Umbrellas Secret escrita por Pedro_Almada


Capítulo 4
Delinqüente




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Delinqüente

3 de agosto de 2001

 

            O ano na escola de Houston High School começou de forma um tanto quanto turbulenta. Os alunos buscavam seus espaços, cada um em seu conhecido grupo. Assim vivia aquele mundo estranho de jovens em transição, divididos em tribos impostas por eles mesmos e, haveria uma etapa em suas vidas, provavelmente na fase adulta, em que se perguntariam onde raios estavam com a cabeça quando decidiram fazer isso.

            Embora a segregação fosse algo comum e natural na selva acadêmica, isso não impedia de haver uma certa “mobilidade estamental” de tempos em tempos. Bree, melhor do que ninguém sabia disso.

            Sua beleza e inteligência lhe concederam um amplo espaço nesse mundo dividido. Tinha o seu green-card para qualquer grupo, e sabia que seria aceita por qualquer um, a qualquer hora. Curiosamente, a única coisa que a garota queria era ficar com sua irmã.

            - Anne, pensei em sairmos com o pessoal hoje. – comentou Bree.

            Ambas caminhavam juntas pelo pátio da escola, onde adereços e cartazes iluminados com “bem-vindos”’s estavam espalhados por toda parte.

            - O Paul vai? – Anne sussurrou, debochada.

            Bree deu um soco no ombro da irmã.

            - Shh! –Brigitte chiou – Não seja tão dada, Anne! Eu não quero que as pessoas saibam... Que eu ainda me interesso.

            - Irmã, se você continuar assim, vai acabar perdendo o seu garoto.

            - Ele não é meu, Anne. Ele não é de ninguém... E, sim, ele vai com a gente hoje.

            Anne sorriu, vitoriosa, e Bree não pode deixar de rir com a irmã.

            Uma das coisas que provocavam admirações era aquela cumplicidade inexplicável, uma relação de irmãs que poderia estender por longos anos. Brigitte passou a ser os olhos de Anne que, por sua vez, se tornou a consciência da irmã mais velha. Ela sabia como Bree precisava disso.

            - Olha, talvez eu precise decepcionar vocês – Anne exibiu um sorriso desanimado, mas sem nunca perder o brilho em seus olhos sem foco – Estou mais interessada na nova estante de livros que instalaram na biblioteca.

            - Estante? Mas que...

            Bree parou por um segundo, incrédula. Fitou a irmã com os olhos cheios de euforia, mas contendo a explosão.

            - Não vai me dizer que a sua carta fez efeito? – perguntou Bree, aparvalhada – Depois de tanto insistir!

            - Ora, Bree. Você se esqueceu que meu sobrenome é Persuasão? Pois é, consegui, com a ajuda da Sra. Pupkis, uma remessa de livros em braile, didáticos e literários.

            - Garota! Você é um furacão! E teria desistido há muito tempo.

            Bree não se conteve e precisou abraçar a irmã. Riram por alguns minutos, comemorando a vitória. Esse era um intento que Anne vinha lutando por há alguns anos.

            - Eu não quero acabar com esse seu gostinho, então... Você está totalmente liberada do passeio de hoje.

            - Oh, sua generosidade me constrange – caçoou Anne.

            - Boa aula, Oprah – Bree virou-se, rindo.

            - O mesmo pra você, Coco Chanel.

            Anne, com a ajuda de seu bom e velho guarda-chuva vermelho, continuou o tão conhecido percurso até o corredor. Estava ansiosa.

            Primeiro dia de aula. Alguma coisa no dia de hoje promete.

 

                                                *************************

 

            O garoto corria sem olhar para trás. Sabia que os seguranças estavam atrás dele, o que tornava a fuga ainda mais divertida. Para ele, depois de tantos esquives pela polícia, aquilo era fichinha, uma forma de começar com o pé direito o primeiro dia de aula.

            Ainda segurando o sutiã que havia roubado na loja, riu para si mesmo, sentindo-se o rei, inalcançável. Mesmo que o pegassem, ele seria liberado. Não, aquilo não era o suficiente. Teria que pensar em algo melhor. Algo que representasse um desafio ainda maior.

            Avistou, ao longe, a viatura. Estava próximo à Houston High School. O plano, magicamente, se materializara em sua mente calculista. Pulou a cerca de um escritório de advocacia, onde várias palmeiras estavam firmemente plantadas, rodeadas por pedras de granito decoradas com musgos sintéticos. Pensou rápido, ouvindo, de longe, o arfar cansado do segurança gordo que ainda estava em seu encalço.

            Pegou uma das pedras, enrolou-a no sutiã. Saltou a cerca novamente e continuou correndo.

            Normalmente eu não faria isso. Mas não pega bem entrar na escola com um sutiã. O que pensariam de mim?

            Girou o sutiã no ar fazendo um círculo perfeito. Assim que passou de frente à viatura, soltou a alça. A pedra rasgou o ar com um assobio de chicote, estalando ao atingir o para-brisas.

            Múltiplas rachaduras se formaram no vidro, tornando impossível os policiais, distraídos, visualizarem o delinqüente. Ligaram a sirene, tentaram acelerar, mas o carro acabou morrendo.

            Ele gargalhou. Havia descoberto um dos maiores prazeres da vida. Não se importar com ninguém. Com nenhum deles. Não precisava de nada disso, desde que tivesse uma pedra na mão e um sutiã bem flexível.

            Correu até a grande entrada da escola.

            - Pontual como sempre, Sr. Ford. – falou o porteiro, nitidamente insatisfeito.

            Miserável! Ainda ferro com esse delinqüente.

            - É o que dizem, Sr. Williamson. Tenho sangue britânico, sabe...

            - Sei, sei...

            O garoto ajeitou a jaqueta preta, colocou seus óculos espelhados, sorriu para o seu ego. Sabia que ninguém poderia pará-lo.

            Caminhou pelo corredor, quase deserto. A maioria deles já estavam na sala de aula. Não o Sr. Ford. Perambular pela escola e estudar os novos rostos faziam parte de sua tarefa no início do ano letivo.

            Sua primeira parada foi a biblioteca. Avistou a Sra. Pupkis, com o seu óculos de armação grossa e os cabelos ruivos naturais amarrados em um coque, com uma joaninha de veludo servindo de prendedor.

            Ele entrou, radiante, exibindo seu tão temido sorriso. Pupkis o fitou assim que ouviu a porta se abrir. Sua expressão se tornou fria imediatamente.

            - Carl Ford. Deseja alguma coisa? Queimar algum livro, talvez?

            - Sabe, Sra. Pupkis... Senti falta do seu humor ácido.

            - Que pena. Nem me lembrei de você até o presente momento.

            Ele sorriu, apático. Virou-se, observando a biblioteca vazia. Ou quase.

            Seus olhos pousaram na única pessoa enfiada entre os livros. Uma menina com um velho guarda-chuva.


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Notas finais do capítulo

esse cap foi meio pequeno. é uma introdução para ó próximo acontecimento.