhado o estado de embriaguez do meu namorado.

– Bem, acredito sim. – Sorriu timidamente, fitando os sanduíches na bandeja. – O que aconteceu? Por que você está toda risonha?

– Dei um banho de água fria no Davi. – Soltei um risinho maquiavélico enquanto abria a geladeira para pegar um suco. – Hoje ele vai ter que se comportar, caso contrário, vai ter castigo novamente.

Carina sorriu desconcertada, compreendendo o significado do que eu estava falando.

– Ah, entendi... de vez em quando também coloco o Léo de ‘castigo’.

– E o castigo funciona mesmo?

– Demais, ele fica um santo, faz tudo que eu quero!

Caímos na risada. Tomei meu suco pensando se funcionaria mesmo com o Davi. Ele é muito mais orgulhoso e durão do que o Léo e não gosta de ser contrariado. Não sei se minha estratégia de pressioná-lo para escolher entre mim e sua farra no Carnaval vai de fato surtir algum efeito positivo. Claro que ele vai reagir, só não sei como.

A praia já estava lotada e nem passava das nove da manhã. Por toda parte havia picapes com caixas de som enormes, cada uma reproduzindo um estilo diferente, exatamente como eu havia previsto. Aumentei o volume no mp3 player, mas as músicas suaves do Damien Rice não estavam sendo suficientes para aplacar o barulho dos ‘paredões’. Selecionei a pasta de heavy metal e coloquei o volume o mais alto que consegui aguentar.

Caminhei em direção à Praia das Fontes, onde tem umas falésias belíssimas por onde percorremos entre paredes de areia colorida até chegar a um platô que dá vista para o mar e para as praias ao redor. É um lugar pacífico, tudo que preciso para colocar os pensamentos em ordem.

A água que descia pela trilha da falésia estava geladinha, refrescando meus pés à medida que eu subia. No paredão de areia, muitas inscrições de “estive aqui”, entalhadas na areia dura, havia nomes e declarações de amor de pessoas do país inteiro. Achei uma sombra onde a areia não estava molhada e sentei-me, observando o movimento dos foliões lá embaixo, e me perguntando por que eu não conseguia fazer parte dessa maioria que se diverte como ‘pessoas normais’, como diria o Davi. Seria tão mais fácil lidar com ele se eu gostasse dessas folias, desse tipo de música, se eu fosse um pouco mais fútil, como a Natália, talvez.

Ugh, não, obrigada!

Fiz uma careta involuntária ao lembrar da namorada do João. Será que preciso mesmo mudar meu jeito de ser para conseguir viver em harmonia com o Davi? Por que esperar que ele mude é, no mínimo, muita ingenuidade da minha parte. Nós nos gostamos muito, eu tenho certeza disso. Por que não pode dar certo? Por que não conseguimos ficar juntos nem um fim de semana sem ter atritos?

Acordei atordoada, com o sol tostando meu rosto e com a barriga doendo de fome. Com o passar das horas, a sombra onde estava sentada desapareceu. Chequei o relógio no mp3 player, passava de meio dia. Davi deve estar louco da vida.Toquei meu rosto, que estava quente da insolação e só então lembrei que estava usando óculos escuros.

Ai não... devo estar com a máscara do Batman por causa dos óculos escuros!

Me senti ridícula cochilando no meio do nada. Provavelmente estava da cor de um tomate. Levantei-me tirei o excesso de areia das mãos e da entrada de banho e me pus a caminhar em direção ao condomínio.

Atravessei o jardim do enorme complexo de apartamentos o mais rápido que pude, passando por entre pessoas que dançavam, conversavam, riam e faziam piadinhas sobre meu ‘bronze’. Eu queria me enfiar em um buraco e sumir, de tanta vergonha.

Avistei Davi ao longe, em uma as mesas próximas ao nosso apartamento, no mesmo lugar onde passou o dia ontem. Ao me ver, levantou-se rapidamente e caminhou a passos largos em minha direção. Sua expressão estava grave. Não distinguir bem se era de raiva ou preocupação. Seja como for, não é nada bom.

– Pelo amor de Deus, onde você estava? – Me abraçou falando com uma voz chorosa.

– Aiiii... – Gemi com seu contato, minha pele estava muito sensível.

– Alicia, o que aconteceu com você? Por que você sumiu? Eu estava ficando louco de preocupação! Os meninos ainda estão na praia procurando você.

– Desculpa.

Baixei a vista, encarando meus pés cheios de areia. Me deu uma vergonha de contar o que havia acontecido. Era bobagem, me senti uma idiota, mas precisava explicar.

– Fui dar um passeio até as Falésias...

– Até as Falésias? Você tá maluca? Ali é cheio de marginal aproveitador, especialmente em época de Carnaval! O que você estava pensando?

– Só queria espairecer, lá é lindo. Acontece que eu adormeci numa sombra gostosa que tinha lá, e acordei com o sol na cara.

Quando baixei os óculos para mostrar o estado do meu rosto, Davi não conseguindo se conter, explodiu em uma risada tão alta que todos em volta pararam para nos observar.

– Obrigada... – Murmurei por entre os dentes.

– Hehehe, foi mal, pelo menos você já tem fantasia para o baile que vai rolar amanhã! Hahahaha.

De repente a preocupação dele sumiu. Muito belo.

– Vamos sair daqui, estou morrendo de sede.

Caminhei rapidamente por entre as pessoas, que me observavam curiosas, tentando conter o riso, até chegar ao nosso apartamento. Dois minutos depois, Davi entrou atrás de mim.


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Notas finais do capítulo

Eita... Ally ganhou uma bela insolação! E esse Davi que não se emenda? O que acharam do email do Roger?
Quero saber tudo, não deixem de comentar! E não esqueçam de compartilhar também. Façam essa humilde autora feliz! :)
Beijos e até a próxima!