Destinos Improváveis escrita por Nara


Capítulo 45
Futuro - Confissões na Madrugada




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Shara acordou assustada e estranhamente sua pele estava completamente arrepiada, algo estava acontecendo, ela se sentou, tentando se localizar, aquela definitivamente não era a ala hospitalar, não… ela ganhou alta e portanto ela deveria ter passado aquela noite no seu dormitório, mas ali também não era onde ela estava, sim, ela se lembrava, ela havia adormecido nos aposentos privativos do professor Snape enquanto o aguardava e por alguma razão, ela permanecia ali, ela se lembrou de estar tão cansada, esperando que ele finalizasse algo com o diretor na sala ao lado, conforme ele havia pedido, mas aquilo estava demorando e essa era definitivamente a sua última lembrança, agora, por que o professor Snape não havia a acordado para que ela pudesse voltar para a sua sala comunal, era de fato uma pergunta curiosa e ela duvidava muito que algum outro aluno já pudesse ter passado a noite ali antes, mais uma vez, ela havia sido a primeira.

Shara sentiu um novo calafrio, percorrer todo o seu corpo, a sala onde ela estava era suficientemente bem iluminada pelo fogo na lareira, ela passou os olhos pelo lugar, ela estava sozinha, e também pelo chão, procurando pela sua nova amiga, a cobra, mas não a localizou, Shara estranhou, ela se levantou para checar as suas vestes, que estavam emboladas exatamente no lugar onde ela as havia deixado antes de pegar no sono, notando que ainda estavam quentes, a cobra também havia acabado de sair, as sombras que aquele lugar faziam por si só já eram suficientemente assustadoras, mas tentando não se intimidar com isso, ela passou a procurar o animal pelo aposento, certamente ela ainda deveria estar por perto e Shara a localizou com bastante facilidade, ela estava se arrastando em direção a porta,  Shara se aproximou descalça, será que o professor havia se dado ao trabalho de tirar os seus sapatos? Aquilo era completamente inusitado.

—Ei - ela chamou - a onde você está indo? - ela pergunta baixinho, não querendo de forma alguma acordar o professor naquele horário, se o humor do dia já não era dos melhores, imagina o quão ruim poderia ser o da noite, ela não queria descobrir.

—Garota humana, que bom que também acordou, eu estou fugindo, esse castelo, ele não é mais seguro - a cobra disse enquanto tentava encontrar uma abertura apropriada para o seu tamanho entre as pedras daquela parede - você também deveria fugir, a grande besta ela foi acordada e ela está vindo.

—O que? Quem?... Espera - Shara disse, sentindo seu batimento cardíaco aumentar repentinamente, mas era tarde demais a cobra já havia sumido pelo vão que havia encontrado ali, Shara sente mais um arrepio, o que aquilo significava? Certamente que não era um bom presságio, e bem ali não era hora e nem momento para se apavorar, Shara notou que a porta que dava para o corredor não possuía uma maçaneta, como se abria aquela porta por dentro? Ela estava presa.

—"Eu sinto cheiro de sangue, sangue fresco, eu quero rasgar, eu quero matar…" - Shara congelou de forma literal, ao ouvir aquela voz tão próxima, sussurrando aquelas palavras, de onde aquilo estava vindo? Ela passou os olhos pelo ambiente mais uma vez, parecia vir de dentro e não isso não era algo que sua imaginação pudesse criar, não era algum tipo de alucinação, certamente era disso que a cobra estava se referindo e era disso que ela estava fugindo, mas o que ela quis dizer com a grande besta? Ela sentiu uma nova onda de arrepios, aquilo estava perto.

—Quem… quem, está aí? - ela pediu, fechando os olhos, não que ela quisesse mesmo saber.

—"sangueeeeee" - Shara ouve um pouco mais alto, como se estivesse se aproximando dela, mas ela não podia ver nada, ela queria gritar, mas ela sabia que isso não era uma boa ideia, aquela voz conseguia ser ainda mais assustadora que a voz da hidra, aquilo era um sussurro, sua respiração estava começando a falhar, ela olhou para a porta que levava até o corredor, sentindo vontade de fugir também, e se ela tentasse arrombar com algum feitiço de explosão? ela conhecia um, mas ela não podia simplesmente sair, fugir e deixar o professor Snape para trás, ela olhou para as portas do recinto havia três, uma era a sala que ele e o diretor entraram ontem a noite, ele disse ser um laboratório, então certamente que não era ali, ela teria que arriscar uma das outras duas que haviam sobrado ali.

—"Sangue… eu quero sangue, venha até mim, eu quero matar" - ela ouviu outra vez, a voz disse matar? De onde estava vindo aquilo, ela estava prestes a ter uma crise, agora ela conseguia identificar os sinais, e por que o professor Snape não estava ouvindo? Por que ele ainda não estava acordando, já que a voz era nítida e alta o suficiente, para despertar qualquer um ali, então algo lhe ocorreu… a menos que ele estivesse morto ou gravemente machucado, será que a voz vinha lá de dentro do quarto? Shara sentiu uma lágrima escapar e depois outra descendo pela lateral do seu rosto, ela precisou respirar  fundo, para tentar se regular e assim conseguir se mover, ela correu até a primeira porta, sacou sua varinha, que estava no coldre, um coldre era realmente útil, ela pensou, lançando um lumus e então ela abriu a porta sem aviso prévio, preparada para encarar o pior ali dentro, ela havia acertado, aquele era de fato um quarto, o quarto dele, havia uma cama enorme, mas antes mesmo dela averiguar qualquer coisa naquele lugar, ela sentiu sua varinha voar da sua mão, a assustando.

—EPSON - ele esbravejou, ele não estava dormindo, a cama estava intocada, ele vinha de outro cômodo, um banheiro talvez… - o que exatamente deu em você, o que pensa que está fazendo? - ele parecia muito, mas muito mal humorado, confirmando suas suspeitas anteriores, ela engoliu seco.

—O senhor… bem, o senhor, está vivo? - ela pediu de uma certa forma aliviada.

—Vivo? - ele se aproximou, ela se recolheu - acho que sim, agora não sei você, se não tiver uma boa explicação para ISSO - ele elevou a voz, aquilo costumava a assustar, mas não agora, quando havia… aquela voz…

—"eu quero matar, rasgar…" - era a voz outra vez, espera o professor Snape estava bem a sua frente agora, ele estava bufando, mas ele não havia feito nenhum comentário sobre a voz, nem esboçado qualquer reação sobre ela, o que isso significava? Ela sentiu outras lágrimas descendo pelas suas bochechas… aquilo não era bom, nada bom… ela correu até ele, sem se importar com o péssimo humor que ele estava exalando, ou em como justificar a sua estúpida intromissão ali, se escondendo atrás dele, atrás de suas vestes, tal qual uma criança de 5 anos de idade faria, quando estivesse com medo de algum monstro imaginário, ela podia sentir a adrenalina do seu corpo se dissipar, ela buscou a mão dele e incrivelmente ele não fez qualquer objeção com aquele contato, talvez porque fosse evidente que ela não estava nada bem e de que ela estava chorando, já que ela não tentou nenhum pouco disfarçar o seu estado de pânico completo, ela não podia explicar, mas com ele, ela sentia que de alguma forma ela podia ser ela mesma.

—O senhor… não… está ouvindo nada? - ela perguntou sem soltar, gaguejando um pouco ali.

—Ouvir o que? - ele perguntou confuso, sim de fato ele não estava ouvindo nada, qual era o seu maldito problema com vozes, com bestas, com coisas que só aconteciam com ela, por que sempre tinha que ser ela a ouvir…  - Epson - ele chamou sua atenção, ela ainda não havia respondido.

—Alguém, algo… alguma coisa, eu não sei - ela disse nervosa - está aqui, eu só sei que isso, aquilo vai ou deseja matar alguém - ela sabia que estava soando confusa, e ele a afastou apenas para segurar o seu rosto pelo queixo como de costume ele fazia para olhar em seus olhos.

—Epson, percebo que teve algum tipo de pesadelo - ele disse - mas ainda assim, isso não justifica que entre no meu quarto privativo dessa forma, ainda mais com a varinha em punhos, eu poderia tê-la machucado gravemente, e sem falar que não são nem 2 horas da manhã - era evidente, que ele não entendia.

—"rasgar… matar…" - Shara enrijeceu, começando a entrar em pânico, ele notou, a segurando com força.

—Professor, escute, precisamos sair daqui - ela pediu, o puxando pelo braço - é perigoso, tem algo… por favor - ela implorou - por favor, o senhor precisa acreditar em mim - ela estava fazendo força, mas ele sequer se moveu.

—Shara - ali estava seu primeiro nome, ele certamente estava achando que ela pudesse estar ficando maluca, ou algo do tipo, bem talvez ela estivesse mesmo, mas a cobra ela também tinha ouvido e ela tinha entendido a gravidade a alertado e fugido - nós não vamos a lugar nenhum - ele a puxou a segurando com ainda mais firmeza - eu te garanto que essa é a ala mais segura de todo esse castelo, eu mesmo cuidei de todas as proteções daqui, e acredite eu conheço diversos encantamentos nesse sentido, agora tente se acalmar - ela gesticulou negativamente - e me escute…

—Eu não estou ficando maluca - ela gritou se soltando - eu não posso ficar calma, se tem uma voz, que só eu ouço, de novo, eu sei… dizendo que vai atacar, dizendo que vai rasgar, e que vai matar alguém… - ela respirou fundo - isso não é uma espécie de pesadelo, eu fui acordada por isso, a cobra ela fugiu, ela foi embora simplesmente…. E Ela também ouviu, ela disse que a grande besta foi acordada, e que ela está vindo, e que estamos em perigo, eu não sei o que isso significa, mas não me parece bom, e eu posso ouvir a voz… eu sei que é real, não é algo da minha cabeça, não dessa vez… - Shara disse desabando, sentindo aquele característico desconforto estomacal, ótimo que desfecho maravilhoso, para sua primeira noite do pijama nos aposentos dele, vomitar pelo quarto dele todo, ela tentou se controlar, com algum exercício de respiração que Beta havia explicado, ele parecia ter entendido agora, a seriedade daquilo que estava acontecendo e aparentando estar preocupado.

—Shara, espere aqui - ele pediu - preciso averiguar algo - ele disse sacando sua varinha e devolvendo a dela, o que? não, ela não tinha a menor condição de ficar ali, ainda mais sozinha.

—Não - ela exclamou, voltando a puxá-lo - por favor, não, me deixe aqui sozinha, não… não com isso, eu estou com medo - ela implorou.

—EPSON - ele disse mais seco - controle-se, penso que não é necessário lembrá-la, de que sou professor dessa escola e, portanto, é minha função e obrigação apurar os fatos e se houver qualquer perigo, alertar o diretor para que medidas sejam tomadas - ali estava seu sobrenome dito outra vez num tom aborrecido, ela o soltou imediatamente, se sentindo ridícula por estar se comportando daquela maneira, quem ela estava achando que era? Alguém especial, que merecesse prioridade antes mesmo dos outros alunos, antes mesmo das obrigações dele com a escola? Era óbvio que não, e ela não podia julgar aquilo, afinal ele tinha toda razão, ele era o responsável e ela era apenas um dos muitos alunos daquele lugar.

Ela se afastou, completamente envergonhada sem sequer conseguir encará-lo, se encolhendo, enquanto se encostava contra um armário e escorregava até o chão, recolhendo as pernas contra o corpo e baixando a cabeça sobre elas, sentindo as lágrimas molharem sua roupa, seu estômago estava completamente embrulhado também, ela o ouviu caminhar apressado até a porta do quarto, mas os passos cessaram a determinada altura, ela sabia que ele ainda estava no recinto pois o ouviu pronunciar algum feitiço, era algum tipo de alerta, mas aparentemente ele não havia se movido mais, depois de um tempo ela levantou a cabeça de onde estava, notando que ele a estava encarando de uma maneira diferente, ele parecia tão distante, aquilo era algo que ela não conseguia ler, por que ele não havia ido?

—Venha Shara - ele chamou, usando o seu primeiro nome outra vez, ela não conseguia entender aquilo, que tipo de distinção ele fazia, ele oscilava entre aquela coisa dos nomes, talvez travando algum tipo de luta interna, mas a verdade é que ela não conseguia se mover - vou preparar um chá, acredito que ambos estamos precisando de um - ele informou, mas ela não podia se mover, aquilo era uma espécie de crise, sim aquilo era -  pelo que me recordo, você não jantou - ele soava preocupado, outra coisa que ela não entendia era aquela obsessão dele em cobrar que ela se alimentasse adequadamente e não pulasse refeições, ela não via ele agindo assim com os demais alunos  - não é o correto, e muito menos saudável a esse horário, mas eu sempre tenho alguns biscoitos de canela  - ele disse, ele havia mudado completamente o tom ali, ele havia desistido de sair? ele estava mesmo ficando, talvez ficando por causa dela? Por que ela havia pedido? Ela sentiu o gosto do suco gástrico voltando pela sua garganta.

—Eu… eu estou me sentindo doente - ela conseguiu avisar, ele se aproximou, chamando uma poção e se abaixando do lado dela, o que de certa forma era reconfortante ao mesmo tempo que também podia ser bastante constrangedor, principalmente ao se dar conta de onde ela estava.

—Tudo bem - ele disse - se achar que consegue beber a poção, tenho certeza que irá ajudar - ela gesticulou negativamente, infelizmente não havia mais tempo para isso, ela se posicionou de joelhos, era tarde demais e vergonhoso demais, porque ela tinha que ser sempre tão vulnerável? Por que ela tinha que estragar tudo assim.

—Eu sinto muito por isso - ela pediu, se sentindo exausta, ele limpou o lugar imediatamente - eu sequer deveria estar aqui essa noite, me desculpe por invadir o seu quarto dessa maneira e honestamente me desculpe por força-lo a ficar aqui, eu não queria… só me desculpe - ela pediu, limpando as lágrimas que desciam pelo seu rosto nas suas vestes.

—Shara - ele a chamou - definitivamente tem algo que preciso pedir que pare de fazer - ela o olhou desconfiada.

—Que eu pare de pedir desculpas para tudo? - ela perguntou, ela sabia que isso era algo que o incomodava muito, ele já havia dito algumas vezes, mas aquilo era algo difícil para quem sempre tinha muito pelo que se desculpar.

—Digamos que sobre isso, eu meio que posso ter me acostumado, embora ainda seja suficientemente irritante - ela não entendeu, o encarando confusa - agora por Merlin pare, apenas pare de limpar o nariz nas suas vestes ou em qualquer outra peça de roupa que seja, todas as vezes em que chorar, isso definitivamente é algo que não vou mais tolerar - ela corou, ninguém nunca tinha dito isso daquela maneira, claro que ela sabia que aquilo não era algo exatamente higiênico, mas quem se importava afinal? com ela mesmo, ninguém - existe algo, um artefato pensado e criado para essa finalidade, talvez ainda não tenha chego ao seu conhecimento, mas é popularmente conhecido como lenço, sim de fato - ele disse após notar sua expressão de dúvida, óbvio que ela sabia o que era um lenço - eles podem ser de pano para os mais tradicionais ou até mesmo de papel, eu particularmente prefiro esses, já que são descartáveis - ele explicou com bastante ironia e para quem visse de fora, aquilo poderia ser facilmente interpretado como sendo algo um tanto quanto rude da parte dele, mas ela já o conhecia e aquilo estava longe de soar dessa maneira, aquilo era um diferente senso de humor, algo novo para ela na verdade - pelo que bem me recordo, é um utensílio bastante comum inclusive entre os trouxas, portanto sem desculpas - ele disse finalizando.

—Sim senhor - ela disse - acho que já ouvi falar - ela sorriu com discrição, percebendo que se sentia muito melhor agora, e então ela notou que não tinha mais ouvido a voz… ela sequer tinha percebido isso, a voz, a besta… ela se foi? era estranho, ela se sentia uma completa idiota agora, talvez realmente como uma criança de 5 anos.

—A propósito, você não fez - ele disse a encarando - você não me obrigou a ficar - ele explicou, ele se importava, ela sentiu algo queimando no seu peito - Agora… - ele a olhou com cara brava - saia já do meu quarto - ele disse e isso sim soava como ele, e sim ele estava um tanto quanto irritado e ela obedeceu imediatamente, por alguma razão aquilo fez com que ela pudesse se movimentar bem rapidinho - e não ouse pisar nele novamente - ele mandou, sim ela havia perdido totalmente a noção ao fazer aquilo, ela sabia, mas e se ele estivesse mesmo morto?

—Eu não farei - ela disse o seguindo - nunca mais - ela prometeu, enquanto ele lhe lançava um olhar mortal que dizia muito mais do que qualquer palavra, de qualquer forma, ela não via possibilidades de algo assim se repetir outra vez, e bem, não estava exatamente nos seus planos dormir nos aposentos dele essa noite e nem em qualquer outra coisa que ocorreu em virtude daquilo.

—Agora, preciso que me responda algumas perguntas, sobre o ocorrido, é importante, e certamente nos ajudará a averiguar o responsável por isso - ele pediu, gesticulando para que ela se sentasse à mesa, ela assentiu - Como exatamente era essa voz? - ele perguntou, aquilo era algo difícil de descrever.

—Era como um sussurro, não parecia ser humano, era bem arrastado - ela tentou explicar - a hidra, por exemplo, ela tinha uma voz fria, quase pegajosa, mas não era assim - ela tentou se lembrar - eu nunca ouvi nada parecido, era assustador na verdade.

—E o que exatamente essa voz dizia? - ele perguntou enquanto servia o chá com os biscoitos.

—Basicamente repetia as mesmas coisas, falava de sangue, de sentir cheiro de sangue, sobre o desejo de matar e de rasgar alguém - ela se encolheu - o tempo todo isso - ele não esboçou nenhuma reação, ele era o melhor em esconder emoções.

—A cobra, você mencionou que ela chamou essa criatura de besta - ele a olhou, sinalizando para que ela se servisse ali.

—Sim, ela disse que a besta tinha acordado e que ela estava vindo, o que tornou tudo ainda mais assustador, ela disse para que eu fugisse, e disse que o castelo não era mais seguro… o que isso quer dizer? - ela perguntou.

—Desconheço - ele respondeu, com pouca emoção, mas Shara sabia que ele estava omitindo algo ali, ela não iria insistir, melhor não - agora, por que você não tem escrito para sua amiga trouxa? - ele perguntou a pegando completamente de surpresa, a fazendo engasgar com o biscoito, como ele podia saber disso?

—Desculpe? - ela o olhou intrigada, primeiro pela mudança brusca de assunto e segundo, como?

—Foi o que perguntei - ele cruzou os braços esperando algum retorno dela - quero uma resposta honesta, afinal pelo que o diretor me informou na época, ele havia pedido para que você mantivesse uma comunicação assídua e eficaz com seus amigos trouxas - ele estava a analisando.

—Sim, de fato, foi o que ele pediu - ela disse desconfortável - é um pouco complicado.

—Explique - ele ordenou.

—Bom, é que eu não quero contar sobre tudo, você sabe, os problemas, os que eu acabo me envolvendo, bem são alguns… - ela disse corando - eu não quero preocupá-la com isso, ela já tem tanto em o que se preocupar lá, é bastante difícil a vida naquele lugar - ela disse tentando não dar muita informação.

—Eu vejo - ele disse a encarando - mas não deve haver apenas coisas ruins - ele reiterou - talvez pontuar as boas, seja uma solução, obviamente que já tenha pensado nisso - ela sabia que não havia sido suficientemente convincente ali, ela suspirou.

—É, sim…, existem as aulas, bom esse mundo, o lado bruxo é tão fantástico e seria legal compartilhar um pouco com ela a respeito de tudo isso, e existem também alguns… poucos amigos - ela disse isso com pesar, se lembrando de Beta, ela sentia tanto por perder a amizade que elas haviam construído até ali - mas, bem se eu falar das coisas boas, apenas, ela… ela vai estranhar com certeza, e bem… não é muito legal falar das coisas boas para quem não tem nada de bom em que se apegar lá, e não que Catie vá se incomodar com isso, não… - ela precisava formular isso melhor - bem Catie ela não é assim sabe, ela é incrível na verdade, ela foi e é minha melhor amiga, embora ela seja mais velha, o que torna as coisas um pouco estranhas, mas ela sempre esteve lá pra mim, sempre - Shara não queria chorar outra vez, era melhor mudar a abordagem - a vida dela é difícil e um tanto quanto miserável, penso que seria uma total falta de empatia da minha parte escrever sobre o quanto eu me sinto feliz ou o quanto tudo aqui é maravilhoso, não que eu me sinta assim é claro - ela fez uma observação - quando na verdade ela não tem nada, eu não quero que ela se sinta ainda pior de como ela já se sente - era isso, ela não sabia o que fazer na realidade - eu sinto tanto a falta dela - Shara disse com sinceridade - eu vou cuidar dela um dia, talvez fazer alguma justiça - havia um lado dela que queria e desejava o pior para aquele monstro, quem sabe um dia - então eu simplesmente decidi não escrever, por que, bem, eu não sei o que fazer - ela disse por fim, o olhando, ele parecia tirar algo pequeno de dentro do bolso de suas vestes, e com um feitiço ele fez aquilo aumentar, ao seu tamanho original, Shara reconheceu aquele embrulho imediatamente.

—Acredito - ele disse a encarando - que ela também sinta a sua falta - ele colocou o embrulho sobre a mesa, aquilo não era possível… era o mesmo papel… exatamente o mesmo, ela gesticulou negativamente, levantando da cadeira, como ele havia conseguido aquilo? Ela recuou, dando um passo para trás.

—Como? - ela sussurrou, era inevitável não lembrar, aquilo lhe traziam péssimas lembranças, as piores, ela deu mais um passo para trás, era disso que ela fugia, era por isso também que ela não escrevia…

—É seu - ele disse sem tirar os olhos dela - entendo que seja difícil - ele a encarou - mas penso que essa seja uma boa oportunidade para ressignificar algumas coisas ruins que aconteceram no seu passado - ele disse, como ele poderia saber sobre aquilo? Era inevitável não chorar ali, e aquele não era um choro qualquer, ela notou que ele havia colocado uma caixa de lenços de papel sobre a mesa também, era bom ela se lembrar de usá-los.

—Eu não… não consigo - ela deu mais um passo para trás - eu, eu… não posso - ela fechou os olhos, ela podia sentir a chuva, no seu rosto, o frio, o medo e o caderno se dissolvendo em suas mãos.

—Talvez ainda não sozinha - ela ouviu ele dizer - talvez nesse momento possamos fazer isso juntos - ela abriu os olhos, notando que ele havia pego o embrulho sobre a mesa e estava se aproximando dela - Noah, ele não está aqui Shara - o professor disse para ela e ouvir aquilo foi um choque, era verdade - você mencionou algum senso de justiça, não é mesmo? - ele completou - eu posso ajudar com isso - ele disse a analisando - mas pra isso, escute com atenção - ele estava suficientemente perto agora - você precisa parar de dar voz aos medos do seu passado, ao se esquivar, eles ganham cada vez mais força e é assim que eles se tornam o seu bicho papão - sim, Noah, ele era um monstro e ele era o seu bicho papão, e o professor Snape havia visto aquilo, já nos primeiros dias dela naquela escola - dê um pequeno passo, ressignificando esses traumas, é assim que você vence os medos e é assim que ele perde forças - o professor explicou - preparada para tentar? - ele estendeu o pacote na sua frente, tudo que ela mais desejava nesse mundo era que Noah perdesse, que ela pudesse enfrentá-lo um dia, ela pegou o presente, sentindo as lágrimas descerem pelo seu rosto enquanto o abria com bastante cuidado, não era um caderno… havia uma carta escrita a mão, mas havia uma fita, uma fita de músicas, Catie havia gravado as músicas que ela mais gostava ali, as músicas que Shara amava cantar, era um repertório completo, já a capa da fita, era uma colagem, com a última foto delas, naquele festival da canção, Shara levou o presente sobre o peito, não havia chuva, não havia Noah, ela havia vencido, um pequeno passo, mas ela havia conseguido.

—Como? - ela pediu de novo, enquanto pegava um lenço de papel da caixa, ele gesticulou positivamente aprovando aquele comportamento.

—Digamos que eu tenha feito uma visitinha especial ao seu antigo diretor - ele informou, era inevitável, ela o encarou incrédula, ele havia feito o quê? - Ontem à noite, nada muito demorado é claro, mas o suficiente, embora não tenha sido uma visita muito casual - ele disse com frieza e ela engoliu em seco, ela sabia o que aquilo significava.

—Senso de justiça - ela sussurrou para ele.

—Sim - ele respondeu a encarando - prefiro que use esse termo.

—O senhor… o machucou? - ela pediu, ela precisava saber, não necessariamente dos detalhes de como havia sido e obviamente ele não falaria algo assim para ela, mas ela precisava muito saber, ele estava sério, ela sabia a resposta daquilo - muito?

—Sim.

—Ele sentiu dor?

—Sim.

—Foi humilhante?

—Sim.

—Ele sentiu medo?

—Digamos que ele sentirá medo todas as noites a perder de vista - o professor disse dando um pouco mais de informação ainda sem qualquer alteração na expressão facial.

—Mancha também estava lá?

—Sim.

Shara fechou os olhos, por mais cruel que fosse, por mais sádico que pudesse parecer, era exatamente assim que ela imaginava se vingar dele um dia, já que era assim que ele agia, era assim que ele havia feito com ela, com Catie e com tantas outras meninas, ele as fazia sentir medo todas as noites por tantos anos, ele as humilhava diariamente e as agredia por tão pouco e as fazia sentir dor tanto físico como emocionalmente, aquilo era simplesmente perfeito, não ela não desejava a morte dele, mas ela desejava aquilo.

—Perfeito - ela respondeu entre as lágrimas, aquelas eram outras lágrimas era libertador, ela deixou escapar um pequeno sorriso, ela abriu os olhos, ele ainda a encarava, ela não conseguia ler aquilo - obrigada - ela disse rouca, e sem pensar duas vezes, ela se jogou em seus braços, mais uma vez, aquilo estava mesmo se tornando um hábito entre eles e dessa vez ele parecia estar preparado para aquilo, já que ele mesmo a envolveu nos seus braços instantaneamente - ele vai lembrar do dia do meu aniversário todos os anos - ela disse, com um certo prazer.

—Foi premeditado - ele respondeu.

—Foi perfeito, isso ressignifica muita coisa com certeza - ela o abraçou com ainda mais força, enquanto deixava escapar um bocejo.

—Certo… - ele disse depois de um tempo - penso que seja do seu conhecimento que um sonserino, ele não faz nada sem premeditar algo em troca - ele disse com ironia, ela o soltou o encarando, óbvio, ela pensou, ela estava muito mais leve agora, como se o peso de anos tivesse sido removido de suas costas.

—Faço qualquer coisa - ela disse, era incrível como ela podia se sentir muito melhor - qualquer coisa - ela repetiu com um sorriso.

—Interessante - ele disse parecendo pensar em algo - se eu soubesse disso, teria antecipado essa visita, teríamos evitado muita coisa - ele disse a provocando.

—Não… eu gosto de como foi, a data e tudo mais - ela podia sorrir por dias com aquilo - honestamente foi perfeito professor.

—Shara - ele chamou, sério - eu quero que responda a carta da sua amiga - ele pediu - e quero que pare de se animar com tortura, isso é sádico e completamente inapropriado para a sua idade - ele estava ainda mais sério.

—Sim, eu posso fazer isso, eu vou responder… - ela pegou a carta dela que estava no embrulho, puxando a cadeira, mas não se animar com o que havia acontecido a Noah era algo que ela não podia prometer.

—Não - ele interrompeu - não agora, já está bem tarde, acredito que para quem tenha esperado até aqui, poderá esperar algumas horas a mais - ela bocejou novamente, sim fazia algum sentido.

—É claro - ela disse sem graça enquanto se levantava - professor… - ela parou - por que ao finalizar com o diretor mais cedo, o senhor não me acordou para que eu voltasse à sala comunal?- ela pediu curiosa.

—O diretor achou por bem manter as coisas assim - ele parecia um tanto quanto desconfortável com aquela pergunta, mas se era uma ordem do diretor… enfim, ela também não iria discutir aquilo, ela assentiu.

—A voz - ela disse se encolhendo um pouco - e se a voz voltar? - ela perguntou se lembrando da razão pela qual eles estavam acordados naquele horário.

—Use a moeda - ele disse sério - escute me é para isso que lhe dei moeda - ele explicou - aqui, ou em qualquer outro lugar, momento, caso venha a escutar a voz novamente, terá que prometer que irá me acionará imediatamente, preciso que se lembre disso, é importante - ele pediu, sim havia algo mais ali, algo que o preocupava de verdade.

—Sim senhor, eu farei… prometo - ela disse, encostando na moeda que estava no seu bolso, ele assentiu, ela podia ter usado a moeda antes, ao invés de ter invadido o quarto dele daquela forma, às vezes ela era realmente bastante estúpida, mas e se ele estivesse mesmo morto?... Mas ele não estava - obrigada professor - ela agradeceu mais uma vez, enquanto se preparava para se deitar - o senhor não disse o que quer que eu faça? - ela pediu enquanto se cobria, ela o notou arquear a sobrancelha - em troca pelo que fez com Noah ontem a noite - ela explicou.

—Posso ver que a essa altura a ausência do sono esteja começando a comprometer o seu raciocínio mental - ele respondeu com sarcasmo - eu já disse, quero que responda a carta da sua amiga - ele repetiu aborrecido - agora vá dormir - ele mandou, então era realmente só isso? Ele estava sendo tão bom para ela ultimamente, algo havia mudado… o que ocasionou essa mudança? Shara se deitou… ela ouviu a porta do quarto dele fechar.

Por que ele estava agindo assim? Por que ele se importava tanto com ela? Então ele havia ido até o lar, feito o que fez, senso de justiça, e isso por causa dela? Mas por que?

Na verdade, seu raciocínio, ele não estava em nada prejudicado, ela sabia que havia algo por trás daquelas ações, era mais que evidente que ele não faria nada assim, por nenhum outro aluno ali, não que ela se achasse exclusiva ou algo do tipo, mas até ela podia ver aquilo, desde que acordou do seu sono de tantos dias, desde que a voz dele a despertou daquilo, algo havia mudado... ela sabia que o fato dela ter tentado se machucar daquela maneira, fazia com que as pessoas a olhassem de forma diferente, será que era aquilo? mas ainda assim era diferente, no geral todos sentiam pena e não era o que ele estava fazendo ali, havia algo a mais... talvez algo que tenha acontecido na floresta?  Enfim, ela não sabia explicar aquilo, não ainda... mas a começar pela moeda, quem mais daria algo assim?

Shara só estava cansada demais no momento, para formular qualquer coisa que fizesse algum sentido… mas ela faria, ela iria descobrir a verdade, ela estava determinada e essa seria sua próxima grande empreitada, ela fechou os olhos completamente feliz, como era bom aquele senso de justiça e então ela dormiu.


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Notas finais do capítulo

Esse é um dos meus capítulos preferidos (aham eu tenho alguns haha)
Shara dormindo nos aposentos do professor Snape... e acordar ouvindo a voz da besta, vulgo Basilisco e entrando no quarto do professor Snape daquela forma (eu não sei se faria diferente) até acho que não teria esperado tanto assim, e se ele tivesse deitado dormindo... ele podia ser o Papa mas eu teria me tacado em cima dele, e me enfiado em baixo das cobertas hahahaha

Shara e as coisas estranhas que acontecem com ela, só com ela (quer dizer, o basilisco não é exclusividade dela aqui, sabemos que nesse quesito ela será a coadjuvante) mas ainda assim é ruim.

Snape contando que foi fazer uma visita ao Noah... sério, minha melhor parte, e ela se sentindo vingada. Amei escrever essa parte :)

Agora, impossível não notar a mudança dele... ela notou e ela vai atrás e sabemos o quanto ela é determinada em encontrar respostas... pois bem, acho que estou sentindo um certo frio na barriga a partir daqui...

Obrigada por acompanharem :)



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