Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 15
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá amigos, a quanto tempo hein?
Bem, tenho boas notícias para vocês: a primeira é que meu paizinho está de volta em casa, graças a Deus. Agradeço a todos pelos pensamentos positivos e pela paciência e compreensão.

A segunda boa notícia é: Eu havia prometido que voltaria tão logo meu pais estivesse bem, e aqui estou eu, uma semana após ele voltar para casa, postando mais um capítulo de CS!

Não tenho palavras para descrever quão difíceis foram esses últimos três meses, nem vou tomar o tempo de vocês com isso.Só quero dizer que senti muita saudade dos meus personagens queridos e dos reviews carinhosos de vocês. Espero que gostem deste capítulo. Tem muita novidade, talvez alguns se surpreendam, mas não se preocupem, tudo tem uma razão de ser!Está escrito nas estrelas. ;)
Não deixem de comentar!
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Vocabulário da Anita:

Saiquinha - doidinha, maluquinha
Deuris - Deus
Ficouris- ficou
Daviris- Davi
Saberis - saber
Seiris - sei
Anoris - ano
Terminaris - terminar
Maris - mar
Afinalris - afinal
Assimris - assim
Meninaris - menina
Entendiris - entendi
Disseris - disse
Lhindo - lindo
Confirmaris - confirma
Consumaris - consumar
Issoris - isso
Achoris - acho
Falouris - falou
Saicow - louco(a), doido(a)
Combinadoris - combinado
Comigoris - comigo
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Trilha sonora do capítulo:True Colors - Glee ( http://www.youtube.com/watch?v=5GzQ2IDzeRE )

Foto do novo personagem [Gustavo - gato rock n' roll]: http://twitpic.com/5ffti7

Não deixem de comentar!
Beijos e Boa leitura!



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Fortaleza – Brasil


Ally PDV


O dia amanheceu frio, úmido e cinza. Assim como na noite passada, quando eu e Davi deixávamos o pub, a chuva não deu trégua, caía pesada, em pingos volumosos que, ao tocar na pele, chegavam a doer.

Acordei um pouco atordoada, sem noção da hora, confusa por causa da escuridão e da chuva. Permaneci quietinha na cama por alguns minutos, com os olhos fechados, concentrada apenas no barulho ensurdecedor da tempestade que lavava a cidade.

Abri os olhos lentamente, espreguicei-me, alongando toda minha musculatura, sentindo aquele alívio gostoso do relaxamento. Percorri com os olhos todos os cantos do meu quarto, era um hábito matinal que eu tinha, e cumpria religiosamente.

Meu quarto é meu refúgio, eu amo cada pecinha decorativa, cada móvel, cada objeto que compõe esse pequeno universo. Não com um amor de posse, e sim pelo que elas significam para mim. Fazem-me lembrar quem eu sou. E olhar para essas coisas todos os dias ao acordar infalivelmente me faz sorrir.

Hoje, especialmente, eu tinha um motivo distinto para sorrir.

Davi... Apertei os olhos e abri um sorriso ainda maior.

Senti alguma coisinha pequena incomodando embaixo da minha barriga. Com uma mão puxei a ponta do tecido, para que a pequena peça saísse de baixo do meu corpo, e só então me dei conta de que se tratava da camisa de Davi. Percebi que havia dormido com ela próximo ao meu rosto, sentindo o cheirinho do perfume dele.

A final da noite passada, quando saíamos do pub, chovia muito forte e eu estava tremendo o queixo de frio, embalada no meu curtíssimo vestido bandage branco, que logo ficou transparente.


Davi imediatamente me ofereceu sua camisa, e antes que eu aceitasse, ele já estava com ela na mão exibindo seu tórax bronzeado.

Não sei se a intenção dele era na verdade me proteger do frio, esconder meu corpo - seminu naquele vestido transparente – dos olhares indiscretos dos caras que passavam na rua, ou se ele queria mesmo era exibir seu corpo malhado. Talvez as três coisas. Tanto faz. Eu estava com tanto frio que aceitei a oferta na hora, antes que ele mudasse de idéia.

Se eu não estivesse com aquela camisa em mãos, sentindo o cheiro do perfume dele, que permanecia entranhado nas fibras do tecido de algodão, não acreditaria no que aconteceu na noite de passagem do ano. Mas foi real. É real!

Inalei profundamente o cheirinho cítrico e amadeirado na camisa do Davi, enchendo meu coração de uma satisfação que parecia de uma criança que acabou de ganhar o melhor presente de Natal. Este ano meu presente de Natal veio atrasado, e, talvez por isso mesmo, tenha sido tão mais especial.

Rolei no colchão e estendi a mão até o criado-mudo, tateando até alcançar o relógio.

“Duas da tarde...???”

Exclamei pulando da cama. Não conseguia acreditar que tinha dormido até tão tarde. Mesmo tendo passado a noite inteira na balada, acordar nesse horário para mim era inédito.

Como era o primeiro dia do ano - e eu havia começado o ano muito bem – decidi não me preocupar com horários e simplesmente curtir o tempo gostoso de chuva e dar uma geral em meu quarto, eliminar coisas inúteis, jogar fora papéis que não têm mais importância, separar roupas e outros objetos para doação e só então fazer minha lista de resoluções para o ano que se iniciava.

Era uma pequena tradição que eu havia criado, sempre no primeiro dia do ano meditar sobre minha vida, sobre meus planos para o futuro e sobre minhas relações com as pessoas. Depois dar uma passada na praia para um banho de mar. Esse é o único dia do ano em que eu sentia vontade de mergulhar no mar. É como se a água levasse tudo o que não me serve mais, todos os sentimentos que não me fazem bem e renovasse a energia vital que flui pelo meu corpo. Era uma espécie de ritual que eu gostava de cumprir sozinha.

Este ano não seria diferente. Mesmo com essa tempestade, decidi que daria meu mergulho.

Troquei de roupa e comecei pelo guarda-roupa. Estava abarrotado de roupas e acessórios que não me servem mais. Algumas coisas eu simplesmente não conseguia me desfazer, mesmo sabendo que nunca mais as usarei, sentia um apego inexplicável por elas. Porém, este era o dia certo para dar um destino a elas, doá-las a alguém que fizesse melhor uso e que com certeza precisava mais delas do que eu.

Manter a energia fluindo. Os chineses acreditam que guardar objetos quebrados ou sem usá-los impede que a energia vital circule pelos ambientes, trazendo assim atraso à vida das pessoas que habitam o local. Meu lado místico acreditava plenamente nessa filosofia.

Alguns itens especificamente me traziam memórias de momentos felizes – por esses eu nutria um carinho especial e sempre dava um jeito de pôr de volta no armário, sempre com a desculpa de que poderia algum dia precisar deles. Já outros despertavam recordações amargas, as quais eu fazia questão de esquecer e passar adiante.

Muitos desses momentos estavam relacionados ao Davi. E era engraçado agora pensar nele e não sentir aquele peso no coração, que já havia se tornado uma companhia constante para mim. De agora em diante esse sentimento não faria mais parte da minha vida, ficou apagado nas páginas da minha história, como um livro antigo esquecido nas últimas prateleiras de uma biblioteca.

O telefone tocou em cima do criado mudo. Era Anita, e pelo tom de voz, pretendia conversar por horas a fio. Mas eu precisava finalizar o que comecei para ver se ainda dava tempo dar um pulinho na Praia do Futuro para dar meu mergulho.

- Fala saiquinha!

- Amiguinharis conta tudoris agora! – Falou com uma voz estridente.

Sorri balançando a cabeça e suspirei exasperada.

- O que você quer saber especificamente?

- O que eu quero saberis? Tudoris ora mais! Você ficouris mesmo com o Daviris? Ai meu Deuris não tô acreditandoris! A gente precisa de uma reuniãoris urgente!

- Fiquei... também não estou acreditando – respondi com a voz arrastada, abrindo um sorriso ainda maior que antes, e continuei – Hum, é, prefiro conversar sobre esses assuntos pessoalmente mesmo. Mas não posso agora, estou arrumando meu quarto.

- Eu seiris! Todo anoris é a mesma coisaris. Já tá perto de terminaris?

- Err, sim. Mas você sabe, tenho que...

- Dar seu mergulhoris no maris. Eu sei! E depois disso tudoris, podemos nos encontrar afinalris?

Recostei-me na bancada, cruzando os pés e fitando a camisa do Davi sobre a cama. De repente me ocorreu que, já que teoricamente estamos – isso soa muito estranho – namorando, talvez ele tenha algum plano para nós dois, me ligar, vir aqui, e agora?

Senti um friozinho na barriga, relembrando os acontecimentos e respondi francamente.

- Sabe o que é... é que, bem... não sei quais são os planos do Davi. Quer dizer...

- Vocês já estão assimris é? Hummm...– Anita replicou com um tom de deboche que me deixou ainda mais sem graça.

- Para com isso! Eu não sei como agir. Ontem nós, digamos, nos acertamos. – Mordi a bochecha por dentro, lembrando das palavras de Davi.

“...Quer dizer que você sempre foi minha, e agora estamos apenas consumando isso.”


Espera aí, ele não disse com todas as letras que “estamos namorando”! De repente uma onda de pânico tomou conta de mim, um medo de ter sido enganada, de ele desistir de tudo e voltar atrás, alegando que não afirmou explicitamente nosso compromisso.

- Ai meu Deus. Será? - Encolhi os ombros e suspirei ao telefone com a voz um pouco chorosa, mais pensando alto do que mesmo falando. Mas Anita ouviu.

- O que foi meninaris? – Exclamou preocupada.

- É que, bem... até agora eu achei que estávamos namorando. Mas ele não disse isso com todas as palavras. Agora não sei o que pensar! O que eu faço?

- Ah, entendiris... mas como foi exatamente que ele disseris?

- Ele disse algo como “você sempre foi minha e agora estamos apenas consumando isso”.

- Ai que lhiiindo!

- Anita, foco, por favor.

- Desculparis! É que estou tão feliz de ver vocês juntoris.

- Bem, tecnicamente você não nos viu juntos. E agora não sei mais se verá. Esse é o problema. – Suspirei desanimada.

- Amiguinharis, minha teoria se confirmaris: Daviris sempre gostou de você. E esse lance de ‘consumaris que você é dele’ e blá blá bláris, para mim significaris que a partir de agora, ele pode afirmar issoris com propriedade. Achoris que ele falouris do jeito dele que vocês estão namorandoris sim!

- Será? – Insisti, não muito convencida pela explicação da minha amiga.

- É claro sua saicow!

- Enfim, não sei como as coisas serão daqui para frente, enquanto ele não tocar no assunto, vou continuar como sempre fui, não vou ficar namorando sozinha. Então, pode confirmar com as meninas nosso encontro mais tarde, às sete aqui em casa, combinado?

- Combinadoris! Deixa comigoris, eu falo com as meninas.

E desligou o telefone entre gritinhos e risadas fanhas.

Voltei para minhas arrumações procurando ser o mais rápida possível para poder chegar à praia antes de anoitecer. Procurei não ficar matutando sobre minha mais nova hipótese absurda para não me afligir por causa de conjecturas.

No final das contas, depois de finalizar a arrumação do quarto, eu me sentia mais leve, como se tivesse feito uma faxina em minha alma junto com a limpeza dos armários. Coloquei cada sentimento em seu devido cantinho, fiz planos para os próximos meses – alguns deles considerando a possibilidade de incluir Davi – e até alguns planos a longo prazo. Dentre eles, uma nova viagem.

Deu aquele friozinho na barriga e senti uma beliscada no coração quando pensei em viagem, claro, por que automaticamente lembrei de Londres, que automaticamente me fez lembrar ‘dele’.

Roger...

Senti outra beliscada no coração, mas sacudi a cabeça para evitar que esses pensamentos me conduzissem àquele lugarzinho triste e frio, aquele lugar da insegurança, incerteza e frustração.

Troquei de roupa e corri para a cozinha, para pegar a chave do carro. Trombei com minha mãe no caminho até a porta. Ela quis saber como foi minha noite de réveillon, mas que bom que eu tinha a desculpa da pressa, para não precisar explicar os últimos acontecimentos com Davi.

Eu só queria contar para ela sobre ontem depois que tivesse alguma coisa definida entre mim e ele. Sei que não faria mal nenhum compartilhar isso com minha mãe, mas eu não queria criar expectativas sobre algo de que eu não estava cem por cento certa.

Então lhe dei um beijo na bochecha e saí do apartamento sem fechar a porta.

Ao contrário do que eu imaginava, a praia estava bastante movimentada, com muitos turistas e locais curtindo o feriado pós-virada do ano, mesmo com o tempo fechado e depois da chuva pesada que caiu a noite inteira e durante o dia de hoje. Agora caía uma chuva fina, porém incessante. Não havia o menor sinal de que o sol apareceria até o fim do dia.

Havia música por toda parte, misturando ritmos que vinham de todas as direções. Essa mania horrível que as pessoas têm de querer impor seu gosto musical colocando o som no último volume, como se as demais pessoas fossem obrigadas a ouvir o que eles determinam. Sem contar com o som das próprias barracas de praia.

Deixei minha bolsa com toalha, entrada de banho, carteira, óculos, chinelos e outros pertences em um dos armários da barraca e segui em direção ao mar, curtindo o ventinho fresco de fim de tarde, observando o burburinho de pessoas conversando alegremente, tirando fotos, enquanto vendedores passeavam entre as mesas oferecendo seus produtos de origem duvidosa.

Entrei no mar lentamente, deixando a água morna entrar em contato com minha pele aos poucos. Fechei os olhos e inclinei a cabeça para trás, sentindo os pingos suaves da chuva tocando meu rosto.

Limpei minha mente de qualquer pensamento, me entregando à sensação agradável da fluidez da água me cercando por todos os lados. Segui adiante, até que a água ficasse aproximadamente na altura da minha cintura e só então mergulhei de corpo inteiro, molhando meus cabelos.

O mar parecia calmo, como costuma parecer em dias de chuva, mas quando mergulhei, senti uma correnteza vindo por baixo, me arrastando mais e mais para dentro do mar. Virei-me em direção à  praia, com intenção de sair, pois sabia que a maré da Praia do Futuro era bastante traiçoeira. E apesar de eu freqüentar essa praia a vida inteira, nunca costumava entrar na água.

Dei duas passadas com bastante esforço tentando sair da água, mas à medida que eu pisava tentando me equilibrar, a areia sob meus pés se movia, afundando meu corpo mais ainda. Procurei manter a calma enquanto pude, tentando nadar contra a correnteza, mas todos os meus esforços foram em vão. A maré continuava a me arrastar para dentro do oceano.

Comecei a me desesperar e acenar com os braços, gritando por socorro, mas não conseguia ver ninguém por perto. Quanto mais eu mexia os braços e pernas freneticamente, mais cansada ficava, e meu fôlego ia ficando mais curto. Meus pés já não alcançavam mais o fundo. Gritei até que meus pulmões não agüentaram mais o esforço e lentamente meus olhos foram fechando e eu fui perdendo os sentidos.

A próxima coisa de que lembro é de ter despertado engasgada com água, ouvindo vozes ao meu redor e braços em torno do meu corpo. Colocaram meu corpo de lado para que eu botasse para fora a água que havia aspirado. Senti o sal da água queimando minhas narinas e garganta até que não houvesse mais o que regurgitar.

Depois de alguns momentos, abri os olhos lentamente, procurando compreender o que estava acontecendo à minha volta e aos poucos fui lembrando do que havia me acontecido.

Meu olhar focou em uma figura familiar, que me fitava atentamente com uma expressão de preocupação. Seus lábios se moviam em câmera lenta e sua voz soava distante em meus ouvidos.

- Você está bem? Por favor, acorda. Está tudo bem, ok? Você está a salvo.

Tossi mais algumas vezes, respirei fundo, pisquei os olhos apertando com força para só então abri-los e focar novamente na figura que me abraçava, naquele rosto que me estudava apavorado. Era o gato rock n’ roll. Me engasguei e tossi novamente para só então abrir a boca para falar.

- Er... estou bem, eu acho. O que aconteceu? - Indaguei confusa. – Você... o que você está fazendo aqui? Eu conheço você.

Desvencilhei-me dos braços do gato rock n’ roll e sentei-me com as pernas dobradas, abraçando os joelhos.

- Oi! – Ele sorriu sentando-se ao meu lado. Só então percebi que estávamos em uma área gramada da barraca de praia, era coberto e a chuva havia intensificado desde quando eu havia entrado no mar.

 – Graças a Deus você está bem! – Ele continuou – Fiquei assustado quando achei você inconsciente no mar. O que aconteceu?

- Inconsciente? Ai meu Deus. Minha mãe não pode nem sonhar com isso!

Esfreguei os olhos com as pontas de uma toalha com a qual eu estava enrolada, e que eu não fazia idéia a quem ela pertencia. Provavelmente do meu salva-vidas.

- Eu estava apenas dando um mergulho. Não pretendia ir tão longe. Mas a maré estava muito forte, e quando menos percebi, não conseguia mais tocar o fundo e... bem o restante você pode explicar melhor. Como fui parar nos seus braços?

Ele cruzou as pernas em posição de meditação, exalou pesadamente e respondeu com a voz calma.

- Eu estava surfando perto de onde você estava. Você teve sorte. Quando lhe vi de longe, você estava se debatendo, então nadei até lá, mas quando cheguei perto você já estava desacordada.

- Nossa, nunca pensei que algum dia fosse passar por uma situação dessas. Eu só entro no mar uma vez por ano. Que ironia!

Sorri voltando meu rosto em sua direção. Só agora, estando tão próximo pude perceber como ele é lindo. Todas as linhas do seu rosto em perfeita harmonia, aquela beleza clássica masculina. Queixo proeminente com uma leve depressão, boca bem desenhada, nariz reto e afilado e os olhos de um azul profundo emoldurados por sobrancelhas grossas e escuras. Pele bronzeada de quem freqüenta a praia assiduamente.

Prendi a respiração por alguns segundos, com o olhar parado, fixado nos olhos dele. Ele interrompeu minha contemplação descarada exclamando impressionado.

- Você está brincado? Você só entra no mar uma vez por ano? Nunca ouvi algo tão absurdo na vida!

E quando eu pensava que ele não conseguia ficar mais bonito, ele abriu um sorriso tão encantador que eu quase suspirei.

“Criatura se controle! Você já esteve perto de Roger Peterson, vai ficar hiperventilando diante de um cara qualquer que conheceu na praia?Quer dizer, teoricamente conheci na praia. Alicia Curtis você é patética.”


Me recompus depois do pequeno sermão do meu alter-ego e respondi retribuindo o sorriso.

- É verdade. Não sou muito fã de praia, sol, mar... mas mantenho essa pequena tradição de todos os anos vir dar um mergulho no primeiro dia do ano. É uma coisa minha sabe, uma forma de lavar a alma, como se o mar fosse levar todos os meus problemas, e... Eu já to falando besteira. Deixa pra lá...

Sorri sem graça, quebrando o contato visual. Aqueles olhos azuis estavam me hipnotizando, eu não conseguia raciocinar direito olhando para eles.

O gato me fitou com uma expressão concentrada, como se estivesse levando a sério o que eu estava falando e replicou, me incentivando a continuar:

- Não, não é bobagem, acho legal isso. Você parece ser uma pessoa bem mística. Estou certo?

- É, digamos que sim. – Sorri ainda sem graça – Mas vamos deixar esse papo para depois. Preciso ir para casa, tenho um compromisso.

Apoiei as mãos na grama me preparando para levantar, mas ele segurou meu braço suavemente e pediu:

- Espera! Você nem me disse seu nome. Essa não é a primeira vez que nos encontramos. Nunca nos apresentamos apropriadamente e, pelo que me lembro, da última vez que nos encontramos, bem, você me deixou falando sozinho.

E fez uma carinha de ofendido que eu quase deixei escapar um “Ôooo coitadinho”.

“Ops, ele ficou chateado por causa do nosso encontro no Órbita, quando Davi se meteu entre nós e me levou para longe sem deixar que trocássemos ao menos um ‘boa noite’.”


Fiquei ainda mais sem graça, e de repente me bateu uma dor na consciência por estar flertando descaradamente com o mesmo cara de quem Davi ficou com ciúmes na noite passada.

- Err... desculpa, você tem razão. Eu nem agradeci também por você ter me salvado. Como eu sou mal-educada e atrapalhada!

- Tudo bem. Vamos começar de novo. Primeiro, não há de quê. Eu faria o mesmo por qualquer pessoa e é claro que não deixaria você partir para o outro plano sem saber primeiro seu nome.

- Alicia. Ally. – Sorri estendendo a mão para ele.

- Prazer, Ally. Eu sou Gustavo.

- Prazer Gustavo. E obrigada por salvar minha vida. Agora que nos apresentamos apropriadamente, está na hora de ir embora.

Eu estava começando a ficar nervosa, não queria causar uma impressão errada, e era fato que eu estava completamente encantada não só pela beleza óbvia do cara, mas também por sua gentileza e bom humor. Precisava acabar com a brincadeira antes de criar outra situação constrangedora.

- Calma, olha só, você ainda está um pouco confusa por causa do afogamento, você veio sozinha? Está de carro?

- Sim e sim.

- Então, você não pode voltar para casa dirigindo em um estado pós-traumático.

- E você por acaso é profissional da área para fazer esse tipo de restrição? – Questionei ironicamente, cruzando os braços.

- Não, mas parece uma coisa óbvia, você não acha?

- Hum, talvez você tenha razão. Mas enfim, o que você sugere? Eu preciso voltar para casa o mais rápido possível.

- Tudo bem, eu compreendo sua pressa. Mas você não acha muita coincidência nos encontrarmos por acaso tantas vezes?

- Essa cidade é um ovo. Todo mundo se encontra em todo lugar.

Inclinei a cabeça para o lado, cética.

- Para mim isso parece mais obra do destino. Alguma força maior está cruzando os nossos caminhos, mas sempre um terceiro fator aparece para interromper. Você poderia deixar as coisas fluírem um pouco. Relaxar. Olha como você está tensa!

- Eu não estou tensa!

- Está sim. Deixa eu levar você para casa. Eu dirijo seu carro, até sua casa, depois pego um ônibus de volta para cá.

- Você tá louco? Como vai voltar de ônibus com uma prancha de surf?

- Ah então você concorda comigo! E as pessoas andam sim de ônibus com pranchas de surf. Nem todo mundo tem carro.

- Tá, tudo bem. Eu não sei por que estou confiando em você, mas você salvou minha vida, merece um pouco de crédito.

Ele sorriu e ergueu-se rapidamente, estendendo a mão para me ajudar a levantar em seguida.

Pegamos minhas coisas no guarda-volumes e fomos até meu carro. Fiquei observando, coberta com sua toalha, me protegendo dos pingos de chuva e pensei:

“Eu só posso ter bebido muita água salgada para deixar um desconhecido pegar meu carro e me levar para casa. Como Davi reagiria se soubesse disso?”


Enquanto isso, Gustavo com toda desenvoltura pegou a chave, abriu o carro e rapidamente encaixou a prancha enorme entre os bancos do motorista e do passageiro, colocou minha bolsa no banco de trás e só então abriu a porta do passageiro para eu entrar.

Seguimos em direção à minha casa conversando animadamente, como se nos conhecêssemos a vida inteira. Trocamos figurinhas sobre nossas bandas favoritas e Gustavo quase seqüestrou meu porta CDs quando viu a coleção completa do Metallica. Eventualmente ele soltava uma cantada, mas eu sempre me saía dando alguma resposta engraçadinha.

Ao chegar ao meu prédio, insisti que eu já estava bem, que podia deixá-lo de volta na praia, ou em sua casa, mas ele não aceitou. Então sugeri que ele deixasse sua prancha comigo e insisti para pagar o táxi até seu apartamento, já que ele não morava muito longe dali.

É lógico que ele aceitou na hora, achando que minha sugestão de ficar com a prancha era uma desculpa para nos vermos novamente. Para falar a verdade, nem eu mesma sabia se era, mas preferi deixar claro que não tinha nenhuma segunda intenção e que, já que ele sabia meu endereço, não precisávamos trocar telefones.

Para minha sorte ele facilmente concordou, prometendo voltar no fim-de-semana seguinte para buscar sua prancha, já que no dia seguinte voltaria ao trabalho, depois do recesso de fim de ano.

Subi carregando a prancha enorme muito desajeitadamente, e segui até meu apartamento pelas escadas, para não precisar encaixá-la dentro do elevador. Minha cabeça estava em parafuso depois dessa virada completamente inesperada no meu simples mergulho de início de ano.

Ufa!

Encontrei meu apartamento calmo e silencioso como sempre. Apenas um ruído de videogame vinha do quarto do meu irmão.

Caminhei toda desajeitada por entre a mobília da sala, fazendo malabarismos segurando aquela prancha enorme do Gustavo de um lado e minha bolsa de praia do outro, além da toalha pendurada em meu ombro. Por questão de milímetros salvei de um fim trágico e precoce uma escultura de argila que minha mãe havia comprado na feira de arte.

 Por alguns minutos lutei com todos esses objetos em minhas mãos diante da porta do meu quarto até conseguir alcançar a maçaneta. Porém, antes de atravessar a soleira, fui surpreendida por Max, que abruptamente abriu a porta de seu quarto, vizinho ao meu.

Quase joguei tudo que segurava no chão quando tentei conter o grito e o sobressalto, tamanho foi o susto que tomei. Pela minha reação exacerbada, parecia até que eu estava fazendo algo escondido.

De certa forma estava tentando esconder algo sim, não queria que ninguém soubesse do meu afogamento patético. Gustavo tinha razão, esse acidente só podia ter alguma razão maior para acontecer, apesar de eu não saber o que era. Sei que ele estava mesmo era jogando uma cantada barata, mas fiquei tão impressionada quanto ele com a coincidência dos nossos encontros. Ele sempre aparece no meu caminho, e de alguma forma me ajuda, mesmo sem saber.

Não queria pensar nele como um possível pretendente. Ele é lindo, legal, realmente parecia ser um cara bacana que merecia uma chance. Eu realmente me sentia atraída por ele – quem não se sentiria?

Mas eu não queria bagunçar meu lance com Davi, que mal teve chance de desabrochar e se definir como “alguma coisa”.

Max me olhou dos pés à cabeça com uma cara de espanto, como se estivesse vendo um daqueles monstrinhos do M.I.B., pigarreou e perguntou com um sorriso debochado:

- Desde quando a senhora ‘frescura’ é adepta do surfe? Tá aprendendo a surfar é? Era só o que faltava...

Fuzilei-o com o olhar, mas minhas caras de ameaça no máximo conseguem arrancar risadas das minhas vítimas, então relaxei e respondi indiferente.

- Não, você tá louco? Você sabe que não gosto de sol, praia, areia, mar, essas coisas todas.

Ele ergueu uma sobrancelha, não muito convencido e replicou entre risadas.

- Se você estivesse olhando para você mesma agora, pensaria o mesmo que eu.

- Ué, por que?

- Você tá toda fantasiada de ‘garotinha da praia’, de biquíni, com prancha de surfe e tudo mais. Fala logo o que você anda aprontando.

Estendeu o braço e tirou a toalha do meu ombro jogando-a em minha cabeça.

- Mas você é muito moleque mesmo né? Vai procurar o que fazer, Max! – Exclamei começando a ficar irritada.

- Sério mana, de onde você tirou essa prancha desse tamanho? Nem é o tamanho adequado pra você, sua tampinha.

- A prancha não é minha mesmo... – Desviei o olhar e torci o canto ta boca. Achei melhor abrir o jogo logo com ele, antes que nossa mãe aparecesse e a coisa se transformasse realmente em um problema – É de um amigo meu.

- Sim, mas por que você trouxe essa prancha pra casa?

- É que... olha só, vou contar para você, mas você tem que jurar que não vai falar para a mamãe. Não quero deixá-la preocupada, afinal já passou e tá tudo bem agora.

- Prometo. Mas o que tá pegando?

- Fui dar um mergulho na Praia do Futuro. Daí estava chovendo, eu estava sozinha, a correnteza estava forte e... eu acabei me afogando.

Olhei para o chão com vergonha e fiquei quieta esperando a reação do meu irmão boboca.

- Hahaha, é claro que você tinha que se afogar né, só vê a cara do mar uma vez por ano!! Você tá louca? O que você tava pensando? O mar da Praia do Futuro é conhecido como traiçoeiro, só entra lá quem tem muita experiência, surfistas e tal. Como você é bocó, mana, fala sério.

- Obrigada, seu idiota!

- Tá, desculpa. Agora falando sério, quando você quiser dar seus ‘mergulhos de começo de ano’, me avisa faz favor, eu vou com você. Não estou a fim de ser filho único.

- Ok, obrigada por sei lá o quê. Mas não vai contar para a mamãe, viu?

- E de quem é essa prancha afinal?

- É do surfista que me salvou. Ele veio até aqui dirigindo o carro por que eu ainda estava meio tonta. Ofereci para ficar com a prancha dele, por que ele teve que voltar pra casa de táxi. Foi isso. Depois ele vem buscar, não se preocupe.

- Mas...

- Tchau Max, preciso de um banho agora. E por favor, fique de bico calado.

- Beleza, maninha!

Cara, eu detesto esse jeito debochado do meu irmão, que saco! Ele nunca me leva a sério.

Deixei a prancha do Gustavo em pé, escorada entre o móvel da TV e a parede, joguei minha bolsa com celular e outras coisas na cadeira, liguei o som nas alturas e me mandei para o banho. Ainda era cinco e meia da tarde, tinha tempo o suficiente para tomar um longo banho relaxante com água morna, lavar os cabelos para tirar o sal, depois me besuntar de hidratante e me arrumar para a reuniãozinha com as meninas.

Eram seis e meia quando finalmente fiquei pronta. Fui até a cozinha pegar as coisas para pôr a mesa enquanto minhas amigas não chegavam. Não faríamos nada muito sofisticado, mas precisávamos do básico como copos, pratos, talheres, guardanapo, etc.

Ísis saiu de seu quarto toda arrumada, foi até onde eu estava e me ajudou a arrumar as coisas sobre a mesa de jantar.

Ela viu que eu também estava arrumada, então perguntou confusa:

- Querida se você vai sair conosco para jantar, por que está preparando a mesa?

- Não mãe, vou jantar em casa, é que as meninas vêm para cá. Vamos pedir uma pizza, nada demais.

- Ah, que pena. Faz tempo que você não sai comigo e com seu irmão. Da próxima vez a prioridade é minha, ok?

- Tudo bem, obrigada pela ajuda.

Ela despediu-se com um tapinha em meu ombro exatamente quando Max veio de seu quarto pronto para sair também. Lancei-lhe um olhar significativo, reforçando que ele não deveria tocar no assunto do afogamento com nossa mãe.

Alguns minutos depois que eles saíram, a campainha tocou. Era Helena, Anita e Daisy, as três vieram juntas e já chegaram falando ao mesmo tempo e me abraçando e fazendo festa como se fosse meu aniversário.

Sentamo-nos em torno da mesa de jantar, e decidimos, antes de começar qualquer assunto polêmico, escolher o sabor da pizza e pedir logo nosso jantar. Mal desliguei o telefone e começou o bombardeio de perguntas.

- Agora conta tudo! – As três falaram quase em uníssono, com as mãos no queixo e cotovelos sobre a mesa, me estudando como se fossem investigadoras e eu uma testemunha de algum crime chocante.

- Calma gente, espera, deixa eu lembrar... – Olhei para o teto tentando pôr minhas memórias em ordem e lembrar exatamente como tudo começou.

Descrevi detalhadamente todos os acontecimentos da noite que consegui lembrar, respondendo pacientemente as perguntas descabidas das minhas amigas. Lógico que Anita não me poupou de perguntas embaraçosas, mas graças a todos os santos, Helena acabava distraindo o assunto com outra pergunta. Ela me fitava com seus olhos ternos, sentindo meu embaraço, afinal Daisy estava entre nós, e por mais que fôssemos melhores amigas e não escondêssemos nada – ou quase nada – umas das outras, Davi era seu irmão.

Eu me sentia completamente embaraçada em falar certos assuntos diante dela, e percebia que ela se sentia desconfortável também. Então, com a ajuda de Helena, atualizei todo mundo sobre minha noite de réveillon.

Cada uma de nós contou as novidades das últimas vinte e quatro horas e, justo quando fui comentar sobre minha experiência de quase-morte-ressurreição nos braços do gato rock n’ roll, das coincidências, da carona para casa, da prancha, a campainha tocou. Eu já estava mesmo morrendo de fome, então interrompi o assunto e corri para abrir a porta e receber nosso delivery.

Peguei o dinheiro rapidamente em minha bolsa, as meninas insistiram em contribuir, cada uma pagando partes iguais do valor do nosso pedido, e segui até a porta.

Senti um formigamento pelo corpo inteito quando abri a porta e dei de cara com Davi, que nem disse boa noite e já foi entrando no apartamento perguntando aborrecido, com aquela delicadeza típica dele:

- Alicia por que você não atende a droga do seu celular?

Fiquei imóvel diante dele, sem piscar os olhos e sem conseguir proferir uma única palavra. Não esperava que ele fosse aparecer na minha casa atrás de mim, muito menos me tratando daquela forma.

Olhei para minhas amigas, uma a uma na mesa de jantar, todas estavam com a mesma cara de surpresa que eu, como se houvesse uma grande interrogação desenhada nos seus rostos.

Tentei balbuciar alguma coisa, mas não consegui falar nada, sentei no sofá e olhei para Davi atordoada, esperando que ele explicasse o por que dessa invasão abrupta.

Daisy percebeu logo o clima que se formou, e tratou de se levantar, pegar suas coisas e ir puxando Helena e Anita pelas mãos, discretamente convidando-as para ir embora. Ouvi sua voz baixinho dizendo:

- Acho que vocês dois precisam de privacidade para conversar. Ally, a gente se fala depois.

Assenti com a cabeça, engolindo em seco, sem saber se preferia conversar com Davi na presença das minhas amigas – pelo menos elas poderiam intervir caso ele dexe um xilique daqueles – ou se preferia conversar o que quer que fosse a sós com ele.

Ao ouvir o som abafado da porta se fechando, Davi se aproximou e sentou, ou melhor, deixou o corpo cair ao meu lado no sofá da sala de estar, passando um braço por trás do meu ombro.

- Desculpa... – Me encarou timidamente, formando um vinco entre as sobrancelhas – Acho que exagerei um pouco. Mas é que você não atende seu celular, pô! Liguei a tarde inteira...

Encarei-o de volta, suspirei pesadamente sem mover um músculo em sua direção e indaguei:

- Devo interpretar isso como “Fiquei preocupado por que tentei falar com você e não consegui. Onde você estava que não atendeu o telefone?” ?

Davi encolheu-se, depois envolveu meu ombro com os braços e beijou minha bochecha dizendo:

- É mais ou menos isso. Você sabe como eu sou, não falei por mal.

- Tudo bem, eu sei como você é. Mas não acho que eu mereça ser tratada daquela forma. Aliás, ninguém merece.

Davi percebeu o tom repreensivo em minha voz e desculpou-se novamente.

- Tudo bem, me desculpa. Vou tentar me controlar da próxima vez. Mas por que você não atendeu seu celular? Passei o dia inteiro tentando falar com você, poxa.

- Desculpa... – Dessa vez eu que me encolhi em seus braços – acordei tarde, depois fui arrumar minhas coisas. Nem percebi o celular tocando. Depois fui à praia e deixei o celular dentro do guarda-volumes e...

Ele afastou-se de mim, encostando-se no sofá e questionou:

- Pois é, que história é essa de mergulho? Você se afogou Alicia?

- Quando você chama meu nome assim, me sinto uma criança. – Murmurei tentando mudar de assunto.

- Responde! Que história é essa de afogamento? Se você tivesse atendido o celular, eu teria ido com você à praia e não teria deixado você se afogar!

- Como você sabe que eu me afoguei? O idiota do Max não sabe manter aquela matraca fechada. – Resmunguei vencida – Ai meu Deus, mas você não foi ligar para ele para saber de mim não é?

Me bateu um pânico, como meu irmão e minha mãe reagiriam se soubessem do que está acontecendo entre mim e Davi, logo após descobrirem sobre o afogamento? Não acredito que Davi abriu o bocão justo para o meu irmão! Tudo bem  que eles são melhores amigos, mas ele tinha que me consultar para saber minha opinião antes de tudo.

- Na verdade eu liguei para saber de você mesmo, mas inventei uma desculpa qualquer. E foi aí que ele disse que achava que você estava de paquera com o surfista que salvou você de um afogamento! Que papo é esse de afogamento? E quem é esse surfista?

“Agora eu me ferrei de vez! Vou jogar a porcaria do videogame do Max pela janela, aquele boboca de carteira assinada!”


Limpei a garganta, endireitei-me no sofá e respondi procurando ser o mais sucinta possível, para encerrar logo o assunto.

- Ah... eu só fui à praia dar um mergulho rápido, depois ia  voltar para casa pra encontrar as meninas. Daí a correnteza estava forte, me puxou e um surfista que estava perto percebeu que eu estava me afogando e me ajudou. Foi isso.

Relaxei o corpo no sofá, olhando para Davi com um ar quase infantil, de criança quando faz alguma danação.

- Sim, e por que o Max disse que você estava de paquera com esse tal surfista? Quem é esse cara?

- Ah, o Max é um maluco, não faço idéia de onde ele tirou isso! – Respondi fazendo pouco caso, e mais uma vez tentei mudar de assunto, não estava afim de discutir. Estava mais preocupada em definir nossa situação.

Pensando bem, se ele passou o dia inteiro me ligando e agora está todo com ciúmes do ‘surfista’, acho que ele também levou nosso lance a sério. Espero que sim. Mas ele não pode descobrir nunca que o surfista é o mesmo cara que estava falando comigo ontem no Órbita quando ele apareceu.

- Você não pretende contar para o Max sobre... hum, sobre ontem... errr, sobre nós, não é?

- Nem pensei sobre isso. Mas por que você não quer que ele saiba? Qual o problema? Você quer namorar escondido da sua família?

Meus olhos se iluminaram quando ele disse isso, sorri timidamente e encarei-o com uma cara boba, completamente apaixonada.

- E nós estamos... quer dizer, estamos mesmo namorando?  - Senti um calor nas bochechas, com certeza estavam da cor de um tomate.

- E não foi isso que combinamos ontem? Você mudou de idéia? – Davi inclinou a cabeça para o lado confuso.

- Não! – Respondi rápido, exalando pesadamente – É que não dissemos as palavras claramente. Fiquei com umas idéias na cabeça, daí achei melhor ficar quieta, esperar você fazer alguma coisa.

- Quer dizer que se eu não tivesse vindo aqui atrás de você, ficaria por isso mesmo?

- Hum... – Encolhi-me no sofá – provavelmente sim.

- Ally! Você é incorrigível. Depois eu que sou o orgulhoso cabeça dura.

- Mas é que, você sabe, eu já sofri um bocado. Não queria criar expectativas,entende?

- Sinceramente, não. Mas deixa para lá. Vem cá...

E aproximou-se de mim, me aninhando em seus braços e beijou minha cabeça ternamente.

- Eu já estava com saudades de você, de te beijar...

Meu coração disparou, senti o corpo inteiro ficar adormecido, uma adrenalina como se eu estivesse prestes a entrar em uma montanha russa. Era tão bom poder ficar assim perto dele, poder beijá-lo quantas vezes e do jeito que eu quisesse. Sempre que eu lembrava os anos que passei desejando poder fazer isso, eu valorizava mais cada minuto perto do meu Davi.

Envolvi meus braços em torno de seu pescoço e beijei-o ternamente, sem pressa, quase em câmera lenta. E Davi retribuiu o beijo com a mesma ternura, envolvendo minha cintura, acariciando minhas costas enquanto explorávamos um ao outro, experimentando diferentes toques, diferentes formas de beijar, nos conhecendo de uma forma que nunca havíamos conhecido ao longo dos anos em que nos conhecemos.

Dizem que quando se está com a pessoa de quem gostamos perdemos a noção de tempo e espaço. Que a única coisa na qual conseguimos pensar é em aproveitar ao máximo a presença de tal pessoa.

Foi isso que aconteceu. Simplesmente ficamos ali no sofá da minha casa por horas, conversando, nos abraçando, beijando, medindo os tamanhos das nossas mãos, descobrindo um ao outro, programando nossos encontros seguintes, vendo filmes na TV até que adormecemos no sofá, Davi de costas, e eu no cantinho do sofá, deitada sobre seu peito, envolvendo sua cintura com o braço.

Nunca tinha sentido algo tão gostoso, como se tivesse encontrado um lar nos braços do Davi.

Em meio ao meu sono tranqüilo, ouvi um “Hum Hum” muito alto e real, não parecia sonho. Abri os olhos lentamente e minha visão repousou nas figuras de minha mãe e Max de pé, diante de nós, ambos com as mãos nos quadris e olhos inquisidores, exigindo uma explicação para a cena que estavam testemunhando em plena sala de estar do nosso apartamento.   


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Notas finais do capítulo

E então pessoal, o que acharam desses acontecimentos malucos pós-réveillon? Finalmente o Gato Rock 'n Roll se apresentou né? O que acharam do rapaz?E como deve estar a cabeça de Ally agora? Deixem suas opiniões, quero muitos reviews, estou com saudades!Beijos,Alê