Ser ou não ser escrita por Eica


Capítulo 3
Capítulo 3




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Sexta-feira. Desta vez, Marcos e eu almoçamos comida japonesa. Marcos remexia seu yakisoba enquanto eu olhava para o meu imaginando se aguentaria comer tudo aquilo.

— Qual a pior parte de ser homem? — Perguntou, de repente.

            A pergunta era fácil de responder.

— Ir ao banheiro.

            Marcos riu.

— Devia ser a parte mais fácil.

— Ainda não descobri a parte mais fácil.

            Após duas garfadas de yakisoba, olhei para o lado. Um grupinho de moças usando uniformes estava a poucos metros de distância de nós, sentadas noutra mesa. Depois de notá-las, olhei para Marcos. Tornei a olhar para elas e depois para ele de novo.

— Você está namorando?

— Ham? Não. — Respondeu, com a boca cheia.

— Você acha que vou conseguir namorar na minha situação?

            Ele riu um pouco. Engoliu a comida antes de continuar:

— Seu interesse é homem... então... vai ter que correr atrás de um homem... com interesse em outros homens.

— Impossível.

— Por quê?

— Uma mulher namorando um gay? Isso não existe.

— Então você se lascou.

            Balancei a cabeça, tendo que concordar. Realmente. Eu estava lascada. Após terminar de comer, saímos da praça de alimentação e fomos ao banheiro. Quando estávamos próximos do corredor dos banheiros, Marcos indagou se eu ia entrar também.

— Bom, eu gostaria de usar o banheiro.

— Sei que você é mulher, mas como agora é homem, precisa saber algumas coisinhas sobre banheiro masculino para não acabar passando vergonha quando entrar sozinha em um. Por exemplo, se entrarmos juntos neste momento, não converse comigo. Homens não conversam no banheiro.

— Por que não?

— Porque banheiro não é lugar para conversar. Ou você faz número um, ou faz número dois ou lava as mãos. É só isso o que você pode fazer num banheiro masculino.

— E se eu quiser escovar os dentes?

— É uma exceção.

            Chegamos ao corredor dos banheiros.

— E outra coisa: se os mictórios...

— Aaaah, isso eu nunca vou usar!

            Ele olhou-me com a testa franzida.

— Não me obrigue a usar aquela coisa. — Retorqui. — Primeiro que eu não toco nessa coisa entre minhas pernas...

            Marcos riu.

— Pois essa coisa é seu bem mais precioso. Cuide dele e será feliz.

— Como conseguem viver com essa coisa no meio das...

— Não chame de coisa. Você sabe qual o seu nome popular. Ou prefere o termo científico?

— Prefiro o termo “coisa” que me impede de passar vergonha.

            Depois de escovar os dentes, esperei Marcos do lado de fora, ali mesmo no corredor. Ele foi rápido. Em pouco tempo saiu. Fizemos o caminho de volta.

— O que você ia dizer sobre os mictórios?

— Ah! Lá dentro tem cinco mictórios. Vou te dar um exemplo. Você entra no banheiro e percebe que os mictórios um, três e cinco está ocupado...

— Aaaah, espere um pouco. Eu sei que não se deve usar o mictório do lado...

— Iiiisso. Ótimo. Se os mictórios um, três e cinco estão ocupados, você em hipótese alguma usa os mictórios dois e quatro. Jamais. O que você tem que fazer é esperar um ficar vago para poder usar.

            Sacudi a cabeça.

            Honestamente, não pretendo usar um mictório. Mal consigo tocar nessa parte do corpo ao qual o mictório está destinado! Até parece que terei coragem de abrir minha calça, botar a “coisa” para fora, segurar e fazer minhas necessidades na frente de todo mundo (mesmo sabendo que, segundo o Marcos, homens ficam olhando para o azulejo).

            Ao contrário do que deveria ter acontecido, no dia posterior, Nikki saiu comigo para almoçar, mas não comemos comida ou lanches. Apenas biscoitos integrais. Ficamos a maior parte do tempo passeando, vendo as vitrines de lojas que conhecíamos como a palma de nossa mão.

            Em nosso passeio, Nikki me levou para dentro de uma loja de perfumes e cosméticos, pois, segundo sua insistência, eu precisava de um perfume masculino e ela precisava de uma nova fragrância. Fomos direto para as prateleiras de colônias femininas. Pegou um provador, esborrifou num pedacinho de papel e cheirou. Passou o papel para eu cheirar também.

— Hmmm... Está me lembrando uma fruta. Ou muitas frutas. Não sei.

— Gostou dele?

— Na verdade não. É doce demais para minhas narinas.

            Nikki pegou outro provador, esborrifou noutro pedaço de papel e cheirou. Cheirei em seguida.

— Floral.

— Gostou?

— Afinal, o perfume é para mim ou para você? Se gostou, compre.

— Ai, você não ajuda muito, sabia?

            Ri.

            Naquele instante, uma das vendedoras parou do nosso lado e perguntou se precisávamos de ajuda.

— Estou na dúvida. — Confessou Nikki, com um frasco do perfume cítrico na mão, mas olhando para o floral na prateleira.

            A moça indicou uma colônia que estava vendendo bastante. Era um pouco floral e amadeirado.

— Não quero cheirar igual a um milhão de pessoas. — Reclamou Nikki.

— Então vai ter que criar sua própria fragrância.

            A vendedora riu conosco.

— E você? Não quer aproveitar e levar um também? Que fragrância você tem preferência?

— Hmmm. Amadeirado. Não muuuito amadeirado. Mas amadeirado.

            Segui a moça até as prateleiras das colônias masculinas. Ela me mostrou quatro fragrâncias diferentes. Gostei bastante de uma delas. Enquanto me decidia se gastaria dinheiro com aquele perfume – que realmente era muito gostoso -, olhei para trás para ver como Nikki estava se saindo.

— Meu Deus! — Murmurei, rindo.

— Oi? — Indagou-me a vendedora.

— Ah, estava falando sozinho. A Nikki, sempre quando fica indecisa, acaba comprando as duas coisas que a deixaram indecisa. Ela não gosta de se arrepender.

— Ah! — Sorriu-me. — Faz tempo que estão juntos?

— Não! Ela e eu somos amigas. Digo, amigos.

— Você trabalha aqui no shopping? — Indagou-me, olhando para minha camiseta.

— Trabalho. Faz anos já.

            Fui até Nikki, com a colônia na mão. Decidi comprar. E como eu desconfiava, Nikki ia levar os dois perfumes. A vendedora nos levou até o caixa. Agradecemos a ela, depois saímos da loja, já com nossas sacolas nas mãos. Contei à Nikki que a moça fizera confusão ao pensar que éramos namorados. Ela desatou a rir, e logo descobri que não rira pelo mesmo motivo que eu.

— Ela não fez confusão nenhuma. — Disse ela, fuçando em sua bolsa. — Ela só perguntou isso para saber se você era solteiro.

— Hm?

— Ela curtiu você, Rafa, por isso fez a pergunta. Ela se interessou e quis ter certeza de que você era solteiro.

— Não, — retorqui, cética. — Não acho que tenha sido isso.

— Por que não, sua tonta? Você é um homem lindo. As mulheres olham. Você não olha para homem bonito?

— Olho.

— Fim de discussão.

            Minha primeira semana como homem passou depressa por causa do serviço. Quando trabalhamos, mal dá para respirar. Tomar banho ainda era um tormento, assim como ir ao banheiro. Não dei ouvidos a Marcos, e raspei novamente as axilas quando foi necessário. Não me agradava ficar toda peluda. Em meu dia de folga, fiquei o dia inteiro em casa. Fiz torta de carne moída no almoço e, como já havia comprado, tomei sorvete de sobremesa. Depois fui descansar a barriga cheia de comida na cama. Coloquei meu notebook no colo e resolvi assistir alguns filmes sobre troca de corpos e outros mais.

            Voltando mais uma vez ao serviço, comentei a Nikki e Fernanda, no dia seguinte, que havia assistido aos mencionados filmes sobre trocas de corpos.

— Nossa! Será horrível se o seu corpo estiver no controle de outra pessoa. — Exclamou Fernanda, enquanto papeávamos num dos corredores da livraria.

— Vocês acreditam mesmo nisso? — Indagou Nikki, descrente.

— De jeito nenhum. – Assegurei. — Mas se foi bruxaria...

— Bruxaria menos ainda.

            Ri.

— Se existe bruxaria e toda essa loucura mágica, então quem fez isso com você não te quer bem. — Brincou Fernanda.

— Tenho poucos amigos, então não sei quem poderia ser a bruxa ou o bruxo... — ponderei.

— Mas com que propósito fariam isso? — Perguntou Nikki. — O que ganhariam te transformando em homem?

             Dei de ombros.

— Você rejeitou algum cara? — Perguntou Fernanda.

— Não.

— Se envolveu com alguém comprometido?

— Não!

— Sabe de alguém que te inveja?

            Estranhei.

— Por que me invejariam?

— Sei lá. Falei por falar.

            Após uma pausa:

— Tem praticado?

— O tempo inteiro quando me lembro. É muito difícil ser falso nos modos de agir.

— Sua voz é linda. — Disse Fernanda, sorrindo-me.

— Obrigada.

— Você devia dizer obrigado.

— Ah, é.

            Nikki fez carinho em meu antebraço.

            Eu ainda precisava comprar muitas roupas. Na volta para casa, pensei nas minhas finanças. Como eu estava de dinheiro. Se podia gastar comprando mais algumas roupas. Ao chegar em casa, tomei banho, fiz um lanchinho básico e liguei meu notebook para estudar. Sim. Eu precisava estudar o jeito de andar dos homens. Pratiquei um pouco. Quando tencionei amarrar meu cabelo, dei-me conta de que todas as minhas presilhas eram muito coloridas. Eu precisava de elásticos novos.

            No dia subsequente, Marcos e eu almoçamos juntos de novo. Enquanto na praça de alimentação, Marcos me passava lições básicas: como segurar um copo, como sentar e como não mexer no cabelo.

— Homens não ficam pegando no cabelo. Arrume-o de um jeito e deixe-o assim, sem querer “enfeitar”.

            Observei-o sem pudor, como ele mesmo queria que eu fizesse. Segundo ele, eu devia observá-lo para tomar notas. O que para mim foi uma grande oportunidade para admirá-lo.

— Sinto falta da minha bolsa. — Admiti, enquanto terminava de almoçar. — De guardar minhas coisas nela.

— Homens não têm o que guardar. Só a carteira no bolso basta. — Disse quase em tom de censura, erguendo somente os olhos para mim.

— E lenço. — Continuei com meu lamento, olhando para o nada. — Não consigo andar sem lenço de papel.

            Ele suspirou desgostoso.

— O que vocês mulheres guardam nas bolsas que precisam ficar levando para todos os lados?

— Bom, cada uma leva o que acha mais importante, mas eu colocava meus lenços de papel, minha carteira com documentos, minha bolsinha de dinheiro, minhas chaves, um espelinho, um batom, um pente, uma sombrinha, um caderninho para anotações, fone do celular e um ou dois itens críticos.

— Para que tudo isso? — Admirou-se. — Caderninho de anotações? Aposto como vocês nunca anotam nada. E o que é um item crítico?

— Absorvente.

— Credo! — Ri da sua exclamação. — Eu só carrego minha carteira e celular.

— Nem mesmo um lenço de algodão para o caso de sentir vontade de espirrar? Vai espirrar na mão e contaminar toda a humanidade com a sua porquice?

            Ele riu.

— Nunca tive esse problema. E sou um cara limpo. Tenho bom senso.

            Após um momento de silêncio entre nós, quando já havíamos terminado de comer e começávamos a nos entreter com os celulares:

— Sabe arrotar? — Indagou-me repentinamente.

— Tenho que ficar arrotando igual um animal?

— Não em público.

            Quando fiz uma careta, ele disse que era brincadeira. Observei a praça e suspirei.

— Será que algum dia eu vou descobrir quem fez isso comigo?

            Marcos levantou o rosto para mim e deu de ombros. Levantamo-nos da mesa e caminhamos até a escada rolante. Enquanto a descíamos, ele comentou, com o celular na mão:

— Na maioria dos filmes, as pessoas trocam de corpo.

— É, já vi um monte desses filmes. Se troquei com alguém, não vou querer meu corpo de volta. Vai que o outro cara fez besteira com ele.

            Marcos riu.

— O que ele podia fazer? Ele não vai deixar outro cara encostar nele. Quanto a isso, não precisa se preocupar.

— Hmm... Sei lá, né?

— E você?

— Eu o que?

            Chegamos ao final da escada rolante. Começamos a andar em direção à livraria.

— Não vai usar esse corpo?

— Não troquei meu corpo com ninguém. Disso tenho certeza. Essa hipótese é absurda demais.

— É... Também não acredito nisso.

            Andamos bem devagar, quase sem vontade alguma de voltar. Quando chegamos à livraria e batemos nossos cartões, a monotonia do dia continuou. Fiz um passeio solitário pelo shopping na hora da saída. Comprei um sorvete e caminhei até o estacionamento. Entrei em meu carro e suspirei. Liguei o rádio.

            No dia posterior, no serviço, Estela bateu em minhas costas achando que eu fosse Marcos.  Tive um mini ataque do coração. Atendi muitos casais, muitos jovens moços e moças. Certa hora do dia, enquanto eu arrumava uma pilha de livros num dos expositores que ficava em frente à porta de entrada, senti alguém passar a mão na minha bunda. Virei e descobri Fernanda de costas para mim. Olhei-a com desconfiança.

— Mão boba. — Soltei, voltando a arrumar os livros.

            Não parou por aí. Ela continuou me bolinando nos próximos dias, abraçando-me por trás e me apertando a bunda nos momentos de menor movimento na livraria. Marcos e Nikki reagiam ao meu tormento com risos e incentivos a Fernanda.

            Num sábado, Marcos, só de zoeira, foi em casa para ensinar-me como os homens não deviam dançar em público (já que íamos a um bar com as meninas mais tarde). Nunca o vi dançar, mas como ele mesmo disse, homens se mexem, não dançam. Ele se “mexeu” com um charme que fez meu coração contrair e gritar: “Cuidado com o cara que fica na sua cueca! Cuidaaado!”.

            Tentei seguir seus passos e foi difícil, já que mulheres são naturalmente delicadas nos movimentos. Praticamos a tarde toda. Também pratiquei, é claro, meu jeito de andar e o menor dos movimentos. Ele demorou tanto tempo em casa que precisei perguntar se íamos juntos ao bar. Respondeu-me que sim. Naquele momento, fiquei com fome e procurei o que comer no armário. Fizemos um lanche bem leve e saímos de casa – Marcos em sua moto e eu em meu carro – um pouco antes das sete da noite.

            Encontramos as meninas na calçada do bar. Ambas usavam shorts, salto alto e regatas com alcinhas. Os rostos tinham um pouco de maquiagem e os cabelos estavam soltos e bem arrumados.

— Só veio gatas hoje, hein! — Gracejou Marcos, quando nos aproximamos delas.

— O Alex não sabe que eu vim. — Confidenciou Nikki, carregando uma bolsinha miúda. — Então nada de fofocarem.

— Não contou para o amor da sua vida que sairia com dois caras lindos? — Brincou Marcos, batendo no meu ombro.

            Andamos em direção à entrada do bar, que estava a poucos metros de nós. Já havia escurecido bastante. A noite estava um pouco quente e provavelmente ficaria quente por um bom tempo.

            O bar só tocava rock. Não era difícil de chegar, mas também não ficava perto de casa. Assim que entramos, estava tocando Holy Diver, de Dio. Marcos quase teve um treco ao reconhecer a música.

            Havíamos chegado cedo, de modo que boa parte das mesas ainda estava vaga. À nossa frente, havia o palco, onde bandas convidadas tocavam durante a noite. Havia a área do bar, onde podíamos nos sentar em frente ao balcão, que estava à nossa esquerda. Um garçom aproximou-se de nossa mesa e passou-nos o cardápio, onde havia variadas opções de drinks, cervejas e lanches.

            Marcos e Nikki se juntaram para pedir um balde de cerveja (cujas garrafas vinham num balde cheio de gelo). Fernanda pediu uma Coca e eu resolvi experimentar uma limonada americana que, obviamente, não era uma simples limonada.

— Você está lindo, Rafa! — Riu Nikki, quando o garçom se afastou.

            Fernanda concordou.

— Obrigada.

            Marcos me corrigiu e corrigiu Nikki.

— Chame-o de Bernardo.

— Ah, é! Seu novo nome. Foi mal. Sempre me esqueço.

            A música estava boa. Não muito alta. Não muito baixa. Podia ouvi-los com clareza. A iluminação do bar era perfeita. Podia-se enxergar tudo com detalhes. Havia bandeiras penduradas no teto, que ajudavam a decorar o ambiente. As lâmpadas diferentes também eram um detalhe interessante. Aos poucos, o bar foi lotando e o ambiente foi ficando cada vez mais quente. Fernanda elogiou meu look, que consistia em blusa de manga longa de algodão, um jeans e sapatênis. Em segredo, eu admirava é Marcos, com sua camisa social preta e seu jeans.

            Em certo momento de nossa conversa, as meninas se levantaram para dançar, enquanto o bar tocava grandes clássicos do rock. Eu não tinha pretensão nenhuma de levantar e fazer o mesmo. Nem mesmo Marcos se levantou. Continuou bebendo das garrafas, apenas observando as moças a nosso redor. Nikki e Fernanda dançaram ao lado de nossa mesa. Apenas balancei a cabeça ao ritmo das músicas que mais me agradavam.

            Conversamos e rimos bastante até Marcos levantar-se e sumir de nossa vista. Nikki teve certeza de que ele vira alguém interessante.

            Que desanimador!

            Por causa disso, achei melhor não o procurar para não ver o que eu não desejaria ver.

— Sabe o que você podia fazer e que ia ser engraçado? Fingir ser o seu namorado traído, caso ele apareça com alguma menina. — Sugeriu Fernanda, que também sabia dos meus sentimentos por ele. — O Ma ia ficar super envergonhado!

— Não vou fazer isso com o coitado.

            Quando levantamos para andarmos pelo ambiente, um homem parou Nikki de repente. Ela fez-lhe um sinal negativo e continuamos andando. Enquanto nos enfiávamos entre as pessoas, ouvi Fernanda queixar-se por nenhum homem se aproximar dela para conversar.

— Não achei que quisesse ficar com alguém. — Comentou Nikki.

— Será que minha presença não está atrapalhando? — Indaguei, parando de andar e olhando para as duas. — Se quiser, eu posso ficar um pouco longe de vocês para ver o que acontece.

            Não esperei que elas me respondessem e já fui me distanciando mais e mais até as perder de vista. Aproximei-me do balcão do bar e pedi uma Coca só para adoçar a boca. Quando uma banqueta ficou vaga, sentei-me para descansar os pés que já latejavam. A essa hora da noite, a banda já havia chego e começado a tocar grandes clássicos do rock internacional e nacional. Num momento da noite, enquanto observava a banda no palco, Nikki passou por mim e parou, perguntando se eu queria companhia. Falei que não.

            Continuei ali, sentada, terminando de tomar o meu refri’ quando um grupinho de três moças parou ao meu lado. Falaram bastante e mexeram insistentemente nos cabelos. Não lhes dei atenção até que começaram a invadir o meu pequeno espaço, que já era apertado, pois havia um cara do meu lado direito.

            Comecei a ficar irritada. Se tem uma coisa que me irrita neste mundo é ser humano sem noção que acha que vive sozinho no mundo, por isso pode invadir espaço alheio. Para minha surpresa extrema, uma delas, ao me dar uma acotovelada, pediu desculpa e parece que isto foi motivo para as outras puxarem assunto comigo. Fui simpática, querendo, na verdade, dar um soco na cara de todas elas.

            Felizmente minha salvação havia chegado: Fernanda começara a se avizinhar. Levantei de minha banqueta assim que ela conseguiu chegar em mim.

— Demorou, hein! — Exclamei, colocando um dos braços sobre seus ombros.

— Que que foi?

            Afastei-a das meninas o mais rápido que foi possível. Não dava para andar direito sem chutar o pé de alguém.

— Só ande comigo. — Disse, ao seu ouvido.

            Ao nos distanciarmos das meninas, soltei Fernanda.

— Queria escapar de umas meninas lá atrás. — Expliquei.

— Ah! Não vai me dizer que estavam te dando mole?

— Espero que não.

— E então? Se deu bem?

            Seu sorriso se iluminou.

— Beijei um carinha muuuito lindo. Não tão lindo quanto você, mas lindo. É. Na verdade, os caras realmente lindos de todo o bar são o Marcos e você. Os outros são apenas bonitinhos e normais.

— Credo! — Ri. — Que coisa triste de se dizer.

 — Viu a Nikki?

— Não. Faz tempo que não a vejo.

— Vamos lá fora? Está quente aqui dentro.

            A área externa do bar era delimitada por uma mureta decorada com plantas. Havia mesas lá fora. Boa parte delas estava ocupada. Depois da mureta, era a calçada. Sentamos na mureta, que não era muito alta, de frente para a área interna do bar.

— Como é que você aguenta essa blusa? — Indagou Fernanda, subitamente.

— Não aguento, mas tenho que aguentar. Sou homem agora. Não posso andar de blusinha de alça. O que é muito triste. Mas essa blusa não é quente como parece, embora a manga longa seja torturante em alguns momentos.

            Senti seu olhar sobre mim ao virar o rosto.

— Ai, como você é lindo! — Disse ela, agarrando meu braço direito.

— Obrigado. — Agradeci, sorrindo. — Sou mesmo, devo confessar.

            Rimos.

            Enquanto Fernanda ainda estava agarrada ao meu braço, vimos Marcos aparecer na porta que dava acesso a área externa em que estávamos. Quando nos encontrou, se aproximou.

— Vão ficar até fechar? – Indagou.

— Estou ficando cansada. Cansado. Não vou ficar muito tempo.

— Também. — Disse Fernanda.

            Era quase onze da noite. Marcos olhou para trás e depois esvaziou sua latinha de cerveja. Deu o último gole e olhou para Fernanda, com um sorriso esperto no rosto.

— Parecem um casal.

            Fernanda largou meu braço.

— Daqui uns quinze minutinhos vou embora. — Avisei, sentindo sono.

— Alguém tem que ir atrás da Nikki.

— Eu vou. — disse Fernanda, pondo-se de pé. Enquanto se encaminhava até a porta, Marcos se sentou do meu lado, onde ela estava anteriormente.

            A banda ainda tocava lá dentro do bar, e o cheiro de cerveja e de vários tipos de perfumes diferentes pairava no ar. Aqui fora estava mais fresco e o calor humano de todo aquele pessoal não ajudava ninguém a se refrescar.

— Se divertiu?

— Até que sim. — Respondi, com sinceridade.

— Ficou com alguém?

— Claro que não.

            Ri de sua risada.

            Fazia muito tempo que fui ao banheiro pela última vez, de modo que, minha bexiga estava explodindo, mas ia esperar para usar o banheiro de casa. Não tinha intenção de entrar no banheiro do bar. Quando Fernanda apareceu com Nikki, esta última parecia radiante. Contou-nos que ficara conversando com um cara lá dentro. Gracejamos, dizendo que ela tinha namorado, e ela, em resposta, disse que não era esse tipo de mulher.

            Pagamos nossas entradas e caminhamos sossegadamente pela calçada após deixarmos o bar.

— Eu daria carona para uma de vocês, — disse Marcos. — Mas só tenho um capacete. Então... É sua responsabilidade agora, Ra... Bernardo.

            Consenti. Dei carona para as duas.


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