Umbrellas Secret escrita por Pedro_Almada


Capítulo 3
Aniversário




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Aniversário

 

12 de Abril de 1998

 

            É. Parabéns para mim. Acenderam as velas e estão batendo palmas. Posso ouvir as vozes de cada um. É como se todos os lábios me abraçassem. Estou fazendo doze anos e, embora eu deva parecer apenas uma adolescente, sinto-me mais velha, muito mais do que papai, se me perguntarem.

            Meus dedos sobrevoam sobre o bolo (Bree conduziu as minhas mãos). Sinto o calor do fogo aquecer minha pele. Então é assim que é a sensação da chama. Parece um banho muito quente, mas sem as pesadas gotas sobre os meus ombros. Não, espere. Parece o calor de uma chaleira. De qualquer forma, não entendo nada de velas ou chaleiras... Acho que isso não faz nenhum sentido. Mas, tudo bem. Estou muito feliz.

 

            A casa da praia estava repleta de amigos da família Williams. Tudo parecia perfeito, os balões em seus lugares, os sorrisos tão verdadeiros quanto o entardecer sem nuvens, sem medo algum. A garotinha que outrora se perdera em um parque, já não se sentia perdida. Era como se todo o mundo lhe fosse conhecido. Como se, a cada passo, o mundo fosse recriado em sua mente. Ela não precisava de mais nada, a não ser o seu velho guarda-chuva.

            Alvo de perguntas e dúvidas, o guarda-chuva vermelho logo foi aceito na família, passando a substituir Boris, o velho ursinho encardido com cheiro de hortelã. Anne se sentia segura. Ela não contava a ninguém, mas, vez ou outra, podia ouvir...

            Eu podia jurar que ouvi o rangido das rodinhas aqui... Não... É minha impressão. Acho que o cheiro da parafina está afetando meu cérebro. Bree, pode me tirar daqui, por favor?

            Sim, ela sabia. Solidão não era mais a sua companhia.

            Todos bateram palmas, cantaram, sorriram, cordialmente. Loui pegou o seu velho violão, Brigitte pegou o acordeão e, juntos, tocaram as músicas preferidas. Anne sentou-se ao piano. Soltou as primeiras notas. Aprendia rápido, mas não o suficiente para tocar tão bem quanto eles.

            A morte da senhora Williams passara como um borrão para Anne. No ano passado, durante uma gravidez ruim, o eclampse levara, para sempre, Verônica, a mãe perfeita. Mas estavam bem. Tudo era questão de tempo. O funeral tinha acontecido em uma primavera, onde as flores sorriam para o céu azul, e todos os amigos haviam comparecido. Os sentimentos eram sinceros. Anne apenas deixou que os aromas de sua mãe continuassem vivos. A dor foi suprimida.

            Parabéns para mim.

            Loui e Bree tocaram até o céu escurecer. As pessoas foram se retirando aos poucos. Não demorou muito para restar apenas a família na residência. Bree começou a organizar a pequena bagunça, enquanto Loui estourava os balões. Anne tentava, como podia, ajudar a irmã.

            - Querida! – Anne ouviu o pai gritar – venha aqui! Tenho um presente especial para você.

            Anne sentiu seu coração bater.

            Sei exatamente o que é. Papai sempre faz isso. Mas, estranhamente, eu sempre me sinto assim. Nunca me canso deles.

            Anne correu, guiada pela irmã, até a sala. Loui estava segurando um livro grosso nas mãos, um exemplar de Mob Dick. Ela estendeu as mãos, recebendo o presente com um largo sorriso no rosto. Sentou-se no sofá e deixou os dedos deslizarem sobre a página de apresentação.

            - Mob Dick! – ela exclamou – obrigada, pai!

            Ele sorriu, beijou as filhas na testa e se retirou.

            Parabéns pra mim!

            Bree decidiu subir também. Estava cansada e, Anne, sob a promessa de subir em seguida, ficou um pouco mais na sala, lendo o seu livro.

            Perdeu-se em pensamentos, admirada com a forma mágica com que as palavras se formavam em sua mente. Não poderia fazer comparações com a realidade, e essa era a maior graça em seu “peculiar” modo de ver o mundo. Tinha o hábito de falar em voz alta tudo o que lia, era uma forma de tocar as palavras em todos os sentidos que tinha a disposição.

            Mas sua distração no livro foi quebrada com o estrondo repentino. Alguma coisa havia se quebrado.

            - Veio da cozinha... – murmurou Anne para si mesma.

            Bree e seu pai tinham ido dormir, com certeza. Não tinha ouvido ninguém descer. Talvez fosse um mico, ou um gambá, até mesmo um furão. Eram muito comuns naquela região.

            Anne alcançou seu guarda-chuva e caminhou até a cozinha.

            - Oi? – ela chamou, sentindo-se nervosa.

            E se for um bandido? Maravilha! Parabéns pra mim!

            Ela abriu a porta da cozinha vagarosamente. Num estrondo, a porta que dava para o quintal se abriu. Anne ouviu passos apressados correndo pela varanda e descendo os gastos degraus.

            - Hei! – ela gritou. Começou a correr, cautelosa – Volte aqui!

            Tarde demais. Fosse quem fosse, já não estava mais lá.

            Bem, acho que é isso... Parabéns para mim.


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