A principal característica de Lee Felix era a cautela. Ele não se arriscava e não agia por impulso. Embora pudesse aparentar descontração e despreocupação, cada passo que dava era cuidadosamente calculado após uma análise minuciosa da situação e, principalmente, do ambiente. Ao precisar de alguém para investigar a casa abandonada, ele não tomaria essa decisão, tampouco permitiria que seu novo parceiro do crime o fizesse. Era necessária uma isca, alguém facilmente manipulável, e Felix encontrou exatamente o que buscava.

Enquanto Changbin partia em busca de suprimentos, Felix selecionava sua cobaia. Com um sorriso amistoso, aproximou-se do homem engomadinho, que estava visivelmente tenso. Era evidente que aquele ambiente não era adequado para ele, ao contrário de Felix, que crescera entre criminosos dos piores tipos. Para ele, aquele lugar violento era como um playground, uma área de recreação, mesmo que a humanidade mostrasse seu pior lado em tempos de calamidade.

Bang Chan, sem perceber, deixou-se desarmar de suas defesas ao ver o rapaz de sorriso simpático e aparência angelical se aproximando. Ele parecia um anjo em meio ao inferno.

— Você me parece perdido — Disse Felix — Quer dizer, acho que todos nós estamos perdidos, não é mesmo? Aliás, meu nome é Felix, eu era um contador antes de tudo isso começar. 

Felix estendeu a mão para cumprimentá-lo. A princípio, Bang Chan ficou um pouco apreensivo, mas o sorriso de Felix era tão doce e contagiante que ele sentia uma certa segurança naquelas expressões calorosas. Chan recordou-se de Felix, lembrando do dia em que aquele rapaz delicado enfrentou corajosamente um homem idiota que ameaçava a moça do caixa do pequeno mercadinho. Ao menos era alguém conhecido e, pelo visto, uma boa pessoa.

Um pouco tímido, Chan retribuiu o cumprimento. Felix tinha uma mão pequena e quente; Bang Chan podia jurar que sentiu um choque quando suas mãos se tocaram, então ele rapidamente retirou a mão. Felix sorriu sutilmente, especulando se aquele homem seria um "virjão" reprimido. Uma oportunidade perfeita se apresentava.

— M-meu nome é B-bang Chan — Gaguejou — E-eu eu era professor de história. 

Felix se aproximou e tocou o peito de Chan suavemente. 

— Professor? Que interessante, um homem inteligente e bonito. Não se vê isso todos os dias — Felix mordeu os lábios ao notar que Bang Chan olhava fixamente para sua boca — Então, Professor Channie, eu encontrei um abrigo mas… sabe… eu não sou muito forte fisicamente e preciso muito da ajuda de um homem corajoso e forte. A verdade é que eu estou com tanto medo — Felix deu um check mate com sua voz doce, queria passar uma impressão de vulnerabilidade, homens adoram isso, e junto com sua mão sutilmente passeando pelo peito de Chan que nunca tivera contato físico dessa forma antes, era a mistura perfeita para conseguir o que queria. 

— Eu posso te ajudar! — Chan se prontificou, de repente se sentindo muito valente com aquelas palavras de Felix — Mas preciso chamar o meu amigo. 

Felix escondeu seu desapontamento, olhou para Lee Know de longe, sabia que ele não era uma pessoa fácil de se manipular, teria que usar outra abordagem. 

— Tudo bem Professor Channie, diga a ele que precisamos de um lugar seguro para passar a noite e que eu posso ajudá-lo em sua busca. 

Chan abraçou a ideia de Felix porque queria sair dali o mais rápido possível; realmente, não se sentia bem naquele lugar sem lei. Enquanto ele foi conversar com Lee Know, Felix ficou observando de longe. Então, algo lhe chamou a atenção. Seu amigo Changbin estava vindo ao seu encontro, mas ele trazia consigo um rapaz desacordado em seu colo. Isso não era o combinado.

— Mas que porra é essa, Changbin? Eu falei pra você trazer mantimentos e você me traz um garoto? A gente vai comer ele? Num sentido literal? Desculpa, canibalismo já é demais pra mim.

— Não, seu idiota, eu trouxe os mantimentos e remédios, estão na mochila. Encontrei esse rapaz amarrado no porta malas, eu não podia deixá-lo lá. 

— Daí você trouxe ele no colo? Gênio, isso porque não queremos chamar a atenção. Vai fazer o que com ele depois? Namorar, casar, ter filhos e alugar uma casa de praia para viagem em família de fim de ano? 

— Felix, eu só tô ajudando ele ok? Para com isso. 

— Não sei quem ele é, e se ele for perigoso? 

— Perigoso? — Changbin olhou para Seungmin que dormia tranquilamente em seu colo, sua expressão não era nada perigosa, pelo contrário, seu óculos redondo, o aparelho dentário que usava e seus cabelos castanhos o deixavam com uma aparência meiga e gentil, ele parecia vulnerável e delicado como um boneco de porcelana. 

— Changbin! — Felix estalou o dedo — Acorda! Sério que você tá comprando essa de garoto indefeso e pobrezinho que precisa de um príncipe encantado para salvá-lo? Eu uso essa técnica há anos. 

— Nem todo mundo é uma serpente que nem você, Felix Caninana. Ele só precisa de ajuda, quando acordar decidimos o que fazer.

— Que seja, ele é sua responsabilidade agora. Enfim, já consegui um idiota pra conferir a casa pra nós, ele tá conversando com o amigo — Felix apontou com a cabeça para Chan e Lee Know. 

Um pouco contrariado, Lee Know veio junto de Chan, sua expressão fechada e sobrancelhas arqueadas não escondiam suas desconfianças.

— Lee Know esse é Felix, Felix esse é meu amigo Lee Know, nós conversamos e decidimos ir com você para a casa abandonada, precisamos de um lugar seguro pra passar a noite — Chan e Lee Know olharam desconfiados para o garoto dormindo no colo de Changbin. 

— Perfeito. Bin esse é o Bang Chan, Chan esse é meu amigo Changbin e o… namorado dele, sabe como é, ele bebeu demais. 

Chan balançou a cabeça compreendendo, e Lee Know continuou com sua expressão fechada, sem comprar nenhuma palavra de Felix. Depois das apresentações, eles seguiram rumo à casa abandonada. Changbin agora carregava o desacordado Seungmin em suas costas, enquanto Bang Chan carregava a mochila pesada a pedido de Felix.

Ao chegarem na casa, Lee Know olhou desconfiado. As janelas estavam pregadas com madeira, a grama no jardim estava alta e cheia de ervas daninhas, e as paredes brancas estavam cobertas de pichações com dizeres de ódio às máquinas. Parecia ter sido uma mansão antes daquilo começar, mas agora era apenas um lugar sem vida e abandonado.

— Professor Channie — Felix fez a sua voz mais doce —, você e seu amigo podem entrar e verificar se está tudo ok lá dentro? Por favor?

— Ah sim, claro — Chan concordou prontamente com um sorriso idiota que fez Lee Know revirar os olhos. 

— Negativo! — Lee Know segurou o ombro de Chan — Se o Chan for, um de vocês vai com ele e o outro fica comigo. Você — Lee Know apontou para Felix — Raposa astuta, você vai com meu amigo e eu fico com o bombadinho e a bela adormecida aqui. 

Felix tentou não desfazer seu sorriso doce. Lee Know não caía nas suas técnicas de sedução, e ele imaginou que isso se devia ao anel enorme e brilhante do dedo anelar de sua mão direita. Ele era noivo, e pela forma como procurava desesperadamente pelo rapaz da foto, imaginou que ele o amava muito. Era perda de tempo tentar seduzi-lo.

— Sem problemas — Felix sorriu gentilmente mas por dentro querendo dar um soco na cara de Lee Know, odiava se arriscar e temia que o local não estivesse seguro, o objetivo era fazê-los entrar lá e limpar a área para ele e Changbin entrarem em segurança —, adoro a companhia do Professor Channie. 

Lee Know cerrou os olhos sem dar crédito algum para Felix. Se dirigiu a Chan e tocou seu ombro. 

— Quer que eu vá com ele? 

— Não! Quer dizer, não… pode deixar que eu vou — Chan endireitou as costas para parecer mais convicto. 

— Ok ok… verifique se é seguro, se precisar grite, eu estarei aqui e… tome cuidado com esse aí, nós não conhecemos eles. 

— Pode deixar, estarei atento e vigilante.

Depois de Chan e Felix vasculharem a casa para confirmar se era segura, finalmente puderam entrar mais aliviados, buscando um breve descanso naquela noite longe da aflição de estar em alerta o tempo todo numa cidade em desordem. Não podiam chamar a atenção, e a ideia que Changbin cogitou de acender a lareira foi logo negada por Lee Know e Felix em uníssono. A noite estava fria, mas precisavam aderir a outros meios para se aquecerem, utilizando cobertas, é claro. Pegaram alguns colchões, travesseiros e cobertores, arrumaram na sala e se deitaram. Lee Know suspirou pesadamente, desejando estar dormindo de conchinha com seu noivo, mas estava ali, tentando dormir entre Chan e a astuta raposa Felix.

Changbin estava preocupado, pois o rapaz ainda não tinha acordado. Vez ou outra, verificava se ele estava bem e respirando, notando que parecia apenas dormir pesadamente. Enrolou-o em uma coberta para que não pegasse frio e sentou-se ao seu lado; não pretendia dormir, era sua vez de ficar de vigia. Observou o rapaz com curiosidade, imaginando como seria seu nome, e começou a elaborar possíveis escolhas em sua mente.

Aproximou-se para examinar melhor seu rosto, aproveitando a luz da lua que entrava pelas frestas da janela pregada com madeira. No entanto, quando se aproximou, os olhos do rapaz se abriram, pegando Changbin de surpresa.

— Quem é você? — Perguntou Seungmin se afastando e olhando tudo em volta, os três que dormiam logo acordaram e o olharam com curiosidade — Quem são vocês? 

— Calma, nós não queremos te machucar — Changbin se levantou com cautela para não assustá-lo mais ainda — Eu te achei no porta malas de um carro, você estava amarrado então te soltei. Você desmaiou e eu te trouxe pra cá. Meu nome é Changbin, esses são Felix, Min Ho e Chan. Somos pessoas boas e não vamos te fazer mal. 

Seungmin observou todos ao seu redor, ainda incerto se eram, de fato, pessoas confiáveis, pelo menos haviam-no resgatado da ameaça dos fanáticos. Movido por seus instintos de sobrevivência, ele hesitava em confiar em estranhos, mas sem ter para onde ir, decidiu que precisava descobrir mais sobre aqueles homens, especialmente sobre quem era Changbin, o rapaz que havia lhe salvado.