Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 16
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!
Espero que não tenham desistido da fic, eu não desisti!
Aqui está mais um capítulo para vocês. Espero que gostem. Vai rolar muito drama, mas no final tem uma surpresinha animadora. Por favor não deixem de deixar seus reviews dizendo o que estão achando da história.
Agradeço a paciência de vocês e aproveito para reforçar que não abandonei Coração Satélite. Apenas ando sem tempo. Mas continuarei, mesmo que lentamente, não abandonarei a fic.
Beijão para vocês e boa leitura!



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“Em meio ao meu sono tranqüilo, ouvi um “Hum Hum” muito alto e real, não parecia sonho. Abri os olhos lentamente e minha visão repousou nas figuras de minha mãe e Max de pé, diante de nós, ambos com as mãos nos quadris e olhos inquisidores, exigindo uma explicação para a cena que estavam testemunhando em plena sala de estar do nosso apartamento.”

Fortaleza, Brasil

Ally PDV

Fiquei atônita olhando para minha mãe, sem saber o que dizer. Só pensava “Agora estou ferrada! Como é que vou explicar isso?”

 Não sei quantos segundos se passaram até que Davi ergueu-se rapidamente e se pôs sentado me elevando junto com ele. Sentados ali no sofá parecíamos duas crianças que acabaram de cometer alguma danação, me senti pequena e indefesa, mesmo com Davi do meu lado. Ísis e Max continuavam imóveis com cara de interrogação, esperando que algum de nós dois se manifestasse apresentando uma explicação.

Sentindo-me muito desconfortável nessa posição de inferioridade, ergui-me segurando a mão de Davi, apertando-a levemente como um sinal para que ele levantasse também. Não sei se foi o sono ou nervosismo, mas meu corpo começou a tremer incontrolavelmente, precisei me apoiar firmemente no braço do meu namorado para me manter de pé.

Isso mesmo, meu namorado! Agora não havia mais motivos para esconder, já havíamos nos acertado, e finalmente eu podia sentir a segurança de ter uma pessoa ao meu lado para enfrentar situações embaraçosas sem que eu precisasse me esconder ou inventar desculpas ridículas. E eu estava prestes a assumir nosso relacionamento perante as pessoas que eu mais temia.

Abri a boca para falar qualquer coisa que pudesse aliviar a expressão de - decepção? - de minha mãe e meu irmão. Porém Davi foi mais rápido que eu e disparou seu discurso, explicando-se dirigindo a palavra ora para Max, ora para minha mãe.

- Calma dona Ísis, não é nada do que vocês estão pensando! Max, mano, eu ia contar pra você, mas você me ligou dizendo que a Ally tinha se afoga... Ai!! – Deixou escapar um gemido de dor.

Interrompi as explicações desastradas do Davi com uma cotovelada em suas costelas tão intensa que quase senti a dor. Coitado. Mas o zé mané me vem com a brilhante idéia de dedurar meu afogamento pra despistar o assunto? Agora vou levar sermão duplo!

Minha mãe apertou os olhos mirando em mim. Juro que se eu estivesse mais perto era capaz dela me fuzilar com aquele olhar. Max, visivelmente decepcionado, fuzilava Davi com o olhar. Por um instante achei que ele esqueceria sua longa amizade e voaria para cima dele. Mas, para minha surpresa, meu irmão conseguiu conter-se e com a voz embargada, calmamente falou por entre os dentes:

- Davi, brother, é melhor você ir para casa.

- Pô Max, foi mal meu irmão...

Antes que ele continuasse, lancei-lhe um olhar suplicante, esperando que ele compreendesse que não adiantava mais justificar-se. Apertei sua mão e o conduzi até a porta, fechando-a atrás de nós para que Ísis e Max não nos ouvissem.

- Tem certeza que não quer que eu fique? – Indagou, enrolando seus dedos em uma mecha de meu cabelo.

- Tenho. É algo que devo resolver com minha família. Preciso lidar com as conseqüências de minhas atitudes sozinha.

Hesitei...

- Vai ficar tudo bem. Obrigada por estar ao meu lado.

Beijei-lhe rapidamente e chamei o elevador.

Ao entrar de volta em casa, minha mãe e meu irmão estavam sentados na mesa de jantar esperando por mim para começar o interrogatório.

“Ok, Alicia. Não discuta. Apenas peça desculpas. Lembre-se que você merece a bronca.” Pensei resignada.

- Alicia. Você pode me explicar o que acabou de acontecer aqui? E pode me explicar que história é essa de afogamento, que aparentemente a única pessoa que não sabe sou eu?

Talvez pela minha mania de esconder coisas da minha família, somente por não ter coragem de encará-los e dar explicações, medo de ser censurada ou mesmo julgada mal, acabo me metendo nesse tipo de enrascada que poderia ter sido facilmente evitada se eu não fosse tão covarde e infantil. Se confiasse em minha mãe e meu irmão, tudo seria mais fácil.

Diante do inevitável, não havia mais o que fazer senão abrir o jogo e contar para minha mãe tudo o que aconteceu nas últimas 48 horas. No entanto senti que precisava de um pouco mais de privacidade para conversar com ela, de mulher para mulher. Afinal ela acompanhou toda minha saga com o Davi, desde quando era uma garotinha. Nada mais justo do que concedê-la o direito de desfrutar junto comigo esta felicidade que estou vivendo.

- Nem sei por qual assunto começar essa conversa...

Ísis murmurou esfregando as pequenas rugas que se formaram em sua testa.

– Por que você não me falou desse afogamento? Será que eu sou uma mãe tão horrível assim que você é incapaz de me contar um assunto tão sério por medo? Francamente, Alicia, eu esperava mais maturidade da sua parte! Não foi para isso que eu e seu pai criamos você. Que infantilidade. O que você achava que eu iria fazer? Deixá-la de castigo? Cortar sua mesada? Olha só para você! Você é uma mulher, minha filha. Uma adulta com 21 anos de idade e quase independente. Você tem medo de quê? Estou muito decepcionada por você não confiar em sua própria mãe, sinceramente, não esperava isso de você.

Seus olhos castanhos encheram de lágrimas, e sua voz ficou trêmula. Me senti péssima por estar causando essa chateação toda para minha mãe.

O que eu poderia responder? Ela estava completamente certa. Não tinha havia argumentos. Simplesmente a ridícula desculpa de que não queria preocupá-la. Mas ela é minha mãe, faz parte de “ser mãe” se preocupar com os próprios filhos, por mais bobas que sejam as preocupações. E eu a estava privando de seu direito pelo receio bobo de não querer incomodá-la, de querer poupá-la das preocupações. Por ser independente demais a ponto de querer que as pessoas não se importem comigo. Mas gostar é se importar. E só agora eu percebi isso.

- Sinto muito mamãe. Você tem toda razão.

- É só isso que você tem para dizer? Você não acha que sua mãe merece mais do que um “sinto muito”? Às vezes sinto que você faz de tudo para me excluir da sua vida.

Aquilo doeu em mim como uma adaga atravessando meu coração. Não era verdade. É simplesmente meu jeito. E doía muito perceber que a pessoa que mais amo na vida pensava isso de mim.

- Não! Mãe, não é isso. Me desculpa, eu sou uma idiota. Não queria assustar você com uma coisa que já estava resolvida. Foi isso. Desculpa. Você sabe, eu sou trancada, na minha... mas isso não significa que eu não me importo. Por favor!

Meus olhos estavam quase transbordando. Pisquei várias vezes inclinando a cabeça para trás e olhando para a luz, para tentar evitar que as lágrimas escorressem pelo meu rosto, me fazendo sentir ainda mais ridícula.

Max esboçou o começo de uma risada, mas antes que ele ao menos emitisse algum som, foi minha vez de fuzilá-lo com o olhar censurando sua brincadeira inadequada, e ele imediatamente levou a mão à boca para conter o riso.

Mamãe também encarou Max, com uma expressão séria até que ele franziu o cenho e ajeitou-se na cadeira, colocou os cotovelos sobre a mesa e apoiou o queixo sobre as mãos cruzadas.

Ísis continuou, séria.

- Alicia, eu sinceramente espero não precisar ter esse tipo de conversa com você novamente.

Encolhi-me em minha cadeira e respondi timidamente.

- Tudo bem mãe, prometo que não será mais necessário.

E então Max interferiu, mudando para o outro assunto em pauta naquela noite: Davi. Ou melhor, Eu e Davi.

- Certo, agora você quer fazer o favor de explicar que p@#$%& de cena foi aquela que nós presenciamos na sala? Você e o Davi?

Max fechou a cara, travando a mandíbula e me estudando com o olhar sério.

- Max, não quero você usando esse palavreado xulo, especialmente quando fala com sua própria irmã. – Ísis replicou em um tom de voz baixo.

Ele não respondeu, apenas acenou com a cabeça.

Eu sabia que falar sobre o afogamento seria mais simples, que eventualmente minha mãe me perdoaria, por mais magoada que estivesse. Já sobre Davi, eu tinha uma certa segurança de que ela apoiaria nosso relacionamento, mesmo conhecendo Davi e seu temperamento. No entanto, a cena em que fomos flagrados, por mais inocente que fosse, causaria desconfianças até na pessoa mais pura que existisse. Como explicar?

Max não gostou nem um pouco do que viu e, por mais que se tratasse de seu melhor amigo - ou pior – exatamente por se tratar de seu melhor amigo, ele não conseguia aceitar, muito menos perdoar o que acabara de ver.

- Fala Alicia! O que diabos você estava fazendo dormindo com o Davi na sala da nossa casa? – Max esbravejou visivelmente chateado.

Não consegui dizer nada além do clichê “Não é nada do que vocês estão pensando!”.

Suspirei com a voz quase falhando.

- Ah não é? Então me diz o que você estava fazendo sozinha com meu melhor amigo, altas horas da noite em casa?

- Calma Max, não pressione sua irmã. Ela vai falar.

- Engraçado, dona Ísis, que para aquela bobagem de afogamento você faz o maior drama do mundo, mas é indulgente quando se trata da sua própria filha sozinha em casa se agarrando com MEU AMIGO, aproveitando que estávamos fora, não é mesmo?

- Primeiro de tudo, baixe a voz quando estiver se dirigindo a mim. Eu sou sua mãe! – Ísis irritou-se com o comentário malicioso de Max, e de uma hora para outra, passou de sua postura de “mãe severa” comigo para “mãe protetora”.

- Eu simplesmente não tô conseguindo acreditar no que eu vi! Aquele canalha do Davi vai se ver comigo. Por muito pouco eu não quebrei aquela cara cínica dele hoje. E você Alicia? Virou mentirosa compulsiva agora? Tudo que você faz tem que ser escondido? Você mente para mim, para nossa mãe, deve mentir para suas amigas também né? E pelo que pude ver, também andou mentindo pro Davi. Você é absurda!

Fui digerindo as palavras de Max uma a uma, me dando conta de que mais uma vez era a pura verdade. Senti uma pontada no coração e não consegui mais conter as lágrimas que formavam lagos dentro dos meus olhos. Cobri o rosto com as mãos e desatei a chorar incontrolavelmente, me sentindo um lixo por enganar todas as pessoas que amo. Eu sou uma fraude. Meu Deus, olha só onde eu fui me meter com tantas mentiras bobas. Mentindo para minhas amigas sobre Roger. Mentindo para Roger sobre mim mesma. Mentindo para Max sobre Davi. Mentindo para Davi sobre Gustavo e, pior de tudo, mentindo para minha mãe sobre tudo!

Quanto mais eu pensava, mais tremia soluçando. Eu queria acabar com aquela confusão toda e abrir o jogo com todas essas pessoas que eu estava enganando por bobagens, mas algumas coisas simplesmente não podiam ser ditas. Como explicar minha correspondência maluca com Roger sem despertar a curiosidade infinita das minhas amigas? Sem que elas queiram meter o bedelho em todo e qualquer movimento que eu fizer em relação a ele? Como contar para o Davi sobre o Gustavo e ele não ter um acesso de fúria e ciúmes? Como convencer meu irmão de que eu e Davi estamos juntos para valer, e que o amigo dele não quer apenas se aproveitar de sua “irmãzinha inocente”?

Engoli o choro, nada poderia ser mais constrangedor e humilhante para mim do que aquilo que estava acontecendo comigo naquele momento. Resolvi usar o bom e velho português. Colocar tudo em pratos limpos, dizer o que precisava ser dito.

Apesar de meu irmão estar certo em quase tudo o que disse, não era justo julgar a atitude do Davi de forma tão maldosa, como se ele não conhecesse seu próprio amigo.

Olhando para minhas mãos que repousavam sobre a mesa, brincando com a toalha de renda que decorava a grande mesa de madeira, comecei a disparar as palavras como uma metralhadora, em um ato meio catártico, me libertando daquelas verdades que estavam guardadas dentro de mim.

- Me desculpem pelo ocorrido. Por mais que a situação tenha parecido estranha o bastante e suspeita, como Max julgou, o que aconteceu de fato foi que Davi ficou sabendo sobre o fatídico afogamento de uma forma meio desastrada, já que você Max, fez o favor de contar para ele como se estivesse falando do seu joguinho ridículo de videogame. Ele ficou preocupado e veio correndo aqui em casa checar se estava tudo bem comigo e, claro, chateado por que ficou sabendo do ocorrido através de você, e não de sua própria namorada.

Max bufou revirando os olhos e abriu a boca para replicar alguma coisa, mas antes que ele proferisse qualquer palavra, eu o interrompi.

– Max, deixa eu falar! Foi isso mesmo que você ouviu. Eu e o Davi estamos namorando sim. Depois explico sobre isso. O fato é que ele veio até aqui, nós conversamos sobre o lance do afogamento, depois ficamos assistindo filme até que adormecemos sem perceber. Depois vocês chegaram e deu esse rolo todo. Eu posso entender que vocês não queiram acreditar em mim, já que andei escondendo algumas coisas, mas é a verdade. Não quero mais enganar ninguém. Não quero magoar ninguém, só quero viver minha vida e ser feliz com a pessoa que eu gosto. Por favor, não ajam como se estivessem surpresos, não é novidade para ninguém o que eu sinto pelo Davi. O que ninguém esperava, nem mesmo eu, é que ele correspondesse meus sentimentos. Mas aparentemente ele também gosta de mim, então nada nem ninguém vai impedir que a gente fique juntos.

Ergui a cabeça para encarar minha mãe e meu irmão, que me fitavam visivelmente confusos, sem saber o que falar. Respirei fundo e continuei:

- Sinto muito que vocês tenham descoberto da pior forma possível. Se dependesse do Davi, ele já teria contado para você Max, mas eu pedi a ele que não o fizesse. Eu pretendia contar pessoalmente. Mãe, desculpa. Foi tudo muito rápido, faz poucos dias. Eu estava confusa...

Percebi minha mãe relaxando em sua cadeira, a expressão em seu rosto também estava relaxada, ela parecia aliviada. Com um sorriso tímido nos lábios, respondeu animada:

- Minha filha, fico feliz em saber que vocês finalmente se entenderam. Ficava angustiada ao ver você sofrendo pelos cantos por causa dele. Espero do fundo do meu coração que vocês sejam muito felizes juntos. Mas tenham juízo, pelo amor de Deus!

- Mãe! – Exalei chocada com a insinuação.

Levantou-se de sua cadeira, deu a volta na mesa, e me abraçou carinhosamente, beijou minha cabeça e disse, antes de se retirar para seu quarto:

- Eu só quero fazer parte da sua vida e compartilhar suas felicidades e tristezas. Obrigada, querida.

- Obrigada também mamãe. Prometo que vou melhorar.

Beijei sua mão e deixei-a partir.

Max ainda me encarava mal-humorado. Logo que Ísis nos deixou a sós, recomeçou o discurso.

- Se você pensa que me convenceu com esse papo bonito, está muito enganada mocinha. Vou ficar de olho em vocês, tá ouvindo?

Eu estava cansada demais para continuar discutindo, não via a hora de me aconchegar em minha cama e cair no sono, então não dei muita atenção para a conversa do Max, respondi qualquer coisa e me mandei para meu quarto.

No dia seguinte meu telefone não parou de tocar um minuto. Minhas amigas ligando para saber como tinha sido meu “babado” com Davi, se a gente tinha se resolvido, se a gente tinha acabado, por que ele estava tão nervoso, etc etc etc. Davi me ligou muito preocupado com a reação do Max. Queria saber como eu estava me sentindo, se eu estava bem, se queria que ele viesse até minha casa para me confortar. Queria saber o que minha mãe falou sobre nosso namoro, se eu achava que Max iria perdoá-lo e, claro, não deixou de me dar uma bronca por eu ter escondido de todos nosso namoro.

Achei muito gentil da parte dele se preocupar dessa forma comigo. Me senti mais amparada e já estava começando a gostar dessa coisa de “estar namorando”. Ter alguém com quem compartilhar tudo, um apoio constante, um parceiro. Uma presença mais forte do que eu, que me faz sentir que tudo vai ficar bem, aconteça o que acontecer. Com minhas amigas é diferente. Não sei explicar como, mas é diferente.

Como dei fim ao meu recesso de fim de ano, retomei as atividades no trabalho. Começo de ano era sempre muito atarefado, pois alguns clientes apareciam de última hora pedindo traduções “para ontem” e eu, na situação em que me encontro, não posso desperdiçar nenhuma oportunidade de receber uma graninha extra.

Expliquei para Davi que não poderíamos nos encontrar diariamente durante a semana por causa do meu trabalho. Meio contrariado ele aceitou meu pedido, com uma única condição: pelo menos nas quartas feiras nos encontraríamos, nem que fosse para ir ao cinema, já que às quartas sempre tinha promoção nos cinemas dos shoppings. Concordei de bom grado, achando muito fofo ele fazer questão de me ver mais vezes ao longo da semana.

Na quarta-feira, conforma havíamos combinado, fomos ao cinema. Escolhemos um filme desses bem bobos para aproveitarmos o clima gostoso do cinema e namorar um pouco, como qualquer casal em início de namoro.

As luzes do cinema apagaram-se e começaram a ser exibidos os trailers. Como boa cinéfila, eu sempre presto atenção nos trailers para saber quais filmes me interessam para assistir posteriormente.

Meu coração quase parou quando vi o rosto de Roger, preenchendo quase todo o espaço da tela do cinema. Minhas mãos começaram a tremer. Inconscientemente dei um sobressalto, como se tivesse me lembrando de algo muito importante que deixei de fazer. Tentei disfarçar, mas Davi percebeu minha inquietação e perguntou o que estava acontecendo.

Poxa vida, por que justo agora que minha vida está entrando nos eixos, tudo está dando certo, estou me entendo com as pessoas que são importantes para mim, estou aos poucos prosperando em minha profissão... Por que Roger Peterson tem que aparecer, mesmo que sem intenção, para me lembrar de sua existência? Para me lembrar de sua rejeição?

Faz mais de um mês que escrevi para ele pela última vez e nada de resposta.  Eu já me conformei com o fim de nossa brincadeira de correspondência, por que afinal, era apenas uma brincadeira. Uma hora tinha de acabar. Mas não conseguia evitar de sentir uma tristeza que não tinha explicação, sempre que lembrava de Roger.

Mas em nome de Davi e de nossa felicidade, fiz um esforço e logo tinha esquecido Roger e suas cartas simpáticas.

Combinamos de ir à praia com nossa turma no domingo, seria nossa primeira saída entre amigos, nós dois como um “casal”. Eu estava um pouco ansiosa, não por assumir nosso relacionamento diante de nossos amigos, e sim por que sabia que seríamos o centro das atenções, das piadinhas e eu simplesmente não me sentia nem um pouco confortável nessas situações.

Estava quase terminando de me arrumar quando a campainha tocou. Corri para atender. Pelo horário, sabia que era Davi, ele não costumava atrasar, o que para mim era péssimo, já que dificilmente eu conseguia cumprir horários.

Estava usando um biquíni tomara-que-caia vermelho com um vestidinho estampado meio transparente por cima. Abri a porta com um sorriso no rosto, feliz por revê-lo, como se não tivéssemos nos encontrado na noite anterior.

O sangue desceu do meu rosto para os pés quando me deparei com a cena diante de mim: Davi encostado na parede lateral da porta, com os braços cruzados sobre o peito e olhando fixamente para a pessoa que estava de pé diante dele. Demorou alguns segundos para eu me dar conta de que a “pessoa” era ninguém menos que o Gustavo, o gato Rock n’ Roll!

Pisquei uma dez vezes com a boca semi-aberta, sem saber o que fazer. E, em um impulso simplesmente disse um “Oi!” para Gustavo, com a voz um tom mais alto do que o usual e me joguei nos braços de Davi, buscando seus lábios para beijá-lo. Mas ele virou o rosto me deixando no vácuo.

Fiquei parada feito uma idiota entre os dois, sem coragem de me virar para conversar com Gustavo, com receio de Davi ficar ainda mais furioso.

Por que diabos o Gustavo resolveu aparecer justo hoje, justo nesse horário para buscar a maldita prancha de surf?Duh, é domingo, Ally. Surfistas surfam dia de domingo. E cedo da manhã pelo visto!

Gustavo quebrou o silêncio, com uma voz conciliadora e descontraída, procurando quebrar também o clima tenso que se instalou no hall de entrada do meu apartamento.

- Oi Ally! Eu estava explicando para o seu namorado que só vim aqui para buscar minha prancha.

Prendi a respiração, olhando nos olhos de Davi e estudando sua expressão, procurando talvez alguma espécie de ‘sinal verde’ para que eu pudesse responder Gustavo. Mas ele não moveu um músculo sequer do rosto. Nem do corpo. Permaneceu imóvel, encarando Gustavo com uma cara diabólica.

- Ally, o que esse cara está fazendo aqui? – Perguntou sério, sem tirar os olhos do gato Rock n’ Roll.

- Eu já disse cara. – Gustavo respondeu por mim. – Vim buscar minha prancha, só isso.

- Alicia, o que esse cara está fazendo na sua casa? – Davi insistiu, falando entre os dentes ainda não tirando os olhos de Gustavo.

Com a voz trêmula, sem saber como reagir ao comportamento estranho de Davi, respondi quase em um sussuro:

- Amor, ele veio buscar a prancha de surf dele.  – Continuei, sem tirar os olhos de seu rosto.

- O que a prancha desse cara está fazendo na sua casa, Alicia? – Davi indagou novamente, em um tom de voz mais alto.

Eu não sabia como começar a falar. Demorei alguns segundos procurando escolher a melhor forma de explicar sem que o deixasse ainda mais irritado. Algo me dizia que qualquer esforço seria em vão. Mesmo assim, calculando cada palavra, comecei a explicar o acontecido.

- Você lembra que, no dia depois do Ano Novo eu me afoguei na praia? Então, o Gustavo estava surfando lá perto, e foi ele a primeira pessoa que me viu inconsciente no meio do mar, e me salvou. Foi isso.

Posicionei-me de lado entre os dois rapazes, me sentindo mais frágil do que nunca, temendo que em um rompante, Davi atacasse Gustavo, causando uma grande confusão bem na porta da minha casa. Olhei para Gustavo, depois para Davi novamente. Ele baixou a vista, finalmente me encarando e replicou com um meio sorriso irônico:

- Foi mesmo Ally? E como lembrança desse encontro especial, o herói deu sua prancha de presente para você. Tão romântico, não acha?

Suspirei entristecida e respondi com a voz baixa, suplicando com o olhar para que ele compreendesse o que eu estava dizendo.

- Não amor, não foi nada disso. Por favor. Ele só me tirou da água e veio dirigindo meu carro até aqui por que eu ainda estava em estado de choque depois do afogamento. Eu insisti para ele deixar a prancha aqui por que ele tinha que voltar para casa de ônibus, já que teve que dirigir por mim. Ele ficou de vir buscar a prancha no fim de semana seguinte. Eu que esqueci completamente disso. Não combinamos horário nem nada. Esqueci de avisar para você, desculpa.

Davi balançou a cabeça e exalou pesadamente, dando uma risada de descrença. Descruzou os braços, segurou as duas laterais dos meus braços e afastou-se de mim. Tremi só de imaginar o que ele pretendia fazer. Mas ele permaneceu no mesmo lugar, encarando ora a mim, ora o Gustavo.

- E vocês esperam que eu acredite nessa conversa ensaiada? Eu não sou idiota!

Gustavo, na tentativa de amenizar a situação, estendeu a mão e explicou novamente.

- Não cara, foi isso mesmo que a Ally disse. Ela me contou que tinha namorado, ela pediu para ficar com a prancha só para retribuir o favor. Eu disse que não precisava, mas enfim...

- É mesmo? Que bonitinho...  – Davi respondeu cinicamente. – Você pensa que eu não lembro de você dando em cima da minha namorada no Órbita naquela noite do Ano Novo? Vocês querem me convencer de que não combinaram de se encontrar na praia? Vocês acham que eu sou o quê? Um babaca?

- Não, Davi! Me escuta, não foi nada disso. Eu já expliquei para você, por favor.

Qualquer palavra era inútil para convencer Davi de que estávamos falando a verdade. Quanto mais tentávamos nos explicar, mais irritado ele ficava. Depois de muito tempo nesse impasse, os três parados no hall do meu apartamento, decidi tomar uma atitude e fui buscar a prancha do Gustavo no meu quarto para devolvê-la. Me bateu um medo de o Davi atacá-lo enquanto eu estivesse ausente, então, com muito esforço e conversa consegui persuadi-lo a me acompanhar até meu quarto.

Sua presença dentro do meu quarto me incomodou um pouco. Era como um estranho invadindo meu santuário. Mas naquele momento eu tinha coisa mais importante para me preocupar.

Voltamos até o hall de entrada, entreguei a prancha para o Gustavo me desculpando pelo mal entendido e por ter lhe causado o transtorno na praia, etc. Davi não saiu detrás de mim nem por um segundo até que Gustavo tivesse sumido escada abaixo.

Ao contrário do que eu esperava, sua expressão não mudou nada depois que o gato Rock n’ Roll foi embora. Sentamos no sofá e permanecemos mudos pelo que pareceu horas. O fato dele não ter ido embora no auge da fúria me deu esperança de que, de repente, fosse um sinal de que poderíamos nos reconciliar sem maiores problemas. A essa altura eu já nem sabia mais se ainda iríamos à praia encontrar nossos amigos. Não havia clima nenhum.

Reuni toda coragem que eu tinha e lentamente levantei a mão até seu rosto, acariciando seu queixo, mandíbula e pescoço. Ele permaneceu imóvel, como uma estátua de pedra. Não demonstrou nenhum sinal de satisfação com a carícia, nem me encorajou a continuar. Mesmo assim, aproximei meu corpo do seu, passando um braço ao redor do seu abdômen, aninhando-me em seu peito. Ele não me abraçou, mas também não me repeliu.

Eu não sabia o que pensar. Não sabia como interpretar essa reação inusitada do Davi. Quis acreditar que o fato de ele ainda estar ali significava que no fundo ele queria acreditar em mim e estava me dando um voto de confiança. Aproveitei esse raciocínio e comecei a falar baixinho em seu peito.

- Me desculpa, por favor. – Levantei o olhar para seu rosto. Ele inclinou a cabeça para baixo para me encarar. – Davi, você acha mesmo que depois de tudo que nós passamos, justo quando a gente finalmente consegue ficar junto, eu iria jogar tudo pro alto por causa de um cara que eu mal conheço? Você me conhece melhor do que isso, não é?

Davi continuou me encarando, apertando os lábios, sem dizer uma palavra.

- Eu sei que no fundo você sabe que isso não é possível. Entendo que tenha ficado chateado por eu não ter contado sobre o Gustavo, mas foi algo tão insignificante... era uma dívida de gratidão que eu tinha com ele. Eu faria o mesmo por qualquer pessoa que tivesse me salvado. Sinto muito por não ter contado para você antes. Sinto mesmo. Não imaginei que fosse lhe incomodar tanto. E eu já estou tão cansada de dar justificativas para todo mundo o tempo inteiro...

Desviei o olhar e suspirei profundamente, me sentindo desanimada por ter sempre que enfrentar algum desentendimento. Um atrás do outro. Quando penso que o problema está resolvido, surge um novo problema para me atormentar. Estava cansada de tanto drama na minha vida.

Para minha surpresa, Davi envolveu minha cintura com seu braço, puxou-me para junto de si e me abraçou com força, mergulhando o rosto em meus cabelos. Ficamos abraçados por um tempo, senti a tensão se dissipando aos poucos de seu corpo, até que ele finalmente resolveu falar alguma coisa.

- Não faz mais isso comigo. – Sussurrou com uma voz chorosa.

Apertei-lhe mais forte, buscando seus lábios com os meus, desejando desesperadamente esquecer esse assunto com um beijo aliviado.

***

Roger PDV

Londres,

O ano começou agitado com muitas novidades no trabalho, o que me deixou em um excelente estado de espírito. Não vou negar que o fato de Cathy ter retornado aos EUA e levado junto com ela os paparazzi e as fofocas sobre nosso relacionamento ajudou e muito para que eu ficasse mais aliviado e de bem com a vida.

Ano novo, novos projetos. Na segunda semana de janeiro eu praticamente me mudei para o set de filmagens do meu novo longa. Estava muito envolvido com o projeto, desta vez minha participação ia além da atuação, aceitei o desafio de ser produtor executivo do filme, o que me rendia uma quantidade significativa de trabalho extra nas horas em que não estava gravando.

Para facilitar as coisas, aluguei um quarto em um chalé modesto, na pequena cidade escolhida para locação do filme, convenientemente próximo do set, para que eu não tivesse muita dificuldade de deslocamento até lá.

Durante as duas primeiras semanas de estadia nesse novo ambiente, ao final do trabalho, estava cansado demais para pensar em qualquer coisa além de comer e dormir. Passadas as duas semanas seguintes, ao final do mês de janeiro, com minha rotina estabelecida e, de certa forma já acostumado com os horários, passava meu tempo livre lendo, escrevendo, tocando e fazendo contato com meus amigos e família pela internet e pelo telefone.

Mas não conseguia tirar uma coisa da cabeça. Uma coisa que estava me incomodando mais do que deveria: Ally, a garota do envelope azul não respondeu minha carta.

O que isso podia significar? Será que ela se sentiu ofendida por eu exigir que ela entrasse em contato comigo via email? Ou será que simplesmente cansou dessa ‘brincadeira’ de trocar correspondência? Afinal, ela deve ter sua própria vida, talvez não tenha mais tempo disponível para isso. Mas foi ela quem começou com esse lance de correspondência. Ela me envolveu com seu joguinho misterioso. Mereço uma resposta, mesmo que seja negativa!

Ora bollocks, por que estou tão preocupado com essa garota, afinal? O que ela significa para mim? Nada, certo?Certo?... Será que aconteceu alguma coisa grave? Espero que não.

Eram onze da noite, chequei no skype se Jim estava online, queria trocar umas idéias com ele. Não estava. Claro que não, sexta à noite, o vagabundo deveria estar bebendo por aí com o restante da turma. Só eu que trabalho feito um burro!Ridículo! Peguei o celular e liguei para ele. Foi necessário ligar uma dezena de vezes até que o filho da mãe atendesse. Pelo barulho ensurdecedor do outro lado da linha, ele estava farreando em alguma espelunca de Londres, como eu havia previsto.

- Faaaala Peter boy! Bateu saudade, amor? – Falou com a voz arrastada, sinal que já estava bêbado.

- Vai se ferrar mano! Procura um lugar mais calmo, mal tô conseguindo ouvir você.

- Beeeeleeezaa!

Passados exatos dois minutos e meio, Jim finalmente dá sinal de vida ao telefone. Eu já estava pensando que ele tinha esquecido o celular no balcão do bar ou algo do tipo.

- Prrrronto! O que você manda, Peeeeter?

Ri de suas idiotices, desejando, no fundo, estar participando da farra.

- Então cara, você lembra da Ally? A garota do envelope azul?

- Leeeembro sim. E aí, alguma novidaaaade?

- Pois é... não tem novidade nenhuma. Quer dizer, a novidade é que ela não me respondeu mais. Já faz um mês que entreguei minha carta para você enviar para ela, precisamente na semana do Natal, lembra?

Ouvi um barulho de descarga ao fundo e deduzi que Jim havia se abrigado no banheiro do pub para conseguir conversar ao telefone sem muito ruído. Jim ficou em silêncio por alguns segundos e depois soltou:

- Ihhhhhhh bro... acho que sei por que ela não respondeu você...

- Vocâ acha que sabe? Então me diz qual a sua suposição? – Indaguei intrigado.

- Meu irmão.... meu irmãozinho... Mano...

Então a ficha caiu. Ele estava com essa enrolação toda por que certamente não enviou minha carta. O sangue foi subindo até a cabeça e não consegui conter o tom nervoso em minha voz.

- Cara, eu não tô acreditando. Sério, não acredito que você não enviou minha carta!

- Caaaaalma mano, foi mal.... é que tava rolando uma festinha no meu apê, veio uma galera, você sabe, Mark, Simon, umas garotas... estava todo mundo meio ‘aleeeegre’, a carta tava lá em cima da mesa... alguém derramou cerveja em cima dela. Brother, eu juro que tentei salvá-la, mas ela nãooo resistiu.  

Fiquei mudo no telefone, mais irritado do que eu poderia imaginar que eu ficasse. Tentei lembrar em que momento do “tô confuso, preciso conversar como meu amigo” a coisa se transformou de tal maneira que agora eu estava possesso, magoado, porém menos confuso quanto ao destino do meu “relacionamento” por correspondência com Ally.

Inventei uma desculpa qualquer para desligar o telefone.

- Cara, eu preciso desligar, vou dormir.

Foi tudo que consegui responder para Jim antes que eu começasse a falar grosserias. Desliguei o telefone e me joguei na cama, sem acreditar em quão absurdo meu amigo conseguia ser.

Agora está tudo claro. A essa altura a garota deve estar com ódio mortal de mim por que não respondi sua carta, por que não provei que eu era eu de verdade! Fantástico. No mínimo ela deve estar achando que eu sou uma fraude e que não respondi por que não tinha como provar que eu era Roger Peterson. Eu.Vou.Matar.O.Jim!

Então, em um ato totalmente impulsivo, vasculhei a bolsa do meu notebook em busca da última carta de Ally, que tinha levado comigo para reler nas horas vagas, peguei meu celular e tirei uma foto minha com o envelope azul cobrindo o rosto, deixando apenas os olhos à mostra. Era perfeitamente possível comprovar que era eu na foto. Quem me conhecia bem, poderia facilmente reconhecer a cicatriz no canto superior do meu olho esquerdo, embaixo da sobrancelha. Será que era esperar demais que ela me conhecesse tão bem?

De qualquer forma, imprimi a imagem na impressora portátil e escrevi apressadamente no verso, como se os minutos ganhos ali compensassem os dias e semanas que ela deve ter esperado por minha resposta.

No breve bilhete desculpei-me pela demora na resposta, enfatizando a estupidez do meu amigo e fazendo a proposta de trocarmos emails para nos correspondermos com mais facilidade e mais rapidez. Talvez eu tenha sido um pouco mais emocional do que deveria, mas não me importava, eu estava realmente ansioso para ter notícias da minha garota do envelope azul.

Dormi com o envelope sobre a cama e no dia seguinte, antes de ir para o set, fui pessoalmente ao posto de correios para ter certeza de que desta vez minha carta seria enviada. Paguei a postagem mais cara, para garantir que a correspondência chegaria até Ally dentro de no máximo três dias úteis. Infelizmente era um sábado, então os dias úteis só contariam a partir de segunda feira. Mesmo assim, fiquei aliviado em saber que pelo menos desta vez minha carta chegaria até sua destinatária. Fui trabalhar ansioso, porém satisfeito.


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Notas finais do capítulo

Gostaram da surpresinha? Estava com saudades de escrever no PDV do Roger. Ele é tão divertido!
O que acharam de todo o drama que rolou nesse capítulo? Bom, pelo menos parece que a partir de agora as coisas irão se ajustar na vida de Ally, não é mesmo?
Por favor, deixem seus comentários. Quero saber o que estão achando desse mar de confusões que é a vida da Ally. =)
Beijos e até o próximo capítulo!